A pena

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Esta é a história de uma pena que um dia perdeu o seu voo.

Da asa forte e cinzenta de uma pomba caiu ao chão, entre matagais, pedras e barro. Mas as quedas nunca são tão más como parecem…

ISBN 978-84-17440-08-4

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Quando uma estrela morre, nasce outra no seu lugar. provérbio beduíno

Nasci em 1944 numa pequena aldeia da província de Buenos Aires, Argentina. Até aos cinco anos vivi numa casa com vários cães, com cheiro a campo e a chuva, para onde o meu pai levava cada animal que encontrava: uma coruja ferida, uma raposa pequena, uma galinha preta que cacarejava à noite ou uma tartaruga enorme. Sobre cada uma dessas criaturas o meu pai inventava uma história para adormecer os três irmãos. A mais pequena não entendia muito, mas mesmo assim herdou a graça familiar para contar e descrever ambientes. Eu, o irmão mais velho, durante anos escrevi livros para adultos, mas quando cheguei aos sessenta dei-me conta de que havia uma infinidade de relatos que queria pôr por escrito para crianças e adolescentes. Em primeiro lugar, para homenagear os meus pais; e, em segundo, porque eu próprio me sentia mais perto da minha infância do que quando era jovem, simplesmente agora no caminho de regresso. Publiquei uns trinta livros e ainda espero escrever mais. Quando me perguntam porque é que escrevo, respondo que é pelo prazer de contar e pelo amor às palavras.

Nasci em Barcelona no verão de 1978. Revejo-me, em pequena, a desenhar nos livros de contabilidade do meu avô. Lembro-me perfeitamente daqueles cadernos tão grossos, do cheiro rançoso e do papel antigo e amarelado. Poder dar vida àquelas páginas aborrecidas dava-me um prazer inexplicável. Olhando para trás, reconheço que o amor por ilustrar me vem de longe. Já em miúda era muito observadora, fascinavam-me as pessoas que sabiam contar histórias que me faziam sonhar e adorava desenhar. Agora sei que estes três ingredientes me aproximavam, quase inevitavelmente, do maravilhoso ofício que é a ilustração. Ilustrar apaixona-me porque é um trabalho imprevisível que me questiona constantemente. Há dias em que me leva a denunciar a injustiça e, noutros, a recorrer à ironia para explicar o mundo. Para ilustrar o extraordinário relato de Mario, utilizo, para os fundos, transferências de fotografias feitas pelo meu querido companheiro de aventuras, o Dani. Desejaria, aqui, agradecer-lhe a sua paciência e o seu amor.

Publicado por AKIARA books | Plaça del Nord, 4, pral. 1.ª | 08024 Barcelona | Espanha | www.akiarabooks.com | info@akiarabooks.com | Primeira edição: abril de 2018 Coleção: Akialbum, 3 | Impressão e encadernação: Agpograf, SA | © 2018 Mario Norberto Satz Tetelbaum, pelo texto e o «Guia de leitura» | © 2018 Maria Beitia Calaf, pelas ilustrações e a capa | © 2018 Inês Castel-Branco, pela tradução | © 2018 AKIARA books, SLU, por esta edição | Depósito legal: B 5.923-2018 | ISBN : 978-84-17440-08-4 | Printed in Spain Reservados todos os direitos


Texto de Mario Satz Ilustrações de Maria Beitia



Uma vez, hĂĄ muito, muito tempo, aconteceu que,

numa zaragata entre pombas, uma delas perdeu uma pena. Foi no ano dois mil e tal, e a perda deu-se de madrugada, na primavera. A pena caiu lentamente, girando sobre si prĂłpria atĂŠ aterrar num prado onde cresciam matagais e as pedras faziam companhia umas Ă s outras.


Ao princípio, a pena viveu esse desprendimento como uma viagem à mais absoluta solidão, uma situação incompreensível e triste.


Primeiro teve calor e depois frio. O vento levantou-a uns centĂ­metros e voltou a deixĂĄ-la cair. Passou de viver em voo e de viajar por ares sempre novos a sentir-se num meio desconhecido.


Ela, que tinha crescido numa asa forte e cinzenta, que não temia o frio nem a chuva, que observava o mundo do cimo dos altos pinheiros e dos carvalhos sombrios, achou que era difícil a sua nova situação, ali, estendida no chão, em contacto com um pó que, por vezes, se convertia em barro e a sujava.



A pena que perdeu o seu voo passou vรกrios dias abandonada por todos, em contacto com a terra e os seus pequenos tesouros: um calhau, um galho, o musgo vivo.


Um dia, meio adormecida ainda pela luz da aurora, uma mulher que passava ao seu lado deteve-se. Diante dos seus olhos, formosa, havia uma pena. Somente uns segundos, uns brevíssimos instantes, demorou a inclinar-se para a apanhar com a mão direita, segurando-a como se aquele objeto tivesse a força necessåria para aumentar o seu deslumbramento.


Esta é a história de uma pena que um dia perdeu o seu voo.

Da asa forte e cinzenta de uma pomba caiu ao chão, entre matagais, pedras e barro. Mas as quedas nunca são tão más como parecem…

ISBN 978-84-17440-08-4

9 7 8 8 4 1 7 4 4 0 0 84


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