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O ESTADO DE S. PAULO

LAVAR, DESCASCAR, ATACAR

28 DE MARÇO A 3 DE ABRIL DE 2013

Não adianta investir no bacalhau. Se as batatas não estiverem no ponto, não há Gadus morhua que segure o prato. Por isso reunimos especialistas para traçar um manual batateiro com preciosas dicas de preparo

Aqui só tem batata quente Lucinéia Nunes Cíntia Bertolino ESPECIAL PARA O ESTADO

Osdescobridores doNovoMundo levaram as batatas dos Andes para a Europa, de onde se espalharam pelo planeta (leia abaixo). Encantados, os portugueses fizeram do tubérculo a principal companhia do bacalhau. A dupla convive bem há séculos e ganha notoriedade especial todo ano na Semana Santa. Para que o casal bacalhau e batata chegue à sua mesa em harmonia, pedimos ajuda ao professor Francisco Rebêlo, coordenador do Centro de Gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, e ao chef português Vítor Sobral, do restaurante Tasca da Esquina, em Lisboa com filial em São Paulo. Sobral é um especialista no assunto e autor de As Minhas Receitas de Bacalhau, que acaba de sair pelo Senac. Preparou as batatas desta página – as proporções e quantidades exatas você encon-

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Quarteto Dos milhares de variedades de batata, cerca de 200 são domesticadas. Em São Paulo, estas quatro são as mais comuns

tra no site, junto de cada receita debacalhau.Nestapágina,reunimos as dicas mais preciosas para você acertar no preparo. Vá comprar batatas. Capriche

na escolha: elas devem estar com a casca uniforme, sem marcas de amassado, lisas e sem brotos. Apesar de ser encontrada o ano inteiro, a batata prefere o frio. O auge da safra é no inverno, quando ela fica mais gostosa – e mais barata. Guarde as batatas em lugar seco e arejado. Frescas, duram pelo menos uma semana. Depois disso, começam a murchar e ficam ruins. Calor e umidade aceleram o processo de deterioração. Quando uma batata estragar, jogue logo fora, para que ela não estrague as outras. Vá assar batatas. Para saber se

está cozida ou assada espete um garfo: se entrar e sair com facilidade está pronta. Não use faca, ela pode fazer parecer que está no ponto antes da hora.

Purê

Boa para fazer batata frita ou cozida, ela é a mais fácil de reconhecer: tem a casca avermelhada, destacando-se entre as variedades amarelas.

Boa para cozinhar e assar. Ruim para fritar, pois é aguada e tem pouco amido. É a batata mais comum no Brasil. Passou a ser cultivada em 2000 e hoje corresponde a 80% da produção nacional.

Boa para fazer conservas, para assar inteira com sal e alecrim ou fazer ao murro. É uma versão menor de Asterix ou de Ágata, mais fácil de ser encontrada. Boa para assar, cozinhar e fritar (embora não seja ideal para fritura). Por ter boa quantidade de matéria seca é considerada uma batata multiuso. Vem da Holanda. FOTOS: FELIPE RAU/ESTADÃO

Assada ● Para acompanhar

o ensopado de bacalhau com hortelã e poejo

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Corte em gomos as batatas

com pele e as acomode numa assadeira. Tempere com sal, pimentado-reino moída na hora, tomilho, um pouco de vinho branco e regue com bastante azeite. Cubra com papel-alumínio e leve ao forno preaquecido a 150˚C, por cerca de 1h30.

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● Dica: Nada é pior que batata ● Para servir com

o bacalhau à zé do pipo Cozinhe as batatas com a pele em água com sal. Quando estiverem macias, escorra e as descasque ainda quentes. Amasse com espremedor manual. Volte a panela ao fogo baixo, adicione manteiga ou azeite, mexendo sempre e com bastante cuidado para não deixar queimar até conseguir um purê homogêneo. Tempere com sal e pimentado-reino moída a gosto.

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● Dica: Cozinhar a batata

com casca é uma forma de reter o amido, o que dá melhor textura ao purê.

Ao murro

Palha

● Para a receita de

● Para o bacalhau à brás

bacalhau à gomes de sá Descasque as batatas, corte em rodelas de 1,5 cm de espessura. Cozinhe em fogo baixo, em água temperada com sal, pimenta-do-reino preta em grãos, folhas de louro e um fio de azeite. Desligue o fogo quando as batatas espetadas com um garfo não oferecerem resistência.

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● Dica: A batata deve ser cozi-

sado com batatas ao murro Ponha as batatas bolinhas com casca numa assadeira funda, cubra com bastante sal grosso. Leve ao forno preaquecido a 180˚C, por cerca de 40 minutos. Verifique o ponto espetando um garfo. Ele deve entrar e sair facilmente. Remova o sal grosso com a ajuda de uma faca.

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No Peru, o Centro Internacional da Batata reúne 10 mil variedades do tubérculo – 80% das batatas que existem.

Cozida

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● Para a receita bacalhau as-

10 mil tipos

crua no prato servido. O erro é comum em preparos com bacalhau porque o peixe assa mais rápido que a batata. Uma posta de 250g leva, em média, de 10 a 15 minutos para assar a 180˚C. Se a batata estiver em pedaços grandes, ficará crua. E se o bacalhau ficar no forno por mais tempo, ressecará. Solução: corte fatias finas de batata, faça uma pré-cocção e termine o cozimento no forno com o bacalhau. Ou, se preferir, prepare o bacalhau e a batata separados e só os junte na hora de servir.

Ele soltará facilmente. Pressione as batatas com a palma da mão delicadamente até que elas comecem a abrir. Volte-as ao forno preaquecido a 180˚C, durante 12 minutos, com lascas de alho e azeite extravirgem.

Descasque as batatas e corte em lâminas de 1 mm de espessura. Depois corte em tirinhas de 5 mm de largura. Lave as batatas em água gelada e seque bem com um pano antes de fritar. Frite-as em óleo aquecido a 170˚C (fogo baixo) até que comecem dourar.

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● Dica: Para deixar as batatas

crocantes, a dica é lavá-las bem para tirar o excesso de amido e

da com a panela aberta, em água fria e com sal.

Entrevista

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Hervé This, químico e autor de Um Cientista na Cozinha

‘Por que gostamos de batata? Essa é fácil!’

● Dica: A batata cozida ou assada com a casca deve ser previamente lavada para não ficar com gosto de terra.

TUBÉRCULO HISTÓRICO

Da revolução à globalização Conhecidahá8mil anosnaAmérica, a batata (Solanum tuberosum) foi levada para a Europa – do Peru ou da Colômbia –, por volta de 1570. Foi o pontapé inicialda globalização dotubérculo que se tornou um dos alimentos mais cultivados no planeta. Mas a batata não caiu no gosto do povo tão rápido. As primeiras a cru-

zar o Atlântico eram pequenas, amargas, aguadas. Eram de uma variedade que não se dava muito bem com latitudes mais altas, diz Alan Davidson em The Oxford Companion to Food. No Velho Continente a batata foi temida por muito tempo por causa da solanina (um componente tóxico) até que fosse do-

secar com pano antes de fritar. O mesmo vale na hora de assálas. O chef Vítor Sobral recomenda fritar em óleo de amendoim com um pouco de azeite.

mesticada e cultivada, inicialmente na Holanda. Na Prússia e na Suécia decretos reais ordenavam a plantação do vegetal. Os europeus só se renderam a ela quando não tinham mais o que comer nas guerras do século 18: o tubérculo escapava da vista dossoldados inimigos quepilhavam tudo o que crescia à vista. NaFrança,onde hojeéonipresente à mesa, ela só se popularizou de fato quando foi aceita pelacorte.O oficialdoExército Antoine-Auguste Parmentier, depois de conhecer a batata na prisão prussiana (ele fora detido na Guerra dos Sete Anos – 1756 a 1763),levou-aaoreiLuís16econ-

venceu Maria Antonieta a se enfeitarcomfloresdebatatanovestido. Em 1793, na França revolucionária, rolava a cabeça do rei – e o jardim real das Tulherias tornava-se um batatal. Do século 19 para cá, o vegetal americanoganhou enfimo mundo. Em The Untold History of the Potato, o historiador inglês John Reader justifica o sucesso doque ele chamade superalimento:“As batatas crescem na altitude do Mont Blanc ou ao nível do mar. Sobrevivememterrasáridas, florescem em nortes glaciais e crescem,selvagens,naflorestatropical”. Viva a batata. /JOSÉ ORENSTEIN

O químico francês Hervé This interessa-se mais pelo que acontece em um suflê do que na superfície de Marte. Autor de mais de uma dezena de livros e “atualmente trabalhando em vários títulos ao mesmo tempo”, ele falou com o Paladar sobre batatas. ● Por que gostamos de batata?

Por que gostamos de batata? Essa é fácil. O ser humano adora alimentos com amido. Fomos condicionados assim, é um reflexo de sobrevivência. Quando comemos batata, enzimas liberam, uma a uma, moléculas de amilose e amilopectina. Essas moléculas mantêm um fluxo contínuo de energia, responsável pela sensação de bem-estar. Amido não tem sabor especial, mas o corpo humano o adora.

● Como preparar um bom purê?

Há tipos de batatas que servem melhor para purê: as com menos amido. A gordura é muito importante. Sugiro manteiga. ● Dá para chegar a uma boa tex-

tura em casa?

Em casa, ao amassar as batatas com um garfo, as células da batata se separam, mas não quebram. Elas se quebram quando se usa o mixer. Com o mixer há mais liberação de amido, o que torna o purê grudento. Há quem prefira um, há quem goste do outro. ● Há como salvar o grude?

Sim, o ideal é usar um tipo de gordura como manteiga ou creme de leite. Outra alternativa é bater o purê para incorporar ar e torná-lo um pouco mais leve.


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