Reportagem "Liberdade de andar de mãos dadas"

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SOCIEDADE || 11

JUP || julho 10

Acho perigoso, sendo nós a próxima geração a integrar o mercado de trabalho, que ainda haja discriminação baseada nas preferências sexuais. carla barbosa preconceitos. “É preciso esfregar na cara das pessoas que nós existimos, assim elas acabam por se habituar”, defende a estudante de audiovisuais. Para Catarina Castanheira, uma das representantes da Juventude Socialista na organização da Marcha, o caminho da aceitação passa largamente pela via legal. A estudante da Faculdade de Ciências da UP considera que “o que tem mais efeito são as medidas que são tomadas na lei”. Explica que, depois da aprovação da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, notou-se mais à-vontade entre as pessoas, levando muitos homossexuais em mostrar-se mais abertamente, “havia mais casais a andar de mãos dadas na faculdade”. Contudo, a estudante da FCUP também reconhece que é necessário sair à rua: “Há aquelas pessoas a quem custa mais, que até se sentem mal por terem esse preconceito, mas foi assim que foram habituadas”. Catarina acredita que os homossexuais devem mostrar-se, pois é esse o caminho para a aceitação por parte das outras pessoas. “Fico contente porque daqui a alguns tempos as pessoas não têm sequer que pensar que têm esse direito, já vai ser uma coisa natural”, espera a jovem. Para João Paulo, fundador e editor do site PortugalGay.pt, todos estes factores são complementares. “Todo o trabalho ao longo de todos os anos são degraus que subimos e às vezes atingimos alguns patamares, como o casamento homossexual”, explica. Apesar de haver ainda muito preconceito, João confessa que o apoio, muitas vezes, vem de onde menos se espera. Na primeira festa do Porto Pride, em 2001, no Porto Rio, João saiu “com receio porque foi a primeira vez que se fez um evento gay de forma aberta, declarada, e tenho consciência da ci-

dade onde vivo. E foi precisamente o contrário daquilo que pensava”, relembra. O editor do PortugalGay conta que recebeu imenso apoio moral, havendo muitos jovens para quem a festa foi “mais um passo, mais um degrau que subiram”. João Paulo recorda ainda que, quando foi feito uma espécie de barómetro no mercado do Bolhão por altura da primeira Marcha do Orgulho LGBT no Porto, as pessoas reagiam ao facto de se ter decidido organizar a MOP só depois da morte da Gisberta (transexual assassinada em 2006). “Porque só agora? Foi preciso aqueles rapazes terem feito o que fizeram?” Casamento homossexual João reconhece que o alargamento do direito ao casamento para casais homossexuais é um passo importante na vida destes, permitindo pensar nas relações como um projecto de vida. Rita, estudante da ESMAE, concorda plenamente com a ideia, pois a orientação sexual não retira – ou não deveria retirar – direitos aos cidadãos. A estudante afirma que, já que “as famílias deveriam ser formadas com base no amor e no apoio mútuo entre um casal, porque é que os casais homossexuais não podem ver a sua situação oficializada? O amor é o mesmo!”. Quando perguntamos o que pensa um jovem de 19 anos em relação ao casamento, Pedro responde que a alteração da lei tem um significado simbólico. O facto de a lei existir não significa que o casamento passe a ser necessariamente uma hipótese, mas é um factor que traz

xuais. André Almeida tem 20 anos e frequenta um curso profissional na Escola Secundária da Maia. É homossexual assumido desde os 16 anos. André é contra a aprovação da lei da adopção por casais homossexuais, pelo menos por enquanto: a sociedade ainda não está preparada para aceitar crianças de pais que ainda são considerados diferentes. “A primeira ficha que toda a gente recebe é para preencher com o nome do pai e da mãe, a partir daí já começa mal. A criança torna-se ridícula perante a comunidade da escola”, defende o estudante.

é diferente causa-nos dificuldade de aceitação. Além da dificuldade em terem de aceitar, também é saber o sofrimento que poderá vir daí”. Foi no sentido de defender o futuro dos seus filhos que foi criada a Associação Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual. A AMPLOS procura esclarecer e promover a aceitação da homossexualidade entre pais que descobrem a orientação sexual dos filhos e também por parte das outras pessoas. A AMPLOS nasce, assim, da preocupação em criar condições para que os filhos sejam aceites pela sociedade.

A reacção dos pais Se os problemas surgem na escola, assumir a homossexualidade também não é fácil em família. Como em alguns exemplos acima, a aceitação dos pais nem sempre é pacífica. Rita, a estudante da ESMAE, pensa que é necessário existir uma certa estabilidade emocional e até uma independência para que os pais não pensem que é “só uma fase”. Explica: “já tive simplesmente demasiados exemplos de amigos e conhecidos para saber que esperar nunca fez mal a ninguém”. Pedro Varela conta que não teve problemas mais sérios com os pais, mas acha natural que, no início, a reacção seja “contrariar a tendência”, chamando a atenção para pessoas do sexo oposto na esperança que se interesse por elas. O estudante compreende que existem certas expectativas criadas pelos pais – que os filhos cresçam, casemse e sejam felizes, criando também os seus filhos – que podem entrar

“Coming in” Aceitar a homossexualidade pode ser difícil também para quem começa a tomar consciência da sua orientação sexual. Pedro Varela explica que, para além da pressão para não quebrar as expectativas dos pais, existe a própria dificuldade em pensar num futuro diferente daquilo que se considera “normal”. Para Rita, o “coming in” (o período de aceitação pelo qual um indivíduo passa para tomar consciência da sua homossexualidade) pode ser complicado, especialmente quando, mesmo dentro do universo LGBT, somos diferentes dos outros. “No mundo heterossexual, se somos ligeiramente ‘desligados’ ou difíceis de agradar, não deixamos de ser heterossexuais. Mas e se isso acontece quando já nos afirmamos como homossexuais?” Rita acha que a sua experiência deixa abaixo o preconceito de que o meio homossexual gira à volta de sexo. E explica: “Descobri que lá porque não somos ou temos a necessidade constante de ser sexualmente activos, não quer dizer que não estejamos abertos para encontrar alguém que nos complete”.

Reunião do MOP

marcha do Orgulho LGBT Porto A MOP nasceu em 2006, fruto da iniciativa de alguns movimentos já existentes. A organização tem vindo a crescer e, apesar de muitos mais movimentos se juntarem à Marcha no dia 10 de Julho, são estas as associações que fazem desta MOP a maior de sempre. Bloco de Esquerda Caleidoscópio LGBT CASA - Centro Avançado de Sexualidades e Afectos Grupo Identidade xy - Sindicato unificado da Polícia Juventude Socialista Mica-me Panteras Rosa - Frente de Combate à LesBiGayTransfobia Partido Humanista Poly-Portugal Ponto Bi PortugalGay.pt REDE PJIOMH - Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens SIPE - Sindicato Independente de Professores e Educadores SOS Racismo UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta Para saber mais sobre a MOP, consulta o site www.orgulhoporto.org

aline flor

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segurança para pensar num futuro com menos preocupações. Um futuro por preparar Pensar no futuro é uma das partes mais complicadas para os homosse-

em conflito com a “nova realidade”. Rosilda Portas, que já é avó, explica que a maior dificuldade para os pais pode não ser apenas a sexualidade dos filhos, mas a preocupação com o seu bem-estar: “Tudo o que

“É preciso esfregar na cara das pessoas que nós existimos, assim elas acabam por se habituar”. rita Helena Costa


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