Coração de pássaro

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Nasci em Valência, no mês de julho. Nasci amarela, puseram-me ao sol e chamaram-me Mar. Acho que é por isso que gosto tanto do verão como gosto de gatos, crianças, livros e poesia. Depois fui morar para a floresta, e desde então também gosto de árvores, sapos e esquilos. Essas são as minhas coisas preferidas. Escrevo, recito e toco, não por essa ordem, mas com o mesmo entusiasmo. Tenho muitos livros. E gosto de visitar escolas e bibliotecas, de estar com pessoas de todas as idades e brincar com palavras e poemas. Penso que o mundo tem coisas bonitas, mas também muitas coisas horríveis, e é por isso que persigo a beleza através da poesia, porque tudo o que ela toca fica sempre um pouco mais bonito.

Nasci depois do 25 de Abril, no outro lado do oceano. Não apanhei os ventos da Revolução, mas levito cinco palmos acima da terra quando me ponho a desenhar ideias e a afundar pincéis em boiões de tinta. Vivo entre lápis, pincéis, agulhas, cães, guitarras, adolescentes e tabuadas. Esforço-me por esticar o tempo, mas nem sempre consigo e por isso faço várias coisas em simultâneo. Habito num labirinto de livros, brinquedos, tintas e papéis, onde nascem ilustrações que vão sendo publicadas em revistas, jornais e também em livros para crianças e adultos. Gosto de dançar e fazer música, desenhar figurinos e cenários, ler e passear à beira-mar.

Título original: Corazón de pájaro Publicado por A K I A R A books Plaça del Nord, 4, pral. 1.ª 08024 Barcelona (Espanha) www.akiarabooks.com/pt info@akiarabooks.com Primeira edição: maio de 2020 Coleção: Akipoeta, 1 Direção editorial: Inês Castel-Branco Revisão: Catarina Sacramento

© 2020 Mar Benegas, pelo texto © 2020 Rachel Caiano, pelas ilustrações © 2020 Maria João Moreno, pela tradução © 2020 A K I A R A books, SLU, por esta edição

Impresso em Espanha: @Agpograf_Impressors Depósito legal: B 9.348-2020 ISBN: 978-84-17440-65-7 Reservados todos os direitos

Este livro foi impresso sobre papel Offset Arena Natural Rough de Fedrigoni, com uma gramagem de 140 g/m 2 para o miolo e de 300 g/m 2 para as capas dípticas, cosidas com fio à vista.

Esta obra contou com o apoio da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas de Portugal.

Este livro foi impresso com papel certificado FSC, proveniente de fontes que respeitam a sociedade e o meio ambiente, e pode ser considerado um «livro amigo das florestas».




Ela nasceu junto ao mar. Havia redes, barcos, areia e pedras suaves como a brisa. Estrelas-do-mar, bĂşzios e tardes a saborear melancia no embarcadouro. Havia vidros macios e arredondados oferecidos pelo mar. Havia uma praia de seixos rolados, onde as pedras tagarelavam com as ondas, sem cessar: clique-clique-claque-cloque-cloque-clique-clique. Ela aprendeu a falar esse idioma misterioso antes de saber dizer sol.


A Nana tinha um amigo. Era o seu vizinho, filho do padeiro. Trazia-lhe bolos acabados de fazer, e os dois corriam de mĂŁos dadas pela encosta abaixo atĂŠ chegarem Ă praia.



Ele era o único a quem a Nana revelava os seus tesouros mais preciosos: — Olha, tenho um sol minúsculo. — Mas… é um búzio — disse o Martim. — Não, é um sol pequenino que brilhou até me cegar. Agora, tenho uma estrela só para mim… e para ti, se quiseres. E olha estas pedras tão macias… são as línguas da terra. Elas estão sempre, dia e noite, a contar coisas ao mar, queres ouvi-las? — Quero — respondeu ele.


E correram de novo, outra vez de mãos dadas, até à praia de seixos rolados. Sentaram-se numa rocha. Escutaram atentamente. Era verdade, as pedras falavam, chocando umas contra as outras: clique-clique-claque-cloque-cloque-clique-clique. As ondas respondiam, incessantemente, num suave murmúrio. Ali permaneceram muito tempo juntos, escutando aquele diálogo interminável. E o Martim mostrou um bolo, quase acabado de fazer, e partilharam-no. E deram um beijo.


Depois, cada um voltou para sua casa. Já à porta, antes de a fechar, a Nana disse: — Um dia, falei à minha professora sobre o sol que guardo e sobre as coisas que vou encontrando. E ela disse-me que, se eu tinha encontrado um sol minúsculo, tinha encontrado um verdadeiro tesouro. Que o guardasse bem e cuidasse dele para sempre. Porque todas as coisas que vou encontrando, tudo o que o mar me explica quando dele me aproximo, ou quando rugem as tempestades, ou tudo o que a folhagem de outono me conta… tudo isso se chama poesia.




— Ah, então, eu também gosto de poesia — concluiu ele. E o Martim pensou que a poesia eram pedras e búzios, e vidros macios coloridos, e uma chave, e um pedaço de rede de pesca, e um monte de folhas amontoadas no chão. Pensou que a poesia era isso: um sol na areia, ou ser capaz de ouvir a terra a falar com as ondas.


AKIPOETA A Nana nasceu numa ilha, junto ao mar, e fazia perguntas às quais ninguém sabia responder. Os seus olhos viam o que quase ninguém vê, e a Nana precisava de escrever sobre tudo isso, para não lhe escapar como a areia entre os dedos. Um conto muito belo sobre o nascimento da poesia e do amor.

ISBN

978-84-17440-65-7

9 788417

440657


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