ReVista Escola Especial - Nº1 - 2013

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escola especial

NÚMERO 01 │ANO 2013 │POA RS


editorial

A

escola é um local de produção de conhecimento para todos que nela vivem, compreendo que discutir, fazer, pesquisar, estudar educação é ser escola. Inventamos muito e registramos pouco, o tempo parece passar mais rápido do que desejamos e falta para dar conta de tudo. O que realizamos, por vezes perde-se por este mesmo tempo visto que o ensino público sustenta-se nos investimentos de certas pessoas que se encontram em coletivos datados, seja pelos mandatos da Secretaria ou das direções, pela mudança do quadro de professores, por concepções de ensino que se alteram, por legislações ou pelo próprio passar da vida.

EXPEDIENTE Revista Eletrônica Educação Especial EDIÇÃO E ARTE: Anelise Barra Ferreira TEXTOS: Professores da EMEEF Prof. Elyseu Paglioli FOTOS: Arquivo dos professores da EMEEF Prof. Elyseu Paglioli FOTO DA CAPA: Anelise Barra Ferreira Número 1 Agosto/2013

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As novas mídias: os blogs, os sites de relacionamento, as imagens digitais tem facilitado esta “tarefa” de contar as nossas histórias, mas sentia falta de um registro que renuise escritos dos professores ou ainda que os motivasse a escrever sobre o seu trabalho. O convite, então, foi feito e aceito por profissionais que acreditam no que fazem e tem a generosidade de dividir as suas reflexões. Refiro-me aos educadores da Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Prof. Elyseu Paglioli, que no ano de 2013, completa 25 de existência e resistência na rede de ensino. Encontramos nesta série de três revistas ensaios, artigos, pesquisas, poesias, imagens, registros com diferentes enfoques, concepções teóricas, que afirmam o poder de criação da diversidade. Agradeço mais esta parceria, Prof. Anelise Barra Ferreira


Índice 04 - Incluíndo

Rejane Guariglia da Silva

06 - Escola de verdade?

Anelise Barra Ferreira

11 - Ciclos de Formação Viviane Loss

13 - Rompendo silêncios

Marco Aurélio Ferraz

21 - Mães, filhos e a deficiência

Nelsi Maria Santini

Rita de Cássia Carvalho

31 - O Programa de Trabalho Educativo 43 - O deficiente mental no mundo do trabalho Kathia Magueta Trevisan

51- Dicas que fazem a diferença Viviane Loss

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Incluindo Rejane Guariglia da Silva

Psicopedagoga

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país está apoiado em leis, normas, declarações e resoluções que deixam claro a importância da inclusão escolar. Em uma sociedade avançada, provida de valores e informações sobre direitos, privilégios e deveres, surge à necessidade de se dialogar cada vez mais sobre a inclusão de portadores de necessidades especiais no contexto global de vida em sociedade e não só no atendimento escolar, como pregam as leis. As pessoas que prestam serviço e atendimento, que recebem e atendem pessoas portadoras de necessidades especiais ou não, devem atualizar seus conceitos e informações constantemente.

conferido, mas é proporcionar ao outro uma maneira de ser e viver conforme as suas condições, possibilidades atentando para que suas necessidades e ansiedades sejam atendidas. O processo ultrapassa os muros escolares. Nas ruas, por exemplo, há poucas rampas de acesso para cadeirantes, ônibus que não atendem as necessidades dos usuários especiais, entre outras coisas que deixam o atendimento desse cidadão, portador de necessidade especial, a desejar. Devem ser priorizadas as questões relacionadas não só ao contexto escolar, como a legislação propõe, mas também os atendimentos e prestação de serviços em todos os âmbitos e espaços da sociedade. Nesse sentido, a inclusão deve acontecer em todos os ambientes e com todos indistintamente, a escola é só mais um dos espaços.

Cada deficiência requer um tipo de atendimento e ao mesmo tempo todas requerem um atendimento único que é a aceitação. Dar oportunidade para todos significa respeitar as diferenças. Todos que recebem e lidam com esses É coletivamente que aprendemos, indivíduos, também fazem parte deste elaboramos, construímos valores, processo de inclusão. Tratar de incluir transformamos idéias. Incluir significa não é só fazer o trabalho que lhe é somar, ampliar as possibilidades de 4  ●  EDUCAÇÃO

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modo a atender todos, com necessidades especiais ou não, satisfatoriamente. Fazemos parte do processo de inclusão. Precisamos insuflar o debate e o questionamento da importância e participação de todos e de cada um no processo para uma efetiva inclusão. Necessitamos de uma sociedade disposta a conviver, relacionar-se e mudar valores. Urge uma revisão de conceitos onde a cooperação e solidariedade esteja mais presente no convívio social, onde todas as formas de discriminação sejam banidas, onde possamos encorajar cada um a tornar-se cada vez mais autônomo em relação ao meio, a interagir e resolver conflitos, ser independente, criar meios e modos que facilitem seu bem viver, desenvolver suas habilidades e possibilidades, exprimir suas idéias e conviver construtivamente.

A discussão sobre a inclusão dos portadores de necessidades especiais nos possibilita a reflexão sobre o que é ser diferente nesta sociedade tão plural e, qual a participação de cada um neste contexto. Qual a minha e qual a sua?

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Escola de verdade?

Anelise Barra Ferreira

Doutora em Educação anelisefe@gmail.com

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a sala de aula encontrei os meus alunos organizando as mesas e cadeiras, colocando-as uma atrás da outra, formando filas de frente para o quadro verde e dizendo, ou melhor, mostrando que esta era “uma aula de verdade”. Geralmente as cadeiras e mesas estão em outras posições, esta forma de Escola não é vivenciada por eles como o modelo “verdadeiro”, mas seus pais e irmãos estudam em classes “enfileiradas”, na televisão, modelos de Escola são veiculados desta forma e muitos de nós, professores, assim estudamos. Há uma história que constitui o imaginário cultural quanto ao lugar onde se ensina e aprende. Temos a compreensão de uma forma de Escola que determina tempos, espaços e maneiras de nos relacionarmos. Concebemos um modo de entender o que é escola (como se houvesse só um modelo possível) que indica como, o que e para quem ensinar. Desconhecemos que esta situação, aparentemente tão natural, é construída desta maneira, o que significa que poderíamos compor outras configurações (como acontece em alguns “lugares

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especiais” que não têm reconhecimento nesta tradição escolar). Esta concepção de escola naturalizada decorre de várias relações que concebem a noção de aluno como sujeito da “razão” - do “mundo das idéias”, parecendo ignorar a relação entre educação, cotidiano, cultura, pessoas; não reconhecendo a participação dos educandos nas práticas coletivas e individuais, as quais por sua vez são por eles constituídas. Considera uma forma de aluno padrão que senta na primeira fila em silêncio e copia do quadro a “matéria”. Centrada em uma suposta “razão”, parece demarcar a normalidade (e a anormalidade) pela via da consciência intelectual e moral. A racionalidade pertence aos que dominam a fala, que controlam seus sentidos, aos que têm a capacidade de bem integrar-se ao mundo da linguagem, instituído pelo grupo que freqüenta. Meus alunos ao “enfileirarem as cadeiras”, o que querem dizer? Talvez proponham múltiplas escolas onde os alunos participem ativamente, onde eles possam organizar a sua sala de aula e experimentar outros modos de


“ser aluno”, mesmo modos tidos como “tradicionais” de formatar a sala de aula. Podem ainda reafirmar a existência de escolas que ensinam, aprendem, vivenciam variadas linguagens constituindo práticas até então entendidas como não escolares e não verbais. Questiono como as cartilhas e os cadernos podem dividir espaço com os computadores, com o rádio, com os vídeos, com as câmeras fotográficas, com variadas formas de expressão que diversificam seus próprios contornos, suportes e gêneros. O que não significa abandonar o ensino do que chamamos de “conteúdos mais formais”, como a escrita, a matemática, mas ampliá-los, pois, o nosso tempo histórico convoca em nome dos alunos e do que vivemos. Podemos pensar em literatura e variadas formas de estabelecer relações. Proponho reconhecer que o modo de “aprendizagem formal” compõe-se com o informal, ao que temos contato em conjunto com os repertórios dos nossos contextos culturais, os quais tendem a direcionar o nosso olhar, independente de sua intenção explícita. Razão, neste sentido, incluiria sensação, vivência, corpo, relação, diversidade, diversão. Outras formas de estabelecer a maneira como há de ser pensada e vivida a experiência precisam ser reconhecidas (ou propostas), questionando os padrões naturalizados, reorganizando maneiras de se conhecer e se relacionar com o conhecimento que evidenciem a singularidade e a capacidade de ação dos alunos - o que considero fundamental no contexto da sala de aula (HERNÁNDEZ, 2007, p. 110). 7  ●  EDUCAÇÃO

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[...] uma educação para indivíduos em transição, que construam e participem de experiências vivenciadas de aprendizagem, pelas quais aprendam a resolver questões que possam dar sentido ao mundo [mutável] em que vivem nas suas relações com os outros e consigo (HERNÁNDEZ, 2007, p. 15).

Múltiplas formas de Escola são possíveis, onde as cadeiras e mesas instituam outras verdades. Poderíamos pensar em uma escola intitulada como especial onde as turmas teriam um número máximo de 12 alunos. Como estas seriam compostas? Ciclos de vida considerados por faixa etária (6-9 anos, 10-14 anos, 15-21 anos) seria uma opção possível. Uma média de cinco turmas organizadas pelas idades? Consideraria-se os interesses em comum dos alunos (o que sabem ou gostariam de saber), as possibilidades de realizar “trocas” com os colegas, o relacionamento com estes e com as professoras ou a necessidade de investimento em determinado campo de estudo? Estas questões circulam pelas discussões da Escola onde leciono – E.M.E.F. Prof. Elyseu Paglioli. Vivencia-se outra(s) forma(s) possível de ser escola. Uma forma inquieta por poder modificar a sua estrutura e relações de ensino e aprendizagem “mexendo nas suas cadeiras”, questionando o que é “normal”.

Os professores nesta Escola têm várias formações em: artes visuais, jogos dramáticos, fotografia, alfabetização, ciências, música, dança, horta, esportes, informática. Atividades das quais eles gostam e estudam, independente de seus 8  ●  EDUCAÇÃO

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concursos, influenciando na mobilidade da organização do ser escola e no seu prazer em ensinar. Diversidade de formas de acesso a diferentes informações e relações pertencentes ao coletivo, ao nosso cotidiano, ao campo das artes: literatura, fotografias, vídeo, música são atividades que interessam a muitos e estão “autorizadas à criação”. O que ensinar é outra discussão constante. Alfabetiza-se? Meu aluno ainda usa fraldas e pode tirá-las, por que ainda não o fez, qual a função da Escola? E o trabalho com os pais é parte da Escola? Como construir o prazer pela audição de histórias e pela leitura, pela compreensão dos desenhos das letras nas folhas dos mais variados materiais impressos. Folhear um livro é alfabetizar-se, e pode ser que esta aprendizagem seja possível e suficiente. São conteúdos da Escola, da nossa vida. Correr pelo pátio, ir sozinho ao banheiro, atirar-se em um monte de areia, sentar no balanço, desejar, neste sentido são conteúdos. Querer que os alunos aprendam, fomentar o desejo é parte do ensinar. Para cada aluno, delineiam-se objetivos a atingir dentro de um plano geral, que inclui os alunos intensamente na sua elaboração diária.

Mas o que os alunos gostariam de aprender?

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A fala de alguns dos meus alunos nos diz que pode ser: - Dançar, cantar, tomar café,;... escrever, copiar, desenhar, fazer um filme de terror, pode ser com pipoquinha; - Tá aqui – som, roda, Márcia (Professora de Educação Física), colégio, letra B,O, Bingo, dedo (fantoche); - Eu aprendo a fazer matemática. Ler e desenhar. Jogar bola e dançar; - Brincar. Eu gosto de matemática. Criança pequena. Dj – funk; - Dancing, Bebelê-computador (jogo), multimeios, dança; - Recreio. Bola. Informática. Que outras experiências podemos oferecer para eles? Educar envolve variadas relações intensas com o cotidiano, no qual a escola e nós estamos incluídos. Portanto faz parte do pedagógico a percepção complexa do mundo, do local onde se vive; das pessoas que passam por nós, dos centros comerciais, das livrarias, dos museus, dos programas de TV e rádio, das relações pessoais, dos cuidados consigo e com o outro, dos variados materiais escritos e visuais que nos envolvem. Assim, como a construção de metodologias de ensino, o estudo de como se processa o aprender nas suas mais variadas vertentes, solicitando o estudo constante e uma porção de ousadia dos professores. Compreende-se o professor como “um catalisador que cuida para que cada estudante esteja cada vez mais conectado, para que seja cada vez mais um participante ativo nessa relação que visa à aprendizagem”, sendo mais “um ‘DJ’ do que um diretor de orquestra”, compondo um “ato performativo”. (HERNÁNDEZ, 2007, p. 16) Ampliemos o sentido de escola compreendendo-a como contínuo fazer diário, que incorpora organicamente a dinâmica da vida e da produção simbólica contemporânea (nossa história). Histórias (músicas, ritmos) podem ser questionadas e modificadas, desprendidas de supostos dogmas que a regem, adequados à dinâmica das necessidades e propósitos de múltiplas formas de ser, incluindo diferentes propostas escolares, quem sabe considerando-as todas especiais - legítimas nas suas “verdades”.

REFERÊNCIA HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual. Porto Alegre: Mediação, 2007.

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Ciclos de Formação Viviane Loss

Diretora da EMEEF Prof Elyseu Paglioli

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ste pequeno relato visa revisitar os fundamentos principais da reestruturação curricular das Escolas Municipais de Porto Alegre. Em 1996, todas as escolas da Rede Municipal participaram do movimento de discussão de uma proposta de organização curricular apontado a partir de estudos de Vygotsky, Wallon e outros teóricos que se fundamentavam nas fases de desenvolvimento de vida e também no desenvolvimento social da mente. Esta proposta dita resumidamente são os Ciclos de Formação, hoje organizados em diversas formas, seguindo ciclos específicos que se moldam em diferentes realidades com um único fundamento nos municípios, nos estados a até mesmo na proposição do Ministério da Educação. Nesta época, as escolas especiais aproveitaram para participar das reflexões no conjunto da RME (Rede Municipal de Educação) questionando uma concepção assistencialista ao afirmar uma concepção eminentemente educacional voltada para a construção do conhecimento. Foram estruturados os ciclos de formação nas escolas especiais que partiam de um momento evolutivo específico da infância,

denominado primeiro ciclo que hoje, é organizado com crianças a partir de 6 anos de idade até 9 anos e 11meses. O segundo ciclo marca a educação infanto-juvenil e suas características dos 10 aos 14 anos e 11 meses. E no III ciclo é marcada a educação juvenil dos 15 aos 21 anos. A partir desta idade, conclui-se uma etapa de escolarização e de formação do desenvolvimento baseada nas diversas possibilidades curriculares, antecedendo a um novo lugar de organização social ou de trabalho, rompendo com uma concepção segregadora e assistencialista. Esta estruturação do currículo provocou novos espaços de inclusão social através da escolarização fundamentada pela vivência e realidade do aluno, articulada com o conhecimento historicamente acumulado. Foram fundamentadas por fontes diretrizes que nortearam a organização curricular: Filosófica: organiza os espaços e os tempos na escola acompanhando as características dos educandos em suas diferentes idades; Sociopsicopedagógica: conhecimento sócio-interacionista do desenvolvimento cognitivo que orienta as relações e 11  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


os processos de integração que possibilitam o processo de construção da aprendizagem. Para Vygostsky “o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimentos vários processos de desenvolvimento, que de outra forma, seriam impossíveis de acontecer” (1991, p.101). Epistemológica: conhecimento interdisciplinar construído através de conceitos que ajudam a pensar o fenômeno e organizar as aprendizagens e interações sociais. Segundo Rocha, “...através da formulação de conceitos vamos respondendo aos problemas concretos e construindo nossa autonomia durante nosso processo de desenvolvimento” ( 1996, p 96). Sócio-antropológica: que se baseia no conhecimento do contexto da realidade social e cultural, dos saberes e dos simbolismos representados pela comunidade escolar. Hoje, falamos em acessibilidade curricular que norteia o planejamento e ações da escola em um âmbito educacional, cultural, esportivo, do trabalho, social e tudo que: “provoca a percepção e a compreensão da realidade, explicita a visão de mundo em que se encontram todos os envolvidos em torno de um objeto de estudo e evidencia as relações existentes entre o fazer e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática” (ROCHA, 1994, p3). A escola especial de hoje, pode-se dizer, humildemente, fidedigna de ciclos de formação que leva em conta a inclusão do em todas suas possibilidades potenciais na diversidade social, de lazer e acima de tudo, educacional em seu maior âmbito:

é uma proposta sujeito educando cultural, laboral, a cidadania.

REFERÊNCIAS CARNEIRO, Maria Silvia Cardoso. A integração de Alunos Especiais na Rede Regular de Ensino- um olhar Vygostskyano:UFSC,s?d ( Texto mimeografado). ROCHA, Silvio. Novas Perspectivas Educacionais: caminhada coletiva de Reestruturação Curricular nas escolas Municipais de Porto Alegre, In: Silva, Luis Heron da.Reestruturação Curricular: Novos Mapas, Novas Perspectivas Educacionais. Porto Alegre. Sulina, 1996. SMED. Ciclos de Formação Proposta Político Pedagógica da Escola Cidadã. In Cadernos Pedagógicos n° 9. Porto Alegre. SMED. !996. SMED. Fazendo a Diferença In Cadernos Pedagógicos nº 20. Viviane Loss. Porto Alegre, 2000. VYGOSTYSKY, L. S. A formação social de m. São Paulo; Martins Fontes, 1991. 12  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


Rompendo silêncios:

alunos especiais narram histórias de inclusão Marco Aurélio Freire Ferraz

Doutorando em Educação

Nas discussões realizadas sobre o tema da inclusão temos verificado a participação de pais, professores, instituições públicas e privadas, sociedade civil, no entanto uma importante voz não está sendo ouvida. A voz de alunos, deficientes mentais envolvidos no processo. Um projeto de dissertação que pretende apresentar alternativas de que as vozes dos alunos sejam ouvidas e não silenciadas, pode trazer para Universidade, mais um canal de reflexão. Condição de possibilidade de estar inserindo as narrativas desses alunos em uma nova ordem do discurso. Hieronymus Bosch - c. 1490-1500

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Inspirado nas histórias de grandes travessias e na possibilidade de explorar um tema tão caro como é a trajetória dos alunos “ditos especiais” ou os “famosos alunos de inclusão”, investi na construção de uma Pesquisa de Mestrado que se materializou a partir da idéia de tornar possível uma escuta ao discurso de alunos com necessidades educativas especiais com ênfase na deficiência mental, alunos que iniciaram sua história escolar na educação especial, e nela permaneceram, alunos que tenham sido incluídos no ensino regular e aqueles que fracassaram nesse processo de inclusão e tenham retornado para escola especial e ainda aqueles que vieram do ensino regular . Costurada pela analogia ao mar e seus mistérios, naveguei no movimento de idas e vindas, sem um porto estável onde aportar.

A Nau dos Insensatos - Xilogravura alemã, 1549.

A Nau dos insensatos que inspirou a introdução da referida Pesquisa , é descrita por Michel Foucault em “A História da Loucura” (1961) e tem o mesmo sentido que as Naus dos loucos ou insensatos da Idade Média, “navios que carregavam insanos em busca da razão” um estranho barco que deslizava pelos rios e mares, levando uma carga insana, partia sem um rumo definido. Num mergulho rumo ao desconhecido. Os tripulantes embarcavam em uma viagem sem fim, flutuando num mar sem fim, sem bordas, sem ancoragem. Portanto sem um lugar definido para chegar. Os alunos das Escolas Especiais, diferente dos loucos da Idade Média, foram nomeados Portadores de Necessidades Educativas Especiais e estão sendo “convidados” a embarcarem em uma Nau, em sentido metafórico, para um lugar pré-determinado, a Escola Regular, e, como os insensatos do início da 14  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


modernidade, não escolheram partir nesta viagem, o convite para essa travessia foi feito por estranhos. Ao chegar neste novo lugar, a Escola Regular, talvez sejam recebidos como estrangeiros, pois seu jeito de comunicar- se e aprender, são distintos. Alguns deles com seus corpos marcados são mais diferentes que os diferentes daquele lugar. Na atual conjuntura o Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Especial, regulamenta o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, na rede regular de ensino, entre as capitais, Porto Alegre, talvez seja uma das poucas que ainda mantém escolas especiais na sua rede de atendimento escolar e exatamente por essa decisão é foco de questionamentos nos encontros nacionais, principalmente em Brasília. No contexto geral até então apresentado, destaco como um dos aspectos importantes a compreender é que nesse processo de discussão está-se assumindo o direito de decidir seja pela lei, pela norma ou outros dispositivos, a vida escolar de milhares de alunos que podem de alguma forma, falar, desde que sejam construídas as oportunidades para tal. Com os estudos que venho realizando tenho observado que o movimento dos alunos com deficiência mental/intelectual , entre os fenômenos da inclusão e exclusão na Escola Regular e/ou na Escola Especial, tem tido visibilidade atualmente. Muito mais do que antes, é notório o aumento da clientela tanto na escola especial quanto na escola regular e observando dados da vida escolar dos alunos que participaram da Pesquisa, percebi que sua vida escolar é repleta de momentos onde os fracassos aparecem em destaque, obscurecendo de alguma forma as pequenas conquistas acontecidas. Por fazer parte como professor deste universo que tenho analisado, considero fundamental explicitar as trajetórias pelas quais tem passado a Educação Especial e destacar suas crises na perspectiva de compreender as especificidades com as quais nos deparamos no ato de educar, como na atual conjuntura em que os educadores especiais mobilizam-se para discutir o futuro da escola especial, diante da concretização de algumas ações do Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Especial. Considero relevante continuar divulgando o trabalho que desenvolvi em três escolas: uma escola especial, uma escola regular com um processo de discussão quanto à inclusão de alunos com Necessidades Educativas Especiais bastante avançado e com um número considerável de alunos já incluídos e uma escola onde funciona uma Sala de Integração e Recursos que trabalha com grupo de alunos de diferentes escolas da Rede Municipal de Ensino. O trabalho foi desenvolvido com grupos de alunos com os quais promovi grupos de discussão, com entrevistas semiestruturadas, tomando o cuidado para 15  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


que todos tivessem oportunidade de se colocar e que os alunos estivessem mobilizados a participar. Não pretendo apresentar novas verdades, pois acredito que elas não existam centralizadas em um ou outro ponto de uma travessia, mas refletir sobre novas perspectivas que os Estudos Culturais permitem para tratar um tema tão importante como é a inclusão, vista no estudo sob a ótica dos próprios alunos. Contribuindo para problematizar idéias tidas como verdades. Na lógica de uma reflexão atual sobre a sociedade e o princípio de exclusão, ainda percebendo o quanto os discursos dos alunos da Escola Especial, estão envoltos em outra lógica, reporto-me, por exemplo, a época da alta Idade Média, na oposição razão e loucura. “O louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros”. Hoje os alunos com necessidades educativas especiais, poderiam ser facilmente comparados aos loucos da Idade Média, pois o olhar a eles lançado ainda é de estranheza, ainda é preciso romper as barreiras do silêncio, das palavras ingênuas, para que os mesmos possam ter na expressão desses discursos, as suas idéias compreendidas. Pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um ato ou um contrato, não podendo nem mesmo no sacrifício da missa, permitir a transubstanciação e fazer do pão um corpo; pode ocorrer também, em contrapartida, que se lhe atribua, por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode perceber. (Focault.1970. p.11)

Apesar de considerar que o conceito de loucura aproxima-se muito mais da Doença Mental do que da Deficiência Mental, este termo é utilizado no texto como elemento de costura no resgate histórico das posições tomadas, em nome da normalidade, o que de fato aproximaria os indivíduos aqui estudados das duas vertentes. Em “A História da loucura”, por exemplo, Foucault revela a trajetória dos muitos séculos, durante os quais a palavra do louco não era ouvida e se ouvida, o era com ouvido que a filtrava como dotada de uma razão ingênua ou astuciosa, ou seja, como um discurso diferente, do lugar de quem poderia exercer uma razão mais razoável do que a das pessoas razoáveis. Por volta do século XVIII a palavra dos loucos passa a ser o mecanismo pelo qual era reconhecida sua própria loucura, então o que era dito é observado como e por que era dito, essa palavra passa a fazer a diferença. A escolha de pesquisar alunos com deficiência mental/intelectual foi fruto da minha experiência na Escola Municipal Especial, onde a ênfase de atendimento se dá para este tipo de aluno. Essa escolha também se deve por 16  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


verificar que os campos de pesquisa na educação inclusiva, tanto para alunos cegos quanto para surdos ou superdotados, tem se dado em um outro patamar de discussão devido se estar, na maioria das vezes, lidando com situações onde as constituições cognitivas estão preservadas, o que de certa forma não é o caso dos alunos com deficiência mental/intelectual, e por ter se constituído a escola como o espaço da supervalorização do “conhecimento”, portanto do cognitivo e daqueles que precisam aprender. Apesar de ser uma discussão importante quanto ao processo de inclusão, na dissertação realizada não aponto o interesse da busca de um lugar para os incluídos, mas um espaço de autoria. No desenvolvimento da pesquisa os alunos envolvidos entram como co-autores, pois me emprestam relatos de suas histórias de escolaridade, e é a partir delas que compus um conjunto de textos analisados dentro de metodologias que consideram os diversos discursos que lhes dão sentido, apresentei algumas certezas, mas muito distantes de serem consideradas verdades, por dois motivos: um por que toda verdade pode ser relativizada quando atravessada pela cultura, principalmente em nossa linha de pesquisa em Estudos Culturais e outro por que as certezas que apresento, são apenas indicadores de possibilidade para algumas afirmações, mesmo que transitórias. Nas observações realizadas, no trabalho com alunos da escola especial, percebi que a comunicação, é um processo importante nas relações escolares. Verifiquei que nas diversas situações, que envolvem os alunos, sempre esses tiveram algo para ser dito, seja em gestos, pequenas vocalizações, através de desenhos ou com a própria fala. As situações cotidianas levam-me a perceber melhor que processos de comunicação incompreendidos, desencadeiam problemas e conflitos entre os alunos, professores, funcionários e famílias. Na maioria das vezes esclarecidas através de um desenho, gestos ou falas. Questões que exigem a armação de cenas de escuta, através das quais realizamos importantes aprendizagens. O exercício da constituição de espaços de fala na escola fez-me refletir sobre a necessidade de ouvir os alunos no processo de inclusão. A inclusão tem sido foco de discussão em diversos fóruns, com a participação de educadores, legisladores, famílias e outras tantas pessoas interessadas pelo assunto. No entanto passei a observar que faltava nestes fóruns a fala dos alunos. Tal situação começou a fazer parte de minhas inquietações, perguntavame: por que os alunos não são chamados a falar? Será pela crença de que por serem deficientes mentais suas opiniões seriam teoricamente desprovidas de certa racionalidade, o que tornaria de imediato sua fala sem sentido? Por essa fala não estar inscrita, em um padrão de normalidade, estaria em uma outra ordem do discurso, que não a esperada por quem faz as leis? Se considerarmos 17  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


que há então um discurso capaz de contribuir para a qualificação do processo de inclusão, como dar visibilidade a este discurso? Alguns pontos de convergência me levaram a estruturar minhas abordagens levando em consideração a importância de imergir no interior das relações escolarizadas dos envolvidos na pesquisa, vivenciar o cotidiano de suas relações com a escola e com o processo de inclusão, para através da escuta dos discursos e enunciados, retornar a minha perspectiva de pesquisador, utilizando-

A menina do desenho parece justificar-se de que tentava fazer tudo como era exigido.: “Pintava folhinha [diz que é ela que está no desenho] jogava [o] joguinho, não incomodava, não falava nome. Saiu da escola para não dar nos colegas, pra não ir para direção.”

me para isto a possibilidade do registro a partir das histórias da vida escolar e principalmente dos discursos dos alunos. Refiro-me aos relatos que produzi durante o processo de escrita, onde desenhos dos alunos foram considerados alguns dos subsídios. Para aqueles que já haviam tido experiências no Ensino regular, propus que desenhassem a escola de onde vieram e a escola especial, fazendo comentários sobre os desenhos, falas muito significativas acompanharam esses desenhos o que definiu, de certa forma a necessidade de anexá-los ao texto escrito e conseqüentemente justifica usá-los como ilustração. No desenvolver da pesquisa observei uma caracterização de aluno que levaram-me a estudar a trajetória dos alunos com o outro olhar, que é o número considerável de alunos que não passaram por um espaço educacional 18  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


especial, mas foram rotulados como especial, encaminhados para diversos profissionais da área da saúde em busca de um diagnóstico “preciso” e passaram, na sua maioria por Classes Especiais nas escolas em que estudaram. Observei também alunos que não passaram por Classes ou escolas especiais, mas permaneceram por muitos anos (alguns dos 7 até 12, 13 anos) em ciclos iniciais, evoluindo em turmas de progressão e avançando com Projetos especiais. Entre os grupos de alunos que participa da pesquisa, em uma escola regular relataram suas trajetórias de vida escolar com uma mescla de sentimentos que pareciam revelar seus conflitos, saudades, decepções, revolta, incompreensão que podem ser observados na sua fala e nos seus desenhos. Como um aluno que representou a classe especial onde estudou, com um desenho em que os alunos estão jogando vários objetos para o ar, enquanto que outros estão em cadeiras de roda e quando é pedido que conte a história de seu desenho, diz não querer contar, mas que eu poderia pensar o que eu quisesse, mas somente coisas ruins. Uma outra aluna relata com detalhes como é ter uma crise convulsiva e o quanto à reação das outras pessoas lhe incomodava. Os alunos narraram suas trajetórias com detalhes que enriqueceram a pesquisa e encaminharam para novos rumos, como problematizar por que

Ainda outro menino da Escola Especial colocou seu ponto de vista de como chegava na escola, passando a placa da esquina e localizandose pela Kombi escolar estacionada na frente da mesma. Interessante que conhecendo o diagnóstico do referido aluno, trata-se de um adolescente com Transtorno Evasivo do Desenvolvimento – Autismo -, em que a forma de conseguir colocar-se é realmente fora do desenho, exige do observador que se posicione como ele para compreender o que desenhou.

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a maioria dos alunos diz não saber por que trocaram de escola, principalmente os alunos da escola especial. Relatavam diferenças significativas como ter poucos amigos em uma escola, ninguém convidar para o futebol, que se dava bem com os pequenos, não aprendia por que tinha muito barulho, entre outros relatos. Assim como para os alunos do ensino regular quando questionados sobre onde deveriam estudar os alunos das Escolas especiais dizem que seria melhor todos juntos, pois quando alguém não soubesse alguma coisa o outro ensinava, porém quanto as deficiências físicas revelam curiosidades como de que forma o aluno responderia se a professora mandasse levantar, ou ir algum lugar difícil de se movimentar. Percebo que muito ainda precisa ser produzido que novos caminhos irão se materializando, com a possibilidade de pensar possibilidades da “verdadeira” Escola para todos, meu trabalho flui em aberto e na busca de contribuir com as atuais discussões sobre a inclusão de alunos com déficits intelectuais no ensino regular. Os caminhos são muitos e sigo a metáfora do mar como inspiração, para tanto, encerro com a citação de Bauman (2007, p.31) do seu livro Vida Líquida: Jangadeiros descendo o rio sobre troncos de árvores só fazem seguir

a corrente. Não precisam de bússola – diferentemente de marinheiros em mar aberto, que não ficam sem uma. Os jangadeiros se deixam levar pela força do rio, ocasionalmente auxiliando-a com os remos ou afastando a jangada das rochas e cachoeiras, e evitando bancos de areia e margens cheias de pedras. Os marinheiros, porém, estariam perdidos se confiassem sua trajetória ao sabor dos ventos e às mudanças das correntes. Eles não podem deixar de controlar os movimentos do barco. Devem decidir para onde ir e por isso precisam de uma bússola que lhes diga quando e onde virar com o intuito de chegar ao destino. Não quero tomar o lugar dos jangadeiros e nem ter o domínio dos marinheiros, mas vislumbrar que a cada momento, as vozes que ouvirei não serão para anunciar uma terra a vista, mas para apontar que a travessia está apenas começando.

REFERENCIAS COSTA, Marisa Vorraber; SILVEIRA, Rosa.Estudos Culturais Educação e Pedagogia. Revista Brasileira de educação. V.23.Mai-Jun/ago, 2003.p36-61 FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. 3a. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991 [1972]. _____.Resume dos Cursos do Collége de France (1970- 1982)Tradução de Andréia Daher; consultoria Roberto Machado. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Ed.1997. 20  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


Mães, filhos e a deficiência Nelsi Maria Santini*

O

nascimento de criança deficiente apresenta na maioria dos casos, um grande impacto na família trazendo consigo diversas implicações no contexto familiar, sendo a mãe quem sofre maior impacto, desde o choque inicial frente ao diagnóstico, à percepção, através do convívio, das limitações características da deficiência. As mães de crianças deficientes, no momento do nascimento de seus filhos, geralmente os recebem “como” uma deficiência, e não uma criança “com” deficiência. O presente estudo objetivou analisar concepções das mães em relação a seus filhos com diagnóstico de Encefalopatia Crônica Infantil (ECI), popularmente conhecida como lesão cerebral. A ECI é a lesão de uma ou mais partes do cérebro provocada pela falta de oxigenação das células cerebrais. Estas lesões podem acontecer durante a gestação, no momento do parto ou após o nascimento, ainda no processo de amadurecimento do cérebro da criança. É importante saber que o portador de ECI, possui inteligência normal (a não ser que a lesão tenha afetado áreas do cérebro responsáveis pelo pensamento e memória). Quando a

visão e ou audição forem prejudicadas, haverá dificuldades para entender a informações como são transmitidas; se a área da fala for atingida terá dificuldade em comunicar seus pensamentos ou necessidades. Quando são observados estes fatos, o portador de ECI pode ser considerado erroneamente classificado como deficiente intelectual ou não inteligente. A abordagem da pesquisa é qualitativa descritiva propõe-se a analisar o significado e expectativas de mães com filhos deficientes. A mostra selecionada foi intencional, e direcionada para mães de crianças portadoras de ECI (idade de 0 a 21 anos), atendidas em Instituição filantrópica que presta serviços gratuitos de reabilitação clinica e escola especial no município de Porto Alegre. Oito mães participaram da pesquisa. Utilizamos informações fornecidas pela pediatra e registros da Instituição, devidamente autorizada pela direção da mesma. Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada com um roteiro contendo as seguintes questões: 1- Para você o que significa ter um filho com deficiência ? 21  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


2- Quais as suas expectativas em relação ao futuro do seu filho? Para organização e análise dos dados as entrevistas foram lidas, recortadas e agrupadas por categoria, sendo analisadas segundo o método da análise de conteúdo e análise temática. As entrevistas foram marcadas com antecedência, no horário mais conveniente para as colaboradoras do estudo. As entrevistas foram realizadas na Instituição, no horário que o filho estava em atendimento, com duração de 45 minutos. Partindo-se do pressuposto de que as significações constituem um conjunto de saberes não sistematizado e específico, carregados de significados gerados a partir da convivência em sociedade, do material coletado e analisado, foi feito um recorte com as categorias e subcategorias consideradas mais significativas, as quais são apresentadas do seguinte modo: CATEGORIA 1 1. Nascimento do filho com deficiência SUBCATEGORIAS 1.1 Choque 1.2 Negação da doença 1.3 Aceitação 1.4 Mudança no estilo de vida CATEGORIA 2 2. Expectativas futuras SUBCATEGORIAS 2.1 Positivas 2.2 Medo do preconceito social Categoria 1: Nascimento do Filho com Deficiência Na categoria nascimento de filho com deficiência emergiram quatro subcategorias tais como: choque, negação da doença, aceitação e mudança no estilo de vida. 1.1 - Choque Na maioria das vezes a gravidez é algo esperado de forma ansiosa. A criança já nasce depositária de uma série de expectativas acalentadas pela mãe ou pelo casal durante todo o período da gestação, ou até mesmo antes dela. Receber a notícia de uma doença ou deficiência que acomete o bebê que está em gestação ou acaba de nascer causa desespero para a mãe, um choque como podemos observar nas unidades de análise. 22  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


O choque foi muito forte e eu não tava preparada, ninguém ta preparada foi um baque pra mim... Quando eu tava grávida, numa fase tão esperada... Quando a gente tá grávida a gente não sabe o que vai ser com a sua vida e espera que seja tudo normal com sua filha... Tantos planos que eu fiz com a chegada dela e de repente quando descobri mesmo, quando ela nasceu, o médico não falou logo... Eu tava crente que tava tudo bem, e achando que alguma coisa tava errada... Ele mandou me chamar lá no consultório dele e, perguntou: tu sabe por que eu te chamei aqui?... Eu falei não... Ele chegou pra mim: eu vou falar uma coisa pra você e eu quero que você tenha calma... Vai mudar um pouco a sua vida, eu falei que foi doutor? Ele falou comigo que minha filha tinha uma deficiência, eu fiquei desesperada.,. Saí do consultório chorando, meu irmão foi comigo, minha cunhada, eu comecei a chorar... Fiquei uma semana ou mais só chorando... Pelo que eu tava planejando pra ela, veio tudo na minha cabeça... O que eu pensei que eu ia fazer... Minha mente, meus sonhos... Cada dia, cada hora que eu tava pensando nessas coisas eu pensava como é que ia ser conviver com alguém assim, deficiente. O momento de receber o diagnóstico é muito frágil, pois o filho sonhado e tão ardentemente esperado não veio, dando lugar a uma criança deficiente, o que gera choque por parte da mãe e/ou casal, com a ruptura de seus sonhos e expectativas. As mães têm em seus filhos uma extensão de si próprias e, no caso de uma criança deficiente, é uma parte de si que ela tem dificuldade de amar, especialmente neste momento. Tal percepção pode dificultar a mulher assumir o papel de mãe, estando ela de luto pelo filho imaginário que não veio, sendo esta reação natural nos primeiros instantes, embora afete a função materna. Este sentimento de perda e desvanecimento dos sonhos é expresso no depoimento das mães da seguinte maneira: O choque foi muito forte e eu não tava preparada... Ele falou comigo que minha filha tinha deficiência... Fiquei desesperada... Fiquei uma semana ou mais só chorando... Pelo que eu tava planejando pra ela... Pensava como é que ia ser conviver com alguém assim... O choque é uma reação natural, demonstrando sentimento de desapontamento, sensação de perda do filho perfeito, idealizado, sonhado e ao mesmo tempo gera insegurança no manejo da realidade que é ter um filho com deficiência. 1.2 Subcategoria Negação da Doença As mães se posicionaram com atitude de negação à doença conforme os discursos contidos nas unidades de análise que se seguem: É como um filho normal, como uma criança que não tivesse deficiência, é assim que eu vejo G. Eu não parei de sonhar o mesmo sonho que eu teria se 23  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


fosse uma criança normal, é esse mesmo sonho que eu tento persistir com ela. Eu amo ela como se ela não tivesse nenhum probleminha. Todos amam muito como se tivesse tudo normal com ela. A psicóloga, eu já não gostei dela porque ela disse pra mim: Ah, mas não é assim! Ela tem três anos e desde que ele nasceu que eu penso que ela vai ter uma vida normal é o que eu quero pra ele e eu vou lutar por isso. Pra mim ele é normal, não muda. O comportamento de criança normal. Com certeza é uma criança normal. É como se fosse uma criança normal eu não vejo dificuldade em relação ao comportamento do meu filho. Eu sou evangélica eu creio num Deus que restitui, num Deus que cura, num Deus que liberta. Tudo é minha fé eu creio que Jesus vai fazer a cura do meu filho Deus tem me dado motivos, vitórias a cada dia. Não tem diferença de uma criança com deficiência para uma criança sem. Parece uma criança que tá tudo normal. Tem que dar graças a Deus porque minha filha é uma criança normal... só fisicamente é diferente. A reação dos pais ao nascimento de um filho diferente do imaginado organiza-se em 5 estágios. O primeiro estágio como sendo o choque inicial, confrontando o filho real com o filho sonhado; o segundo estágio é a negação da doença, em que os pais associam traços da deficiência ou síndromes com características familiares. O terceiro estágio envolve sentimentos diversos em que a nota principal é a insegurança em lidar com a situação inevitável de ter uma criança deficiente; no quarto estágio percebe-se a redução do estranhamento e início de ligação afetiva com a criança; o quinto estágio diz respeito à reorganização familiar, é nesse estágio que na maioria das vezes a mãe é abandonada pelo pai porque não consegue elaborar esta perda. Na presente pesquisa notou-se a presença de todos os estágios, estando o primeiro e o terceiro interligado. Entretanto, as fases sugeridas não são estanques, estando mescladas no discurso das mães. Constatou-se que as mães, ao menos em um momento das entrevistas individuais, negaram que seu filho tivesse as alterações característica dos filhos com ECI, descritas anteriormente, embora não negassem o diagnóstico, diferindo, neste aspecto, do segundo estágio. É como um filho normal, como uma criança que não tivesse deficiência ... Eu amo ela como se ela não tivesse nenhum probleminha ... Não tem diferença de um bebê para outro, pra mim são iguais... A negação da deficiência pode mascarar sentimentos de auto-depreciação, sendo, portanto, mecanismo de compensação, ao analisar-se a representação da criança como extensão de seus pais, particularmente da mãe. Percebe-se também outra maneira de negar as limitações inerentes à deficiência através da fé religiosa. A fé explicando e modificando as representações da deficiência como forma encontrada pelas mães de esconder dos outros e de 24  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


si mesmas a perda dos sonhos tecidos para seus filhos. No discurso das mães há um desejo de recuperar o filho imaginário através do seguinte trecho: ... eu creio num Deus que restitui, num Deus que cura, num Deus que liberta. Tudo é minha fé... eu creio que Jesus vai fazer a cura do meu filho... Deus tem me dado motivos, vitórias a cada dia. A respeito da negação da deficiência, salienta que, após terem vivenciado o luto pelo filho imaginário e elaborado os sentimentos depressivos surgidos frente a realidade do nascimento de criança deficiente, as mães tendem a aceitar seu filho com deficiência como pode-se perceber no seguinte trecho: O tempo foi passando e eu vi... começava a olhar pra ela... o amor foi crescendo... Isso faz com que a criança, sentindo-se amada e aceita, progrida no que diz respeito a maior autonomia e evolua em seu desenvolvimento, dando à sua mãe motivos para orgulhar-se, aumentando a aceitação desta em relação ao filho e contribuindo para o incremento das habilidades adquiridas. Sabemos que quando a mãe reconhece a dependência de seu filho e se adapta às suas necessidades contribui significativamente para o seu desenvolvimento e formação de sua identidade. Neste contexto o papel inicial do profissional de saúde e da educação especial é o de mostrar, na criança deficiente, sua viabilidade, mantendo, recompondo ou fortalecendo o vínculo entre mãe e filho. 1.3 Subcategoria Aceitação Na terceira subcategoria, as mães entrevistadas vivenciam vários sentimentos referente ao terceiro estágio: amor, conflito, conformismo e aceitação. Em nenhum momento eu fiquei triste. Se fosse normal. Não é empecilho, não é problema, não é trabalho. O tempo foi passando e eu vi... Começava a olhar pra ela... O amor foi crescendo... E hoje é um amor sem limite... Cada dia que passa... O amor aumenta mais. Esse envolvimento afetivo passa necessariamente pelo vinculo que esta mãe consegue estabelecer com o filho deficiente. Segundo Mannoni, ao nascer um filho deficiente há uma ruptura no desejo de ser mãe, pois o filho idealizado não nasceu, não há o “espelhamento”, o materno não se reconhece neste novo ser, ou seja, há um distanciamento de afeto e, consequentemente não se estabelece vinculo. O resgate deste vínculo será feito após a elaboração deste luto, processo esse muito dolorido, chegando as vezes, inconscientemente, a desejar a morte desse filho não sonhado. Porém, na grande maioria das vezes, em função das necessidades vitais para este sujeito, que de tudo depende, a mãe vê-se como a responsável pela manutenção desse vida, começa então uma re-elaboração do filho desejado para o filho real, passando então do 25  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


suprimento de necessidades para uma relação de afeto, ou seja, nasce um vinculo afetivo. A mulher-mãe assume aquele filho como “seu”, não sonhado, mas nesse momento desejado. Ao vivenciar a dor frente à realidade de ter filho deficiente, as mães tornam-se capazes de aceitar efetivamente as limitações inerentes à doença, superando algumas limitações que acompanham a criança com deficiência, dando um passo definitivo em direção à organização familiar, o que se confirmou no relato: Não é empecilho, não é problema, não é trabalho. 1.4 Subcategoria - Mudança no Estilo de Vida No que se refere a 4ª subcategoria, as mães entrevistadas afirmaram que houve mudança radical nas suas vidas e que é preciso maior dedicação para com o filho como segue as unidades de análise. Tudo mudou na minha vida, mudança radical na minha vida foi a minha separação do marido, logo depois do nascimento de G. antes dele completar 1 ano a gente se separou e mexeu muito comigo a minha separação no momento que eu mais precisei eu tive que me separar. Foi uma experiência que mudou muita coisa em minha vida tem todo o cuidado que eu tenho que ter com ela com esse negócio de ter que levar sempre à Fisioterapia, tá sempre levando pro pediatra, levando pra fazer exames. Mudou tudo eu não posso sair mais pra trabalhar. Eu fico nervosa e depois que ela nasceu eu passei a ficar até mais, eu fico nervosa mais rápida, fico estressada. Mudou tudo é uma mudança radical. Mudou o comportamento, o cuidar, hoje eu estaria trabalhando fora; eu ainda não tenho a liberdade de trabalhar fora, porque eu tenho que cuidar muda tudo realmente é um cuidado dobrado. Mudou pra cuidar dele, levar ele pra escola, fazer fisioterapia todo dia. Mudou muita coisa a gente tem que se dedicar muito. Mudou muita coisa. A chegada de um deficiente na família a faz passar por vários processos e mudanças em decorrência da frustração de não receber a criança idealizada. Para Rizzo (1998,p.298). [...] reconhecemos que a família desempenha marcante papel no tratamento da criança com Encefalopatia Crônica Infantil, e que repentinas mudanças acometem a sua dinâmica interna, em decorrência do nascimento desse filho, gerando conflitos e bruscas alterações na rotina familiar, ficando geralmente a mãe com uma maior sobrecarga.

Um filho com deficiência requer cuidados especiais, envolvendo o casal na tarefa de propiciar à criança o seu desenvolvimento. Quase sempre compete à mãe a função de cuidar da criança. A vida das mães fica limitada pelo alto grau de dependência de seus filhos, 26  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


sendo que esta função implica diretamente em sua vida pessoal /social, fato relatado no presente estudo: Mudou tudo... eu não posso sair mais pra trabalhar... pra cuidar dele. Levar ele pra escola, fazer fisioterapia todo dia... a gente tem que se dedicar muito. Na maioria das vezes, a mãe é que passa a voltar-se totalmente para o filho deficiente, diminuindo sua atenção aos demais da família (Buscaglia, 1997), pois a demanda deste filho requer inúmeras consultas médicas e tratamentos clínicos por períodos indeterminado e muitas vezes com resultados mínimos. Sendo que também, muitas vezes, abandona sua vida profissional para vivenciar esta experiência que certamente, não estava em seus projetos de vida. Para Badinter, “[...] a mãe é também uma mulher, isto é, um ser específico dotado de aspirações próprias que frequentemente nada tem a ver com as do esposo ou com os desejos do filho [...]” (1985, p.25). Encontramos na literatura, relatos de altos níveis de estresse em mães de crianças com deficiência mental, devido principalmente às dificuldades de adequação da criança e a necessidade de cuidados extras. Corroborando com os autores estudados segue discurso de uma das mães entrevistadas: “... eu fico nervosa mais rápido, fico estressada... é um cuidado dobrado”. Categoria 2: Expectativas Futuras A categoria expectativas futura emergiu duas subcategorias: Positiva e Medo do Preconceito Social. 2.1 Subcategoria Positiva Na percepção, de algumas das entrevistadas seus filhos terão futuro promissor serão iguais a qualquer outra criança não portadora de deficiência. No presente estudo, as expectativas englobando as quatro esferas (físico, emocional, intelectual e social) foram abordadas pelas mães entrevistadas. Eu acho que ela vai brilhar com certeza ela vai. Então eu acho que ela vai crescer e estudar eu acho que ela vai brilhar com certeza. Eu quero que ela seja muito feliz, que em nenhum momento ela fique triste porque nasceu com deficiência. Ela vai conseguir fazer tudo o que os outros fazem com ajuda: estudar, fazer cursinho, eu quero tudo pra ela, eu quero que ela tenha uma vida normal. Eu espero que ela ande com as próprias pernas: estude, trabalhe, tenha uma vida normal. Eu vejo meu filho só com vitórias, eu quero ver um dia ele normal, como uma pessoa normal, como homem. Ele vai ser normal, vai namorar, vai casar tudo vai depender dele, ele mesmo vai procurar o seu futuro, tudo vai depender da vontade dele. Ah, porque meu filho vai ser assim, 27  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


vai ser assado, vai ser. É ele. Se ele quiser namorar, vai namorar. Se ele quiser casar, vai casar. Eu vou dar o maior apoio, não vou falar nada: Ah, porque você vai ser assim, não vai fazer não. Que ele tenha inteligência que ele seja forte mesmo, fazer as coisas dele só...Eu espero que ele seja mais independente. A dificuldade de aceitação da criança com deficiência reflete o preconceito da sociedade em relação aos portadores de deficiência, pois sociedade tende a isolar as pessoas portadoras de deficiência, pela dificuldade que tem de conviver com o que foge à normalidade, refletindo negativamente nas relações interpessoais. 2.2 Subcategoria Medo do Futuro e Preconceito Social O receio em abordar o futuro distante talvez esteja ligado ao medo das doenças concomitantes à deficiência, assim como a preocupação quanto ao envelhecimento dos pais e incerteza quanto a quem assumirá o papel de cuidador. No que se refere ao preconceito social o sujeito que escapa do que a sociedade considera normal tende a ser estigmatizado, o que pode dificultar a sua aceitação social. A forma como o grupo social trata o indivíduo pode influenciar o seu desenvolvimento e desempenho. No relato das mães notou-se desagregação em relação às expectativas quanto a seus filhos e ao modo como os mesmos são vistos pela sociedade: Ainda não sei, gosto de pensar no presente, o futuro só a Deus pertence. Eu fico pensando, o que é que vai acontecer daqui a um tempo... eu fico dizendo que eu não vou chorar, mas... eu choro... fico pensando se eu faltar, quem é que vai tomar conta dela. Eu só tenho medo de uma coisa, quando eu for colocar ela pra estudar a sociedade é muito preconceituosa eu tenho medo que os coleguinhas dêem risada dela quando ver o jeito. Preconceito que as pessoas às vezes têm. A curiosidade tudo me deixava nervosa porque todo mundo me olhava em todo lugar eu não gosto mesmo que as pessoas falem assim comigo: Ah, a mãe daquela menina doentinha . Tem pessoas que não entendem. A possibilidade de escapar à discriminação reside em ver a criança além do que lhe falta, focalizando principalmente suas vitórias em detrimento de suas limitações, construindo, assim, novos significados para deficiência. Estas mães, na sua grande maioria, buscam o apoio e a orientação numa equipe multidisciplinar no sentido de ajudá-la nesta vivência e dar um suporte técnico de o que e como fazer com a criança, que requer um olhar diferenciado. Neste trânsito de busca de tratamento para o filho estas mães passam por extremos de esperança e desespero. Sente uma responsabilidade exclusiva por 28  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


este viver. E muitas vezes a postura do terapeuta ou médico é de cobrar um retorno constante sobre as orientações que lhe são passadas, sem conhecer a realidade que envolve a relação mãe e filho, que vai desde ainda não ter conseguido elaborar o luto desse filho não esperado até um vocabulário técnico que sua compreensão ou escolaridade não lhe permite entender. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo buscou analisar o significado e expectativas de mães com filhos com deficiência, foi possível constatar a pobreza de referencial teórico que trate desta relação mãe/deficiente tratando especialmente no que tange aos anseios e desejos em relação ao fato de ser mãe de deficiente. Constatamos que o nascimento de uma criança com deficiência traz consigo diversas implicações no contexto familiar, sendo a mãe quem mais sofre impacto, desde o choque inicial frente ao diagnóstico até a percepção das limitações características da deficiência, através do convívio. Observou-se também que, apesar do choque inicial, do preconceito em relação à deficiência, as mães aceitam o filho diferente do imaginado, estabelecendo vinculo afetivo. Todas as mães entrevistadas demonstraram capacidade de dedicar-se aos seus filhos, suprimindo as necessidades de maiores cuidados. Os cuidados exigidos por uma criança deficiente vão além dos que normalmente envolvem mãe e filho, permeia esta relação um compromisso direcionado com a condição de evolução de uma patologia. Existe então uma relação entre cuidar e dar atenção, uma vez que qualquer gesto ou movimento é fundamental para o desenvolvimento. Segundo Boff (1999, p.33), “o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato: é uma atitude. Portanto, abrange mais do que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro.” Salientamos também o papel do profissional de saúde no sentido de apoiar a família durante a reação natural do choque, sentimentos negativos frente ao nascimento de criança com deficiência, prevenindo rejeição, estabelecendo a díade mãe e filho. Desta forma, sendo estas mães bem orientadas e conscientes do seu papel no desenvolvimento de seu filho e na composição de sua subjetividade, constituem-se em peças fundamentais para fazer a diferença na evolução desses sujeitos. Ao realizar esta pesquisa tendo como foco principal as vivências e expectativas das mães para com os filhos deficientes, não se imaginava que este tema fosse nos levar a uma viagem ao desconhecido e silencioso mundo dessas bravas e valorosas mulheres que cumprem seu papel de serem “mães de deficientes”, como se auto-denominaram no momento da entrevista. Sem dúvida, 29  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


mobiliza nosso emocional, mas também sinaliza para uma sociedade muito injusta em seus julgamentos, que fala, discursa e faz leis para um lugar onde “seus pés” jamais pisaram: o território das vivências de uma mãe e de filho, com deficiência. São mulheres que renunciaram os seus sonhos pessoais e profissionais, abandonadas pelos companheiros (alegam não ter “condições emocionais” de suportar a realidade de ter um filho deficiente), mas que encontram forças para lutar diariamente para o filho ter um atendimento de saúde. Atendimento este que não necessariamente signifique modificação ou evolução desse filho, mas apenas manter por uma questão de qualidade de vida. Destaca-se também a preocupação destas mães com quem irá ocupar-se com esse filho, quando a mesma não mais estiver neste mundo. Há uma responsabilidade misturada, às vezes inconscientemente, com a culpabilidade pela existência dessa vida que não consegue ser dividida com ninguém mais da família. São mulheres muito sós, que buscam tempo para “ser ou estar consigo mesmas”, conversar com quem vive uma situação parecida com a sua, falar de afetos, dos encantos e desencantos que a vida de ser mãe de Pedro, de Maria, de João e de Paulo lhe traz. Durante as entrevista, os discursos revelaram seres emocionados vivenciando uma forma dolorosa e triste de estar no mundo e, também seres que concebem este momento como uma oportunidade de encontrarem-se consigo mesmas, embora todas relataram que não existe preparação para lidar com a experiência de ter um filho deficiente.

REFERÊNCIAS BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno.Tradução: Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999. BUSCAGLIA, L.F. Os deficientes e seus pais. Tradução: Raquel Mendes. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Record Nova Era, 1997. RIZZO, A.M.P.P. Psicologia da Paralisia Cerebral. In: SOUZA, A.M.C; FERRARETO, I (Org.). Paralisia Cerebral: aspectos práticos. São Paulo: Mennon, 1998. Cap. 18 p. 297-317. *Nelsi - graduação em Pedagogia Educação Especial - DM (isso na época, agora nao sei se podemos usar DI, se nos certificados consta diferente. Aí como estou velha!!!), pós graduação em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Professora na Escola Especial Elyseu Paglioli, Coordenadora Pedagógica na Escola Especia Educandário São João Batista.

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O Programa de Trabalho Educativo UMA POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO SOCIAL Rita de Cássia Carvalho

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Constituição Brasileira afirma que todos somos cidadãos de direitos. E nos garante direitos como educação, moradia, alimentação, cultura... Ressaltando que todos os indivíduos são iguais e que, portanto gozamos dos mesmos direitos e deveres. Elege como fundamentos da República a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III), e, como um dos seus objetivos fundamentais, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV). Ela garante ainda o direito à igualdade (art. 5º) e trata, no art. 205 e seguintes, do direito de todos à educação. Esse direito deve visar ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho. Mas igualdade de direitos parece que não acontece no dia-a-dia na vida de algumas pessoas. Se esses direitos fossem reais não se falaria hoje em inclusão visto que não existiriam grupos excluídos. Depois de anos na escola o aluno com deficiência também necessita trabalhar e para isso precisa ter uma

oportunidade, assim como as pessoas tidas normais que costumam seguir um caminho ascendente família – escola mundo, aquele sujeito com deficiência segue o caminho descendente família – escola - família, acabando por envelhecer dentro de seus lares ou em associações que muitas vezes tem a intenção de contribuir para o desenvolvimento dessas pessoas, mas acabam segregando em espaços sem troca de aprendizagens, de pontos de vista, enfim sem a verdadeira inclusão. No município de Porto Alegre, a Secretaria de Educação desenvolve um programa nas Escolas Especiais chamado Programa de Trabalho Educativo (PTE). Neste programa as escolas especiais da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME/PMPA) têm como um de seus principais desafios a busca de meios para inserção de seus alunos em espaços públicos e privados utilizando, para isso, de diferentes estratégias educacionais; sendo mediadoras desse processo, procurando instrumentalizar e convocar seus alunos a estabelecerem novas relações de aprendizagem e de vida. O Programa de Trabalho Educativo é uma destas estratégias que 31  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


procura agenciar diferentes espaços educativos para os alunos, ao promover a possibilidade de uma relação direta com o mundo do trabalho. Saviane (2003) nos diz que o trabalho é o elemento central de nossa socialização e, de fato no PTE não é diferente, o programa representa um papel social relevante e determinante na vida desses adolescentes e este fato é comprovado através de suas respostas quando questionados sobre a importância desse programa em suas vidas. Um dos grandes problemas do acesso ao mundo do trabalho são o preconceito e a visão distorcida sobre a pessoa com deficiência. O deficiente tem condições de exercer atividades de trabalho desde que lhe seja dado condições necessárias e que acreditem em suas potencialidades. Superar o viés assistencialista e excludente para possibilitar-lhes a inclusão efetiva, dando a oportunidade de serem sujeitos do próprio destino. O PTE oferece aos adolescentes entre 14 e 18 anos oficinas de preparação para o mercado de trabalho, como conserto de bicicletas, artesanato, padaria, estética, bijuterias entre outras atividades, além de orientar para a socialização e o resgate da cidadania. O programa também utiliza uma estratégia educacional que busca promover uma relação direta do aluno aprendiz com o mundo do trabalho atuando sob a perspectiva de três eixos. - Grupo Operativo que promove a apropriação de conhecimentos a cerca do mundo do trabalho como direitos e deveres do trabalhador, organização dos documentos do aluno, construção do currículo, participação de atividades, cursos que tenham a possibilidade de geração de renda, instrumentalizando os alunos a estabelecerem outras relações de aprendizagem e de vida. - Pré Estágio: Proposta de ensino e avaliação do aluno em um espaço diferenciado, local de trabalho propriamente dito, mas com a supervisão do professor do programa. - Estágio de Trabalho Educativo: Inserção dos alunos aprendizes em espaços de trabalho como nas secretarias municipais, autarquias, fundações e na Câmara Municipal de Vereadores, cumprindo carga horária e recebendo bolsa auxílio pelo trabalho desenvolvido. O Programa de Trabalho Educativo através das suas modalidades de atuação, busca agenciar possibilidades de relações de trabalho, sociais, aprendizagens formais e autonomia de pensamento e de ação. Apropriando-se do mundo do trabalho como espaço educativo e formativo do ser humano. Freire (1996) fala sobre a conquista da autonomia e pode-se dizer que o PTE não tem como objetivos preparar para e sim educar, formar através de uma rede relações, em que o trabalho é objeto de conhecimento, não de 32  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


treinamento, o ensinar não é visto como simples transformação de conhecimento, mas criação de possibilidades para a sua produção e/ou construção. Ao analisar os dados obtidos durante a pesquisa foi possível perceber que a proposta do Programa de Trabalho Educativo da rede municipal de ensino de Porto Alegre consegue atingir seus objetivos inserindo seus alunos no mundo do trabalho. Como na fala de um dos alunos que diz: “eu to bem lá, adoro, me desenvolvi, também trabalhei na comunicação social...” Cada etapa do programa é de fundamental importância encorajando esses jovens a participar de um espaço totalmente novo e desconhecido. Com essa experiência os alunos se tornam autores da sua subjetividade, pois muitas vezes esses indivíduos são vistos pela própria família como incapacitados. Através da relação com o trabalho podem mostrar muitas habilidades e capacidades até então desconhecidas pelas pessoas que convivem com esse sujeito. Os alunos entrevistados revelaram os aspectos positivos de estarem inseridos no programa fazendo afirmações como: “me sinto mais calma, tenho amigos e converso com eles”, “ é bom trabalhar, eles agradecem as coisa que eu faço” , “eu gosto tenho amigos e posso comprar as minhas coisas, ajudar em casa”. Eles tem vivido essa experiência disseram que querem continuar trabalhando, suas expectativas giram em torno da compra de bens que seriam difíceis de adquirir sem o salário que agora recebem como a compra de roupas, calçados, celular, computador planejamento de passeios em família e com suas namoradas. Falam com orgulho das suas conquistas e do aprendizado que é adquirido no trabalho como uso de máquinas de Xerox e computadores, construção de sua autonomia aprendendo a deslocar-se casa-trabalho, trabalho-escola, escola-casa, uso do dinheiro, noção do poder de compra, além é claro das novas amizades, de ter um chefe e de ser respeitado. O significado do programa para esses alunos está vinculado à conquista, conquista da autonomia, do reconhecimento, conquista de valores e de desejos, enfim conquista de se tornar alguém no mundo. Alguns comentaram do medo nos primeiros dias de trabalho e da reação de alguns colegas de trabalho, “tive medo no início, tinha um colega que falava de mim nas minhas costas, mas depois parou fala comigo agora”. Assim percebemos que o aprendizado não fica a cargo só do aluno deficiente, mas também dos colegas ditos normais que acabam tendo a oportunidade de conviver com o diferente e constatar que eles são capazes e que também têm direitos, sendo assim convidados a repensar seus conceitos quanto a inclusão dos deficientes, tornando o local de trabalho um espaço de aprendizagem para todos. O programa se coloca como agenciador de possibilidades de trabalho, sociais, de aprendizagens formais e de autonomia de pensamento e ação. Ao verificar a postura desses jovens se percebe o desejo de serem reconhecidos 33  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


como trabalhadores, o que irá auxiliá-los na construção de seus projetos de vida, que apesar das suas dificuldades conseguem supera-se e ir além das suas próprias limitações. O PTE auxilia no desenvolvimento da auto-estima de seus alunos possibilitando o convívio com outras pessoas que também lhes auxiliam e respeitam como pessoas, oportunizando que ocupem um lugar diferenciado de construção e produção de vida, deixando de serem vistos apenas sob a ótica de sua deficiência, mas principalmente por serem cidadãos dessa sociedade. Certamente sem a participação neste programa seria muito difícil esses jovens terem contato com o mundo do trabalho. Mesmo tendo uma lei que obrigue as empresas deixarem uma porcentagem das vagas para deficientes ainda existe muito preconceito perante esse sujeito, mas atitudes como essas desenvolvidas nas escolas especiais municipais de Porto Alegre é um passo a frente na garantia da igualdade de direitos além da transformação dos currículos escolares que atendem esse público. É visível nesses jovens o conquista da sua autonomia, a maneira como se portam na escola, sentem-se mais autoconfiantes, com a auto-estima elevada, preocupam-se com o futuro, mas agora apresentam expectativas e desejos em relação a esse futuro. Pensamento este que provavelmente não teriam se não tivessem a oportunidade de vivenciar essa experiência de troca de aprendizagem, de ser valorizado em suas ações, de poder conhecer outras pessoas e ser escutado por elas. Conseguindo assumir papéis de jovens e não mais de crianças incapacidades com o estigma de que não podem e que não conseguem. Muitos desses alunos eram trazidos pelos seus responsáveis até a escola, pois estes tinham medo de deixar seus filhos sozinhos, pois poderiam se perder, enfim também não acreditavam que eram capazes e a partir da participação no programa foram avaliando as conquistas e percebendo que se são dadas as oportunidades todos podem se desenvolver, aprender, crescer... Rizzini (1997) elucida que a compreensão da experiência de trabalhar para o jovem, não pode ser feita sem considerar as expectativas em torno da liberdade conquistada e do status que eleva a auto-estima, contidos nesta experiência Hoje esses alunos pegam ônibus sozinho e isso representa muito para eles, significa que estão acreditando no seu potencial, que também estão sendo vistos como trabalhadores. Enfim o programa é um exemplo vivo do movimento pela educação inclusiva, se tornado uma ação política, cultural, social e pedagógica. Defende o direito dos alunos deficientes estarem participando da vida em sociedade, aprendendo e ensinando sem nenhum tipo de discriminação, tornando-se uma ação educativa fundamentada na concepção dos direitos humanos. REFERÊNCIAS 34  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


Brasil, Congresso Nacional (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília/DF: Centro Gráfico. O choque teórico da politecnia, in, Revista Trabalho, educação e saúde, Rio de Janeiro, ENSP, volume 1, número 1, março 2003. SAVIANI, Demerval. A nova Lei da Educação. LDB trajetórias, limites e perspectivas. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. MINAYO, M. C. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1998. RIZZINI, Irene; RIZZINIi, Irma; HOLANDA, Fernanda Rosa Borges de. A Criança e o Adolescente no mundo do trabalho. RJ: Editora da Universidade Santa Úrsula, 1997. http://elyseu.blogspot.com/p/programa-de-trabalho-educativo-pte.html#!/p/ programa-de-trabalho-educativo-pte.html

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O deficiente mental no mundo do trabalho

Kathia Magueta Trevisan*

E

ste trabalho foi realizado a partir de uma curiosidade pessoal que me inquietava e que ainda não foi tratada em estudos mais aprofundados; o trabalho para as pessoas com deficiência intelectual seria verdadeiramente um fator de inclusão para elas, aproximando-as da realidade dos ditos “normais” e, sendo assim, elas se sentiriam mais felizes? Obviamente não tenho a pretensão de responder aqui a este questionamento tão profundo no que tange a questão da felicidade, posto que seja matéria para filósofos e requer um maior aprofundamento, mas me atrevo a fazer uma pequena reflexão sobre como se dá as relações cotidianas dessas pessoas incluídas no mundo do trabalho e que visão a respeito disso tem seus empregadores. O conceito de deficiência mental vem se alternando na história. Podemos constatar que as diversas formas de lidar com as pessoas que apresentavam deficiência refletem a estrutura econômica, social e política do momento. Na Antiguidade, os deficientes eram abandonados, perseguidos e eliminados devido às suas condições atípicas,

na Idade Média o tratamento variava segundo as concepções de caridade ou castigo predominantes na comunidade em que o deficiente estava inserido. Na Idade Moderna e, com o surgimento do capitalismo, temos o início do interesse da ciência especificamente da medicina, no que diz respeito à pessoa com deficiência. Atualmente, a Associação Americana de Retardo Mental (AAMR, 1992) refere-se à deficiência mental como “limitações substanciais no desenvolvimento corrente” e que “se caracteriza por um funcionamento significativamente inferior à média, concorrente a limitações associadas em duas ou mais das seguintes áreas de habilidades adaptativas possíveis: comunicação, cuidado pessoal, vida no lar, habilidades sociais, educacionais, lazer e trabalho”. O retardo mental manifesta-se antes dos 18 anos. A problemática da Deficiência Mental quanto a estes aspectos citados anteriormente na definição da deficiência está ligada ao funcionamento intelectual global, a inteligência que é concebida como a capacidade geral, incluindo o raciocínio, capacidade para planejamento, 43  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


de resolução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas, rapidez de aprendizagem e aprendizagem por meio da experiência. O comportamento adaptativo diz respeito ao conjunto de habilidades sociais práticas e adquiridas pela pessoa para responder às exigências do dia-a-dia. As primeiras relacionam-se com a competência social (p. ex., responsabilidade, habilidades interpessoais, observância de regras e normas, etc.). As habilidades práticas remetem para o exercício da autonomia (p. ex., atividades de vida diária, utilização de recursos da comunidade, utilização do dinheiro, atividades ocupacionais ou laborais, etc.). Finalmente, as habilidades conceptuais estão relacionadas com aspectos acadêmicos, cognitivos e da comunicação (é o caso da linguagem - receptiva e expressiva, leitura, escrita, etc.). Parece notório que o enquadramento ou classificação da pessoa como deficiente mental é ligado à capacidade geral das pessoas para cognição e adaptação e, o nível de comprometimento que elas tiverem nessas áreas determina os graus de deficiência das mesmas. Essas “capacidades” revelam uma preocupação que encontra sustentação na própria organização da sociedade de produção em que vivemos, isto é, pessoas que não produzem ou consomem, não geram lucro e estão à margem da sociedade. Essa lógica atravessa os séculos e está presente não apenas no que se refere ao deficiente mental e sua inclusão, mas também é parte integrante na organização de toda sociedade. Em artigo publicado na revista Indagações sobre o Currículo, Arroyo (2008) traz questionamentos referentes a essa organização inclusive na escola e declara: “Há muito conhecimento acumulado sobre os mundos do trabalho, sobre processos de produção, sobre as relações sociais de produção. Por que não abrir um debate sobre esses saberes e como os incorporar nos currículos?” A preocupação deverá ser como ampliar o direito dos educandos ao conhecimento, inclusive ao conhecimento dos significados de suas vivências do trabalho e também da negação do trabalho. Encontramos projetos em muitas escolas onde as vivências do trabalho dos educandos desde crianças e adolescentes e, sobretudo, dos jovens e adultos do EJA são objetos de oficina e estudos programados. Projetos sobre como extirpar a exploração das crianças e adolescentes no trabalho. Há muitos conhecimentos acumulados pela sociologia, economia e história do trabalho, sobre como transformações nos processos de produção afetam o trabalho, o desemprego, as desigualdades, a segregação e exclusão vivenciadas pelos setores populares, pelas pessoas com necessidades especiais. No passado o homem trabalhava para produzir apenas o que consumia e servia para sua subsistência, ao se constituir as primeiras sociedades o trabalho era recompensado através das trocas, ou escambos. A partir da moeda, o trabalho começou a ter diferentes valores. Iniciou-se também a especialização, por mais rude que ainda pudesse ser. Com a introdução da pirâmide social, 44  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


aos desfavorecidos foram atribuídos afazeres sem remuneração, e muitas vezes sequer recebiam em troca alimentação ou moradia para sua subsistência, o chamado trabalho escravo, sem direitos, apenas deveres. No que diz respeito ao trabalho, através das leis criadas para garantir maiores oportunidades de igualdade para portadores de necessidades especiais foi possível obter no Brasil um certo avanço. Ainda assim existem muitas dificuldades a serem vencidas no tocante a integração do deficiente na sociedade, essa parcela da população contínua precariamente atendida ou incluída, inclusive no trabalho. É o que podemos analisar segundo site do IBGE verificando os resultados do Censo 2000: aproximadamente, 24,6 milhões de pessoas, ou 14,5% da população total, apresentaram algum tipo de incapacidade ou deficiência. São pessoas com ao menos alguma dificuldade para enxergar, ouvir, locomover-se ou alguma deficiência física ou mental. Entre 16,6 milhões de pessoas com algum grau de deficiência visual, quase 150 mil se declararam cegos. Já entre os 5,7 milhões de brasileiros com algum grau de deficiência auditiva, um pouco menos de 170 mil se declararam surdos. O tipo de deficiência que dificulta mais a inserção no mercado de trabalho é a deficiência mental: somente 19,3% das pessoas que declararam apresentar deficiência mental permanente estão ocupadas. As outras incapacidades permitem uma inserção maior no mercado de trabalho: incapacidade física ou motora (24,1%), dificuldade na audição (34,0%) e dificuldade para enxergar (40,8%). Para quem não apresenta nenhuma destas deficiências, a proporção de pessoas ocupadas sobe para 49,9%. Teorias, conceitos e estatísticas são importantes para que possamos ter uma ideia global e generalizada a respeito da realidade a cerca dos problemas enfrentados por essas pessoas excluídas do mundo “normal”. Por outro lado, nosso olhar torna-se mais humano ampliando nossa capacidade de reflexão sobre esse tema quando temos a oportunidade de compartilhar do cotidiano profissional dessas pessoas e das relações que se constroem em seu espaço de trabalho. E foi precisamente por esse motivo que trabalhei com o relato das experiências de três alunas adolescentes que frequentam uma escola especial e são diagnosticadas como deficientes mentais e que participam de um Programa de Trabalho Educativo (PTE), ligado ao Serviço de Educação Especial da Secretaria de Educação da cidade de Porto Alegre. Este programa tem como objetivo preparar alunos com deficiência e\ou transtornos globais de desenvolvimento, que estão em fase de conclusão do ensino fundamental, para o mercado de trabalho, propondo novas possibilidades de aprendizagem para além do espaço escolar. Atualmente cerca de 150 alunos estão trabalhando ou em preparação para iniciar um estágio. Os estágios são realizados em Secretarias e Departamentos 45  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


do Município, na Câmara de Vereadores e na iniciativa privada e contam com a parceria do SENAI, SENAC, Superintendência Regional do Trabalho, Comitê Pró-Inclusão e do Grupo de Apoio Local, na oferta de capacitação desses alunos e no encaminhamento ao mercado de trabalho. As alunas citadas nesse trabalho serão identificadas por pela primeira letra de seus nomes, assim como a pessoa que coordena o trabalho das mesmas no departamento em que as meninas executam suas tarefas. Partindo de algumas falas de T, a coordenadora do departamento em que as alunas K, F e P fazem estágio profissional vou tecer algumas considerações a respeito do que T aborda como objetivos que revela aquilo que se espera ou não se espera das pessoas com deficiência mental nesse ambiente de trabalho. Segue descrição do relato de T: Bem, em primeiro lugar, devo dizer que a intenção deste Gabinete ao abrir as vagas existentes para Estagiários “Especiais”, não tem como premissa maior que eles desenvolvam um trabalho propriamente dito, mas que eles aprendam com a convivência junto a outros estagiários as relações de trabalho entre as pessoas, captem a forma de se relacionar com pessoas diferentes, compreendam regras, posturas, comunicação, forma de se vestir, de se portar, enfim. Acredito que o ambiente de trabalho ajuda a compreender limites, ampliar fronteiras e abre um leque de perspectivas para toda uma vida, pois mostra um mundo mais amplo do que aquele oferecido apenas pelo lar, família e escola, ainda que este mundo profissionalmente para alguns, não leve a lugares tão distantes, o crescimento que ele oferece é impagável.

Frente a essas considerações feitas por “T”, parece-me apropriado explicitar a contradição presente no contexto de sua fala. Já no inicio do parágrafo, T revela que o gabinete, ao abrir vagas para estagiários “especiais” não tem como premissa maior que eles desenvolvam um “trabalho propriamente dito”, fica, portanto subentendido que a priori “T” parece não acreditar na capacidade de aprendizagem desses estagiários, entretanto em suas falas subsequentes se refere a aprendizagem deles através da convivência com os colegas e que a partir daí os estagiários poderiam “compreender” e “captar” as relações de trabalho, posturas, regras, enfim abririam um leque de perspectivas em suas vidas. No final de suas considerações nos deparamos novamente com uma frase que irá confirmar essa contradição apresentada por T no que se refere à aprendizagem, quando a mesma declara que o mundo profissional, para alguns não levará a um mundo tão distante, deixando outra dúvida no ar, afinal o trabalho para pessoas com necessidades especiais é importante e abre perspectivas de novas oportunidades ou não? No caso de abrir perspectivas para alguns e para outros não, isso obviamente não é prerrogativa de pessoas com deficiência já que para aqueles sem 46  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


deficiência pode acontecer o mesmo. Cabe então refletirmos sobre um aspecto importante contido nessa fala; a aprendizagem. O processo de aprendizagem pode ser definido de forma sintética como o modo como os seres adquirem novos conhecimentos, desenvolvem competências e mudam o comportamento. Essa definição é bastante ampla e encontraremos em vários autores distintos processos de aquisição dessa aprendizagem. Para Vygotsky, por exemplo, o pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo histórico-cultural. Sendo o pensamento sujeito às interferências históricas às quais está o indivíduo submetido, entende-se que, o processo de aquisição da ortografia, a alfabetização e o uso autônomo da linguagem escrita são resultantes não apenas do processo pedagógico de ensino aprendizagem propriamente dito, mas das relações subjacentes a isto. (Vygotsky, 1993, p. 44). O autor diz ainda que o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva. Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua base afetivo-volitiva (Vygotsky, 1991, p. 101). Desta forma não seria válido estudar as dificuldades de aprendizagem sem considerar os aspectos afetivos. Avaliar o estágio de desenvolvimento, ou realizar testes psicométricos não supre de respostas às questões levantadas. É necessário fazer uma análise do contexto emocional, das relações afetivas, do modo como a criança está situada historicamente no mundo. Isso nos leva a concluir que além dos aspectos biológicos que limitam a capacidade de aprendizagem das pessoas com deficiência mental há fatores que potencializam essas dificuldades. Deve-se considerar a deficiência mental não só pelos aspectos biológicos, mas também como uma condição que é socialmente construída, a vida desses sujeitos e dos estímulos que lhe serão oportunizados ou não no decorrer de sua trajetória. Em grande parte dos casos, por motivos sociais, culturais, econômicos e até políticos essas pessoas não podem contar com os meios e recursos necessários para que ocorra a superação de suas dificuldades. Retomando as falas de “T” e, dando significado a palavra aprendizagem, não existe qualquer dúvida a respeito das afirmações da mesma quanto às possibilidades que se abrem para aqueles que têm a oportunidade de frequentar lugares diferentes e partilhar da convivência diária com pessoas que não fazem parte do mundo cotidiano desses alunos estagiários e que passam por experiências distintas nesse processo. Experiências que trarão aprendizagens significativas, além de fortalecer a autoestima desses sujeitos tantas vezes desacreditados de sua capacidade. Mas há que se considerar uma mudança nos pressupostos e crenças a respeito dos objetivos traçados para inserir o deficiente mental no trabalho. Essa inserção não pode nem deve significar que se avalie o crescimento dessas pessoas nos mesmos moldes aplicados aos demais, tomando como referência um padrão 47  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


“normal”, e isso é o que ocorre na maioria das vezes. Observa-se essa tendência no relatório enviado por “T”, a coordenadora do estágio de trabalho de “K”, ”F” e “P” a respeito do aproveitamento das mesmas em suas funções: “Quanto a K: A Estagiária K captou bem a essência dos relacionamentos interpessoais, seu benefício maior, acredito que foi postural. Aprendeu a se portar e agir como um “Personagem” Profissional aprendeu que no ambiente de trabalho existem regras que devem ser cumpridas, que existe um jeito de se apresentar e portar dentro do ambiente de trabalho aprendeu que afora sua vontade própria existe uma vontade coletiva a ser cumprida e respeitada, aprendeu a se ver e a se respeitar como este “Personagem” Profissional. Dificuldades apresentadas: Não tem a iniciativa de saber que existem obrigações a serem cumpridas, se solicitada tenta fazer com a maior boa vontade, mas apenas se solicitada. Não captou rotinas, se coloca sempre numa posição de inteira dependência de alguém, não se solta, se for para acompanhar alguém nos trabalhos a serem executados, acompanha muito desenvolta, mas somente acompanhada. Observei falta de vontade da família em interagir com o ambiente do trabalho, uma certa desconfiança e comportamento arredio. Isto certamente influencia bastante o comportamento da Estagiária, que é introvertida e não aparenta muito conforto junto aos outros Estagiários, embora se porte muito satisfatoriamente como Profissional. O objetivo foi atingido em parte, pois como disse no início, nossa proposta é o crescimento pessoal de cada Estagiário, e digo em parte, porque a Estagiária tem potencial para ir um pouco mais adiante, e ratifico que a família poderia dar a devida importância à perspectiva de um desenvolvimento maior das relações interpessoais da K e o seu desenvolvimento pessoal. Quanto à “P”, entrou recentemente. Ainda não deu para perceber algum desenvolvimento Profissional, seja se dando conta que está num ambiente de trabalho, seja se dando conta que existem neste ambiente funções a serem executadas. Dá a impressão que ainda não percebeu o porquê está aqui. A mãe não interage com as pessoas do trabalho, não tem comprometimento com o desenvolvimento profissional da Estagiária. Precisaremos de mais tempo para verificar se realmente vai haver progresso e se vai acrescentar algo a Estagiária. Estou particularmente interessada neste caso, estudando formas de uma participação mais efetiva da Estagiária ao ambiente de trabalho. Quanto à “F” Estagiária, ela mostra a que veio. Interessada, dá muito importância para o fato de estar trabalhando. Desenvolve muito bem as atividades solicitadas, se oferece - para fazer outras, e atende ao telefone por vontade própria. Sabe suas funções, entende o mecanismo das funções do Setor, se relaciona com todos e de forma bem Profissional. Está a pouco no Setor, mas já mostra bastante potencial para se desenvolver bem mais. Está pronta para 48  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


ser ensinada, sabe sua posição no trabalho, no lar, na Escola e se situa bem no mundo. “Grande potencial e perspectivas de crescimento”. Não é necessário analisar o relatório de aproveitamento, item a item sobre as questões levantadas pela coordenadora, para não me tornar redundante, visto que na análise anterior isso já foi feito. Cabe salientar que de uma maneira geral nota-se a preocupação com os mesmos aspectos: dedicação, responsabilidade, comprometimento, iniciativa, etc. enfim aspectos que tem como padrão de referência o mundo das pessoas “normais”. Não que eu ache inadequado que estes temas sejam trabalhados e desenvolvidos ou que não reconheça as dificuldades cognitivas dos indivíduos com deficiência. O questionamento aqui diz respeito aos parâmetros utilizados nessa “avaliação” profissional bem como os objetivos a serem alcançados no trabalho. Ao escutar essas adolescentes sobre as perspectivas que as mesmas têm a respeito dessa nova vivência que estão tendo, me deparo com a dissociação entre o que é esperado delas e o que elas esperam de tudo isso. O que se verifica nessas falas é a satisfação em estabelecer novos relacionamentos, ter sua remuneração que propicia a efetivação do consumo de alguns objetos de desejo e principalmente o fato de se sentirem pertencentes ao mundo dos adultos, interesses e sentimentos condizentes com qualquer adolescente. Por outro lado, também se pode perceber em suas falas a maneira peculiar de revelar e pensar esses desejos, a lógica diferenciada de pensamento ao organizar e dar significado ao que sentem, a como sentem e sobre como enxergam o mundo ao seu redor. Cintia Leão, professora e orientadora escolar em uma escola especial do município de Porto Alegre, analisa com muita clareza esse aspecto em uma publicação da SMED (MORAES, 2007) ao descrever as etapas pelas quais passam as crianças e adolescentes em seu desenvolvimento e do modo linear, crescente e sequencial como essas etapas se desenvolvem, diferentemente dos indivíduos com deficiência mental que podem apresentar disparidade no desenvolvimento dessas etapas. Para exemplificar tais disparidades declara: o crescimento não ocorre como galgar degraus. Seria, talvez, como uma espiral ou uma linha que segue um trajeto próprio. Por exemplo, dentro da perspectiva piagetiana, aprendemos que para as crianças ingressarem no período operatório concreto ela precisa passar pelo período pré-operatório, vivenciar essa forma de pensar, simbolizar, classificar, seriar, enfim, superar essa etapa para adentrar a outra. Um adolescente com deficiência mental pode, por exemplo, apresentar formas de pensar condizentes com o período operatório formal, trazer elementos do operatório concreto sem ter vencido questões do pré-operatório. Isso lhe possibilita uma forma interessante de pensar, conceber o conhecimento e aprender, que não encontramos em nenhum manual. 49  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


Curioso analisar o contra ponto que se estabelece sob óticas tão diferenciadas da mesma realidade. Por um lado temos o olhar de “T”, a coordenadora do ambiente de trabalho das meninas em estágio, com a ótica da adaptação e da produtividade, conceitos tão íntimos ao mundo profissional, por outro, o olhar da professora que vê um caminho de possibilidades na diversidade, na diferença. Na verdade, fica explícita a dificuldade existente na inserção ou inclusão desses sujeitos com deficiência mental no mundo do trabalho quando observamos que a avaliação sobre a capacidade e crescimento dos mesmos muda de acordo com os diferentes olhares sobre o mesmo tema. Como inverter o conceito de incapacidade para possibilidade? Isso somente seria possível se tivéssemos realmente a ideia de inclusão de pessoas, de seres com capacidades e possibilidades diferenciadas e, não apenas de necessidades de mercado. A inclusão tem que se dar não como uma forma de produção e sim como uma aceitação das diferenças de pessoas que tem qualidades e problemas que podem contribuir não apenas como uma maneira diferenciada de trabalho e de relação interpessoais, mas sim como uma nova e diferenciada lógica que por sua própria origem não entende e nem se adéqua aos princípios da sociedade capitalista de consumo. A inclusão tem que ser compreendida como lugar de troca de possibilidades onde os indivíduos estabeleçam uma dinâmica de relações baseada nas capacidades ilimitadas de todo ser humanos e não dentro de parâmetros de competitividade e produção e, para que possamos efetivamente viver a inclusão e não apenas usá-la como discurso é necessário um movimento de transformação das relações sociais e da superação de concepções e pré-conceitos baseados historicamente na impossibilidade não só dos deficientes, mas de todos aqueles excluídos de nossa sociedade.

REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel G. Indagações sobre currículo. 2008 MORAES, Salete Campos. Educação Especial na EJA. 2007. VIGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo. Martins Fontes, 1993. VIGOTSKY. A Formação Social da Mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991. Moraes, Salete Campos. Educação Especial na EJA. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. 2007. *Pedagoga com habilitação em Educação Especial. Pós Graduação em Psicopedagogia. Professora na Escola Municipal Elyseu Paglioli e na Escola Estadual Alvarenga Peixoto. 50  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


Dicas que fazem diferença Viviane Loss

Ofereça ajuda sempre que uma pessoa cega parecer precisar. Mas, antes de fazer qualquer coisa, pergunte se ela realmente precisa de ajuda. E, só tome uma atitude se ela concordar.

Veja algumas dicas: * Ao guiar uma pessoa cega, deixe que ela pegue seu braço, dê preferência no cotovelo ou no ombro; * Não a pegue pelo braço. É perigoso e pode assustar; * Oriente sempre que encontrar degraus, meio-fios e outros obstáculos; * Em lugares muito estreitos para andar lado-a-lado, ponha o braço para trás, possibilitando que a pessoa cega siga você; * Ao sair de uma sala, não esqueça de avisar: é desagradável para qualquer pessoa falar para o vazio; * Não evite palavras como cego, olhar e ver. As pessoas cegas também usam; * Se você não souber como ajudar, pergunte o que deve fazer; * Ao indicar direções para uma pessoa cega, seja sempre o mais claro e específico possível. E não esqueça de indicar os obstáculos no caminho que ela vai seguir; * Como algumas pessoas cegas não têm memória visual, indique sempre a distância em metros (por exemplo: uns 20 metros à frente). Se você não souber como direcioná-la, pela ajuda, que ela lhe dirá a melhor maneira; * Ao guiar uma pessoa cega até uma cadeira, leve sua mão ao encosto e informe se a cadeira tem ou não braços; * Num restaurante, é educado ler o cardápio e os preços. 51  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


Não esqueça: uma pessoa cega é exatamente igual a você. O fato dela não enxergar não deve mudar a sua maneira de tratá-la. Ao conviver social ou profissionalmente com pessoas com deficiência visual, não pense na cegueira como um problema, e muito menos que ela possa excluir ou minimizar sua participação. Deixe que elas decidam como participar, com as mesmas chances de acertar e errar de qualquer pessoa. No caso de pessoas com visão subnormal (sérias dificuldade visuais), tenha o mesmo respeito, perguntando sempre se pode ajudar quando notar que elas enfrentam dificuldades. Ao sair com uma pessoa com Deficiência Física, fique atento às barreiras arquitetônicas na hora de escolher o lugar que vocês forem visitar. Quando a conversa for mais longa, sentese para ficar no mesmo nível do olhar do se acompanhante, afinal não é confortável ficar olhando para cima durante um tempo longo. Quando você ajudar a pessoa com deficiência física a descer uma rampa inclinada ou degrau alto, use a marcha à ré. Isso evita que a pessoa perca o equilíbrio e corra o risco de cair para a frente. Quando você estiver acompanhando uma pessoa com deficiência que utiliza muletas, acompanhe o ritmo de sua marcha. Não acelere, nem ande devagar demais. Não estacione se carro em vagas reservadas a pessoas com deficiência física. Estas vagas reservadas são mais largas para facilitar o desembarque para a cadeira de rodas e mais próximas da entrada para facilitar o acesso. Tome os cuidados necessários para que o seu acompanhante não tropece. No momento em que vocês sentarem em algum lugar, deixe as muletas sempre ao alcance das mãos de seu dono. A cadeira de rodas faz parte do corpo da pessoa com deficiência. Por isso, não segure e nem toque nela: apoiar ou encostar é como se você estivesse, fazendo isso na própria pessoa. Ofereça ajuda, mas nunca insista. Se preciso, a pessoa aceitará e dará todas as orientações sobre como agir. Ao insistir para ajudar, você pode provocar insegurança e constrangimento. Use tranqüilamente as palavras caminhar ou correr. As pessoas com deficiência também usam. 52  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


A comunicação com pessoas com Deficiência Auditiva exige que você fale claramente, distinguindo palavra por palavra. Mas não precisa exagerar: fale com a velocidade normal, a menos que lhe seja pedido para falar mais devagar.

Tome cuidado para que a pessoa com quem você fala enxergue a sua boca. A leitura dos lábios fica impossível se você gesticula segura alguma coisa na frente dos lábios ou fica contra a luz. Use o seu tom de voz normal, a menos que lhe seja pedido para falar mais alto. Não esqueça: gritar não adianta. Seja expressivo. Como os surdos não podem notar as mudanças sutis na sua voz, a maioria lê as expressões faciais, gestos e movimentos do seu corpo para entender o que você quer comunicar. Quando você quiser falar com uma pessoa surda, chame a atenção dela sinalizando com a mão ou tocando seu braço. Durante a conversa, mantenha sempre o contato visual. Se você olhar para outro lado, enquanto vocês conversarem, ela achará que a conversa terminou. Se você sentir dificuldade para entender o que ela estiver falando, peça para repetir ou mesmo escrever. Porque muito mais importante que o método, o que interessa é a comunicação. Quando a pessoa surda estiver acompanhada de um intérprete, fale diretamente com ela e não com o intérprete. Ao planejar um encontro, lembre-se que os avisos visuais são sempre úteis. Para assistir a um filme, se ele não tiver legendas, providencie um script ou o resumo do conteúdo. Procure interar-se sobre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Além de ser a segunda língua oficial do Brasil é através dela que os surdos se comunicam. A profissão de intérprete de sinais está regulamentada, além de ser um campo de trabalho interessante para ser explorado existem leis que obrigam a presença de intérpretes nas localidades públicas. Fique atento. Quando você pensar numa pessoa com deficiência mental, esqueça a última parte e lembre que, antes de tudo, ela é uma pessoa. O tratamento, dessa forma, é o mesmo: crianças são tratadas como crianças, adolescentes como adolescentes e adultos como adultos.

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Cumprimente a pessoa com deficiência mental de maneira normal e respeitosa, sem esquecer, também, de se despedir. Haja naturalmente e evite a super proteção. A pessoa com deficiência mental deve fazer sozinha tudo o que puder. E só vai precisar de sua ajuda quando ela for realmente necessária.

Todas pessoas têm seu tempo de aprender, mas têm capacidade para adquirir muitas habilidades intelectuais e sociais. Portanto, não subestime sua inteligência. É importante lembrar que a deficiência mental pode ser conseqüência de uma doença, mas não é uma doença. Ela é uma condição da pessoa. Nunca use expressões como bobinho ou doentinho quando se referir a uma pessoa com deficiência mental. E lembre sempre: deficiência mental não é doença mental.

Uma pessoa com paralisia não anda ou anda com dificuldade. Ela pode apresentar problemas na fala e movimentos estranhos ou descontrolados. Sua expressão facial pode apresentar gestos involuntários incomuns, sob a forma de caretas. Em geral. Essas pessoas são inteligentes e muito sensíveis. Elas sabem e compreendem que não são iguais às

outras. Quando você quiser ajudar uma pessoa com paralisia, não a trate bruscamente. Adapte-se ao seu ritmo. Caso você não consiga compreender o que ela diz, peça para repetir. Pode ter certeza de que ela compreenderá. A paralisia não torna uma pessoa diferente do você. Haja com naturalidade, sorria e não se deixe impressionar pelo seu aspecto. Ao contatar pessoas com deficiências dê o mesmo tratamento que as demais pessoas recebem. Acima de tudo, são cidadãos e, dessa forma, têm os mesmos deveres e direitos de todos. Muitas vezes, as limitações podem interferir no desempenho de algumas funções, principalmente as que exigem precisão de movimentos ou uma execução rápida. Por outro lado, existem outros potenciais a serem explorados de acordo com a função. O tratamento mais correto é, sem dúvida, respeitar a pessoa 54  ●  EDUCAÇÃO ESPECIAL


com deficiência frente às suas limitações e valorizá-la pelas suas capacidades.

A pessoa com Autismo apresenta resistência à mudança de rotina, ao aprendizado e ao contato físico. Na infância, usa as pessoas como ferramentas, age como se não ouvisse, não mantém contato visual e não interage com outras crianças.

Apresenta, também, acentuada hiperatividade física, risos e movimentos não-apropriados, comportamento indiferente e arredio. Pode, às vezes, apresentar comportamento agressivo e destrutivo, não demonstrando medo de perigos. As pessoas com Autismo demonstram um apego não apropriado a determinados objetos, girando-os de forma peculiar. Essas crianças necessitam de um dia altamente estruturado e previsível. Apesar de precisarem ter sua personalidade respeitada, devem aprender normas habilidades necessárias a qualquer outra criança. Quando o autista não possuir a linguagem falada, faz-se necessário o ensino de outras formas de comunicação. A pessoa com Altas Habilidades apresenta acentuada curiosidade e persistência em satisfazer seus interesses. Possui senso de humor altamente desenvolvido e, também, senso crítico em relação a si mesmo e aos outros, não sendo propensa a aceitar afirmações, respostas ou avaliações superficiais. Essas pessoas apresentam facilidade para entender os princípios gerais e, com a mesma facilidade, propõem muitas idéias para um estímulo específico. Apresentam grande sensibilidade a injustiças, tanto em nível pessoal como social. Facilmente, observam inúmeras relações entre objetos, idéias e situações, apresentando uma forma original de resolver problemas. Caracterizam-se também, por possuir imaginação e criatividade aguçadas, demonstrando talento incomum para artes, música, dança, esporte, literatura, línguas, informática e outros.

REFERÊNCIA Guia da Inclusão Social - FADERS.RS.

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Esta revista aborda a educação de um lugar especial, designação que vai além de uma tipologia de atendimento, constitui-se na ousadia de experenciar e propor formas diferenciadas de ser escola. Refiro-me a Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Prof. Elyseu Paglioli, que no ano de 2013, completa 25 anos de existência e resistência na rede pública de ensino e compartilha com o leitor textos e imagens realizadas por suas professoras. Ensaios, artigos, relatos abordam o fazer, pensar sobre o ensino e a aprendizagem. Encontramos diferentes enfoques, concepções teóricas, modos de vida que afirmam o poder de criação da diversidade. Anelise Barra Ferreira


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