Manual de História do Brasil

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UNIDADE IV – TRANSFORMAÇÕES POLÍTICO-SOCIAIS A PARTIR DOS ANOS 60

existiam duas coisas que eles podiam fazer facilmente: (1) a supressão do vácuo político (por meio de uma superconcentração do poder); (2) restrição da liberdade para os interesses e valores políticos da elite no poder (mediante uma superestimulação dos mecanismos existentes de opressão de classe). Se a situação histórica fosse diferente, essas duas medidas não seriam exeqüíveis (o que significa que os golpes de Estado militares e a militarização do poder seriam impedidos, por meio da ação social dos setores “radicais” das classes médias e dos pobres). Mas na situação dada, ambas as medidas foram impostas sucessivamente e a intelligentsia latino-americana perdeu, por algum tempo, seu débil sustentáculo social e suas oportunidades para uma influência aberta. A análise anterior demostra que a fraqueza básica da intelligentsia latino-americana é um produto estrutural e dinâmico de suas inter-relações com as elites culturais existentes. Para ser livre e revolucionária, uma intelligentsia precisa romper, parcial ou totalmenle, com as classes dominantes e suas elites no poder. Mas a intelligentsia latino-americana é predominantemente composta de profissionais ligados à ordem social por meio de posições de classe média (a grande maioria) e alta (uma pequena minoria). Como as sociedades não possuem garantias de liberdade institucionalizadas e reais, esse setor não pode empreender uma luta independente pela democracia, pela reforma social e mesmo pela “revolução nacional”. As implicações negativas de tal situação são muito complexas, uma vez que as identificações sociais e as orientações de valor das classes médias, dentro de uma sociedade capitalista de consumo em massa subdesenvolvida, ultrapassam o nível político. O estilo de vida e as expectativas sociais predominantes produzem um compromisso com o uso conspícuo do tempo e com objetivos políticos ou culturais que estão em contradição com uma atitude de negação da ordem social. Esta situação provoca algumas incongruências insuperáveis, tais como um radicalismo tipicamente compensatório, e outras irracionalidades, que resultam da ambigüidade do “esquerdismo” nas sociedades capitalistas subdesenvolvidas. A “negação da ordem” toma simultaneamente formas diferentes, desde a “consolidação da democracia” e da “revolução por meio do desenvolvimento” (ambas “revoluções dentro da ordem”) até a revolução social. Tais alternativas confundem opções políticas, ideológicas e utópicas exclusivas, dando origem a um pensamento não-conformista politicamente ineficiente. O malogro da intelligentsia latino-americana reflete, de fato, o malogro de suas sociedades, com respeito à sua organização interna e à sua evolução como sociedades competitivas. A minoria dos privilegiados controla o poder

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