Revista Amazônia Judaica

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Parabenizamos Amaz么nia Judaica pela passagem de seu primeiro dec锚nio de atividades


EDITORIAL Editores David Salgado Elias Salgado Arte e Diagramação Eddy Zlotnitzki Projeto Gráfico Thiago Zeitune Revisão Mariza Blanco Colaboradores Iehudá Benguigui Regina Igel Tânia Cheinfeld Sananes Portal Amazônia Judaica e Arquivo Amazônia Judaica www.amazoniajudaica.org Amazônia Judaica no Facebook Amazônia Judaica email: portal200anos@gmail,com contato@amazoniajudaica.org

O judaísmo amazônico é daqueles fenômenos que sempre surpreendem, seja por sua longevidade, por seu pioneirismo, pelo místico e exótico de sua localização ou pelo singular de suas crenças e tradições, enfim por ser um universo surpreendente. Lidar com este universo tão rico, apoiar e agir em iniciativas que o enriqueçam e lutar por sua continuidade, é o que Amazônia Judaica vem fazendo há 10 anos. Missão duplamente agradável, primeiro porque amamos o que fazemos e sabemos da sua primordial importância, segundo, porque nos encantam os desafios, mesmo que em muitos momentos difíceis nos ocorra jogar a tolha, mas logo desistimos, pois pensamos em nossos leitores e naqueles que por todos estes anos seguem apoiando nosso trabalho, lástima que não sejam tantos... Fato é que cá estamos com mais esta edição, desta feita duplamente festiva, uma Edição Especial de 10 Anos lançada em Pessach. Não poupamos esforços para brindar nossos leitores com o nosso melhor: desde o esmero no design gráfico (agora capitaneado pelo artista uruguaio-israelí Eddy Zlotnitzki), passando por matérias primorosas como a matéria de capa sobre a comunidade amazônica de Israel, o heroísmo do campeão italiano de ciclismo Gino Bartali e sua luta secreta para salvar judeus do Holocausto e o toque de nossas raízes em matéria de Iehuda Benguigui sobre a vida de Rebi Chyda Hakadosh e a reedição saudosa de uma reportagem histórica sobre a comunidade de Itacoatiara. Lá se foi uma década desde aquele Pessach de 2002, quando numa atitude brilhante e corajosa lançamos o Amazônia Judaica em formato de jornal impresso. O AJ cresceu em pretensão e ampliou sua missão e suas atividades. A despeito das dificuldades: o jornal é hoje uma belíssima revista e temos também nosso site, o Portal Amazônia Judaica e o Arquivo Amazônia Judaica Digital; seguimos crescendo em nossa linha editorial, com a Hagadá de Pessach de Rito Sefaradí e a Coleção Ner de livros de oração, que trás a público mais um lançamento, o Sidur Ner Tamid para as rezas dos dias comuns. Queira o Eterno nos seja concedida a força e a graça de poder seguir nossa missão e estar com vocês por muitos e muitos anos mais. Boa leitura Pessach Kasher Vessameach David e Elias Salgado 3


A IMAGEM IMAGEN DA DA CAPA CAPA

UMA TERRA, UMA LEI E UMA PROMESSA Do exílio ao retorno um longo caminho e nele o Pessach, a passagem do mais estreito Mitzraim à amplidão da liberdade, Cherut. Ligando os pontos e fatos, atos e promessas de Deus a seu povo. Para chegar, merecer e saber estar na Terra Prometida, antes se faz necessário saber como ser merecedor e conhecer o ensinamento e seus princípios. Conhecer as Leis é um ato de elevação, o terreno

do saber é o mesmo terreno do divino. Escolher saber e seguir as Leis é escolher ser livre para escolher. Portanto, parece claro que há uma mensagem apontando para uma relação direta entre a promessa (da Terra) e a obrigatoriedade de uma conduta moral (o cumprimento da Lei), o que nos leva a concluir que Terra Prometida, além de um lugar físico é um lugar de elevação espiritual , pessoal e coletiva. Tais ensinamentos, valores e princípios, Moisés foi recebê-los em nome do povo de Israel no Monte Sinai, é este momento de clímax da passagem da escravidão à liberdade na Terra da Promissão, que Chagall nos retrata de forma sublime em seu quadro Moisés recebendo as Tábuas da Lei, um dos pontos altos de sua série de quadros sobre as passagens da Torá, mantido em acervo permanente no Museu Nacional da Mensagem Bíblica Marc Chagall em Nice, na França.

Detalhe do quadro Moisés recebendo as Tábuas da Lei, Marc Chagall, 1966

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AMAZÔNIA JUDAICA No 7 - ABRIL 2012

MEMÓRIA | 6

A Comunidade Israelita de "Pedra Pintada"

RESGATE | 10

O Segredo da Bicicleta de Bartali

LITERATURA | 22

Uma Obra Revisitada

EDITORIAL

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A IMAGEM DA CAPA

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CAPA 14

Em Busca Da Terra Da Promissão

CRÔNICA 24

Eu Tenho Uma Estrela

NOSSOS SÁBIOS 26

Rabeinu Hachida Hakadosh

CARTAS DOS LEITORES 29 PÁGINA VERDE 30


MEMÓRIA

A COMUNIDADE ISRAELITA DE

"PEDRA PINTADA"

Por: David Salgado

Pela passagem dos 10 anos do Amazônia Judaica, estamos reeditando uma das matérias mais queridas por nossos leitores, publicada na edição n°. 8 de novembro de 2002. Importante frisar que a tia Esther continua firme e forte com muita saúde e hoje com 97 anos de idade. Vamos a matéria de então.

I

tacoatiara é o nome da cidade localizada a 286 Km de Manaus em direção oeste. São encontradas na vazante do rio Amazonas que banha essa cidade, várias pedras pintadas, e nelas gravadas inscrições estranhas. Existem várias teorias sobre quem as pintou. Uma delas remonta aos fenícios, povo desbravador e navegador que poderia ter passado por alí a procura de madeiras especiais para a construção de grandes monumentos e templos, como aquele do Rei Salomão, por exemplo! Nada porém foi comprovado. “Ita” significa pedra e “coatiara” pintada, daí o nome da cidade. Curiosidades a parte, vamos a nossa aventura. Para obter maiores informações sobre a comunidade que existiu naquela cidade no princípio do século XX, fui entrevistar, na véspera de minha viagem a Itacoatiara, a senhora Esther Azulay Benchimol, com 87 anos de idade e saúde para dar e vender, que Deus a conserve assim por muitos e muitos anos. Tia Esther, como sempre a chamei, eu e quase todos que a conhecem, é uma

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Residência da família Ezaguy e local onde funcionou a antiga sinagoga

Casa dos Benchaia


lenda viva. Contou-me toda a sua infância e adolescência na cidade de Itacoatiara onde nascera. Deu-me nomes de famílias, o bairro onde viviam, me falou das “dezoito” (referência a dezoito casas de taipa construídas por ingleses e onde os judeus moravam inclusive a sua família), me contou da “revolução” de Itacoatiara... Bem, essa revolução só iria compreender do que se tratava mais tarde quando estive na cidade. Enfim, deu-me informações suficientes para que pudesse começar a minha pesquisa. Sempre muito lúcida, risonha e com uma precisão incrível nos fatos e datas, tia Esther seria a chave principal para o sucesso desta reportagem e realmente o foi. Antes de partir, obtive com o senhor Moisés Benarrós Israel, correligionário de Manaus, com negócios em Itacoatiara, algumas informações importantes e que iriam me ajudar. Chegando a Itacoatiara, resolvi começar pelo cemitério israelita. Como não era a minha primeira vez na cidade (quando fui shaliach em Manaus estive duas vezes em Itacoatiara para visitar o cemitério), não demorei em encontrá-lo.

Disse-me que Pérez era um homem de visão moderna, um empreendedor, homem criativo e inteligente

Isaac José Pérez, ex-prefeito de Itacoatiara

Porém, para minha surpresa, o mesmo estava coberto pelo mato, o portão estava trancado e não pude me aproximar. O senhor Moisés Israel me dera um número de celular pertencente a um de seus funcionários, que guardava as chaves do portão do cemitério, mas não consegui contato com ele. Contentei-me em abrir o livro do Professor Samuel Benchimol Z´L – Eretz Amazônia - e ler o nome das almas que alí repousavam dizendo uma “hashkabá” (oração para pessoas já falecidas) para todos. Não desanimei. O próximo passo seria encontrar a Galeria Professora Marina Penalber e falar com a senhora Iléia, também indicação do senhor Moisés Israel. Após breve apresentação começamos a conversar sobre o motivo de minha visita. Perguntei-lhe sobre os judeus de Itacoatiara, se ela não possuía alguma informação sobre como viviam, aonde residiam, quantos eram e etc. Ela pediu alguns minutos para ir ver o que poderia

encontrar. Enquanto isso saí um pouco afora e me chamou logo a atenção uma construção muito antiga com arquitetura arrojada e de finos traços pertencentes a uma época passada. Aproximei-me e pude constatar o abandono total dessa construção. Busquei alguma identificação e encontrei um nome meio apagado que apenas pude lêlo com muito esforço que dizia – “Casa Moisés”. Voltando a galeria a senhora Iléia me explicou que a “Casa Moisés” fora construída por judeus. Os irmãos Marcos e Moisés Ezaguy e o cunhado Isaac José Pérez – este último foi prefeito de Itacoatiara no período de 1926 a

Uma “itacoatiara” 1930 – construíram e inauguraram alí um grande estabelecimento de exportação e importação, uma vez que o porto da cidade era um dos mais movimentados da Amazônia, recebendo navios da Europa e dos Estados Unidos. Posteriormente foi instalado no prédio uma agência de viagem e representação de várias empresas de navegação marítima nacional e internacional, dos sócios Ezaguy e Jacob Benchimol e que encerraram suas atividades em 1973. Em seguida, a secretária da galeria me trouxe um documento. Era uma cópia de um relatório bem extenso que dizia: “Intendência 7


MEMÓRIA Municipal de Itacoatiara - Pelo Prefeito Isaac José Pérez”. Aquilo alí já valeria a minha viagem! Tamanha era a minha satisfação e alegria, que pedi imediatamente para tirar uma cópia daquele documento. A secretária disse que não teria nenhum problema. A senhora Iléia disse então que iria me levar até a secretaria de educação do município aonde iria me apresentar a uma pessoa que poderia me dar mais informações sobre os judeus que viveram na cidade. Seu nome Frank Chaves, assessor do Secretário de Educação. Frank Chaves é pesquisador e historiador. Esclareceu-me muitos detalhes e deu-me importantíssimas informações que passarei a relatar agora. O professor Frank Chaves foi mais tarde, entrevistado para o filme Eretz Amazônia e contou o que relatamos aqui. Primeiramente, com o relatório da gestão de Isaac José Pérez em mãos, perguntei-lhe se não teria mais informações a respeito deste prefeito. Frank me afirmou que tinha muito interesse sobre o assunto e que pretendia inclusive, escrever a biografia de Isaac José Pérez por considerá-lo uma pessoa de grande importância para sua cidade natal afirmando inclusive, que ele teria sido o melhor prefeito da história da cidade de Itacoatiara. Disseme que Pérez era um homem de visão moderna, um empreendedor, homem criativo e inteligente da alta sociedade amazonense e muito bem quisto por todos. O Professor Samuel Benchimol Z´L em sua obra, Eretz Amazônia frisa o seguinte: “Isaac José Pérez, o grande prefeito judeu que revolucionou, urbanizou Itacoatiara e fundou o 8 AMAZÔNIA JUDAICA No 7 - ABRIL 2012

Parte do conjunto de casas conhecido como “as dezoito”

cemitério judeu de Manaus. Era casado com Rachel Hilel Benchimol, cujos pais vieram de Gilbratar para Cametá em 1850, e depois se transferiu para Itacoatiara. Isaac José Pérez veio a Manaus em 1928, ainda como Prefeito de Itacoatiara conseguiu com seu prestígio, junto ao Governador Efigênio Sales, a troca de um terreno aos fundos do cemitério São João Batista, que havia sido comprado para ser o cemitério judeu, por um terreno melhor situado ao lado do mesmo cemitério, na esquina do Boulevard Amazonas, hoje avenida Álvaro Maia. Comprado o cemitério judaico e feito o seu gradeamento, Isaac José Pérez teve o grande infortúnio e desdita de ver morrer de febre amarela o seu querido e amado filho Leon Pérez, jovem engenheiro politécnico, que estava em visita a seus pais. Por ironia do destino, o fundador do Cemitério Judeu de Manaus o inaugurou, enterrando o seu próprio filho, em 12 de setembro de 1928”.

Frank me afirmou que tinha muito interesse sobre o assunto “revolução” que tia Esther me relatou. Notei que Frank ficara surpreso, mas não entendi o porque. Então ele me contou que a senhora Esther referiu-se ao ano de 1932, quando eclodiu uma verdadeira Batalha Naval às margens do rio amazonas em frente à cidade de Itacoatiara.

Desfeito o mistério da tal “revolução” que tia Esther comentou, faltava sair a campo para conhecer as tais “dezoito” onde viviam os judeus. Fomos com Frank Chaves então conhecer a cidade de Itacoatiara. Mostrou-me obras realizadas pelo então prefeito Isaac José Pérez, como escolas públicas, avenidas, Em seguida comentei com Frank pontes. Explicou-me que foi Pérez sobre a reportagem que havia feito que trouxe o primeiro médico para no dia anterior com a senhora Esther residir e prestar serviços profissionais A. Benchimol. Especificamente na cidade, que implantou energia perguntei-lhe sobre a tal da elétrica através de geradores.


Levou-me a rua “Isaac Pérez”, a Escola Municipal “Isaac Pérez”, homenagens de prefeitos posteriores ao trabalho exemplar e pioneiro de Isaac José Pérez. Bem, faltava ainda a visita ao bairro dos judeus, com certeza o trecho mais interessante do meu roteiro. A caminho, Frank me mostrou uma casa aonde disse ter sido alí a Sinagoga da comunidade. Era a residência de Dona Esther Ezaguy, viúva de Moysés Ezaguy, na rua Deodoro. Chegando ao bairro da Colônia, onde viviam os judeus, me mostrou a residência da família Benchaia, vi na rua Álvaro França, no mesmo bairro, a Usina de Beneficiamento de Borracha, instalada por Isaac José Pérez e finalmente, pude realmente comprovar a existência de várias casas, situadas na rua Moreira César, que Frank as apontou-me como sendo as tais “dezoito”. Para minha surpresa, encontrei uma delas com os traços de uma casa de taipa, podia ver na parte lateral superior da casa, ripas e recheios de barro. Foi então que começou o fato mais importante e inesperado de minha reportagem. Frank contou-me que bem em frente as “dezoitos”, vivia sua avó, onde hoje é uma igreja. Sua avó sempre dizia, que tinha muitas amigas judias das “dezoitos” e que uma delas veio visitá-la certa vez.

Frank contou: “eu tinha cerca de dez anos quando vi um carro estacionar à porta da casa de minha avó. Ela estava em pé, parada, esperando ansiosa para abraçar sua velha amiga judia que veio visitá-la depois de muitos e muitos anos. A senhora saiu do carro acompanhada de seu neto, e ao se aproximar de minha avó, elas se abraçaram e choraram durante quase uma eternidade, pelo menos para mim parecia assim. Conversaram durante muito tempo,

Ela estava em pé, parada, esperando ansiosa para abraçar sua velha amiga judia

lembro que fui brincar e quando retornei ainda estavam conversando. A despedida foi incrível, percebi novamente lágrimas nos rostos das duas senhoras. Me impressionou muito quando a visitante disse a minha avó, que aquela era a última vez que se veriam, pois na idade das duas não teriam outra Batalha Naval, 1932, Téo Braga oportunidade de encontro. E assim foi, minha avó faleceu a cerca de dez anos atrás”.

me levou a sua casa onde disse que queria mostrar-me umas fotos. Chegando lá procurou, o álbum de fotos que sua avó tinha, e que ele guardara depois de sua morte. Encontrou uma foto do prefeito Isaac José Pérez, mas não encontrava o álbum de fotografias de sua avó. Era tarde, estava na hora de retornar para Manaus, não gosto de viajar a noite, então disse para Frank que em outra oportunidade veria as fotos de sua avó. Uma última caixa ele pegou e disse: “vamos tentar só mais essa caixa”. E realmente, nessa caixa Frank encontrou a foto que buscava para me mostrar. Uma foto muito antiga, onde uma mocinha muito bonita aparecia em cima de uma pedra. Foi aí então que Frank me disse: “esta na foto é a amiga judia de minha avó, aquela que veio visitá-la quando eu tinha dez anos e que aparece aqui com cerca de quatorze anos de idade. Ela se chamava Esther Azulay". Impressionante! A tia Esther Azulay Benchimol, era a amiga querida da avó de Frank Chaves. Aquilo me emocionou muito, era muita coincidência eu ter encontrado uma pessoa que... Bem, como diz o velho ditado: “este mundo é pequeno mesmo” e eu costumo acrescentar que D-us é que é grande. Uma última obrigação me restava: levar esta foto à tia Esther. E assim fiz. Foi grande a emoção, mais tia Esther suportou bem e inclusive brincou comigo dizendo que eu deveria ser um detetive e não um jornalista.

A surpresa maior Obrigado à tia Esther e a toda a sua Frank reservou família. para o final, 9


RESGATE

O SEGREDO DA BICICLETA DE

BARTALI Por Juan Carlos Alvarez

10 AMAZテ年IA JUDAICA No 7 - ABRIL 2012


G

ino Bartali morreu no ano 2000, sem que ninguém soubesse sua verdadeira história, a do grande corredor que dedicou dois anos de sua existência a salvar a vida de oitocentos judeus. Para isso se valeu de sua bicicleta onde escondia a documentação necessária para tirá-los da Itália. E assim, sob a aparência de simples treinos, levava os papéis de um lado ao outro. Ninguém suspeitava naquele momento de um dos grandes mitos do esporte italiano, do homem que havia conseguido dar a Mussolini o Tour da França em 1938. Bartali escondeu um segredo durante quase sessenta anos. No ano de 2000 foi enterrado com ele e só uma descoberta casual permitiu conhecer a dimensão humana que um dos grandes ciclistas do século 20 alcançou durante a 2ª Guerra Mundial. Nascido na Toscana, no seio de uma família humilde que se dedicava a trabalhar no campo, ele começou a

A surpreendente história secreta do ciclista italiano, tido por muitos, como o corredor de Mussolini correr graças a seu pai que lhe encontrou trabalho numa oficina de conserto de bicicletas. Seu dono, contente com o trabalho de Gino, lhe presenteou com uma e o incentivou a treinar. A partir de então as estradas escarpadas da região foram seu espaço natural, o lugar onde amadureceram as pernas que rivalizariam com as de Coppi no duelo que dividiu a Itália anos depois.

Porém, antes que o “Campeoníssimo” e ele protagonizassem alguns dos maiores duelos da História do ciclismo, Bartali era considerado como o ciclista do regime de Mussolini. Il duce, em seu delírio, sonhava ver um italiano derrotando os franceses no Tour e todos os olhares se voltaram para Bartali, que em 1936 já havia vencido o Giro e era uma celebridade em todo o país.

Em 1937 uma queda frustrou sua missão. Havia começado a brilhar na montanha, porém na descida do Col de Laffrey caiu de uma ponte. Seus companheiros assustados com o acidente, olharam pelo precipício e o encontraram no fundo, no riacho. Em 1938 realizou o sonho de Mussolini com uma vantagem sobre o segundo classificado, com mais 11


de 20 minutos. Quando a estrada se empinava, quando o calor e o pó secavam a garganta, Bartali não encontrava rival. Porém a 2ª Guerra Mundial o deixou sem os anos nos quais poderia ter logrado ranking espetacular de vitórias, quando Coppi ainda era um jovem meritório que corria ao seu lado. O que ninguém imaginava é que naqueles anos obscuros Bartali, um dos símbolos do Partido Nacional Fascista, era na realidade um dos personagens chaves de uma organização dedicada a salvar a vida dos judeus italianos, que os alemães queriam enviar aos fornos crematórios. Gino Bartali seguia treinando e realizava longas sessões de treinamento pelas estradas da Toscana ou Úmbria. Ninguém podia supor que debaixo do selim de sua bicicleta transportava documentos e passaportes destinados aos judeus que se escondiam em alguns dos mosteiros italianos.

Bartali, no final do Tour da França de 1948

Il Duce, em seu delírio, sonhava ver um italiano derrotando os franceses no Tour e todos os olhares se voltaram para Bartali, que em 1936 já havia vencido o Giro e era uma celebridade em todo o país 12 AMAZÔNIA JUDAICA No 7 - ABRIL 2012

Bartali não despertava muitas suspeitas a pesar de que a guerra impedia qualquer competição e resultava estranho ver alguém treinando naquele ambiente. Corria com roupa na qual se podia ler seu nome o que lhe permitia percorrer quilômetros recebendo saudações efusivas dos soldados italianos, para quem era um verdadeiro ídolo. E quando uma patrulha alemã o detinha a resposta era simples: “ sigo trabalhando para as próximas corridas”. E o deixavam seguir. Os exércitos haviam se acostumado a vê-lo passar de um lado a outro em sua bicicleta, subindo e descendo montanhas, mudando constantemente de rota. Era o correio perfeito. Nos conventos e mosteiros a rede organizada por Giorgio Nissim com


Durante décadas pesou sobre ele o rótulo de ter sido o corredor dos fascistas o apoio de vários arcebispos se dedicava a elaborar os passaportes destinados a salvar a vida de centenas de judeus e que Bartali transportava arriscando a vida naquelas viagens pelas estradas, que conhecia como ninguém, porém que podiam apresentar-lhe uma surpresa desagradável a qualquer momento. Entre 1943 e 1944 o velocista toscano, o beato Bartali, se dedicou a essa missão sem que ninguém o delatasse. Finda a guerra e aqueles treinamentos quilométricos ainda lhe valeram em sua carreira desportiva, porque com 32 anos pode ganhar em 1946 o Giro d´Ìtalia e em 1948, com 34, se inscreveu no Tour da França numa demonstração colossal na montanha, onde se impôs em sete etapas daquela edição. Bartali se retirou a sua terra, a Florença e durante cinqüenta anos não disse nada de seu trabalho para ajudar aos judeus que habitavam a Itália. Durante décadas pesou sobre ele o rótulo de ter sido o corredor dos fascistas. Não se importou. Faleceu no ano 2000. O mundo só descobriu sua magnitude em 2003 quando os filhos de Giorgio Nissim encontraram um velho diário de seu pai no qual de-

talhava a forma como funcionou a rede clandestina dedicada a conseguir documentos que salvassem a vida dos judeus. Aquele achado explicava minuciosamente as viagens que Bartali fazia, os quilômetros que percorria, os papéis que escondia sua bicicleta e principalmente, a abnegação de sua dedicação à causa. Os Nissim contaram o que seu pai escreveu e então começou a fazer sentido tanto treino numa época que era difícil ver um

ciclista percorrer uma estrada italiana. A Itália descobriu um de seus grandes heróis. Os Nissim também contaram o dado mais importante que escondia o diário de seu pai: 800 judeus evitaram a viagem para algum campo de concentração alemão, graças às pernas de Gino Bartali Fonte: http://www.laopinioncoruna.es/deportes

Placa homenageando as principais vitórias de Bartali

UM JUSTO EM BUSCA DE TESTEMUNHAS O Museu Yad Vashem de Jerusalém , há tempo vem estudando as provas com vistas à concessão à Bartali da distinção póstuma de “Justo entre as Nações“, concedido àqueles que colocaram suas vidas em perigo para salvar judeus. A reportagem de Amazônia Judaica em consulta ao museu, foi informada, de que como os sobreviventes que receberam a ajuda não sabiam qual a sua origem, ou seja quem os havia ajudado, torna-se muito difícil, encontrar testemunhos de sobreviventes. Até o momento apenas uma testemunha se pronunciou e se faz necessário, no mínimo duas. 13


CAPA

EM BUSCA DA TERRA DA PROMISSÃO Por: Tânia Cheinfeld Sananes

Como parte dos meus estudos para o mestrado, no curso de "Imigração e Integração Social", no Instituto Acadêmico Rupin, participei do Seminário "Problemas na vida dos Imigrantes – Pesquisa e Antropologia", ministrado pela Dra. Malka Shabtay.

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O

meu interesse pela comunidade de descendentes dos judeus marroquinos na Amazônia, surgiu quando li a matéria da Dra. Malka Shabtay sobre a sua viagem a Amazônia, no verão de 2010. Por outro lado, a família do meu esposo, é de origem marroquina e parte dela, como seu avô, estiveram em uma época específica na Amazônia brasileira e fizeram parte da comunidade judaica de então, naquela região. Poucos são os detalhes que se sabe na família sobre esse período. Surge, portanto, uma oportunidade especial para aprender mais sobre o assunto. SOBRE OS ENTREVISTADOS A penetração no campo de pesquisa, só foi possível graças a David e Simone Salgado, que abriram a porta de sua casa na cidade de Modiin e me contaram cada um a sua vez, sobre a história da comunidade e da

família, da vida em Belém e Manaus e da decisão de imigrar para Israel e como foi esse processo. A casa da família Salgado é um foco de atração para os membros da comunidade que chegam a Israel como visitantes ou novos imigrantes, e portanto, muito me ajudaram no tocante a obter a informação sobre os demais membros da comunidade que estariam dispostos a serem intrevistados. Assim, em Modiin também estive na casa da família Bemerguy de Belém: Bonina e os filhos

Daniel e Sharon. Depois, estive no monte de Guiló nas redondesas de Jerusalém onde encontrei-me com Marcos e Angela Laredo, que imigraram de Manaus, na época recém chegados. Os encontros foram muito agradáveis, os entrevistados bem extrovertidos, sinceros, e com boa vontade de contar suas histórias pessoais que fazem parte do contexto geral da comunidade como um todo. Dos jovens ouvi principalmente sobre sionismo, fortalecimento da

Os encontros foram muito agradáveis, os entrevistados bem extrovertidos, sinceros, e com boa vontade de contar suas histórias pessoais que fazem parte do contexto geral da comunidade como um todo

Família Salgado (da direita para a esquerda,: Ishai, Simone e David), recebe a família Benitah de Belém em sua residência, em Modiin 15


CAPA

Da direita para a esquerda: Jacob e Helena Benzecry, Dra. Malka Shabtay, Tânia Cheinfeld Sananes, Noemy Benitah, Débora Foinquinos, Simone, David e Sime Salgado. religião, a dificuldade em encontrar esposa(o) dentre os membros da comunidade, o serviço militar e a vontade de fazer algo em prol do país. Dos mais adultos, aprendi sobre a história familiar, como parte da história da comunidade, o significado da vida na comunidade judaica na Amazônia, as mudanças ocorridas durante os anos, quanto a conversão e Aliah.

Etiópia. Não existe uma referência a grupos pequenos e especiais, que estão à margem da sociedade central, porém nos últimos anos, vem se dispertando e pedem para renovar a ligação com o povo judeu e com Israel. Uma dessas comunidades, é a comunidade de judeus marroquinos vindos da Amazônia brasileira, que viviam no "Gan Éden" (Paraíso) na Amazônia, e poucos sabiam de sua

INTRODUÇÃO Os pesquisadores que se ocupam do debate sobre a formação e personalidade da sociedade israelense, com ênfase na imigração, referem-se tão e somente a grupos centrais que vem influenciando realmente esta formação nos últimos anos, grupos como os que vieram da antiga União Soviética e os imigrantes da

Uma dessas comunidades, é a comunidade de judeus marroquinos vindos da Amazônia brasileira, que viviam no "Gan Éden" (Paraíso) na Amazônia, e poucos sabiam de sua existência, mesmo dentro de seu próprio país

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existência, mesmo dentro de seu próprio país. Essa comunidade, se fez conhecida, graças as mudanças que vem acontecendo entre seus membros nos últimos anos, e principalmente devido as atividades extensivas e abrangentes de David Salgado que produziu um filme sobre a comunidade e juntamente com seu irmão Elias Salgado, operam um mix de atividades,


projetos e veículos de comunicação, que une as comunidades na Amazônia com a comunidade em Israel e permite que outras instituições, que não pertencem a comunidade, a conheçam e interajam com ela. Outras instituições que ajudam a divulgar essas comunidades pequenas ao público em geral em Israel, são Ong's como Shavei Israel, fundada por Michael Freund e acompanhada pelo Rabino Eliahu Birnbaum, que busca essas comunidades pelo mundo afora, aprende a conhecê-las e trabalha para que se tornem parte do judaísmo e sejam reconhecidas pelo Estado de Israel. FUNDAMENTO: ERETZ AMAZÔNIA – O JARDIM DO PARAÍSO – A NOVA TERRA DA PROMISSÃO O povo judeu, desde seu início, esta ocupado na busca pela "Terra Prometida". De acordo com o livro de Gênesis, essa é a Terra de Israel. Porém, parece, que nem sempre foi assim. Os judeus que sofreram com a Inquisição na Espanha, e depois em Portugal, foram expulsos ou abandonaram a força e grande parte deles imigrou para o Marrocos, na esperança de que lá encontrariam sossego e tranquilidade. No início, como encontraram o que buscavam, acreditaram ter encontrado a "Terra Prometida". No entanto, durante o período que ali passaram, sofreram também com a miséria, pobreza, doenças, epidemias, perseguições e a difícil vida nos "melah's" (guetos do Marrocos). No início do século XIX, começaram a chegar os comentários sobre a terra "paraíso", que seria então a Eretz Amazônia. Os ligeiros e mais corajosos judeus marroquinos resolveram tentar sua sorte, e assim vinham e depois passa-

ram também a chamar seus familiares e amigos. Assim teve início uma nova diáspora, a diáspora para a Eretz Amazônia, a nova Terra da Promissão (Benchimol – Eretz Amazônia, 2008). Eles chegavam como imigrantes, se misturaram e se adaptaram com a população local, que por sua vez já era composta de imigrantes de outras etnias que vieram também para Bonina, Sharon e Daniel Bemerguy

a região, principalmente em busca de um melhor sustento e de uma melhor maneira de se viver. INDÍCIOS: "É MUITO DIFÍCIL SER, VIVER E FICAR JUDEU EM QUALQUER PARTE DO MUNDO E, SOBRETUDO, NA AMAZÔNIA" (BENCHIMOL, 2008). Samuel Benchimol afirma que é difícil ser judeu – no mundo em que todo mundo tenta lhe convencer de mudar de religião; difícil também viver judeu – comer kasher, cumprir as Mitzvot, jejuns, - quando se vive num ambiente que nem sempre favorece a isso; e ficar judeu 17


CAPA – guardar o estilo de vida judaico e evitar a assimilação em sua volta, onde a maioria dos habitantes ao seu redor não são judeus. E tudo isso é mais difícil ainda e sobretudo na Amazônia. Das histórias que pude escutar dos entrevistados deste trabalho, concluo que durante os anos, estes são os desafios que acompanharam os membros da comunidade na esperança de preservar a chama da geração dos pioneiros, enfrentando sempre um diálogo em torno da pergunta: como continuar sendo judeu na floresta Amazônica? A preocupação dos diferentes agentes da comunidade e das instituições em Israel, sobre o futuro dos jovens, o afastamento do judaísmo e a assimilação, produziu a necessidade de construir e desenvolver programas especiais com o objetivo de revelar e mostrar aos jovens o Estado de Israel, o sionismo e o judaismo. Existe uma variedade de programas, e cada um tem a sua importância e sua singularidade. A maioria dos entrevistados, escolheram participar do programa escolar Iemin Orde, onde se estuda os três anos do segundo grau, com toda a programação e currículo escolar exigido pelo Ministério da Educação do Brasil, é o que podemos denominar de intercâmbio, que pode durar até três anos, caso o aluno resolva participar desde o primeiro até o terceiro ano do segundo grau. É uma escola com estilo de vida religiosa e ainda possibilita que os alunos participem, aqueles que necessitam, do programa de conversão do Rabinato de Israel. Existem programas não religiosos como Naalê e Ayanot (que não funciona mais), e programas de curta temporada como Massa e Taglit. O Beit Chabad também utiliza-se de 18 AMAZÔNIA JUDAICA No 7 - ABRIL 2012

REUBEM TOBELEM Z´L,

SÍMBOLO DO OLÊ AMAZÔNICO

Nasceu em 23 de janeiro de 1922, em Belém do Pará, Brasil. Filho de Isaac e Mery Tobelem, de origem marroquina e co- fundadores da comunidade judaica no Pará Com 29 anos mudou-se para o Rio de Janeiro. Depois de seu casamento em 1955, viajou com sua esposa, Meryam Benguigui, para Iquitos, Perú, aonde moraram durante 3 anos. Nos anos subsequentes, viveu no Rio de Janeiro, trabalhando e sempre ativo na sinagoga Shel Guemilut Hassadim e na comunidade judaica, exercendo cargo de presidente da Bnei Brit. Viveu sua vida como judeu sionista e em 1980 realizou seu sonho fazendo Aliá para Eretz Israel. Descansou em paz dia 25/05/2011.


suas atividades para ensinar aos seus alunos que \o lugar deles é em Israel, de modo bem firme e claro. Portanto, os judeus na Amazônia estão expostos aos diferentes programas, que ligam os jovens a Israel, através da Agência Judaica, e viram nesses programas, uma oportunidade importante de construir uma identidade judaica sionista para as futuras gerações na Terra de Israel. UM PROBLEMA CRUCIAL É possível afirmar que o problema da conversão, é um ponto primordial para a decisão de fazer a imigração para Israel. Nos últimos anos, por motivos políticos e conflitos internos, várias intituições ortodoxas penetram na comunidade, assim como em outras comunidades judaicas do mundo todo, é afastam os membros que passaram por uma conversão reformista, ou que exista dúvida quanto ao seu judaísmo. Esta situação faz ferver o clima na comunidade, entre as próprias famílias, que as vezes acabam se dividindo.

vida mais religiosa, até ortodoxa, e acabam perdendo a singular e peculiar vida na comunidade amazônica. De acordo com David Salgado, devido a exigência estrita para a conversão, e o receio de ser considerado não judeu, as pessoas chegam em Israel, para os diferentes programas de conversão, começam a cumprir mitzvot, se fortalecem na religião, e tornan-se bem ortodoxos. Cerca de 50% dos que vêm fazer a conversão em Israel, ficam no país e a outra metade resolve retornar para a comunidade ou para os centros maiores São Paulo e Rio de Janeiro na busca de preservar aquilo que aprenderam, o judaísmo religioso e praticante. "É um bagunça enorme toda essa questão de conversão..." essa afirmação de Gabriel reflete bem o que sentem os membros da comunidade sobre a conversão. Naomi: No início foi muito difícil para eu aceitar que eu teria que fazer uma conversão... muito difícil mesmo... que eu não conhecia outra

Concluo que durante os anos, estes são os desafios que acompanharam os membros da comunidade na esperança de preservar a chama da geração dos pioneiros A geração jovem que está em fase de amadurecimento, e que está também na idade em que se forma o caráter e a identidade relevantes, eles são os mais influenciados por esse conflito de identidade. Participam de programas de estudos diversos, vivem a necessidade de provar que fazem parte da comunidade, e escolhem fortalecer a religião e ter uma

coisa na vida, nasci dentro do judaísmo, e hoje depois da minha conversão, eu vivo como eu vivia antes, não mudou em nada a minha vida, continuo praticando tudo como sempre fiz. Eu penso que este foi o principal motivo da minha vinda para Israel, vim para fazer a minha conversão. Hoje em dia pela Lei do Retorno, 19


CAPA O Jornal Folha Israelita de Manaus, traz matéria da partida do primeiro olê amazônico, Sr. Abraham Saragá, z”l.

anos, estudarão, constituirão famílias, e finalmente retornarão para pessoas que fizeram conversão re- Israel novamente. formista recebem todos os direitos Certamente, que os efeitos da de um novo imigrante. globalização e a êxtase nacionaOs jovens chegam a Israel, provam e lista, transformam o fenômeno se deleitam. Para parte deles esta é a do despertar dos jovens de des"Nova Terra da Promissão", nela pocendência marroquina da Amaderão viver entre judeus como eles mesmos, sem a necessidade de confronto com o meio ambiente local e elementos rabínicos que contestam sobre sua identidade e sua participação na comunidade. Outros que resolvem voltar para suas comunidades na Amazônia, levam consigo a boa nova, fortalecem o relacionamento da comunidade com Israel, e sempre voltam para visitar. Parte também, viverão durante alguns

zônia, numa possibilidade real. São os efeitos da globalização, que apresentaram a eles o judaísmo e o sionismo, e são eles que possibilitaram manter o contato entre a comunidade em Israel e a comunidade na Amazônia. Os pais estão menos preocupados, permitem visitas regulares, tanto dos que estão em Israel como eles mesmo que optaram por ficar no Brasil virem a Israel de vez em quando. Isso portanto torna a comunidade diriámos, trans-nacional, que tem intercâmbio ao mesmo tempo com os dois lugares. Após a Aliah os novos imigrandes enfrentam defasios diferentes: exército, conversão, nova língua, saudade da família que ficou na Amazônia, vida nos assentamentos. Apesar disso, eles contam com orgulho e alegria, detalhes de sua vida e da mudança que escolheram fazer, e chegar ao lugar ao qual eles se sentem judeus e pertinentes. Em Israel, não existe uma estrutura comunitária que serve a comunidade, mas sem dúvida a casa do David e da Simone, serve de centro de informação e ajuda, e é uma estação para todos os que chegam. Ultimamente também a casa de Bonina tem servido para este ponto de encontro e juntas Simone e Bonina realizam eventos como Shabatot e Chaguim na cidade de Modiin para inúmeros

A geração jovem que está em fase de amadurecimento, e que está também na idade em que se forma o caráter e a identidade relevantes, ela é a mais influenciada

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jovens da comunidade inclusive alguns que estão de passagem ou de férias pelo país. Simone sente a necessidade de construir uma comunidade que ajude e apoie: "nós dizemos: venham e façamos uma grande comunidade de brasileiros amazônidas em Modiin, é um ótimo lugar". Naomy fala da importância de uma comunidade unida e diz: "eu gosto disso, de sermos uma grande famí- varemos a continuidade e a existência do nosso povo no mundo, e não lia". precisaremos nos amendrontar com a situação demográfica dos judeus CONCLUSÃO Samuel Benchimol, dedica o seu li- tanto em Israel como na Diáspora. vro "Eretz Amazônia" aos seus ne- É bem provável que seja necessário, tos, e expressa a esperança de que: a uma vez mais, redefinir a lei do Rememória, a identidade e a herança torno, para poscimento, usufruam judaicas continuem na Amazônia no do seu direito de imigrar para Israel. O povo judeu desde o seu floresterceiro milênio. Para que isso aconteça, é neces- cer, está ocupado na busca pela sário que ocorram algumas mu- "Terra Prometida". Não há dúvidanças nas atitudes das institui- da, que para a maioria de nós, ções e organizações rabínicas e ela é Israel. Para outros, ela é ortodoxas e também na posição talvez, uma outra terra... política do Estado de Israel com respeito as "outras" comunida- AGRADECIMENTOS des judaicas que fazem parte Gostaria de agradecer de verdade a integral da Diáspora. Temos que Dra. Malka Shabtay, que me guiou permitir que dirijam suas próprias durante esta viagem de conhecimenvidas, e devemos dar a eles o reco- to dos originais descendentes judeus nhecimento que tanto exigem e fa- na Amazônia. Um agradecimento especial também a David e Simone zem por merecer. O Estado de Israel precisa tornar- Salgado, que me receberam de bra-se o centro do judaismo mundial, e ços abertos, e abriram para mim sua possibilitar a toda comunidade, seja casa e seus corações, e me colocaqual for, preservar sua natureza úni- ram em contato com outras pessoas ca, por respeito a geração passada, maravilhosas membros da comunipelas dificuldades que tiveram que dade. Obrigado à Bonina, Daniel, passar, e apesar de tudo, preservaram Gabriel, Bat-El, Marcos e Ângela, seu judaismo. Estar sempre em con- Naomy e Meital. tato com elas e principalmente com Eu desejo a cada um de nós (e eu a geração jovem. me incluo também), que tenhamos É preciso tomar atitudes no sentido sucesso em encontrar o "Gan Éden" de receber de braços abertos e com (Jardim do Éden – Paraíso) pessoal e abraços todo aquele que quer fazer viver nele uma vida tranquila e sosparte do povo judeu. Assim preser- segada.

Público presente ao evento comemorativo aos 200 Anos dos judeus na Amazônia, realizado em Jerusalém, em 2010

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LITERATURA Regina Igel, Universidade de Maryland, Estados Unidos

UMA OBRA REVISITADA

C

om excelente prefácio de Ivaíze Rodrigues, este pequeno livro dá continuidade a outras obras literárias brasileiras sobre o mesmo tema: o comércio e exploração de moças européias judias no começo do século 20. Eram jovens ingênuas, filhas de famílias arraigadas em vilarejos habitados por judeus pobres, apegados à religião e alheios às maldades do mundo, mesmo a de seus correligionários. Enganadas por rufiões que falavam seu idioma e passavam por homens de bem, elas eram atraídas por promessas de casamento e uma vida melhor longe de sua aldeia natal. Enfim eram transportadas aos magotes a grandes centros urbanos na América do Sul, onde ficavam escra-

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vizadas como prostitutas. Esta é uma história real, pesquisada na região norte do país, onde de fato viveu uma moça judia, obrigada a vender sua beleza natural e sua juventude (recém iniciada na puberdade) a homens sexualmente famintos e curiosos em conhecer as “francesas” e as “polacas” – que, na maior parte, assim ficaram conhecidas as meninas de família que foram extraídas, por meio de fraudes, do seu meio-ambiente judaico religioso e extremamente ético. A história foi engendrada a partir da descoberta de um túmulo com uma data gravada: “1939”. O anonimato da campa, localizada junto a um dos muros de um cemitério israelita no norte do país, incitou o escritor

Nosso saudoso chaver Marcos Serruya z`l, um dos raros expoentes da literatura judaico amazônica, após pouco mais de um ano de sua morte, tem a obra resenhada pela brilhante Professora PhD em Literatura Portuguesa, da Universidade de Maryland, Estados Unidos, Regina Igel a pesquisar o mistério. Original do estado do Pará, o autor teve ajuda de jornalista-investigador para fazer um levantamento completo da vida e morte de quem estava sob a lousa. Descobriram que se tratava de Hana, que viveu no Brasil sob a alcunha Ana Júlia, também apelidada “Cabelos de fogo”, cognome repetido como título do romance semibiográfico. O tópico sobre judias escravizadas para o comércio carnal fora anteriormente divulgado em publicações como O ciclo das águas (por Moacyr Scliar), Baile de máscaras (Beatriz Kushnir) e Jovens polacas: da miséria da Europa à prostituição no Brasil (Esther Largman), entre outras obras, artigos e teses. De acordo com o registro bibliográfico, os romances acima foram consultados para a reconstituição de parte da narrativa sobre “Cabelos de fogo”. Nesta, percebe-se que a experiência desta jovem se assemelhou às vivenciadas por outras milhares de moças vitimadas pela rede internacional de traficantes de escravas brancas. No entanto, a história de sua vida se distingue das demais pelo fato de ela ter sido uma menina-moça de marcante beleza, emoldurada por cabelos vermelhos, forçada a “prestar serviços”


na floresta amazônica brasileira. Enganada uma vez por um casamento fraudulento na sua terra natal, a Polônia, foi enganada pela segunda vez por imigrante português, em território brasileiro. Por um longo tempo, foi recíproco o amor entre eles, mas nem por isto ele cumpriu suas promessas de retirá-la da prostituição e de casar-se com ela, ambas proclamadas no auge da paixão. Além da grande mágoa cravada em Hana pelo abandono do homem, o legado deixado pelo português foi uma filhinha, que a moça tentou criar sozinha, até que se viu obrigada a fazer uma doação da criança, um fato que passou para o lendário local, dadas suas controvérsias. Os descendentes da filha colaboraram na elaboração de parte do romance. Os lados conflituosos sobre a entrega da criança para adoção, que circulava por Amapá e Pará em duas versões, também receberam atenção da investigação (publicada no livro, com fotos e referências). A narrativa envolve ficção de índole realista entrelaçada à realidade da miséria moral das moças aliciadas pela organização Zvi Migdal. Esta foi uma poderosa entidade que gerenciava bordéis, suas madames e proxenetas, e prostituição de moças judias, entre a Europa e as Américas, tendo seus portos receptivos principalmente em Buenos Aires, Santos, Rio de Janeiro e Nova York. Este romance não só expõe os infortúnios de muitas gerações de jovens mulheres no primeiro quartel do século 20, como também sutilmente reclama compreensão e respeito por aquelas moças ingênuas e humildes, que foram jogadas na sarjeta da desumanidade.

História narrada em primeira pessoa, relata as experiências do autor em diversas fases de seus estudos da religião judaica. Estes o levaram a conhecer um setor dos mais instigantes e enigmáticos dos escritos religiosos, a Cabala, ao qual poucos têm acesso, mesmo entre os mais devotados ao judaísmo. Possuidor de um dom especial, o de conseguir obter informações sobre vidas passadas de quem o consultasse, o narrador procurou um cabalista (especialista em Cabala), em Israel. O encontro entre eles resultou num processo dirigido pelo visitante brasileiro que, ao descobrir a vida pregressa da esposa do sábio da Cabala, a curou de uma obsessão que tinha raízes em sua encarnação anterior. Apesar de o título referir-se ao cabalista de Israel, a narrativa, em parte ficcional e em parte autobiográfica, tem como fulcro as atividades extra-sensoriais do narrador. Revelando a história do seu passado, ele informa que foi durante sua pré-adolescência, quando teve amizade com um menino de ascendência africana que tinha poderes paranormais, que se percebeu possuidor dos mesmos atributos esotéricos do seu coleguinha brasileiro. Desde então, cultivou-os por todos os anos subseqüentes, o que o levou a aproximar-se do cabalista de Israel, principalmente para aprofundar-se no estudo da Cabala. O sábio israelense, apesar de todo o seu conhecimento, sabedoria e profundidade religiosa, não tinha o alcance extraterrestre que o narrador possuía, judeu descendente de marroquinos, que vivia no Pará. Enquanto o cabalista de Israel abriu caminhos para o aperfeiçoamento religioso do brasileiro, este salvou o casamento daquele, ao livrar sua esposa de uma dívida moral que ela tinha feito em vida passada. O teor do livro é espiritualista, equilibrado em conceitos ritualistas e em fatos tanto ficcionais quanto históricos. A trajetória espiritual do autor é revivida pelas informações que ele traz às páginas da narrativa, revelando encontros pessoais que, na aparência, eram fortuitos. O tempo mostrará que cruzamentos casuais com certas pessoas vão fazer parte de uma situação que o narrador interpreta como parte de um programa que terá sido traçado por intervenção divina. A narrativa é singela, plena de relatos sobre acontecimentos inexplicáveis pelas leis naturais, como o quase afogamento do autor quando em trabalho voluntário na época em que era recém formado em Medicina. Para a perspectiva do narrador, naquela ocasião ele escapou da morte por um milagre. Este foi um dos episódios que o levaram cada vez mais a acreditar no poder divino, a aprofundar-se na religião judaica, a cultivar seus dons naturais de captar vidas anteriores a esta e a dedicar-se ao bem.

Cabelos de fogo, por Marcos Serruya. Edição do autor. Pará: Belém, 2010. 132 páginas.

O Cabalista, por Marcos Serruya. Pará: Belém, 2008. Edição do autor. 96 páginas. 23


CRÔNICA

EU TENHO UMA * ESTRELA Elias Salgado

T

emo que desta feita, por mais que eu tente, não conseguirei fazer com que vocês acreditem na história que vou lhes contar. Acontece que ela é verídica – e eu e centenas, quiçá milhares de pessoas somos testemunhas. O problema maior será, convencer os incrédulos de ir até Bôca do Acre para atestá-la. Acontece que o velho ditado: “ filho de peixe,...” me caiu muito bem. Portanto vou insistir e contá-la. “Mas, David, o barranco vem abaixo e vai levar tudo com ele! Você quer esperar as próximas chuvas e pagar pra ver a loja ser levada pelas águas”? “Não! Eu não temo as chuvas, aliás eu não temo nada, eu tenho uma estrela forte” E ao pronunciar sua frase predileta ele batia no peito e mostrava seu Maguen David cheio de orgulho. Não seria aquela a primeira nem a última vez que papai afirmaria aquilo, ao contrário, inúmeras vezes eu ainda o ouviria pronunciar aquela

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sentença. À época, eu não sabia muito bem como lidar com ela-se deveria acreditar e levá-lo à sério, mas muitos anos depois, eu novamente a ouviria saindo de sua boca, e hoje, não restou-me apenas a lembrança auditiva da sua afirmação e a visual, dele batendo no peito e mostrando a sua Estrela dc David de ouro. Hoje eu tenho a perfeita compreensão do que aquilo, que para muitos parecia pura arrogância e para outros uma leviana encenação, significava para meu pai, aliás o meu David Hamelech! Sim, porque eu tive um pai – rei de carne e osso e até hoje ouço aquela voz bradando “Eu tenho uma estrela”. Não era um rei como os demais: não possuía uma coroa, um cetro ou vestes reais, ele apenas, muitas vezes, agia como se fora o monarca

de”seu reino”: sua família, sua loja, e de nossa Bôca do Acre. Não se tornou, em minha imaginação, um rei ou super herói como os dos filmes, ao contrário, muitas vezes eu o via falhar. E ao ser tão duro e inflexível em suas atitudes, punha abaixo, para mim ao menos, toda sua áurea real. Demorou bastante até que eu entendesse o que realmente significava tudo aquilo, aliás só agora, que ele já não está mais aqui é que compreendi , o que talvez nem ele tenha percebido bem: papai não se achava um rei, ele falava de fé, de força protetora e apesar de extremamente turrão, ele tinha suas certezas baseadas em sua fé, representada, simbolicamente, por aquela bela estrela. Mas voltemos ao ponto inicial, à enchente, ao barranco por cair e à loja, o Bazar das Novidades e seu temido destino.


A conversa era entre papai e “Dodó”, como chamamos, carinhosamente a Vivaldo, sócio de papai. Eles estavam novamente discutindo sobre se deveriam ou não, fazer um seguro para o “Bazar” - aliás, não havia o que discutir, pois, apesar das inúmeras e inúteis tentativas de “Dodó” a resposta era sempre a mesma: “Não e pronto! Eu não vou gastar dinheiro à toa, a loja não vai cair, tenho certeza!” Mas daquela feita, “Dodó” resolveu insistir um pouco mais, e papai resolveu acenar com um meio termo: “ Tudo bem. já que você insiste tanto, vamos fazer, mas com uma condição: se a loja não cair você paga o seguro do seu bolso, certo?”

“Mas David é uma fortuna...” “Pois é o que eu acho, também” Porém “Dodô” resolveu pelo sim: “tudo bem, não vou colocar nosso patrimônio em risco por sua teimosia”. E assim o seguro foi feito. No ano seguinte, quando chegou novamente a época das chuvas, uma enchente que mais parecia um dilúvio, caiu sobre Bôca do Acre e suas redondezas. E todas as casas da Av. Getúlio Vargas que ficavam do lado da beira do rio vieram a baixo e só o Bazar das Novidades ficou intacto... Acreditem ou não é a mais pura das verdades. Ele está lá até hoje: o sobrado de dois andares, com o depósito ao fundo e atrás dele o rio a correr...

E o “meu rei” lá de onde ele está, continua a sorrir, batendo no peito e bradando; “eu tenho uma estrela”. * O Maguen David que outrora pertenceu a meu querido pai, o “meu rei”, David Elmaleh, bar Sime z”l, de abençoada memória, agora ornamenta o peito de outro David, também ele “um rei” – David bar Miriam, meu amado irmão, cuja estrela, símbolo do orgulho de pertencer a ramo tão glorioso do povo judeu – os judeus da Amazônia- quero homenagear pela fundação, há 10 anos do Amazônia Judaica, monumento vivo do resgate, preservação e registro da nossa História.

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NOSSOS SÁBIOS

RABEINU HACHIDA HAKADOSH:

O SANTO REBI CHAIM YOSSEF DAVID AZULAY Z’L Yehuda Benguigui*

O

chacham- sábio Chaim Yossef David Azulay z’l nasceu em Jerusalém, numa sexta-feira a noite, 11 de Sivan de 5484/1724. Era descendente da proeminente família Azulay, famosa por suas cinco gerações de importantes chachamim. Seu pai, 26 AMAZÔNIA JUDAICA No 7 - ABRIL 2012

Rebi Rephael Yizchak Zecharia Azulay z’l, foi um eminente talmidchacham- sábio estudioso da Torah, filho do grande Rebi Abraham Azulay z’l, autor da obra “Chessed LeAbraham”. A família, procedente da Espanha, permaneceu naquele pais até a

trágica expulsão no ano de 1492. De lá, a família se dirigiu a cidade de Fés no Marrocos. Logo de alguns anos, a família, liderada pelo patriarca, o santo Rebi Abraham Azulay se trasladou a Eretz Israel, estabelecendo-se na cidade de Hebron. Posteriormente a família se instala em Jerusalém, e segundo consta, Rebi Chaim nasceu prematuro a tal ponto que estava inerte e parecia sem vida. A parteira e as demais pessoas presentes choraram com a mãe da criança já que davam mais que algumas horas de vida. Não obstante, sua avó, mãe de Rebi Rephael zl, não se desesperou, tomou o prematuro em seus braços o untou com azeite de oliva, o massageou e o agasalhou com mantas de lã, passou a alimentá-lo com pequenas porções e o manteve aquecido. Assim, graças a estes cuidados, o frágil bebê sobreviveu até chegar a um peso ótimo e converter-se em uma criança saudável. Rebi Chaim escreveu na introdução de vários de seus trabalhos que todo o seu conhecimento de Torah foi obtido em zechut- merecimento a sua avó que salvou sua vida. Desde idade muito precoce, deslumbrou os que o cercavam com sua mente prodigiosa. Com a idade de 13 anos, o Chyda já estava fazendo drashot veshiurimpalestras, discursos e predicas e ensinando Torah a comunidade judaica de Jerusalém. Com a idade de 16 anos, ele escreveu seu primeiro livro, onde tratou de 150 diferentes tópicos e cujo titulo foi “”He’elem Davar”. Durante sua vida o Rebi Chyda escreveu um total de 85 livros, sendo que vários deles se constituíram em obras de referência entre os


A fantástica epopéia da vida de uma das maiores figuras que iluminou nosso povo nos últimos tempos, Rebi Chyda e o extraordinário e misterioso episódio de seu enterro em Jerusalém mais de 150 anos depois de seu falecimento na Itália. estudiosos. Exatamente sessenta destas 85 obras foram publicadas durante sua vida e quinze delas permaneceram em manuscritos, algumas inéditas até hoje, sendo que dez manuscritos originais se perderam nestes últimos 250 anos. Duas de suas obras são consideradas monumentais: “Birkei Yossef ”e o fantástico “Shem Haguedolim”enciclopédica obra sobre todos os conhecidos trabalhos sobre Torah até aquela data e seus respectivos autores. Em 1753, ao buscarem um emissário com perfil ético por todos reconhecido, Rebi Chyda foi apontado por unanimidade pelo conselho rabínico de Eretz Yisrael para atuar como responsável pela recolecção de nedavot- fundos para caridade para as comunidades de Eretz Israel Em seu livro “Maagal Tov”, ele listou cento e quarenta e oito cidades por ele visitadas no período de cerca de 5 anos, de 5513/1753 ao ano de 5518/1758. Estas viagens levaram

o Rebi Chyda ao Egito, Itália, Alemanha, Holanda, Inglaterra e França. Em sua jornada seguinte, que ocorreu quinze anos depois, de 5533/1773 a 5538/1778, ele listou cento e sessenta cidades visitadas em 6 países: Egito, Tunísia, Itália, Holanda, França e Bélgica. Tanto gentios como judeus pediam suas Brachot- bênçãos para as mais diversas ocasiões. Rebi Chaim relata que em sua primeira viagem a Paris, no inverno de 1777-78 o Sr Abraham Vidal- eminente líder da comunidade judaica parisiensepediu que Rebi Chyda fizesse uma oração para que a Rainha engravidasse. Quando chegou o verão, recebeu a notícia que ela estava com quatro meses de gravidez. Outro episódio mencionado: depois de encontrar várias preciosidades em livros antigos, ele foi convidado pelo Diretor de Academia de Ciências da França, para examinar milhares de obras da Biblioteca de Paris, quando descobriu inúmeros manuscritos que se constituíam em verdadeiras raridades. Em Torino, Itália, ele encontrou uma das versões mais antigas dos quatro volumes do “Shulchan Aruch”, todos escritos com tinta de ouro. Em 1774, ele deixou Jerusalém

Funeral do Chyda, Har Hamenuchot, Jerusalém, 1960.

uma vez mais em uma missão para arrecadar fundos para as instituições educativas e os “Batei Midrash”Casas de Estudos de Eretz Yisrael. Rebi Chaim viajou inicialmente a Itália e apesar de haver visitado várias outras cidades italianas para recolher nedavot- doações- como Veneza, Torino, Florence, etc era em Livorno que passava a maior parte de seu tempo quando neste país. Livorno albergava na época o maior parque gráfico de literatura em hebraico. Desta forma, pelo fato de encontrar grande numero de obras de Torah publicadas, fazia com que o mesmo desfrutasse sua permanência na cidade. Há exatos 206 anos atrás faleceu o grande Rabino Chyda, em Livorno, na Itália, onde foi enterrado. Foi numa sexta-feira a noite- da mesma forma que seu nascimentocoincidindo com a Perashat Zachorno dia 11 de Adar de 5466/1806, quando com a idade e oitenta e três anos, Rab Chaim retornou sua pura alma ao Criador. Ao divulgar-se a noticia, uma multidão de judeus enlutados se concentrou nas ruas de Livorno e sua petirah- falecimentofoi sentido pelos judeus em todo o mundo, que lamentaram a perda deste eminente Talmid Chacham e Gadol Hador- figura proeminente


NOSSOS SÁBIOS daquela geração. No ano de 1941, por indicação das autoridades da cidade, o cemitério judaico no qual o Rebi Chyda estava enterrado em Livorno foi relocado para uma nova área. Quase 20 anos depois, quando o governo local pretendia converter o novo cemitério no qual o Rebi Chyda havia sido reenterrado em um parque público e manifestou planos de realocar a keburah- sepultura deste tzadik para nova localização, houve resistência por parte da comunidade judaica italiana. Desta maneira, foram iniciadas gestões para transferir seus restos para que fosse enterrado no famoso cemitério

"Escutamos todos um grande ruído, maior do que o anterior e senti os ossos se movendo..." de Har Hamenuchot em Jerusalém, por iniciativa da Rabanut HarashitRabinato Central de Israel, através do Rabino Chefe Sefaradi naquela época, o “Rishon Letzion” Rav Ytzchak Nissim. A seguir retransmitimos o episódio transcendental que foi todo o processo de transferência dos restos mortais do Rabino Chyda a Israel. Em certa ocasião, o ex-Rabino Chefe Sefaradi de Israel, “Rishon Letzion” Rav Mordechay Eliahu z’l contou a seus discípulos: 28 AMAZÔNIA JUDAICA No 7 - AVRIL 2012

- “O Rishon Letzion, Rabino Ytzchak Nissim, Rabino Chefe Sefaradi de Israel nos anos 60, me pediu para cuidar de todos os detalhes do enterro do Rebi Chyda em Israel. Fui ao Mikve- banho ritual de purificação em Jerusalém e depois fui ao aeroporto em Tel Aviv onde já estavam os outros rabinos, entre estes: o Rabino Laniado e o Rabino Ytzchak Abuchatzeira, o “Baba Chaki”. Quando o avião chegou procedente da Itália com os restos do Chyda, fomos informados que durante o voo a urna funerária havia caido duas vezes e foi recolocada em sua posição. Lhes Rabino Mordechay Eliahu z’l ,“Rishon Letzion”, exRabino Chefe Sefaradi de Israel

disse então que teríamos que abrir a urna para arrumar os restos do Chyda antes de prosseguir com a cerimonia de enterro. Alguns rabinos questionaram, mas eu enfatizei que seria um chilul Hashem - desrespeito - enterrá-lo sem que que seus restos estivessem arrumados adequadamente e todos concordaram. Quando tentei abrir a tampa da urna, fezse ouvir um barulho tremendo de seu interior. Todos em volta se

assustaram, o Rabino Laniado e o Rabino Abuchatzeira desmaiaram. Levantei-me e disse solenemente: Rebi Chyda, Rebi Chyda viemos para cuidar do senhor, por que nos esta assustando? Continuei então, enquanto os outros se acalmavam. Disse-lhe novamente: Rebi Chyda, esta escrito em seu livro que devese enterrar um morto de forma respeitosa. Eu não sei onde esta a cabeça e onde estão os pês. Abri a urna, coloquei as mãos em cima dos ossos sem olhar o interior e pedi com grande kavanah- concentração, que os ossos se arrumassem. Escutamos todos um grande ruído, maior que o anterior e senti os ossos se movendo, se arrumaram ate formar um esqueleto completo... logo, senti onde estava a cabeça e onde estavam os pês, fechei delicadamente a urna e a cobri. Assim pudemos todos os rabinos nos comunicar com os outros em Jerusalém, onde uma multidão de milhares de pessoas nos esperava desde a entrada da cidade ate o cemitério de Har Hamenuchot nos arredores de Jerusalém, onde se procedeu a cerimônia de enterro do Rebi Chyda. Este grande tzadik regressou a sua morada em Jerusalém 154 anos depois de seu falecimento em Livorno. Foi grande a emoção de todos os presentes quando o “Rishon Letzion” Rav Nissim concluiu a cerimônia dizendo “Rebi Chyda: Tihie Nafshecha Tzerura Bitzror Hachaim, amen”- Esteja a sua alma no recanto de luz e vida no gan Eden, amen!”. * Médico Pneumologista e Sanitarista. Assessor Principal da Organização Pan Americana de Saúde / OMS, Washington DC, EUA


CONTATO

Querido Eliahu, Me encantó conocer y poder leer Amazônia Judaica. La choveret, el site y todo el trabajo de ustedes és maravilloso. Un aporte de suma importancia a la Historia del Judaísmo. Shalom Querido David, Parabéns por mais um exemplar da Amazônia Judaica!! A edição de Chanuká está maravilhosa como sempre!! Grande abraço e Chanuká Sameach Anne Benchimol – Manaus - AM

Claudia Caro, Santiago de Chile

Os Judeus na Amazonia: O treiler, assim como o Documentário, ficou muito bom! Mazal Tov!!! Joaquin Neto, Campina Grande, PB

Oi Elias, Parabéns pela revista. Está muito bonita, com conteúdo. É uma publicação bem importante para o registro da vida judaica no Brasil. Obrigado pela citação. Kol Hakavod. Maestro Mauro Perelmann, Rio de Janeiro, RJ

Retribuímos os votos de " Feliz Hanuká " e parabenizamos " Amazônia Judaica " pelo transcurso de seu honroso decênio ! Um abraço.

Meyr David Israel e esposa, Manaus, AM

Prezados Srs., Ao abrir meu e-mail hoje deparei-me com uma msg da Amazônia Judaica e gostaria de saber como posso adquirir suas publicações, com desconto de livreiro, em minha pequena livraria judaica aqui no RJ, a Atzilut, que já fez seu Bat Mitzvá em julho de 2011. Já conhecia uma de suas publicações e a achei mto interessante. Gostaria de poder estreitar nosso contato, pois certamente, me será bastante enriquecedor. Shalom, Luciana Meir, Rio de Janeiro, RJ

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COLABORADORES RUBEM SERRUYA Z`L MARCOS SERRUYA Z`L MOISÉS NAHMIAS RAQUELITA ATHIAS SIMONE SALGADO JACOB MESSOD BENZECRY ELIAS PAZUELLO RAMIRO BENTES MARCOS DAVID NAHON YEHUDÁ BENGUIGUI RABINO MOISÉS ELMESCANY SAMUEL ISAAC BENCHIMOL Z'L JAIME BENCHIMOL DAVIS BENZECRY


PÁGINA VERDE

AMIGOS DO

MOISÉS SABBÁ SAUL BENCHIMOL FRANK BENZECRY SÉRGIO BENCHIMOL CELSO NEVES ASSAYAG CLARA AZULAY ABRAHAM BENMUYAL MARIO ANTONIO SUSSMAN SIMÃO PECHER ISAAC DAHAN ISAAC RAMIRO BENTES SULTANA LEVY ROSENBLATT Z'L RUBEM TOBELEM Z'L IANA BARCESSAT PINTO CLARA NAHON MENDES SALOMÃO MENDES INÁCIO OBADIA RUTH MENDES FOINQUINOS WAGNER BENTES LINS ZAZÁ JUCÁ LISE BARCESSAT SERRUYA LEON LASKAR RAIMUNDO SERRUYA ROSA BORRAS MARCIA CHERMAN SASSON LARISSA GABBAY PINTO RACHEL SOARES SILVIA PERLOV REGINA IGEL MARIZA BLANCO MALKA SHABTAY ALBERTO SABBÁ DINA PAULA SANTOS

ASSINANTES ESTHER DIMENSTEIN ALICE BENCHIMOL BONINA BEMERGUY ANNE BENCHIMOL MEYR DAVID ISRAEL ALEGRIA SALGADO BOHADANA JAIME SALGADO RAQUEL BENCHIMOL IRIA FERREIRA M. CHOCRON ANTONIO S. GADELHA ISAAC BENARRÓS ESTHER TOBELEM ZAGURY JORGE NEY BENTES ESTHER MIMON BENCHIMOL MARLENE COHEN MOYSÉS MELUL MENDEL ELIASQUIVICI RUBEM BEMERGUY SUSANNE BACH MARCIA RUBINSTEIN LUIZ BENYOSEF DENIS MINEV ALBERTO ALCOLUMBRE RUTH LÉA BEMERGUY FORTUNATO CHOCRON RICARDO TRIGUEIRO ISAAC JOSÉ OBADIA JUAREZ FRAZÃO RODRIGUES JUNIOR SALOMÃO COHEN 31


SIDUR NER TAMID Novo lançamento da Coleção “Ner”, elaborado pelo rabino Moisés Elmescany e pelo chazan David Salgado, o Sidur Ner Tamid (Luz Eterna), o acompanhará no dia-a-dia e em momentos especiais, como: Brit Milá, Fadas (Zeved HaBat), Bar e Bat Mitzvá, Chupá (casamento), além de Festas, como Yom Haatzmaut, Chanucá e Purim

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