ESPHERA Nº4 (Junho 2009)

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Índice Editorial?

2

Mandato 2008 - 2009

4

Experimenta Design 2009

6

Manuel Lima

9

White Tent

Antes que o Verão nos faça derivar para longe deste miradouro no Alto da Ajuda, e que a faculdade se torne (supostamente) deserta, a

esperança de constituir leitura de férias a alguma

10

Ricardo Bak Gordon

20

Banda Desenhada

26

Papel, Arquitecto, Cidade

28

A Força De Não Ter Força

pessoa com saudades destes lados.

“Visualização da informação na era da interconectividade global”

“Processo e Intenção”

esphera ainda tem algo a dizer, e acompanha o fechar de mais um ciclo lectivo, sempre com a

“Retrospectivas de mais um ano”

“Aprendizagem, Ensino, Projecto”

Neste número a esphera has gone

M.A.D., passo a explicar; na mesma deixa lançada pelas conferências realizadas no já pas-

“A Tempestade”

sado mês de Maio, prevalece a marca M.A.D. (M.A.D. People) também na tua revista. Moda, Arquitectura e Design, num número especial e ambicioso que recolheu e apresenta-vos agora uma entrevista para cada tema – universal, e inédito. Fomos falar com personalidades tão carismáticas como Bak Gordon, internacionais como Manuel Lima, e interessantes como os White Tent. Continua a formalizar-se a já referida intenção de abranger todas as facetas de alunos desta instituição, através do cruzamento de interesses e informação num mesmo objecto de comunicação. Pois é, diferentes e fascinantes áreas da nossa faculdade: compreendam-se harmoniosamente, se é que já não o fazem.

A equipa da esphera e a Associação

de Estudantes agradecem a todos aqueles que nos deram uma hipótese e decifraram os caracteres desta revista, e aos que passaram a contar

Coordenação Geral: Emanuel Moniz e Susana Ayres Santos Redacção: Clara Antunes, David Castanheira, Emanuel Moniz, Gostavo Briz, Margarida Maurício, Mariana Cruz e Susana Ayres Santos Agenda Cultural: Ana Raquel Ferrão, Luís Santos Coordenação Gráfica e Design: João Veras, Luís Santos Ilustração: Lucas Armendani Barbosa Banda Desenhada: Carlos Páscoa Coordenação de Publicidade: Emanuel Moniz Convidados especiais: Experimenta Design, Ricardo Bak Gordon, Manuel Lima e White Tent Impressão: DOSSIER Comunicação e Imagem Lda Tiragem: 3000 Distribuição: AEFA-UTL Apoios:

com ela, exposta pelos recantos da faculdade, até agora em datas incertas, mas com a sua meta concluída. Susana Ayres dos Santos Propriedade da Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura de Lisboa


Mandato 2008/2009 Retrospectivas de mais um ano...

Falando um pouco mais especificamente de actividades, aquela que foi mais complexa para a presidência foi a Chillout Session 03. Festival que já é uma marca em Lisboa e, que até noutras cidades do pais já começa a ser conhecida.

Assim se passou um ano de mandato, pode-

Foi uma iniciativa que exigiu de todos os mem-

se dizer cheio de actividades e iniciativas. Foi

bros uma dedicação incrível, e que só se conse-

um ano em que a AEFA-UTL se manteve pre-

gui concretizar com a ajuda de muitos outros

sente na vida estudantil, apoiando os que mais

alunos que alem de boa vontade e entreajuda

necessitavam.

nada tinham a ver com a nossa Associação. Para todos esses um obrigado especial pela ajuda

Para os que mais tempo dedicaram a esta vida

prestado em todo o projecto.

de associativismo, foi sem dúvida um ano que passou a voar. Acabámos por aprender muito,

Referir

conhecer muito e é sem dúvida uma experi-

Conferências MAD PEOPLE e a Esphera. Se a

ência que mais do que enriquecedora, espera-

Esphera já era um órgão de imprensa estudan-

mos que tenha sido útil para todos aqueles que

til aclamado dentro da FA-UTL, vimos na sua

representámos.

1ª edição deste mandato elevar-se a um nível

apenas

mais

duas

iniciativas:

as

diferente do até agora apresentado. Sofreu uma A equipa reunida acabou por ser bastante dife-

renovação de imagem, uma paginação mais cui-

rente da equipa reunida no mandato anterior,

dada, e uma impressão a condizer. As confe-

apesar de ser vontade nossa seguir uma linha de

rências, novamente uma iniciativa que decorre

acção idêntica àquela que vinha sendo desenvol-

do anterior mandato, foram organizadas com

vida nas anteriores três direcções.

nomes da praça pública, nas 3 áreas científicas

Espaço MainElectro_Chillout Session 03

da nossa casa, de forma a ninguém ficar esqueEsta tarefa não foi de todo simplificada, já que

cido, atingindo-se assim uma globalidade na for-

desde cedo sentimos dificuldades em acompa-

mação extracurricular dada pela AEFA-UTL.

nhar o elevado ritmo com que nos deparámos. A acrescentar a tudo isto, a falta de dedicação

Mencionando os números, o mandato chega

de alguns membros, acabou por dificultar a

ao fim com um total de aproximadamente 400

vida ainda mais. Conscientes de algumas falhas,

sócios, que beneficiaram de um conjunto de

foram sem dúvida 12 meses em que tentámos

vantagens que a nossa direcção e as anteriores

estar acima da nossa capacidade, e que no

procuraram dar a todos.

fundo nos deixa a sensação de dever cumprido. Para terminar dizer apenas que foi uma expeO trabalho desenvolvido é meritório e, espera-

riência magnífica acompanhar este grupo de

mos que a próxima direcção continue a desen-

amigos num caminho nem sempre fácil, tendo

volver o projecto que fomos criando, e que

sempre em mente a vontade dos estudantes e

torne esta uma Associação vital para o meio

as necessidades dos mesmos.

estudantil da nossa Faculdade.

2

por Emanuel Moniz

MAU Live_Chillout Session 03


3D & VFX

Motion Graphics & Post Production

Animation

Video

Concept Art & Storyboarding

Web

Games

Writing

Em grupos que não ultrapassam os dez alunos, cada curso fornece o domínio total dos métodos e técnicas usados na indústria em cada fase e em cada área de desenvolvimento de projectos reais. A Odd School está em diálogo constante com a indústria e propõese ajudar os alunos a seguir o seu caminho “pós-formação”: todos os alunos são orientados individualmente para as especializações mais adequadas à sua vocação e os melhores terminam a formação com o apoio real da escola para a sua integração no mercado de trabalho. A Odd School apoia os alunos no desenvolvimento dos seus próprios projectos.

Rua de São Paulo 121, 1200-427 Lisboa t. + 00351 213 465 155 f. + 00351 213 463

odd-school.com

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ExperimentaDesign 09 Setembro — 08 Novembro 2009 (Semana Inaugural 09.09.09 — 13.09.09)

A Bienal de Design, Arquitectura e Criatividade

e soluções, em áreas tão distintas quanto pes-

em animados debates temáticos e assiste ainda

promete uma vez mais agitar Lisboa com um

quisa e investigação, open source e produção em

às inaugurações das Exposições, Projectos

programa excitante e multidisciplinar. Sob

regime comunitário. As ideias chave desta pro-

Especiais e Tangenciais ao longo de 5 dias de

a égide de ‘It’s About Time’, a EXD’09 pro-

blemática estão intimamente ligadas às questões

intensa programação.

põe uma análise do tempo enquanto matéria,

de tempo e urgência: improvisação, networking,

recurso e desafio: tempo para agir, tempo para

partilha e desenvolvimento paralelo. Está na

A partir de 14 de Setembro e até ao encer-

colaborar, tempo para reflectir.

hora. É tempo.

ramento da Bienal, participa também nos workshops, debates e visitas guiadas às expo-

Participa!

sições nucleares:

It’s About Time... A EXD’09 desafia-te a envolveres-te neste

Quick, Quick, Slow: Esta exposição propõe

Como é que pensamos o tempo hoje em dia?

programa que apela ao espírito crítico e à

uma história alternativa do design gráfico na

Com a constante aceleração da vida contempo-

participação.

relação com o tempo e noções de movimento,

rânea e a globalização, a comunicação acontece

aceleração e progressão. Desde as experiências

em tempo real, as decisões são instantâneas e a

De 9 a 13 de Setembro, não percas o calen-

tipográficas modernistas passando pelo design

resolução de problemas resume-se a improvisos

dário de eventos da Semana Inaugural: nas

dinâmico dos anos 50, as mudanças filosóficas

de última hora, em vez de soluções sustentá-

Conferências de Lisboa, conhece as perspecti-

radicais do final da década de 60 e os avanços

veis. Num mundo à beira do colapso ambiental e

vas únicas de figuras de destaque da produção

tecnológicos dos anos 90, traça um percurso

financeiro, existe uma necessidade premente de

cultural contemporânea; nas Open Talks junta-

até à actualidade e a crescente importância dos

agir. Mas será que pensamos antes de agir? Está

te a um painel de especialistas internacionais

meios digitais no design gráfico.

na hora de concentrar esforços numa reflexão madura e numa estratégia de mudança consistente. It’s About Time. A ExperimentaDesign propõe traduzir o duplo sentido do tema de 2009 num programa que reflecte sobre o papel do tempo no design. Assim, lança-se um olhar sobre os múltiplos impactos do tempo nas disciplinas criativas e o modo como estas podem, por seu turno, contribuir para a formulação de novas noções de tempo e urgência. Como podem os criadores contemporâneos reconciliar a velocidade do nosso quotidiano com a necessidade de reflexão? É possível desenvolver um conceito de “design baseado no tempo”? Os processos sociais têm vindo a conquistar uma posição preponderante no desenvolvimento de produtos Álvaro Siza Vieira _Fotografia: Schwarzlose / Lund.

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Pace of Design: Com base na observação directa do quotidiano de 7 estúdios de design internacionais, Pace of Design acompanha o desenvolvimento criativo, ritmos e estágios de trabalho, numa reflexão sobre os efeitos dos contextos culturais na definição de diferentes utilizações, apreciações e representações do tempo. Lapse in Time: Num olhar crítico sobre a lógica de produção actual, Lapse in Time protagoniza o trabalho desafiador de jovens designers que se situam no extremo oposto da tendência refém do imperativo ‘tempo é dinheiro’. Testando os limites da elasticidade criativa na vanguarda da

Projecto: Come to my Place _Artista: Maxim Velcovsky_Fotografia: Edo Kuijpers.

inovação, o seu trabalho aspira a uma mudança de paradigma, também ele temporal. Timeless: Como transformar “menos” em “melhor”? A EXD lançou o repto a um conjunto de países e às suas comunidades criativas. O resultado é Timeless, um showcase experimental que propõe novas ideias, conceitos e estratégias. Materiais e imateriais, estes artefactos para o século XXI deverão implicar menos recursos, sistemas de produção menos complexos e formas de distribuição mais simples.

Envolve-te! A EXD’09 procura voluntários para integrar a equipa de colaboradores da Bienal: > Assistentes de montagem > Assistentes de exposição

Projecto: Harjukulma Apartment Building _Arquitecto: Peter Zumthor_Fotografia: Markus Tretter.

> Monitores de visita guiada Envia o teu C.V. para visitas@experimentadesign.pt até dia 30 de Junho. Para mais informações sobre a Bienal, oportunidades de workshops, debates e visitas guiadas subsreve a newsletter EXD em: www.experimentadesign.pt. Acompanha também o desenvolvimento do programa na pataforma de diálogo online: www.experimentadesign.pt/2009/blog

Conteúdos cedidos pela EXD’09

5 Projecto: Louging Space in Press & Conference Centre _Fotografia: Schwarzlose / Lund.


em demasia este resultado pois pode conduzir a

MANUEL LIMA

uma fixação pela beleza superficial em substituição da função informativa. Hoje é relativamente fácil para alguém com experiência em programação criar uma visualização extremamente rica e deslumbrante. Mas este não pode ser o

Fala-nos de

“Visualização da Informação na era da interconectividade global”

último aspecto a ser avaliado. Determinado o fenómeno a ser trabalhado, como se processa o acto de projectar? O que é que o condiciona? A maioria dos projectos de Visualização de Informação começa com uma pergunta ou um desejo de averiguação. Será que a taxa de obesidade está associada aos países ricos? Como se propaga globalmente um vírus informático? Qual a zona de Portugal que mais consome café? Depois da especulação inicial há que saber se existem os dados necessários para uma resposta adequada. Após a recolha dos dados, surge um processo de filtragem, ordenamento

Com a vontade de fazer o melhor pela vida,

em informação relevante, e finalmente em

e “limpeza” dos mesmos, o que, dependendo

Manuel Lima não se deteve pela conclusão da

conhecimento.

do formato em que se encontram, pode revelar-

sua Licenciatura em Arquitectura do Design

Tal como um game designer que concebe um

se uma tarefa bastante árdua. Finalmente chega

(hoje Licenciatura em Design) da Faculdade

jogo, com um contexto e regras específicas que

a fase de escolha do modelo (ou modelos) de

de Arquitectura da UTL. Esta foi apenas a pri-

são posteriormente moldadas pelo jogador,

representação visual e das técnicas interactivas

meira etapa do seu rico percurso académico,

assim é todo o designer que, após o lançamento

mais apropriadas, tendo em vista a questão ini-

sendo hoje investigador e o co-fundador da

do produto final, perde qualquer controlo

cial e a consequente exploração do utilizador

VisualComplexity.com. Recentemente voltou

sobre o mesmo. Ao designer compete criar as

final.

à casa que o formou para apresentar o seu

aptidões necessárias para que esta moldagem

trabalho (apresentação disponível em http://

aconteça (pois acontecerá invariavelmente)

Sendo esta uma área recente em desen-

www.slideshare.net/manulima/vc-portugal-

atribuindo ao objecto a devida flexibilidade. No

volvimento, com uma forte componente

may-2009-1435702),

que

caso da Visualização de Informação isto traduz-

de inovação, pode dizer-se que haja

cabe a cada estudante construir o seu percurso

se na criação de uma ferramenta maleável que

algum tipo de público-alvo definido pela

a partir da sua formação, a qual é, afinal, apenas

permita ao utilizador final controlar, filtrar, e

faixa etária ou é legível e acessível para

uma preparação para se continuar a aprender. A

modificar a visualização em função da resposta

qualquer pessoa?

revista de publicidade e design Creativity colo-

ou padrão de informação pretendido.

As ditas novas tecnologias não pertencem a

cou-o entre as 50 “cabeças mais influentes e

Em relação ao culto excessivo da forma é

nenhuma geração em particular, pertencem a

criativas de 2009”, e nós quisemos saber como

importante lembrar que qualquer projecto de

todos nós sem excepção. Não podemos con-

fala quem torna a informação de elevada com-

Visualização de Informação deve ser funcional,

fundir a destreza tecnológica com o benefício

plexidade e extensão legível através da imagem.

no sentido de promover um melhor enten-

da tecnologia. A Visualização de Informação é

mostrando-nos

uma área bastante recente que apenas agora

Alguns destes projectos poderão revelar uma

começou a cortar o seu cordão umbilical com

o design é tido como uma ferramenta ou

qualidade estética impressionante, que poderá

a área académica, e se porventura ainda não

um produto final?

inclusive ser considerada arte, mas esta quali-

conseguiu tornar-se mais acessível e legível, é

A Visualização de Informação é essencialmente

dade “artística” deverá ocorrer como conse-

por defeito dos seus principais intervenientes.

uma ferramenta de tradução. O seu principal

quência, nunca como objectivo central da exe-

Esta é uma disciplina do presente, que pretende

objectivo é a conversão de dados incongruentes

cução. Há que ter alguma cautela, não glorificar

resolver um sem-número de desafios actuais,

6

dimento do tema ou sistema representado. Na área da Visualização de Informação,


não cenários futuros. Tornar-se-á cada vez mais

biblioteca deve-se essencialmente ao meu inte-

Houve um momento de reviravolta impor-

uma técnica operativa actual com o natural

resse pessoal por diferentes assuntos, que vão

tante que ocorreu aquando do meu mestrado

amadurecimento da disciplina, com a manifes-

desde a Genética, à Arqueologia, passando pela

na Parsons School of Design, ao deparar-me

tação de um saber sustentado e formas de ava-

Cartografia, Evolução, Sociologia, Matemática,

com inúmeras disciplinas e correntes de pen-

liação eficazes.

Emergência, e muitos outros. Aliado ao meu

samento desconhecidas, uma infindável fonte

interesse pela Visualização de Informação está

de novo saber. Foi ao mesmo tempo uma con-

Há algum trabalho que considere em

ainda a minha profunda atracção pelo fenó-

dição necessária, pois procurava uma área de

posição de destaque e que queira men-

meno das redes complexas. E talvez tenha sido

conhecimento que verdadeiramente me inte-

cionar a título de exemplo?

pelo facto da topologia em rede ser verdadeira-

ressasse e motivasse a descobrir mais. Abraçar

É sempre muito complicado seleccionar um

mente omnipresente, tanto em sistemas natu-

vários domínios e abrir diferentes portas foi o

projecto entre mais de 600, particularmente

rais como artificiais, que acabei por me envol-

melhor método para despoletar este interesse

por cobrirem uma grande multiplicidade de

ver nesta área, de modo a poder explorar uma

pela Visualização de Informação, e em particular

temas desde redes de influência política a redes

visão pluralista do mundo que nos rodeia.

pela visualização de redes complexas. Mas terá

neuronais. Contudo, posso mencionar um pro-

sido a constante curiosidade o principal fio con-

jecto que foi recentemente adicionado à lista

O seu percurso pessoal é consequência

e que teve como objectivo desvendar o local

somente da sua maneira de ser e estar,

mais remoto do planeta. Os autores sobrepuse-

ou isto vem acoplado a alguma circuns-

Autoria e Redacção:

ram mais de 10 mapas distintos, representando

tância que o despertou para esta via, em

Margarida Maurício e Mariana Cruz

diferentes aspectos, como altitude, redes de

determinado momento da sua formação

comboio, redes de comunicação, estradas, rios

profissional?

dutor neste percurso.

navegáveis, rotas marítimas, condições do terreno, entre outros, com vista a calcular quanto tempo leva em média qualquer pessoa a che-

Projecto: High Definition Map of Science _Autor: Johan Bollen.

gar à cidade mais próxima de 50,000 ou mais habitantes. Os resultados da visualização foram surpreendentes. Apenas 9% do planeta fica a mais de 48 horas de caminho térreo da cidade mais próxima, o que anula algumas das suposições que podemos ter quando à existência de enormes regiões intactas e isoladas. Quanto ao título de local mais remoto, este pertence ao planalto tibetano. Desta área até às cidades de Lassa ou Korla são sensivelmente três semanas de viagem – vinte dias a pé e um dia de carro. Disse, na conferência dada na FAL, que a sua biblioteca tinha “tudo menos livros de design”; esta postura está mais próxima da interdisciplinaridade que este campo específico permite ou de uma abordagem individual e própria? Sem dúvida que por ser uma disciplina nova a Visualização de Informação serve-se de inúmeras áreas de conhecimento para suportar a sua actividade, entre as quais Human-Computer Interaction

(HCI),

Engenharia

Informática,

Design Gráfico, Design de Interacção e Psicologia Cognitiva. Mas a diversidade da minha

7


EXD’09 / LISBOA

------------------------------------------------------BIENAL DE DESIGN, ARQUITECTURA E CRIATIVIDADE CONTEMPORÂNEA ------------------------------------------------------Tempo significa?... Experience design Decisões instantâneas Redes sociais TGV Efeitos imediatos LiveFeed WiFi Comunicação em tempo real Twitter / Facebook / Hi5 Low Cost Comunidades virtuais Fast forward Speed dating Quick time Slow down Multitasking Menos Shuffle ADSL Mais Download Podcast HD MMS ------------------------------------------------------It’s About Time... Reflecte sobre o tempo enquanto recurso, matéria e desafio no design e na produção criativa. Urgência, globalização, sustentabilidade, networking – os impactos do tempo atravessam a sociedade e a cultura contemporânea. A EXD’09 discute, propõe, questiona, cruza perspectivas e antecipa caminhos. It’s About Time. ------------------------------------------------------Exposições ------------------------------------------------------Grandes Conferências ------------------------------------------------------Debates Temáticos ------------------------------------------------------Ciclo de Cinema Experimental ------------------------------------------------------Intervenções Urbanas Transversais ------------------------------------------------------Laboratórios Criativos ------------------------------------------------------Showcases Experimentais ------------------------------------------------------Lounging Space ------------------------------------------------------Tangenciais ------------------------------------------------------Serviço Educativo Visitas guiadas e workshops Itinerários e visitas orientadas por especialistas visitas@experimentadesign.pt

ntários! lu o v e s m ra u c ro p tas guiadas

sições - visi montagem - expo design.pt www.experimenta

ATL - Associação de Turismo de Lisboa; Cision; Instituto Português da Juventude; JCDecaux; Mota-Engil Solidária

media friends

Museu do Design e da Moda; Ordem dos Arquitectos

apoios

BBDO Portugal; British Council; Cinemateca Portuguesa; Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, Londres); Museu Colecção Berardo; The Royal Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce; Seven Art Limited

protocolos de cooperação

Expresso; Casa Cláudia; Courrier Internacional; Visão; Vida & Viagens; Arquitectura & Construção

coproduções

media partners

marca associada

patrocinador oficial Projecto financiado com o apoio da Comissão Europeia. A informação contida nesta comunicação vincula exclusivamente o autor, não sendo a Comissão responsável pela utilização que dela possa ser feita.

marca associada específica

8 patrocinadores

parceiros institucionais

ExperimentaDesign 09 Setembro — 08 Novembro 2009

Étapes; Time Out; Intramuros; Mark; Frame; Icon

Com o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva. Estatuto de Interesse Cultural no âmbito da Lei do Mecenato.


No nosso trabalho talvez valorizemos mais o processo. Pois acreditamos que quanto mais rico e exaustivo for o processo, melhor será o resultado. No entanto esta abordagem está

White Tent

relacionada com o nosso tipo de projecto. Em

Dar corpo a

que sejam mais adequadas e que respondam

“Processo e Intenção”

outras tipologias de projectos, um briefing especifico pode levar a diferentes abordagens, melhor ao que será em ultimo caso esperado de um producto especifico. Acreditamos em todo caso que quanto mais informado e atento for um designer, melhor desenvolverá qualquer tipo de projecto. Informação e referencias são importantissimas.

Evgenia Tabakova e Pedro Noronha-Feio formam o colectivo de design White Tent. De origem Russa e Portuguesa, licenciaram-se em Central Saint Martin´s e no London College of Fashion, respectivamente. Realizaram vários estágios e trabalharam para designers como Alexander McQueen, Lidija Kolovrat, Globe e Matthew Williamson. Em Abril de 2007, apresentaram a primeira colecção de Outono/Inverno 07/08 no evento Circuit Portugal. Integram o calendário da ModaLisboa desde Outubro de 2007.

Alguma vez o vosso trabalho foi influenciado ou repensado em consequência de reacções positivas ou negativas do público? Num sentido criativo, não. No entanto valorizamos muito a critica construtiva ( quer esta seja positiva ou negativa). Qual é a vossa peça favorita de todas as que já conceberam, e porquê? Julgo não termos uma peça favorita, mas sim um conjunto de peças que sentimos que reflectem exactamente aquilo em que trabalhámos em determinada altura. Por exemplo, na ultima colecção gostamos imenso das malhas tricota-

Que mensagens ou emoções pretendem transmitir com o vosso trabalho? O nosso trabalho (enquanto marca de autor) reflecte a nossa estética pessoal e os nossos interesses enquanto designers. A nossa linguagem é o produto de uma serie de desenvolvimentos, e de evolução de conceito/s aliado a uma abordagem muito pessoal. O que nós pretendemos é permitir que pessoas que se identificam com o nosso trabalho, possam utilizar a nossa roupa para expressar o que quiserem. Pretendemos que a nossa roupa seja um veiculo de expressão para o utilizador, e não a sobrepo-

das, assim como na colecção de PV09 gostamos das peças cortadas a laser (camuflados). Quais as lições mais importantes que já aprenderam desde que trabalham nesta área? Que são necessários muito trabalho, dedicação e persistencia para se atingir os nossos objectivos. A valorização das opiniões de todos os que nos rodeiam, e a encarar os nossos sucessos com humildade. Autoria e Redacção: Marta Cruz Lemos

sição da peça ao seu utilizador. O que consideram mais importante: o processo ou o produto? Consideramos que são ambos importantes.

9


Ricardo Bak Gordon sobre

“Aprendizagem, Ensino, Projecto”

perspectiva da partilha de experiências para

ao longo da sua aprendizagem que se mistura

People,

de

enriquecimento pragmático da nossa relação,

muito com a especificidade de cada escola. E

Estudantes, recebemos no dia 7 de Maio o

enquanto estudantes, com a prática de pro-

naquele tempo estar numa escola correspondia

arquitecto Ricardo Bak Gordon, que muito gen-

jecto. Começámos nos seus basilares contactos

a um ensinamento muito particular. E a escola

tilmente nos cedeu este espaço de conversa.

com a matéria que manipula, expondo algumas

do Porto era, talvez, destas três escolas, a única

das que são as reflexões implícitas à prática da

que se poderia dizer que era um Escola, porque

Graduado em 1990, depois de um percurso

disciplina, para passar aos momentos chave de

tinha um sentido muito claro de aprendizagem.

académico muitíssimo heterogéneo, abre, no

confronto com o impacto público da sua obra.

Assentava em várias coisas, uma delas no dese-

mesmo ano, o atelier Vilela&Gordon, em con-

Sabemos que, ao longo do seu percurso

nho, que é um tema que ainda hoje para mim

junto com Carlos Vilela Lúcio. Da colabora-

académico passou pela Faculdade de

tem significado, o desenho como possibilidade

ção com este arquitecto nasce o projecto para

Arquitectura do Porto, Faculdade de

de investigação em arquitectura. Ou seja, tu

a Residência da Embaixada de Portugal em

Arquitectura de Lisboa e pelo Instituto

viajares pelos teus pensamentos arquitectóni-

Brasília, em 1995, primeiro prémio em com-

Politécnico de Milão; lugares onde teve

cos através do desenho, o teu braço ser uma

petição internacional e momento de projecção

oportunidade de experimentar diferen-

espécie de ligação directa ao teu pensamento.

definitiva de Bak Gordon. No seu currículo

tes metodologias de ensino. Que mais

Eu vejo isso nos meus alunos. Quando as pes-

contam-se diversas obras premiadas e incontá-

valia lhe trouxe esta diversidade de abor-

soas têm dificuldade em desenhar, têm dificul-

veis explorações em torno do tema da habita-

dagens e que semelhanças e/ou diferen-

dade em investigar o trabalho e têm dificuldade

ção. Gere, desde o ano 2000, o seu próprio

ças encontra entre as diferentes Escolas?

em viajar por dentro e por fora das suas ideias

atelier, Bak Gordon Arquitectos, e contribui

Primeiro que tudo é preciso compreender que

e, portanto, automaticamente se limitam. E o

na vertente do ensino enquanto professor da

isto se passava entre 1985 e 1990. Portanto a

Porto investia muito no desenho como lingua-

cadeira de projecto na Universidade Lusíada de

relação que tu tinhas com as escolas e que as

gem absoluta da investigação, ou seja, se quises-

Lisboa e na Escola Superior Artística do Porto,

escolas tinham com os lugares eram muito dife-

ses ir para a Alemanha tu tinhas de aprender a

participando inclusivamente em múltiplos semi-

rentes. Essa diferença tinha basicamente a ver

falar alemão, se quisesses ser arquitecto tinhas

nários de arquitectura internacionais.

com comunicação. Tu hoje estás online e, por-

de aprender a desenhar. Esse curso intensivo de

Propusemo-nos aqui explorar o que é o per-

tanto, acaba por haver um conhecimento, uma

desenho criava uma atmosfera incrível nas pes-

curso de um arquitecto ainda jovem, na

formação e um sentido autodidacta do aluno

soas e fazia com que as pessoas desenhassem

10

No âmbito do ciclo de conferências MAD organizadas

pela

Associação


pela cidade fora quase 24 horas por dia e isso

e aí não há comunicação digital ou virtual que

deve fazer é conduzir processos de investiga-

era uma experiência muito rica. Depois foi tam-

possa competir com aquilo que é tu seres colo-

ção. Naturalmente aconselhar, naturalmente

bém a minha primeira saída de Lisboa, porque

cado noutra cidade, noutro país, noutro lugar

ajudar a procurar mais intensamente um deter-

eu nasci em Lisboa e portanto foi a primeira

com pessoas de outras origens e culturas e ao

minado caminho. Mas nunca tive a necessidade

vez que saí de casa. E essa experiência de ir

mesmo tempo. Neste caso em Milão, a 3 horas

de restringir os resultados dessa investigação.

para fora, estudar para a faculdade, conhecer

de quatro ou cinco países, vi-me colocado numa

E eu sou muito exigente no sentido de pedir e

novas pessoas, novos lugares pela primeira vez

centralidade por onde passavam naquela época

garantir que as pessoas têm, de facto, uma ideia

é uma experiência muito rica e que não pode

todos os conferencistas, quando aqui rara-

que possa ser perseguida e não estão apenas a

ser posta de parte daquilo que é só a escola.

mente havia conferências de Arquitectura.

divagar sobre a forma, sobre o desenho, sobre

Porque na nossa vida, a nossa formação, depois

Portanto todas elas, muito diferentes, forma-

a escala. Se tiveres um conceito tens a hipótese

direccionada para o nosso trabalho, neste caso

ram o meu pensamento, ou foram ajudando a

de ter um projecto.

para a arquitectura, não pode ser separada das

formar o meu pensamento sobre os lugares,

outras coisas que te vão acontecendo no teu

sobre as pessoas, sobre as relações. E curiosa-

Falou-se na conferência da importância

dia-a-dia e que vão ter repercussão no teu tra-

mente sou capaz de dizer que não saberei afir-

de um carácter auto didacta na aprendi-

balho e na tua aprendizagem. Por outro lado

mar qual foi melhor, porque todas elas tiveram

zagem e da importância da motivação e

havia o sentido de uma vida quase familiar da

virtudes.

incentivo pessoal, temas cuja exploração está, aliás, prevista no plano de Bolonha.

escola do Porto, que era muito íntima, e que gerava uma grande aproximação aos colegas e

Falando agora desta linguagem arquitec-

Qual será, num mundo que caminha para

professores.

tónica tão vincada e assertiva da Escola

o auto-centrismo e ambição individual, o

Na escola de Lisboa, pelo contrário, havia uma

do Porto, que todos conhecemos e sabe-

papel da pedagogia?

atmosfera muito mais independente, muito

mos identificar, perguntava-lhe qual será

O papel da pedagogia vai ser cada vez mais a

mais dependente de cada professor, do que pro-

a sua prestação, enquanto professor, no

relação que tu vais estabelecer com um profes-

priamente do sentido académico de Escola que

sentido de condicionar a liberdade cria-

sor, com um condutor de processos de inves-

havia no Porto. Portanto dir-se-ia que tu esta-

tiva do aluno estilística ou formalmente,

tigação, antes do que com escolas. Portanto,

vas um bocadinho mais por tua conta e risco,

e de que forma isso é ou não vantajoso.

isto para dizer que assistimos a uma fase em

eras mais autodidacta, ainda no sentido de teres

Eu dou aulas há bastantes anos. Dou aulas, julgo

que estamos mais longe da escola enquanto

que percorrer o teu caminho porque esse cami-

eu, desde 1997. Já lá vão doze anos. E para mim

lugar de pensamento colectivo uno ou univer-

nho não estava em cima da mesa como estava

nunca esteve em causa linguagem ou viagem

sal e sim, a caminho de relações mais pessoais

no Porto. Por outro lado, esse período tinha a

e direcção estética ou formal, até porque não

entre o aluno, esse auto didacta, e as pessoas

ver um pouco com o Pós-Modernismo. Imagina

acredito nisso. A mim o que me interessa é que

que vai encontrando pelo caminho, que podem

passares da escola do Porto; aliás a Escola

haja um pensamento claro, um conceito que

ser professores com posturas muito diferentes.

Branca, tinha acabado de sair uma publicação

seja perseguido no pensamento de projecto e,

Mas sobre o auto didactismo gostava de dizer

que se chamava As Páginas Brancas, portanto

portanto, tem que haver uma razão para que

uma coisa muito simples, que toda a gente com-

a figura tutelar do arquitecto Álvaro Siza e uma

as coisas aconteçam. A forma não é uma razão

preende. Quando chegas ao 4º ano ou antes,

certa linguagem e metodologia de projecto que

suficiente. Para mim a forma é uma consequên-

e estás a fazer um corte construtivo pela pri-

se expressava com grande clareza em todos os

cia do teu pensamento, como são outras coi-

meira vez sobre o teu projecto, és confrontado

professores, e depois chegas a Lisboa durante o

sas, como é a função, a tensão matérica, o sis-

com questões tão simples como a construção

Pós-Modernismo, numa altura que o arquitecto

tema construtivo. Ou seja, a liberdade que eu

de um caixilho ou vão. E normalmente o aluno

Tomás Taveira liderava a escola.

dou aos meus alunos é total, desde que eles se

entra em pânico, nunca fez um vão, não sabe

Finalmente a escola em Itália, o Politécnico de

esforcem para pôr de pé um pensamento arqui-

fazer o pormenor do vão. No entanto, tem 20

Milão. Foi um momento ainda mais raro por-

tectónico que seja uma matriz passível de ser

anos de idade, e há 20 anos que abre e fecha

que correspondeu ao primeiro ano em que

perseguida. Isto é, tu tens que ter um conceito,

portas e janelas todos os dias, na casa dele, na

houve trocas de Erasmus. Erasmus que, para

uma ideia para o teu trabalho e, portanto, essa

casa dos avós, num edifício público, na escola,

mim, continua a ser uma das coisas mais incrí-

ideia tem que ser clara. Não é claro o resultado

etc. Se o auto didactismo começar por abrir

veis, mais mágicas e mais obrigatórias que todos

do teu projecto, mas é clara a ideia, a força da

os olhos e olhar, já começa bem. Tu vives, tu

vocês devem efectivamente fazer. Devem lutar

ideia. Tu queres seguir uma investigação por-

pensas, tu passas todos os dias por centenas

para ir para Erasmus. Porque vos permite de

que encontras razões para essa investigação.

de situações que são fazer parte da tua vida. E,

um dia para o outro uma descoberta absoluta

O que eu acho que um professor de projecto

ou estás atento a elas, ou não estás. Quantas►

11


vai muito além. E como figura da arquitectura

livraria que se chama CLUP. Naquele tempo a

melhores, depois percebes porque é que gostas

mais próxima, ainda vivo, não da nossa gera-

Portugal chegava muito pouca coisa. E aquilo

mais de uma do que de outra, porque é que

ção, mas das nossas vivências, da nossa parti-

foi uma descoberta incrível para nós alunos que

uma funciona melhor do que outra. Está à tua

cipação conjunta na sociedade, ele teve imensa

íamos de Portugal, e que de repente entráva-

frente, tem um caixilho, tem um aro fixo, tem

importância.

mos numa livraria onde havia tudo. Passávamos

um aro móvel, etc. Portanto isto faz com que

Depois há outros arquitectos que sempre me

tardes inteiras na livraria, mais do que nas aulas.

não haja razão nenhuma para o aluno se sentir

interessaram bastante assim que os conheci.

Foi aí que conheci a maioria dos arquitectos

incapacitado. Tu hoje já passaste por 30 porme-

Estou-me a lembrar do Barragán, e de uma

internacionais, as obras do Rossi, do Grassi, do

nores construtivos. Abre os olhos e vê. Não

figura com quem agora estou a trabalhar, que

Tadao Ando, por aí fora; na CLUP, sentado a ler

fiques à espera que te ensinem, porque ele está

tem 80 anos, e é um personagem perfeitamente

os livros, a ver imagens. Portanto julgo que a

aí. Portanto são pequenas coisas como estas

mágico, que é o Paulo Mendes da Rocha.

questão das referências é fundamental, é uma

que têm a ver com o nosso auto didactismo. O

A arte contemporânea sempre me interessou.

aprendizagem que te fornece bagagem.

que é esse auto didactismo? É sabermos apren-

Eu trabalhei desde muito cedo com o artista

der sozinhos, sabermos procurar sozinhos, ter-

Pedro Cabrita Reis. A relação com a arte con-

Mencionou como referência marcante

mos uma curiosidade infinita. E é esse o sentido

temporânea chegou-me, portanto, cedo e

o arquitecto Paulo Mendes da Rocha.

que quero transmitir aos alunos: que, de facto,

cativou-me bastante, e não tenho dúvida que

Sabendo que esteve recentemente em

é muito bom ter professores impecáveis, mas

hoje uso referências e algumas imagens de

colaboração com este pai do Movimento

mais que nos professores impecáveis está em

objectos e de peças de arte para falar sobre a

Moderno

mim a possibilidade de eu não parar de reflectir,

Arquitectura, porque julgo que a arte enquanto

Museu dos Coches, em Belém; ficou-nos

investigar, perseguir e, inclusivamente, de sentir

reflexão máxima, abstracta e mais infinita pode

a vontade, enquanto estudantes e jovens

a arquitectura. Porque a afectividade da arqui-

ser aplicada a todos os campos de investigação.

arquitectos, de saber como se constitui

tectura sou eu que a vou descobrir. De onde

Reconheço que houve sempre trabalhos e

esta relação criativa com um arquitecto

virá ela? a temperatura de um espaço, a luz, a

obras, mais do que pessoas. Mas as pessoas

que naturalmente se admira.

tensão matérica, a textura, a escala, a propor-

também porque não se pode pôr de lado a rela-

Eu conheço o arquitecto Paulo Mendes da

ção, são coisas sobre as quais devo sempre ter

ção que se vai tendo com elas. Umas conheces

Rocha há bastante anos, mais de 10 anos, altura

opinião.

na tua experiência, outras, que já não existem,

em que ganhei o concurso para a Residência

que tu conheceste o trabalho e a obra, mas que

da Embaixada de Portugal em Brasília. Naquele

Sobre a experiência arquitectónica do

marcam e é bom que marquem. É bom que

momento, senti que precisava de um apoio no

lugar. Como arquitecto e indivíduo imbu-

tenhamos referências. Nós não podemos ima-

Brasil caso aquilo se viesse a fazer; o próprio

ído da curiosidade original de que falou,

ginar um cirurgião no século XXI que não tenha

projecto, a execução do projecto. Não conhe-

que obras foram para si determinantes

estudado o que os seus pares fizeram nos últi-

cia nada do Brasil a não ser as figuras tutelares,

para a sua prática arquitectónica e/ou

mos anos ou, ao longo da História, como é que

como Óscar Niemeyer e o trabalho do arqui-

marcaram de alguma forma o seu per-

evoluiu a medicina. E por isso na Arquitectura

tecto Paulo Mendes da Rocha, os quais muito

curso de vida?

também não podemos deixar de o fazer. E não

admirava. Então peguei no telefone e andei

É claro que há autores que me marcaram

é para copiarmos modelos, é porque faz parte

atrás do arquitecto Paulo Mendes da Rocha até

muito e desde logo os primeiro que tu come-

da nossa aprendizagem estudar como as coisas

marcar um encontro com ele, que tive o pra-

ças a conhecer. Posso dizer-te que o arqui-

aconteceram até aqui, como é que elas evo-

zer de vir a ter, em São Paulo, como te dizia há

tecto Álvaro Siza, por exemplo, é uma figura

luíram. Logo, visitar obras, ler publicações de

mais de 10 anos. E rapidamente passou desta

determinante no meu prazer pela Arquitectura

obras a que tu não tens acesso porque estão

figura longínqua a arquitecto Paulo Mendes da

e também nas minhas descobertas enquanto

do outro lado do mundo, mas podes vê-las,

Rocha, o amigo. É uma pessoa de uma gene-

pensador de Arquitectura, porque senti desde

estudá-las, podes interpretá-las. E deves fazer

rosidade, de uma abertura, de um simpatia, e

cedo que o trabalho do arquitecto Álvaro Siza

isso de uma maneira sistematizada. Os alunos,

principalmente de uma profundidade de refle-

estava muito para lá da resposta funcional da

ao longo do seu curso, devem ter esta preo-

xão, tida de um modo muito tranquilo e natu-

Arquitectura. A certa altura, percebes que o

cupação. E não é necessário comprar todos

ral, admiráveis. Portanto, demo-nos muito bem

arquitecto Álvaro Siza passa a anos-luz desse

os livros, é preciso ter gosto por passar uma

e ficámos amigos; visitámo-nos, falámo-nos,

modelo que a tal escola do Porto parece ter.

tarde numa biblioteca ou numa livraria. Por

etc. Quando surgiu este trabalho, convite que

Ele atravessa a arte, atravessa o pensamento

exemplo, quando estava na faculdade em Itália,

lhe fizeram para o Museu dos Coches, o arqui-

artístico da arte contemporânea e portanto

havia (e ainda há) no Politécnico de Milão uma

tecto Paulo Mendes da Rocha deu-me o prazer

12

portas já abriste hoje? Basta olhar para elas, as

Brasileiro

no

projecto

do


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Projecto: Residência da Embaixada de Portugal em Brasília _Arquitecto: Ricardo Bak Gordon.

►de me convidar para ser parceiro do trabalho

basicamente eu tenho aprendido muito. É efec-

histórica tão largamente reconhecida;

como atelier residente em Portugal. A primeira

tivamente uma experiência única, como podes

e que impressões lhe ficaram sobre a

vez que ele cá veio por causa deste trabalho

calcular, porque é de facto um personagem por

vivência desta cidade modelo de um tipo

já trazia umas ideias e umas maquetas, mui-

quem vale a pena passar na vida, e isso é um

de pensamento que ainda hoje conhece

tíssimo interessantes. Desde aí começámos a

privilégio que eu tenho.

importantes ecos.

trabalhar, sempre de uma forma muito natural,

Quando nós fizemos o trabalho de Brasília, eu

sendo que não há a menor dúvida de que para

Mencionou o projecto para a Residência

e o arquitecto Carlos Vilela, que era meu sócio

mim é uma honra trabalhar com o arquitecto

da Embaixada de Portugal em Brasília

na altura, fizemos a nossa investigação e che-

Paulo Mendes da Rocha; gosto mais de o ouvir

(1995). Perguntávamo-nos como será

gámos à conclusão que efectivamente o para-

do que falar, porque tenho tanto para aprender

intervir num território tão definitiva-

digma da cidade moderna que era Brasília, e que

com ele. Mas o nosso quotidiano de trabalho

mente marcado por um movimento

ainda é, é uma espécie de relíquia à nascença,

corre muito normalmente, partilhamos opini-

e por um estilo, que é o movimento

porque é uma cidade considerada património

ões, discordamos quando temos de discordar, e

moderno,

da humanidade 20 anos depois de ser criada.►

com

uma

importância

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Portanto já estás a ver o despropósito de tudo isto; como é que tu inventas uma cidade a partir do zero, agarrada a um conceito de centralidade física, que era a hipótese de haver um ponto no Projecto: Museu dos Coches _Arquitecto: Ricardo Bak Gordon.

Brasil que estivesse equidistante a todo o território brasileiro, mas rapidamente aparecem as comunicações generalizadas e tu percebes que a centralidade física de repente já não é assim tão importante. Não podemos esquecer que a capital do Brasil era o Rio de Janeiro, e de repente vais para uma espécie de província e abandonas o Rio de Janeiro. Tu não consegues imaginar na Europa, um país como Inglaterra dizer - agora amanhã a capital já não é Londres é no deserto, ou Paris - quer dizer, não passa pela cabeça de ninguém. É de facto um gesto de uma certa loucura que o presidente Kubitschek teve, de fazer uma nova capital nestas condições. Mas efectivamente teve sorte com os arquitectos que ampararam essa vontade, esse desígnio; como foi o Lúcio Costa, urbanista, que fez o plano piloto de Brasília, e depois o arquitecto Óscar Niemeyer, com todas as suas obras públicas, autores da cidade de referência, por excelência, do paradigma do movimento moderno. E então, nós, olhando para esta cidade geometrizada, tábula rasa, cardo decumanos, percebemos que a geometria do edifício que haveríamos de fazer não encontrava razão para que não fosse também de geometria pura, uma peça bastante regular. No entanto, havia sim um tema muito importante para continuar a investigar e que não estava, a nosso ver, sufioásis, se quisermos, para que se viva melhor

edifício nunca foi construído, mas eu acredito

ver com o clima. Ao contrário do que se julga, o

e mais confortável neste edifício. Este acabou

que seria muitíssimo interessante, e ainda hoje

planalto central onde está instalada, ancorada, e

por se vir a desenhar como algo que encerra

é dos projectos que eu mais gosto e gostava

fundada a cidade de Brasília tem um clima muito

uma espécie de floresta, ou seja, como se tu

imenso de o ter construído. Enfim, já não tenho

seco. O clima do serrado. O facto de ser um

recortasses um pedaço da floresta amazónica

muita esperança de que ainda venha a ser, mas

clima muito seco faz com que, desde logo, as

e a levasses para ali, associado a uma série de

nunca se sabe!

escolas às vezes fechem porque a humidade

tanques e lagos que permitiam criar uma bolha

relativa vai abaixo de 10%, as crianças sangrem

de vapor e humidificar o ar e, portanto, com

Projecto que será certamente constru-

do nariz, as pessoas se deitem com toalhas

esta estratégia baseada numa nova paisagem,

ído é o Museu dos Coches para Belém,

empapadas de água e acordam completamente

numa micro paisagem, tentar fazer um edi-

já aqui referenciado. A este propósito,

secas de manhã. Nós percebemos isso e pen-

fício que fosse melhor vivido do que os edifí-

e visto assistirmos a uma polémica des-

sámos que o melhor seria criar ali um micro-

cios que se deixavam ficar um pouco reféns do

mesurada em torno da discussão da sua

clima que conseguisse combater este clima tão

clima natural que é, de facto, muito violento.

construção e adequação ao sítio, como

agreste e que permitisse fazer uma espécie de

Viajei para Brasília várias vezes e infelizmente o

é estar no foco deste debate, quando

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cientemente explorado em Brasília, que tinha a


concerne a um projecto da nossa auto-

salutar, se quiseres, só é pena que ela seja feita

comprar a tua casa. Bom, mas não é dessas

ria? Que elemento/s do projecto julga ser

de uma forma muito superficial e que não se

moradias que estamos a falar. O que acontece

causador desta reacção pública?

fale por exemplo de um aspecto fundamental

é que pode e vai diferenciar, como vimos hoje

O problema é o problema das civilizações, das

daquele trabalho e da obra toda do arquitecto

aqui na conferência, e segundo disse o arqui-

sociedades, e do horror ao novo e ao desco-

Paulo Mendes da Rocha e que tem a ver com o

tecto João Pedro Falcão de Campos, o pro-

nhecido. Ninguém gosta do que não conhece.

espaço público como espaço primeiro e funda-

cesso. Tens de virá-lo a teu favor, o que significa

Essa é a grande questão. É por isso que tu vês

mental da cidade. O arquitecto Paulo Mendes

saber ouvir, tirar o melhor de todas as pessoas

mais pessoas a mandar fazer casas com o estilo

da Rocha tem um trabalho muito pródigo, em

que vão interferir no processo de projecto. Ora

português suave, ou clássicas, ou conservado-

que o lugar público é sempre a sua prioridade. E

o cliente é, por definição, uma das pessoas que

ras do que contemporâneas ou modernas; é

este trabalho, mais uma vez, tem essa generosi-

mais vai interferir. Há que saber tirar o melhor

por isso que tu vês as sociedades apegadas aos

dade com a cidade. Quase se podia dizer que o

desse cliente. Perceber exactamente quais

temas do passado. E não há volta a dar, os anos

Museu vem em terceiro ou quarto lugar porque

são as suas verdadeiras preocupações, para lá

passam, as civilizações parecem evoluir, mas

antes se de chegar ao Museu dos Coches tu

daquilo que ele próprio possa julgar que são;

essas situações básicas mantêm-se. E, quase

já fizeste uma transformação à cidade incrível

porque às vezes os clientes particulares pren-

arriscava dizer, mantêm-se em Portugal mais do

com uma praça pública e a nova atitude face aos

dem-se com coisas secundárias e terciárias que

que na maioria do mundo ocidental. Portanto

lugares públicos que instaura, com uma maneira

parecem fazer-lhes muito sentido. Tu tens de

o que se passa aqui é o mesmo que se pas-

de cruzar os tempos em que o casario da Rua

ter a capacidade de saber filtrar o que é essen-

sou quando se fez o CCB (Centro Cultural de

da Junqueira, dos séculos XVIII e XIX, é con-

cial do que é secundário e usar a teu favor, a

Belém), e que se passou quando se fez a Casa

frontado com uma nova modernidade; como

favor do projecto, as motivações do cliente. O

da Música, ou sempre que se quis fazer qual-

é que todas estas coisas coabitam, são tudo

cliente no fundo vai corresponder àquilo que é

quer coisa. A diferença está nas dinâmicas de

temas que estão muito desenvolvidos naquele

o programa. O lugar é o lugar que tu vais encon-

tempo. Por exemplo, na vizinha Espanha, tu vês

projecto, e as pessoas não se apercebem disso.

trar. Eu acredito ainda hoje que os projectos de

que se põem em pé uma série de construções

Mas também não se pode fazer nada sem polé-

arquitectura se fazem com o programa e com o

em consciência de que a arquitectura de autor

mica, sem debate, sem discussão; da discussão

lugar. Quanto mais rico e complexo for o lugar,

move multidões, e é uma mais-valia turística e

há-de sair a luz, e é nisso em que nós temos

quanto mais rico e complexo for o programa,

cultural indiscutível. Em Portugal essa consciên-

de acreditar. Agora, tem de ser uma discussão

neste caso a informação que tu vais buscar ao

cia ainda não está muito bem clarificada. Nós

séria e um debate informado, e não um debate

cliente e não só, mais matéria-prima tens para o

ameaçamos sucessivamente que vamos ter

de generalidades.

teu trabalho. Esta matéria-prima serve-te para poderes ter lenha para manter esse fogo da

obras de fulano, sicrano e beltrano, que sabemos ser autores reconhecidos, de categoria,

Passamos da esfera dos grandes equipa-

investigação do projecto. E em todos os clien-

que vão poder trazer à nossa cidade vantagem

mentos urbanos para uma escala mais

tes privados que eu tive e tenho, bem como nas

turística, cultural e económica garantida, mas

pessoal e relacional de projecto, que é a

casas que desta interacção resultam, há sempre

mesmo assim temos medo. Assim, o que se

que mais tem vindo a explorar, na tipo-

uma componente dos trabalhos que são a cara

passa com o museu dos coches, mais do que

logia da habitação unifamiliar. De que

do cliente; os que são mais afirmativos, os que

propriamente ser uma reacção ao projecto, é

forma uma relação íntima com o cliente

querem espaços mais institucionais, os que são

uma reacção a fazer-se qualquer coisa de novo.

influencia ou interfere no projecto de

mais íntimos e querem coisas mais confortáveis

E de facto as pessoas não conhecem o projecto,

arquitectura e como é que se gere esse

e cozy. Tu percebes isso ao longo dos projectos,

não conhecem o seu autor, e ver o projecto

processo?

e de facto ajuda a fazer um projecto diferente

assim en passant não é uma solução para aquele

Quando tu fazes uma casa para um cliente espe-

do outro, que é o que se pretende. E de pre-

trabalho. Mas também é verdade que essa polé-

cífico, que é normalmente o caso quando faço

ferência que o cliente fique satisfeito e que seja

mica neste momento está ultrapassada, embora

uma moradia, este vai necessariamente ser um

feliz porque vai lá viver a vida toda!

haverá sempre quem diga que gosta e não gosta

elemento fulcral na tomada de decisões de pro-

das coisas. Quando se construiu o CCB, deu-se

jecto. Também podes fazer moradias para clien-

Autoria e Redacção:

uma polémica e uma pleura incríveis, porque se

tes desconhecidos, por exemplo, para a opera-

Clara Antunes e Gustavo Briz

estava a pôr em causa o conjunto edificado dos

ção do Bom Sucesso Design Resort, onde estou

Jerónimos. Agora, ninguém pensa tirar dali o

a participar, estás a fazer moradias destinadas

CCB, faz completamente parte da cidade. Acho

a um cliente abstracto que porventura nem

a polémica à volta do Museu dos Coches até

hás-de conhecer, que há-de vir, um dia destes,

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Desenhado por: Carlos Pรกscoa

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Desenhei uma linha a meio da populaça, antes de escrever a primeira palavra, e a pri-

Papel, Arquitecto, Cidade por David Castanheira

Adormeci e acordei num local diferente daquele em que adormecera. Não estranhei, começo a saber vestir o hábito.

nunca conseguiu par. Cada uma, cidade, única na sua arquitectura, no seu papel.

meira palavra foi êxtase e a segunda foi medo.

Papel. Coisa branca, amarelada, clara, cinzenta-

Quedei-me a meio da terceira, que queria san-

acastanhada. Papel. Ferramenta privilegiada da

gue. O sonhador que se domina e raras vezes

escrita, do desenho. Do Arquitecto e do Pintor,

se dá ao luxo de sonhar.

do Escritor e do Escultor. Papel. Toda a arqui-

Sopra de novo e eu levanto voo. Levam-me

tectura tem sido vista e relatada nas costas, na

em braços, zombeteiro este vento, esta brisa,

frente, na cara do papel. Intrépida personagem

sentam-me de costas, brincam com facas.

que fala por um desenho, gráfico e, ou símbo-

Passo montras, encolho, estico, espremo-me

los. Letras. Nada mais. Não é preciso menos.

entre as gentes, vão-me pisando. Raios! Não me

Papel. Mudo. O impresso fala, o gráfico grita. O

vêem? Pulo, salto mais uma ruela, evito buro-

papel. Ferramenta eleita para as mais belas das

cracias de Deus, detesto estas corjas horren-

artes. Quem melhor para descrever a cidade.

das. Tem de burro o juízo.

Papel. Pulou que fartou. Agora divaga. Permite

Abrandou o vento, interrompi o meu trajecto junto a um moribundo. Pára um carro,

o sonho. Quer transmitir a mensagem que diz, boa é a arquitectura.

Havia agora em meu redor uma quietude que

estendem-lhe o braço com trinta dinheiros, ─

A realidade que se faz, que se fez e sempre se

me impacientava e me deixava a braços com

Acredita em Deus? Ao abrigo de nada, o vaga-

faria. O sonho, a utopia. Existe a sociedade de

um desconsolo na fronha. Triste, o mesmo de

bundo diz que sim. Recolhe a mão, arranca,

consumo. A sociedade inacabada. Será Portugal?

figura. Padecia de tédio, de um tédio imenso,

havia dado a resposta errada. Deus que console

A sociedade de informação nem me atrevo cha-

mas também o medo fazia estrago no meu espí-

a humanidade. Almas soberbas, corações incha-

mar. Porquê produto inacabado. O prejuízo

rito alvoraçado.

dos! Das almas grandes a nobreza é esta.

podia ser maior. Enquanto houver positivismo,

Ah! A serenidade de quem nunca estará de

De quando em vez gostava de não deambular

mal com o mundo. Talvez com menos miolos.

sem rumo, numa viagem ao antes e o depois,

Portugal, reflexo da sua capital. É capital saber

Acho-me cada vez mais pachorrento e adepto

não me deixo enganar pelo tempo, não o posso

o seu espaço actual. Lisboa. Quantos donos

das verdades. Não sei se será bom deitar vista

conquistar. Ando por aqui, levo-te a ti, carre-

tiveste? Quantos sonhos durante o sono?

à cidade.

gas-me a mim. Poderia ser assim? Será que te

Quantos tiveste acordada? Verdade. Verdade é

conheço? Não te lembrarás de mim?

esta. Uma cidade é fruto da acção sonhadora

Pilha aqui, pilha ali, proponho sistemas, tiro

não existe receio.

corolários… Ando aos trambolhões pelas ruas,

Fazem tinta por uma linha até ao fim do dia.

e vanguardista de alguém que julgou era para

escalo avenidas, procuro saída nos becos. Podia

Como habitual, recolho-me à procura de cesto

si em particular que a arquitectura estava a

até tombar como tordo que não deitavam olho.

acolhedor. Decididamente, a vida de papel não

falar. Agora o que tem a arquitectura para dar?

A brisa levanta, carrega-me por alheio, o vento

é fácil.

Cada dono, cada Homem tem de sua a ideia. A

serve-me de devaneio. Tropeço onde calha, duplicando passos, meneios e gestos.

cidade tem obras majestosas, assim como tanA metáfora que papel pode ter ela na arqui-

Escada acima, escada abaixo. Acelera, acelera,

tectura, na cidade. Verdade. Verdade é que o

pára, acelera, viro à esquerda, o furor louco,

comum é vislumbrá-la.

tos senhores, deu lugar a sua cadeira. A cátedra. Assento político alvejado e invejado. Um bolo. A Cidade, Lisboa, já agora, é assim

plano sobre a praça um pouco. Oiço o mestre

Cidade. Um mar de pedras de vislumbre. Fora

um bolo. Massa de pão, que constantemente se

ao discípulo, – Sim, senhor. O aprendiz, – Não

de todos os códigos. Símbolo da transgressão

mastiga e amassa. Somente às vezes há brinde.

precisa de me chamar “senhor”. Ante o latido

e de mensagem para fora do seu tempo e para

Quer isto dizer, que champanhe não falta a

do mestre, volta, – Devia-se olhar menos ao

todos os tempos. Instituído em comunhão com

cada corta fita. Arquitectura, que se sobrepõe

que dizemos, e mais ao cagalhoto que não faze-

o universo. Laço amoroso ilícito e desviante,

a arquitectura. Trepa por outra acima. Escala as

mos. Se os mortais evitassem qualquer relação

sem cânone ou regra. Uma perfeição que não é

arribas, desce escarpas, salta bocas de vento,

com a sabedoria, a velhice nem sequer existiria.

deste mundo, espaço sem igual.

poços do inferno. Cada tempo pensa o futuro

Só força desmedida, mão inexorável dum

crença. Filosofia? Não. Esta brutalidade, e nada

Arquitecto que cria e domina, alarga a vista de

mais: porque sim, porque não, claro, escuro. O

ânsia e assombro. Muda e parada. Move e faz

A única e verdadeira maneira de pensar a

binómio dos mortais.

ouvir. Voluptuosa paisagem. Regalo. Para o baile

cidade é traçar, desenhar o futuro. Querer a

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E não há que nos valha, nem crença, nem des-

de maneira ímpar. Não se estranhe os mais belos edifícios não terem par.


arquitectura, sem necessidade de assim a ape-

A utopia é sempre um risco que se

esplendoroso que é livre arbitro, é arqui-

lidar. Marcar a diferença a cada reinado é nunca

corre. Então, se somos apenas aprendi-

tectura, é cidade. A liberdade na sua

deixar o trabalho por terminado. A cidade

zes, maior. O sonho, a realização sem-

forma mais simples, de construir, pensar,

enquanto utopia, nada mais é que uma família

pre adiada, é fruto de um pensamento

e reflectir. Pequenas utopias que formam

destas aninhadas, sem nunca se acomodarem. É

cuidado. Os mestres do passado e do

a Arquitectura, a Cidade. O querer fazer

assim, também, Arquitectura.

presente têm isso em mente. Quando

e marcar a diferença. O nosso papel no

Se força a desenhar a arquitectura está bem

conseguirmos controlar o sonho, a reali-

futuro.

que se desfazia. Arquitectura, qual a primeira?

zação, estes conceitos à sua semelhança,

Lisboa? De certeza não a primeira. Nem que na

seremos

areia tivesse sido riscada. Até que Arquitectura

Contudo, também de algo espontâneo e

então

mestres

no

futuro.

Que Homem é o Homem que não faz deste um mundo melhor.

de nome só pós Grécia, e todos os seus antigos sábios. As nossas cidades. Basta ruas, basta prédios, basta a casa de simples telhado a duas águas. Quatro paredes. Logo a um canto sem arestas, num beco, geralmente com saída, os cães se amotinam. Então, enquanto papel, num escritório entrar. Evitar, pois burocracias podem tentar. A política sempre perigosa à arquitectura, mas sem política que é da Arquitectura. Vê-se logo que têm jeitos e humanas feições. Mas agitam. Mudam de posição sobre a carpete e eriçam o pêlo. Um chegou mesmo a rosnar e outro a uivar. Era como se não conhecessem. Uma barreira. Afinal, o emprego há-de sorrir a outro no brevemente. As cidades não se construem sem arquitectos. Pelo menos, parte. O disparate, quase vulgo da utopia, também não deve ser encorajado. A isso, o trabalho multidisciplinar, encimado e arquitectado é o que faz a arquitectura parte integrante da cidade, e esta mesma, arquitectura desenhada, nem que seja no espírito. O desenho desta não engana. Cidade. Emblema em cada arquitectura. Melhor cada pedra encavalitada em outra. Mesmo desgostosa, cumpre uma arquitectura. Mal amada, cumpre outra arquitectura. Passa despercebida, mais uma. Norma, mais uma nova. Esplendorosa, cada casa, cada arquitectura. Pedra, tijolo faz o sonho. Cidade, a

Papel, Arquitectura, Cidade. O espaço que ocupará no foro mental será sempre maior que qualquer construção material. O poder de sugestão que leva a pensar e imaginar é a Cidade, a Arquitectura.

Ilustrado por: David Castanheira

Arquitectura.

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A força de não ter força Que força essa, o dinheiro? por Clara Antunes

está implícita uma falta de visão, nobreza ou

então tolhidos de pena. Essa mesquinha pena

ética; no pobre coitado, falta de algo, carinho

de quem se sente culpado por ter mais que

ou não, que gera um excesso de compaixão.

outros, e, por isso, obrigado a partilhar. E então

Ora quando sem dinheiro algum, somos pela

remexem as carteiras, onde tilintam dezenas de

sociedade considerados os três, porque não

outras moedinhas sequiosas de uso, saltam para

nos esforçamos que chegue para o obter, logo

uma mão desconhecida e abrem um vazio no

não temos, e somos portanto “pobres, coita-

mais centro do centro mais central de quem as

dos!”. Esta classificação poderá não ter efeito

recebe. Resignada, mas ainda sentindo-se irre-

significativo no receptor, mas o problema é que

mediavelmente em falta para com a máquina,

realmente tem. Se não temos poder monetá-

as pessoas, o tempo que parou para servir

rio, sentimo-nos inevitavelmente em falta para

uma causa sem causa, e por fim toda a estru-

com a sociedade. A máquina do comboio exige,

tura edificada que a recebe, por favor.Grande

em letras pretas e inamovíeis, 1.60 euros e de

falatório quando o ponto fulcral é: se por um momento nos afastamos do que é convencio-

ocasionalmente acontece faltarem 5cêntimos

nalmente tido como correcto, sentimo-nos em

Esta poderá parecer uma afirmação oca, mas

para pagar um pão, logo nos olham os clien-

falta. Pobres, realmente pobres. O dinheiro foi

não é tanto assim. Julgando pela acepção

tes enfurecidos pela pressa matinal normal em

na verdade um pretexto. Vivamos nós sempre

objectiva (ou pelo menos objectiva segundo

todo o cidadão pensando que género este de

suficientemente à margem!

os padrões pela qual a julgamos), pobre é

pessoa que não pode sequer pagar um pão. A

um estado ou característica que implica uma

experiência talvez mais humilhante por que pas-

incapacidade ou escassez de. Se monetaria-

sei foi pedir dinheiro para um bilhete. É curioso

mente pobre, é-se incapacitado de participar

como os olhares mudam instantaneamente de

na giga.joga capitalista; no pobre de espírito,

possivelmente risonhos para acusadores, ou

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nada serve pedir-lhe que mude de ideias. Se Existir sem dinheiro é uma existência pobre.


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