Estranheza

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estranheza andrĂŠ arruda



Livro que reúne poesias e um texto de teatro, Estranheza foi lançado no ano de 2001 pela editora Lilivros e contou com as colaborações importantes de pessoas como Lilian Siqueira Selmo, Fátima Cristina Bertolini, criadora da capa e amiga querida e da professora Rosa Maria Mijas Beloto, autora do prefácio (melhor parte do livro), conforme trecho abaixo:

(...) A Poesia é... Não! Oleitor vai saber o que é Poesia, pois vai encontrá-la com plenitude nos versus de André Arruda. (...) Outras considerações sobre a poesia de André Arruda ficam por conta do leitor, pois, como dizia Plablo Neruda, ‘ “Poesia não se explica, se faz e se sente (como o amor): explicá-la é um passo para destruí-la” (...) Aproveitando a liberdade que caracteriza as obras literárias contemporâneas, André Arruda reúne, num mesmo livro, Poesia e Teatro e aproxima gêneros literários que no tempo de Aristóteles tinham elementos comuns e até se confundiam, mas que, no decorrer da História, foram distanciados tendo em vista os elementos que os diferenciavam. André Arruda torna possível não só o reencontro da Poesia com o Teatro, mas também o encontro de Aristóteles com Gil Vicente, Ariano Suassuna, Moliére, Ionesco, Samuel Beckett, Qorpo Santo e, provavelmente, com outros dramaturgos que não estejam “visíveis” no momento.


só não seja indiferente pois é justamente a sua indiferença que torna a vida desinteressante sê, pois, bem vindo e boa viagem

Proêmio

ao entrar em contato com a poesia leia releia se preciso volte se revolte se emocione sorria ou chore grite xingue relaxe amasse rasgue beije abrace goze parabenize esbofeteie esculache ofenda comente não contente dê um tiro no poeta


estranheza

essa tua estranheza me preocupa se te fiz alguma coisa me desculpa se não fiz, mas isso ajuda tudo bem, me culpa este meu te ver assim fez nascer tristeza em mim deixa eu saber o que houve não oculta não vês meu desassossego? Me esculta se é dor de solidão querendo vem e me usa se o problema é tesão ah, então, abusa se não quer(es) mais minha atenção não apupa se não mais meu coração desocupa


é nato de um poeta desregrar-se da sociedade e dos princípios da gramática dasafiar a gravidade discordar da matemática e escandalizar certas damas de uma maneira simpática é próprio deste poeta trazer no peito sofrido por sentimentos fatais um coração corroído por este mundo voraz e a desfaçatez da dor da falta que você faz

poesia fabiana

é natural do poeta alguns rabiscos no bolso uma caneta na mão algum romance em esboço num canto do coração e alguma idéia contida de alguma revolução


destino

se o meu destino quisesse teria nascido-me rei por razões que desconheço me fez poeta, meu bem se os meus sonhos quisessem dariam-me asas também por razões queme esqueço viajo ainda de trem se o amor bem quisesse teria me dado um harém por razões que agradeço me deu você, mais ninguém


a Poesia é revoltada! a Revolta é amorosa! o Amor é político! e a Política, é poética? a Poesia é amorosa! a Revolta é política! o Amor é poético! e a Política é revoltada? a Poesia é poética! a Revolta é revoltada! o Amor é amoroso! e a Política, é política? poesiartística (?) revoltantálica (?) amorgasmático (?) politicanalha!!!

A poesia, a revolta, o amor e a política

a Poesia é política! a Revolta é poética! o Amor é revoltado! e a Política, é amorosa?


o homem

o Homem é um animal poético profético por vocação sua razão contradiz a das ruas suas ações contra luz dos sonhos simples/mente toda a realidade do que é razão inovador das cidades caçador de novidades reformador da emoção o Homem é um animal político um crítico de plantão (com seu cinismo arquetípico) pilantra por votação discursador caótico democrático ilógico místico materialista artista sem criação um cético convícto absurdo da nação o Homem é um animal romântico “um anticomputador sentimental” infante na alquimia razão versus coração amante com maestria palhaço por opção


e a crítica ofendeu a poesia que ironia não soube ouvir o bom conselho do baiano ledo engano a poesia não acorda a quem os predicados se encaixam bem no que nos diz o ensinamento Zen

zen palavras

“nunca mostres o teu poema a um não poeta” (ditado Zen)


22 de agosto (aos seus olhos)

esses seus olhos olhos de tanto olhar falam de verdades das quais não sei mas quero / preciso crer lágrimas de alegrias luzes que lembram saudades idades ainda por vir faz de conta que nos conhecemos hoje e cada dia será sempre hoje é a magia do primeiro encontro que encontro sempre quando avisto esses seus olhos quero pois eternamente viver só mais este momento até que, um dia (que fatalmente também será um hoje) quando esses olhos de tanto olhar me virem chegando voltando das lutas da vida querida não fala nada se quiser me abraça mas não fala olha!!! faz de conta que nos conhecemos hoje


despudoradamente e sem nenhum critério um mínimo cuidado ou mistério e inescrupulosamente invadindo nossas vidas como uma aberração que se nos aprofunda eis que surge de forma incabida a impávida nação do “povo bubda” definitivamente este não é um país sério

ê, povinho!!!...

desfralda à nossa frente desvairada bandeira de uma vergonha e inocência em muito destruídas


deus

eu creio tu crês ele crê nós cremos vós credes eles crêem ótimo só falta agora descobrir e fazer algo para que Ele também possa ainda crer em nós


outras lembras de voltar às vezes voltas às vezes não tens motivos para chorar e não o contrário outras tens bons motivos para não chorar e então choras

pra disfarçar tua solidão

às vezes passeias o olhar pela cidade e não o contrário


revolução

desafasta-me de ti desabandona-me tira de mim tua desatenção rebeija-me mais uma pela primeira vez desapaga de uma vez essa paixão


nada é tão sério que não possa desde que se queira não ser ouvido quando não tiver o que fazer não faça nada nada é tão de brincadeira que merece desde que se queira ser melhor pensado

o tao do nada

quando não tiver o que dizer não diga nada


poeminha estratégico

estepe que noe camu fla dopo e minha é sopra te di zerque tea do rotá ? Uma br aço !


esta minha poesia não te serve mas serve pra afagar meu servo coração esta minha poesia não te exalta pois nela falta alguma coisa de sublimação esta minha poesia vazia de sentimentos nada te acrescenta apenas tenta e bem sei em vão chamar um pouco da tua atenção

pra chamar tua atenção

esta minha poesia não te cabe sabe inda te acho uma quase ilusão


lira para uma deusa

porque deixaste em minha vida não mais que o desejo venho, inda que inutilmente implorar perdão perdão pelos carinhos que não nos fizemos perdão, por tantas vezes que disseste não por tantas vezes que te vi passar na rua e te conicei olhando-te da minha janela perdoa a vezes que te imaginava nua quando beijava outra pensando seres ela perdoa as noites que sonhei contigo e, ao acordar correr, desperado, pro banheiro por ter roubado teu perfume favorito na esperança vã de apossar teu cheiro perdoa, enfim este lirismo deplorável de um admirador canhestro, mas, eterno apaixonado jamais pensei virasses “deusa intocável” e eu poeta, louco e desgraçado


tem choro que parece risada tem zaga que parece um trator tem fome e frio na sua calçada tem beijo que não vem do amor têm guerras entre homens de espírito por santo de pedra-sabão notícias de um Brasil proibido resquícios de uma torpe visão tem sonho que parece verdade maldade que parece um favor humor que é pura fatalidade em noites de sincero terror tem vida boa em cada novela e favela onde a vida é real tem cemitério disfarçado de estrada espada de um destino letal têm fezes parecendo esculturas culturas que, pra nós, sem razão desejo que não sai da moldura libido aguçada em vão canção de dor na hora do parto pecados que se tornam paixão suspeito de alguém no meu quarto têm moças que me dizem que não têm coisas que nos dizem respeito têm coisas que nos dizem que não

notícias de um Brasil proibido

têm coisas que nos dizem respeito suspeito de alguém no quintal têm coisas que parecem com gente tem gente que não lê um jornal tem gente que não lê poesia tem dia que amanhece sem sol soldado armado de covardia tem peixe que conhece o anzol


o meu mundo

“o mundo é pequeno pra caramba!” (André Abujamra)

o meu ódio é caridade a maldade é minha carícia minha fé, pura malícia e o pecado é minha vaidade a verdade é o que invento o momento, o que escolho minha calma é o meu tormento e a loucura, meu consolo o meu coração é de pedra e medra meu ceticismo revolta é meu catecismo ao abismo!, É minha regra o meu mundo é bem maior que seu bem mas é pequeno também


19 de junho (uma epopéia)

uma pedra, um brilhante um anel, diamante um perfume, um colar um cocar, uma pena uma saia pequena uma sala, um cinema uma cena de beijo em um filme de amor meu amor uma flor um bombom de licor um chaveiro um chuveiro e um banho de cheiro um sabor de janeiro e do ano inteiro meu desejo maior muitos versos que fiz uma lousa, um giz uma noite de estréia um lugar na platéia um milhão de idéias e canções infantis uma infância sadia mocidade vadia adultices, manias e velhice em paz uma carta, um cartaz uma bossa e um jazz dedilhado na lira uma festa caipira e um frango que vira com salada, com pão e farofa demais um blusão, uma calça e um sonho de valsa um passeio de balsa pelo rio juqueri um caju, um caqui e o “gato que ri”


Um suplício, um terço um sermão, um incenso um cristal e um lenço ou vestido indiano um feliz fim de ano férias e carnaval um aval (preto ou branco) pleno, em qualquer banco e também um tamanco ou cd do Lenine uma canga, um biquini uma meia bem fina um sorvete na esquina um negóio da China e outro do Paraguai um oxente um uai um alô, um bye-bye e até uma canção ou um tema pra montar um poema e ainda um artigo contando um sonho que tive contigo mais um conto de fada e aquela piada publicada no Estado uma roupa de mago livro do Saramago um carinho, um afago uma ajuda, uma mão toda minha atenção um abraço e um fora um segundo uma hora um joguinho de bola no quintal do vizinho um cavalo marinho vinho e coca-cola onze anos de escola cinco de faculdade alguns outros de idade e outros mais que virão

um desenho a carvão uma foto, um cartão uma tela, um pincel aquarela, pastel uma vela e um vel um anjinho do céu uma pinga com mel ou limão, ou conhaque um embarque de anos pelos três oceanos um pedaço de pano pra teceres um leque uma fita, um deck com um samba de breque violão e banquinho ou, então, um piano um mistério, um arcano e papel e caneta astrolábio e luneta e bilhões de estrelas jogos e brincadeiras amizade e enganos um painel suburbano de um artista baiano feito na paulicéia mais o verso que errei esqueci e tranquei com meus sonhos e danos na gaveta da idéia pouco mais de um ano


“... uma semana do trabalho de Deus.” Gilberto Gil

a raça humana

desde sempre projetamo-nos felizes e sonhamos: alguns de nós idealizamo-nos artistas outros, doutores muitos quisemo-nos senhores outros, somente viver uns, exatos outros, humanos alguns pretendemo-nos metrópoles a imensa maioria, campos mauitas vezes, sonhamo-nos os outros outros, ambicionamos o muito nu momento, aceitamos crer na realidade das coisas noutros, decidimos por criá-la desejamo-nos amar uns aos outros e, alguns poucos, a outros mais quando então, enfim, nascemos desconhecemo-nos às nossas próprias imagens e semelhanças pois, na verdade, somos, no íntimo, todos iguais em suma: apenas somos o que sobrou de tudo aquilo que não conseguimos ser


aos mil poetas brasileiros

mil poetas brasileiros sabem do amor sabem da dor sabem da solidão são mil poetas brasileiros e todos e cada um sabe da solidão mil poetas brasileiros sabem da vida sabem dos sonhos e dos que jamais se realizarão mas sonham juntos em separados sabendo que seus sonhos mais que sonhos sempre serão


o (meu) coração dispensa

cabeça-coração

quando a cabeça não pensa


aos sem juízo

quem não tem juízo faz poesias quem tem que leia


viver é lutar é sorrir e é chorar é sofrer e ainda sim amar viver é também saber morrer

breve ensaio sobre o viver

viver é tecer espaço e tempo é construir é partilhar o escasso alimento evoluir é reabrir janelas e sorrisos iluminar olhares imprecisos dar luz à vida de um novo ser é ter a alma ao universo aberta saber que tudo vem na hora certa mas não esperar e não ter pressa é trabalhar


poesia descartável

estou minado estou devendo estou querendo ouvindo e vendo estou sem sono e estou sozinho estou te lendo me descobrindo apaixonado e desarmado estou me abrindo e aderindo ao teu invento estou ao vento ao léu ao tempo estou em tempo de filosofar estou ao mar em páscoa em paz um passo atrás no paraíso inferno e céu estou e insisto pra Jesabel pra Jesus Cristo estou logo, existo


a lavra a construção a luta a servidão ... a poesia se faz de batalhas o parto a fé a vida a paixão ... a poesoa se faz de riscos a luz o vento o sol a combustão a energia nuclear ... a poesia se faz de poesia

o fazer da poesia

o sonho a intuição o projeto a perseverança ... a poesia se faz de caminhos


moto-contínuo

quando falam mal de mim eu sou a poesia quando penso tu és a poesia quando amas ele(a) é a poesia nas idéias e revoltas nós somos a poesia quando saímos às ruas vós sois a poesia quando estendeis a mão aos semelhantes eles são a poesia quando falam mal de mim ... e é assim que a vida vai nos levando


doe poesia faz bem ao coração e não dói nada


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