PARA UM DEBATE SOBRE TELEMÓVEIS NA ESCOLA

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PARA UM DEBATE SOBRE TELEMÓVEIS NA ESCOLA http://dererummundi.blogspot.com/2009/11/para-um-debate-sobre-telemoveis-na.html Discussão no blog de Rerum Natura em 28 de Novembro de 2009 Adelina Moura disse: Em primeiro lugar, quero felicitar a ideia de abrir discussão sobre o assunto, permitindo que se partilhem ideias e se cruzem pontos de vista. O meu colega José Batista fez o favor de me dar conta desta discussão e aqui partilhar algumas experiências que tenho realizado com os meus alunos do ensino secundário. A tecnologia é hoje reconhecida como tendo o potencial de transformar a vida de milhões de pessoas e os dispositivos móveis estão a configurar a nossa forma de viver, trabalhar e aprender. Os nossos alunos usam intensamente e de forma multifacetada os seus telemóveis, gerindo diferentes media, muitas vezes de forma colaborativa e criativa, em contextos informais. As práticas digitais, intimamente ligadas à identidade das gerações mais jovens, são potenciadoras de aprendizagens colaborativas e criativas, mas exercidas a maior parte das vezes forma do contexto escolar. Há vários estudos que mostram que a atracção que os jovens têm pelo telemóvel pode ser usada para promoção da aprendizagem. A natureza disruptiva das tecnologias móveis facilita a mudança de uma pedagogia centrada no ensino, para pedagogias sócio-construtivistas centradas na aprendizagem e no aprendente. A computação ubíqua, através de dispositivos móveis, permite o acesso anytime, anywhere à Internet, conduzindo ao aparecimento de novos paradigmas educacionais. É neste contexto que podemos falar do mobile learning (aprendizagem suportada por dispositivos móveis). Os telemóveis converteram-se em dispositivos híbridos capazes de oferecer uma variedade de serviços e funções multimédia. Ao permitirem tirar fotos, gravar vídeos e voz, enviar emails, usar mensagens instantâneas e aceder à Internet transformaram-se em ferramentas educativas que importa aproveitar. A sua capacidade de armazenamento de dados é superior aos computadores portáteis de há dez anos antes (o meu portátil comprado em 1999 tem apenas 5Gb, hoje o iPhone tem no mínimo 8Gb). Há quem compare o telemóvel a um canivete suíço, mas se o usarmos só para abrir cápsulas estamos a desperdiçar o potencial desta ferramenta, o mesmo se passa com o telemóvel se apenas o usarmos para comunicação de voz. Sem me alongar mais nas considerações de ordem teórica, servem apenas para enquadrar o meu trabalho de investigação e para compreensão das experiências que tenho realizado com os meus alunos dentro e fora da sala de aula, desde há cerca de 4 anos. O telemóvel, o leitor mp3, mp4, o iPod, a PSP, o portátil, a Pen USB, o PDA, o Pocket PC são alguns dos dispositivos móveis que os meus alunos levam para a sala de aula e que enquadro juntamente com outras ferramentas mais tradicionais e estratégias de aprendizagem pensadas para aproveitar as potencialidades destes recursos.


Deixo os endereços dos ambientes de aprendizagem que criei para apoiar o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem: http://geramovel.wirenode.mobi/ http://sites.google.com/site/aulasdeportuguesonline/ http://adelinamouravitae.com.sapo.pt/ PS: O mobile learning ainda está na sua infância, por isso muito ainda há a investigar e a discutir. A questão que se coloca é saber como o culto que os jovens têm pelo telemóvel pode ser aplicado na educação. Para isso, é necessário entender as representações que os jovens possuem dos seus telemóveis e analisar como é possível professores e instituições educativas encararem o processo educativo de perspectivas diferentes e encontrarem estratégias para a sua integração. O desenho de experiências de aprendizagem autêntica tem sido indicado como sendo o caminho para que a aprendizagem seja relevante, pessoal e significativa. E isto é possível através da adopção de dispositivos móveis, entre eles, o telemóvel, na educação por ser uma forma de combinar a vida real e a vida da escola. Fartinho da Silva disse... Quando a Adelina Moura se refere ao seu trabalho de investigação, por algum momento pensou nas consequências dessa investigação no futuro dos seus alunos em relação ao mercado de trabalho? Pensou num prazo superior a 5 anos? E a 10 anos? O telemóvel, diz a autora, é um centro de culto dos jovens e como tal deve ser integrado na sala de aula... Quando os os adolescentes atingem os 14, 15 anos têm como culto a música e não o telemovel. Alguma vez a autora considerou incluir nas suas aulas aparelhagens Hi-Fi? Alguma vez julgou necessitar de integrar o black metal no "processo ensino-aprendizagem"? Se as tecnologias móveis são tão centrais na vida dos jovens, porque serão proibidas em países tão atrasados como a Alemanha (em alguns estados)? Porque serão proibidas em ambientes tão terceiro-mundistas como as salas de cinema, ou as reuniões entre CEOs? Quando fala no jargão mobile learning (mais conhecido por m-learning), também posso falar noutros igualmente julgados decisivos há não muitos anos atrás como, por exemplo, e-learning, m-learning, b-learning! Isto para não ir mais atrás no tempo para me referir ao ensino à distância por telefone, televisão, correspondência, etc.! Algum vingou? Quando fala em capacidade de armazenamento dos telemoveis quando comparada com os portáteis de há 10 anos, não consigo perceber o que quer dizer com isso! Por acaso, os alunos há dez anos atrás traziam portáteis para as salas de aula? Por outro lado, a PlayStation 3, oferece 120 GB de HDD!!


Quando se refere a experiências de aprendizagem autêntica, o que quer dizer com isso? Quando afirma que tem sido indicado o caminho para que a aprendizagem seja relevante, pessoal e significativa, esqueceu-se de referir quem é que tem indicado esse caminho. Adelina Moura disse... Caro Fartinho da Silva, tentarei responder às questões que me coloca sem entrar em grandes detalhes, apesar de reconhecer que o assunto merece um debate profundo. 1. A investigação é um processo de construção do conhecimento cuja principal meta é gerar novos conhecimentos e/ou corroborar ou refutar algum conhecimento pré-existente (Wikipédia). A Investigação que estou a realizar é também um processo de aprendizagem para mim sobre as minhas práticas educativas no sentido de aperfeiçoar a minha profissionalidade. È com os meus alunos, num ambiente natural que eu me questiono, reflicto sobre o que faço, sobre o que observo no intuito de encontrar respostas que me ajudem a melhorar as minhas práticas pedagógicas e a elevar os padrões de sucesso dos alunos que cada ano me são confiados. O caminho da investigação é árduo, sinuoso, cheio de altos e baixos, mas desafiante. Na última década tenho dedicado parte do tempo a tentar compreender as implicações do uso de tecnologias no processo de ensino e aprendizagem. As experiências que tenho realizado têm ocorrido sobre a minha acção no seio da sala de aula com os meus alunos. Por isso, pensar nas consequências da minha acção educativa está sempre latente. Se ouço da boca dos alunos agradecimentos e reacções positivas sobre determinadas estratégias pedagógicas, com ou sem tecnologias, é para mim sinal de que estou no caminho certo para chegar às metas desejadas. A tecnologia, por si só, não provoca qualquer alteração no processo de ensino e aprendizagem, é necessário que o aluno tenha predisposição para a aprendizagem e sinta curiosidade pelo saber e é isso que tento incrementar nos meus alunos. Se a tecnologia me ajudar a conseguir conquistar a atenção dos alunos para que os 90 minutos sejam profícuos então tenho de a aproveitar e usála. Os “bons alunos” estão motivados por natureza, mas infelizmente não são esses que temos diariamente à nossa frente. Quando uma aluna me diz, depois de ter realizado uma actividade de resumo em apenas 140 caracteres para enviar para o Twitter, “assim aprendi a resumir os textos coisa que nunca soube fazer”, o que está aqui em causa não é o uso do telemóvel como suporte de escrita ou o Twitter para publicação do trabalho, mas mais importante do que isso é o acto de aprendizagem que aconteceu por intermédio destes recursos. Para mim as tecnologias são ferramentas que podem apoiar a aprendizagem e é essa ideia que passo aos alunos para que ao longo da vida saibam onde e como procurar informação que depois transformem em conhecimento. Frases como a que esta aluna me disso tenho dezenas delas que me ajudam a entender as consequências da minha acção educativa. 2. Para mim as tecnologias são ferramentas e como tal, já usei aparelhagens Hi-Fi na sala de aula, noutros tempos, em que era preciso carregar quilos de tecnologia


para que os alunos pudessem ouvir Edith Piaf e que hoje com apenas um MP4 de 40g e umas colunas de bolso, faço o mesmo ou ainda melhor. São outros tempos! De facto os jovens de 14 e 15 anos têm culto pela música, mas como é nos seus telemóveis que a ouvem, estes dispositivos tornaram-se o centro das suas vidas, que eu aproveito, através dos podcasts que lhes ofereço, para que ouçam sempre que quiserem a minha voz a ler e a explicar o romance Os Maias ou a analisar poemas de Fernando Pessoa, e devo dizer-lhe que todos os alunos os ouvem, em casa, a caminho da escola, no autocarro, ou mesmo no local de trabalho como acontece com os alunos trabalhadores da noite que têm de conjugar bem o tempo de trabalho e de estudo. Quando um deles me disse que graça ao mp4 que lhe emprestei para as aulas de francês conseguiu uma boa nota no exame de Filosofia, porque aprendeu comigo que podia também ele gravar em áudio os seus apontamentos e ouvi-los enquanto fazias reparações no local de trabalho sem precisar de parar. Isto, são consequências a minha acção com tecnologias. Afinal os nossos jovens também são capazes de ouvir outras coisas para além da música preferida, se nós lhas proporcionarmos. Quando vejo alunos que iniciaram o ano lectivo com uma competência leitora em língua francesa negativa e que depois de lhes ter dado em formato mp3 todos os textos do manual lidos por mim para eles treinarem em casa a leitura e não dependerem da escassa leitura que se faz na sala de aula, a maior parte das vezes por falta de tempo, e passam a ler correctamente e com vivacidade. Isto é consequência da utilização de tecnologias móveis na educação. 3. As tecnologias são inócuas, o mau uso ou abuso que fazemos delas é que é pernicioso, por isso, é dever da escolar promover competências de literacia tecnológica. Nesta era da mobilidade, faz todo o sentido falar em desenvolver competências de “literacia móvel”. As tecnologias móveis estarão proibidas enquanto nós não lhes soubermos dar outro uso. Quando descobrirmos que elas nos podem a ajudar a fazer melhor, então certamente deixarão de estar proibidas. Há já, em especial, na Europa, na América do Norte e em países do Pacífico, estudos piloto e experiências sobre mlearning que importa conhecer e reflectir os resultados. Quando pergunto aos alunos se eles não se distraem nas minhas aulas com o telemóvel eles riem-se e dizem: “Come é que a professora quer que a gente se distraia se estamos a trabalhar com eles!” 4. O futuro eu não o adivinho, mas que vai ser móvel, disso não tenho dúvida. Ninguém nega que o telemóvel está a ser a tecnologia mais rapidamente adoptada em toda a história, A sua quase universalização faz dele a ferramenta de aprendizagem mais apropriada. Todos os meus alunos têm telemóvel. O que eu faço nas minhas práticas lectivas é e-learning, m-learning e b-learning, paradigmas educacionais que estão a ganhar cada vez mais espaço nos sistemas de formação e educação em virtude da evolução das tecnologias de informação e comunicação e actualmente das tecnologias wireless. 5. Os telemóveis actualmente são também sistemas de armazenamento de dados com grande capacidade. Permitem guardar informação em diversos formatos: mp3, Word, pdf, mpeg, etc. São pequenos computadores de bolso e os nossos


alunos já perceberam esse potencial. Quando a capacidade do telemóvel não chega compram cartões de memória podendo expandir a capacidade de armazenamento dos seus dispositivos para mais de 4Gb, mas quando possuem um iPod ou um iPhone então têm mais de 8 Gb para armazenar quase todo o tipo de informação. O que temos de desenvolver neles é o espírito crítico para selecção da enorme quantidade de informação a que acedem. Só temos de aproveitar estas capacidades dos dispositivos e disponibilizar aos alunos informação para que possam aceder a ela onde e quando desejem, respeitando os ritmos e perfis de aprendizagem de cada um. Os nossos alunos são generosos e aceitam naturalmente a invasão dos seus objectos pessoais com conteúdos disciplinares. Quando crio exercícios de escolha múltipla em formato .jar para serem resolvidos no telemóvel, os alunos agradecem a possibilidade que lhes dou de aprenderem definições, enriquecerem o vocabulário, aprenderem noções gramaticais, etc., etc. nos tempos livres. 6. Como deve compreender é fastidioso escrever um post carregado de referências bibliográficas. Tenho escrito sobre o assunto por isso poderá encontrar essas referências nos meus escritos. Aprendizagens autênticas são aquelas que decorrem de actividades de aprendizagem em contextos reais. Por exemplo, manter uma conversa em francês com um colega nativo, em contexto de projectos de geminação de turmas, através do msn ou por e-mail, ou outro sistema de comunicação. Recolha de dados, com o telemóvel (fotos, vídeos, …) em trabalho de campo. Todo um mundo de aprendizagem a explorar. Sem me alongar mais digo que a descoberta e a conquista exigem uma atitude perseverante e um estado de espírito aberto aos sinais do mundo. A mudança é o que temos de mais constante neste mundo e a ela temos de nos adaptar.


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