Debaixo das pedras

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Para a minha tia Natália, a guardiã do bosque.

A. S.

À Meri e ao Víctor. L. D.

Nasci em Milão, em Itália. Era lá que frequentava a escola, mas passava os verões em Onzo, uma aldeia de camponeses encaixada entre o mar e a montanha, nas colinas da Ligúria. Sempre gostei de investigar, de aprender com as pessoas e com o mundo à minha volta. Talvez tenha sido isso que me levou a estudar linguística e línguas antigas e modernas. Talvez por isso goste tanto de ser editora e, de vez em quando, de escrever histórias e poemas sobre o que vejo e sobre os meus encontros mais ou menos fugazes com qualquer manifestação de vida.

Um dia em que o sol queimava fui dar uma volta de bicicleta. Lembrei-me de levantar uma pedra, das muitas que havia; escolhi precisamente aquela. Desenroscou-se uma centopeia fluorescente e desatei a correr. Ainda ando de bicicleta, mas agora desenho as pedras e imagino o que se esconde lá debaixo. Encontrei-me com a ilustração há uns anos, não muitos, e desde então tem-me feito sentir como um quarto cheio de janelas que recebe convidados inesperados, um refúgio onde posso sussurrar segredos enquanto desenho.

Título original: Bajo las piedras Publicado por AKIAR A books Plaça del Nord, 4, pral. 1.ª 08024 Barcelona (Espanha) www.akiarabooks.com/pt info@akiarabooks.com Primeira edição: maio de 2020 Coleção: Akipoeta, 2 Direção editorial: Inês Castel-Branco Revisão: Catarina Sacramento Caligrafia dos títulos: Víctor Domènech

© 2020 © 2020 © 2020 © 2020

Arianna Squilloni, pelo texto Laia Domènech, pelas ilustrações Maria João Moreno, pela tradução AKIAR A books, SLU, por esta edição

Depósito legal: B 9.351-2020 ISBN: 978-84-17440-68-8

Este livro foi impresso sobre papel Offset Arena Natural Rough de Fedrigoni, com uma gramagem de 140 g/m2 para o miolo e de 300 g/m2 para as capas dípticas, cosidas com fio à vista.

Impresso em Espanha @Agpograf_Impressors

Este produto foi feito com material que provém de florestas certificadas FSC ®, geridas de forma responsável, e de materiais reciclados.

Reservados todos os direitos

Na tipografia, usou-se a Futura Lt BT.




O

s meus avós trabalham no campo, de sol a sol. Às vezes, fico lá com eles durante um tempo. Remexem a terra quando acham que precisa de arejar. Passeiam na horta entre as plantas, observando folhas, caules, flores e frutos. Espiam os insetos e outros animais vorazes para terem a certeza de que não há nenhum escondido, mimetizado nalgum recanto, fingindo não estar ali. Quando nos detemos a observar o campo, vemo-lo fervilhar de vida, uma vida que sabe deslocar-se tão depressa como um raio, mas que também sabe demorar-se em esperas intermináveis. Na primavera, à noite, na orla dos campos, brilham os pirilampos. Quando os vemos, são lampejos tão fugazes que ficamos na dúvida se não foi apenas imaginação. Às vezes, os pirilampos não têm asas. O meu avô conta-me que são as fêmeas. Estas emitem uma luz constante, são como um botão nas margens das veredas. Iluminam a noite. Como um farol. Para lá dos campos, há o bosque. O bosque de castanheiros que conduz aos prados. Uma vez por ano, na época da ceifa, ficamos todos a dormir nos prados sob a luz das estrelas.


Na vida da carraça, cada fase dura o que se demora a engolir uma refeição completa. O resto é uma longa espera. É preciso ser persistente para estar sempre alerta. Eu não conseguia. Os ladrões, os agentes secretos e os espiões escondem nas suas entranhas uma alma de carraça.



O sapo gosta da chuva. Gosta tanto da chuva que debaixo de um aguaceiro se torna despistado. A meio do caminho finge escorregar, mas o que deseja é sentir o tamborilar das gotas de água sobre a barriga. Dá uma pirueta, vira-se, retoma a compostura e desata a andar decidido pela noite fora. Eu estudei a tática do sapo, observei-o atentamente. O sapo a mim não me engana.




A aranha passeia agarrada aos fios da sua teia. Isso sabes tu e sei eu. Porém, ao entardecer, quando a luz se torna melosa como a água do mar em calma, se vires uma aranha a trepar lentamente ao topo de uma árvore, não pensarás em fios ou teias ou qualquer outra aderência. Se a vires, dirás muito convencido que uma aranha, essa aranha, encontrou os caminhos ocultos do ar e se desloca ligeira pelos carreiros do céu.



Quando a noite desce à Terra, o pirilampo brilha paciente. A sua luz, que não tremula, anuncia um porto seguro ao caminhante extraviado no final do dia. Dizem que onde brilha um pirilampo há sempre uma porta que ainda não se fechou.


Q

uando nos detemos a observar o campo, vemo-lo fervilhar de vida, uma vida que sabe deslocar-se tão depressa como um raio, mas que também sabe demorar-se em esperas intermináveis. I SB N

978-84-17440-68-8

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Um canto aos pequenos detalhes e às maravilhas da natureza.


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