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Graciliano Ramos, o Velho Graça, mais vivo que nunca PÁGINA 38

O fotojornalismo revolucionário de O Cruzeiro nos anos 40 PÁGINA 28

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FOTO MARTIN CARONE DOS SANTOS

ÓRGÃO OFICIAL DA A SSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA

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FUTURO CÓDIGO VAI ARROCHAR OS JORNALISTAS PÁGINA 28

ZIRALDO AOS 80 E SEU FÔLEGO DE 20 PÁGINA 16 E EDITORIAL NA PÁGINA 2

VIDAS VERA SASTRE • THEODORO DE BARROS • LUIZ MÁRIO GAZZANEO


DESTAQUES ACERVO ZIRALDO

BRUNO MOOCA

EDITORIAL

ALBERTO DINES E LÚCIO FLÁVIO PINTO. PÁGINA 37

03 DEPOIMENTO - Audálio Dantas, O Repórter ○

09 MEMÓRIA - O Segundo Regresso, por Rodolfo Konder ○

10 E LEIÇÕES - A “era das cidades” e a difícil “postura lobo” do jornalista ○

15 I MPRENSA - Um novembro de baixas ○

16 DEPOIMENTO - Ziraldo, 80 anos ○

22 L ITERATURA - A origem de tudo: Imagem e palavra ○

24 P REMIAÇÃO - Corrupção no futebol dá o bi no Esso de Jornalismo à Folha ○

37 IMPRENSA - Aplausos, de pé, para Dines e Lúcio Flávio ○

38 HOMENAGEM - Velho Graça renovado ○

41 A RTE - O mundo bonito que Aldemir Martins exaltou ○

UM BRASILEIRO EXEMPLAR

PROFETA NAUM, C. 1942. CONGONHAS DO CAMPO, MG. MARCEL GAUTHEROT/ ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES.

MAURÍCIO AZÊDO O JORNAL DA ABI CONCLUI nesta edição a publicação da entrevista que o homem múltiplo Ziraldo Alves Pinto concedeu aos jornalistas Francisco Ucha, Verônica Couto e Sandro Fortunato, na qual ele pôde repassar com riqueza de pormenores momentos marcantes de sua vida pessoal e de sua fecunda atividade como jornalista, quadrinista, chargista, humorista, escritor, pintor, designer, cartazista, publicitário, relaçõespúblicas, editor, produtor e apresentador de programas de televisão, como arrolou Ucha com precisão na apresentação da primeira parte da reportagem, publicada em nossa edição anterior. DA PARTE DA ABI A PUBLICAÇÃO de tão precioso relato tem o sentido de uma homenagem a Ziraldo pela passagem dos seus 80 anos e, mais do que isso, de reconhecimento da notável contribuição que ele tem oferecido desde há muito à vida nacional nos diferentes campos a que aplica seu talento multiforme. Como no verso de Mário de Andrade, ele pode recitar, sem temor de contestação ou desmentido, que é um trezentos, trezentos e cinqüenta. CRIADOR DE PERSONAGENS QUE se tornaram objeto de admiração dos diferentes segmentos sociais a que chega a sua produção, como Jeremias, O Bom, Supermãe e, mais recentemente, o Menino Maluquinho, Zi2

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raldo é assombroso como trabalhador infatigável, sem que a multiplicidade de encargos, livremente assumidos, sacrifique a excelência de suas realizações e a eficaz execução de seus projetos. É alguém de quem se pode receber esta resposta à indagação acerca do que estará fazendo em qualquer momento de sua afanosa atuação: Tudo! DESDE MOÇO ZIRALDO FEZ a escolha que Darcy Ribeiro mencionou como as alternativas que se oferecem aos brasileiros em nosso tempo: resignar-se ou indignar-se. Assim como Darcy Ribeiro, Ziraldo fez a opção pela indignação, expressa, como em muitos momentos de sua trajetória, na resistência que opôs à ditadura militar no irredento Pasquim, ao lado de Jaguar, Tarso de Castro, Millôr Fernandes, Sérgio Cabral, Henfil e tantos outros jornalistas, artistas e intelectuais que não se dobraram à impostura obscurantista que sufocou o País entre 1964 e 1985. Esse é um galardão que Ziraldo pode ostentar como um dos mais relevantes dentre os incontáveis serviços que prestou ao Brasil. DE BARBOSA LIMA SOBRINHO, que presidiu a ABI por três vezes, a primeira nos anos 1920 e a última entre 1978 e 2000, quando nos deixou, dizia-se que ele era um brasileiro exemplar. De Ziraldo Alves Pinto seus contemporâneos podem proclamar, como nós: é ele outro brasileiro exemplar, para honra nossa.

42 FOTOGRAFIA - As imagens de uma revista revolucionária ○

46 H ISTÓRIA - 1962, um ano emblemático ○

48 H ISTÓRIA - O Contestado terminou para sempre ○

SEÇÕES 0 A CONTECEU NA ABI 12 Dias Gomes relembrado com carinho e música ○

14 Alunos de São Carlos visitam a Casa ○

L IBERDADE DE I MPRENSA 28 Anteprojeto do futuro Código Penal aumenta as penas de crimes de imprensa ○

33 Juíza de Brasília quer censurar blog que a criticou ○

34 Jornalista que faz denúncias é ameaçado em Aquidauana, MS ○

D IREITOS H UMANOS 35 Maranhão lista vítimas da ditadura ○

36 Um GT para tratar das violências contra jornalistas ○

VIDAS 49 Vera Sastre, a irreverente ○

50 Theodoro, professor emérito ○

51 Gazzaneo, jornalista e intelectual ○


DEPOIMENTO

U

ma das melhores definições da profissão de repórter foi dada, certa vez, pelo jornalista Acácio Ramos e imortalizada no livro O Circo do Desespero, que reúne algumas das reportagens escritas pelo nosso entrevistado, Audálio Dantas, e publicada em 1976: “Repórter, meu senhor, é uma pessoa que pergunta”. Aí está o cerne da boa reportagem: a pergunta, a curiosidade. Claro que ajuda muito se o repórter em questão tiver uma redação exemplar, acuidade e boa dose de criatividade para contar as histórias que encontra pelo caminho. Estas são as principais características de Audálio que o tornam uma unanimidade entre os colegas. Nascido em 1932, em Tanque d’Arca, cidadezinha do interior de Alagoas, o menino Audálio Dantas teve uma infância repleta de mudanças. “Meu pai era um sujeito muito inquieto e mudava de cidade com grande freqüência.” Isso fez com que o menino iniciasse os estudos tardiamente. Mas a leitura, não. Ainda criança, conheceu a literatura de Jorge Amado e Graciliano Ramos, por quem nutriu verdadeira admiração. Mais tarde, o jovem Audálio já havia aprendido a revelar filmes e a fotografar. E aí bolou um plano: queria ser jornalista. Mais: queria trabalhar na revista O Cruzeiro. E foi assim, com perseverança, que Audálio se tornou um dos maiores repórteres do País. “Um monumento”, como define a jornalista Eliane Brum no apêndice do livro Tempo de Reportagem, que o veterano repórter lançou neste ano. Como se não bastasse ser autor de alguns dos mais importantes textos já publicados na imprensa brasileira, Audálio também teve participação decisiva à frente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, durante o episódio do assassinato de Vladimir Herzog nos porões da ditadura militar em 25 de outubro de 1975. As lembranças de Audálio, o ouvidor do povo brasileiro – daqueles que nunca são ouvidos –, estão sintetizadas nesta entrevista que começa agora.

O veterano jornalista, festejado pelos seus 80 anos, conta um pouco de sua história e de sua paixão pela grande reportagem, nascida da leitura de Graciliano Ramos.

Audálio Dantas, O Repórter

POR F RANCISCO UCHA FOTOS M ARTIN CARONE DOS SANTOS

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DEPOIMENTO AUDÁLIO DANTAS, O REPÓRTER

Jornal da ABI – Você escreveu um livro infanto-juvenil sobre a infância do Ziraldo, que também está fazendo 80 anos. Como você se envolveu nesse projeto? Audálio Dantas – A editora Callis me propôs escrever um livro infanto-juvenil e eu disse ‘pô, eu nunca escrevi livro infanto-juvenil’. Eles publicavam uma coleção específica chamada Crianças Famosas que tinha uma linguagem muito ta-ti-bi-tate... E falei para eles que com essa linguagem eu não faria, e eles toparam. Disseram que eu podia ficar livre. Então, propus o Graciliano Ramos, e acharam uma boa idéia. Acabamos inaugurando uma nova coleção chamada “A Infância de...”. A Tarsila do Amaral (escrita por Carla Caruso) foi a primeira a ser biografada, depois veio o Graciliano, que eu escrevi. Mas a editora, em geral, fazia biografias de pessoas mortas. Então, propus fazer de gente viva! Aí veio a idéia de fazer sobre o Maurício de Sousa, depois a Ruth Rocha e, finalmente, o Ziraldo. Dessa experiência eu gostei muito! Jornal da ABI – Por que escolheu esses nomes? Audálio Dantas – Primeiro, porque são pessoas que têm o que dizer. E segundo porque, coincidentemente, todos eles foram meus colegas de trabalho em alguma fase. O Ziraldo, em O Cruzeiro, diagramou muitas matérias que escrevi. Ele era do departamento de arte. O Maurício foi meu colega na Folha de S.Paulo, no final dos anos 1950. Ele chegou lá querendo ser desenhista, mas não tinha lugar e foi ser repórter de polícia e não deu muito certo porque não era a dele. Ele começou a desenhar na Folha em função dos colegas. É que ele publicava seus desenhos no Mural da Redação. Ali os jornalistas contavam histórias, gozavam dos colegas e o Mural da Folha era inviolável. Ninguém podia tirar uma matéria que estava no Mural! E o Maurício publicava seus desenhos de vez em quando lá. Até que começou a chamar a atenção: “Pô, esse cara faz um trabalho legal!”. E assim, de repente, o Maurício começou a desenhar. Ele lançou o Bidu em 1959. Jornal da ABI – E a Ruth Rocha? Audálio Dantas – Eu era redatorchefe da revista Quatro Rodas... primeiro fui Editor de Turismo e depois Redator-Chefe. E ela trabalhava na revista Recreio, que não ficava no prédio da Marginal Tietê, ficava na Rua Bela Cintra. Eu a conhecia de cruzar com ela na Abril; quando eu ia no prédio da Bela Cintra, ia visitá-la. Foi na Recreio que ela nasceu escritora, com as histórias que escrevia para a revista. E o Ziraldo, daquela turma da revista O Cruzeiro, era um dos mais próximos de mim. Ele adorava o meu texto,

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“David Nasser não era um sujeito muito benquisto. O estilo do Jean Manzon também era muito criticado. Eles não eram jornalistas sérios.”

se fosse realmente um marco. Dali pra frente começa o Agreste. Pra cá da serra, começa a Zona da Mata. Quer dizer, é diferente. Minha família paterna era de lá e fazia parte do que se podia chamar, em termos locais, de classe média. Meu pai tinha uma padaria, coisa muito simples... era um sujeito inventivo, vivia mexendo em coisas, muito inquieto. E ele mudava de cidade com grande freqüência. “Ah, não está bom aqui, vou pra lá”...

gostava de diagramar as matérias que eu fazia. Assim, algumas das matérias mais conhecidas, como a do ‘Juqueri’, O Circo do Desespero, foi ele quem diagramou. Jornal da ABI – Com tantas estrelas na Redação de O Cruzeiro, como era o ambiente lá? Existia algum tipo de ciumeira? Audálio Dantas – Muito, muito... claro, né... O Cruzeiro era a TV Globo da época, o lugar máximo da imprensa, e claro, havia os estrelões. Isso se materializava em situações complicadas. Por exemplo, um dos caras estabelecidos, que era uma espécie de rei, era o David Nasser. No geral, principalmente os novos que foram chegando, não topavam com a linguagem e o estilo dele, a irresponsabilidade nas afirmações, os textos, as campanhas que fazia. Não era um sujeito muito benquisto. O estilo do Jean Manzon também era

muito criticado. Eles não eram jornalistas sérios. O Jean Manzon era um bom fotógrafo. Agora, ele fazia fotografias muito produzidas. O grande fotógrafo de O Cruzeiro, na minha opinião, foi o José Medeiros. Quando prevalecia a Rolleiflex, ele usava Leica. Porque aí começou a chegar o pessoal da Leica, no caso dos fotógrafos. Porém havia uma afinidade muito grande entre pessoas como Jânio de Freitas, que era do departamento de texto, o Ziraldo na arte, o Luiz Carlos Barreto na fotografia, o Zé Medeiros. Um que não freqüentava muito a Redação, porque vivia viajando, era o Luciano Carneiro. O próprio Millôr, que também não aparecia muito na Redação, era

uma das pessoas que se integrava nesse grupo. Quando O Cruzeiro começou a entrar em decadência, coincidentemente em 1964, esse grupo – que eram os jovens da época –, começou a propor modificações na revista, inclusive chegamos a propor uma reforma gráfica e editorial. O Leão Gondim de Oliveira, que era da família Chateaubriand e diretor da revista, topou a idéia. O Cruzeiro era uma espécie de Hollywood. Eles tinham correspondentes no Brasil inteiro, nas principais capitais... na Bahia, Belém, Fortaleza, Porto Alegre. Então, os jornalistas dessas sucursais foram convidados para se reunir no Rio de Janeiro para discutir a revista, e dar por escrito sua opinião. A mim coube um papel que odeio, mas naquele caso eu estava muito empenhado e aceitei, que era o cargo de ser o relator. (risos) Uma maçaroca desse tamanho; o pessoal escreveu pacas. E o projeto editorial foi feito pelo pessoal da arte, pelo Ziraldo... Entre outras coisas, existia na revista uma página dupla cheia de rococó, com o nome “David Nasser” de ponta a ponta. Encabeçava o texto dele. E no novo projeto se propôs uma página com um título, assinatura embaixo e um retratinho dele em cima... Ele ficou puto com essa sugestão. (risos) Tanto é que, depois de meses de trabalho, fiz meu relatório, e foi colocado em discussão junto com o projeto gráfico. E ele estava lá, presente. David Nasser não participou de nenhuma outra reunião, mas nessa ele estava. E de repente ele disse que não gostou. Claro que foi por causa da redução do espaço dele. E aí aconteceu um diálogo que nunca vou esque-

cer. Ele disse: “Ah, mudaram a cara da revista, é outra revista! Parece a história do Biotônico Fontoura que vendia muito e depois que mudou de rótulo, passou a vender menos!”. Aí, não lembro quem respondeu... Acho que foi o Ziraldo ou o Luiz Carlos Barreto, que eram dois irreverentes. Ele disse a frase que acho genial e definiu a coisa: “Bom, eu vou embora, porque eu pensei que tinha vindo discutir uma revista e estamos discutindo um xarope”. (risos) E a reforma no fim não aconteceu. O Cruzeiro foi caindo cada vez mais. Até chegar às mãos do Alexandre Von Baumgarten, acho que no começo dos anos 70. Foi mais ou menos isso. Jornal da ABI – Vamos voltar ao início. Queria que contasse um pouco da sua infância. Em 1937, veio com a família para São Paulo. Do que se lembra? Audálio Dantas – Ah, lembro de muita coisa! Inclusive de coisas anteriores a essa vinda, de uns quatro anos. A vida lá não era exatamente aquilo... Quando escrevi O Menino Lula, sobre a infância do Lula... o livro não é dessa série infanto-juvenil, é mais para adultos –, o Ricardo Kotscho, que é meu grande amigo, escreveu um texto no blog dele dizendo que as situações dos migrantes que saíam e vinham para cá eram muito parecidas. Aí eu disse para ele que há uma diferença grande, porque a infância do Lula foi realmente braba, de sertanejo, de falta de água, de miséria extrema. A minha situação não era essa. A cidade onde nasci, Tanque d’Arca, é um pé de serra, ou seja, tinha bastante água. Não é o Sertão, é a transição para o Agreste, e é como

Jornal da ABI – Corajoso... Audálio Dantas – É... corajoso, mas às vezes inconseqüente. Morei em duas cidades, além daquela que nasci, antes de vir pra cá. As duas eram vilas. Uma se chamava Canudos e atualmente chama-se Belém de Alagoas, a outra se chamava Canabrava, e hoje é Taquarana. As duas mudaram de nome. Ele tentava a vida. Nesse lugar, Canudos, eu devia ter três para quatro anos. Estava muito bem de vida, mas de repente ele resolveu mudar para mais longe... E aí é que ele veio para São Paulo. Minha grande lembrança dessa viagem, que era de navio, foi ver o mar pela primeira vez. E o mar visto de um lugar onde ele é o mais bonito do Brasil! Um mar verde, maravilhoso, em Maceió. Quando ele disse que iríamos de navio – minha irmã, eu e dois irmãos, um deles ainda de colo, que nasceu em 1936 – eu imaginava que durante a viagem pelo mar daria para ver as margens, a terra. Mas de repente sumiu a terra e ficou só o mar. Na época, isso para mim foi um mistério e eu nunca mais terei uma admiração tão grande: “Como é possível? Não se via mais a terra!” Aí, comecei a explorar o navio, achei uma maravilha a viagem. E principalmente o primeiro porto; ele parou na Bahia, em Salvador... foi um deslumbramento, nunca tinha visto uma cidade “empoleirada”. Descia o Elevador Lacerda. Pela primeira vez experimentei sorvete! Era de mangaba, uma maravilha. Só que, anos depois eu voltei a experimentar o sorvete de mangaba e não tinha o mesmo sabor. (risos) O porto seguinte foi em Vitória, que é uma cidade lindíssima... o navio passa pertinho daqueles morros. Parei no Rio, coisa espetacular. Cheguei em Santos, foi outro deslumbramento. A subida de trem na Serra do Mar foi outro. As grandes decepções vieram depois. Tínhamos família aqui, minha bisavó e avó materna já viviam aqui. Fomos para o interior, para Quatá, perto de Presidente Prudente. Era um vilarejo do campo. E meu pai não era do campo. Meu tio tinha uma fazendola e vivia disso. Não sei por que meu pai quis ir pra lá. E, claro, não deu certo. Quer dizer, foi uma coisa muito acidentada a minha infância. Não comecei os estudos na época certa e fiquei atrasado. Aprendi a ler nessa viagem de Alagoas para São Paulo. Eu me encantava com as figuras das


latas de azeite! E comecei a juntar as palavras da lata e li ‘azeite puro de oliveira’. Foi a primeira coisa que li... (risos) Então, voltamos para a casa da minha avó, que morava no alto de Santana, e meu pai foi trabalhar em uma padaria na Mooca. Ele sabia fazer tudo numa padaria, até construir os equipamentos. Até o forno ele fazia, o que é difícil. Ele era assim, cismava e fazia uma coisa. Acabamos indo morar lá perto e aí houve a separação de meu pai e minha mãe... até hoje não sei direito as razões. E a solução que ele encontrou foi nos mandar de volta para Alagoas, para a casa da mãe dele. Essa volta foi muito ruim mesmo. Um primo que ia nos encontrar não encontrou. Ficou minha mãe com três filhos, esperando em uma plataforma de armazém. Foi um negócio pesado, pesado mesmo. Ficamos na casa da minha avó até que minha mãe achou que era melhor voltar e nos disse “fiquem aqui com a sua avó que depois eu volto para buscar vocês”. A separação foi traumática. Não tínhamos a idéia da extensão da coisa. Sentíamos a falta. Depois meu pai se casou, deu um jeito e casou na igreja. Assisti ao casamento dele, por volta de 1941. Bom... foi só aí nessa volta que eu comecei a ir para a escola. Até que um dia minha mãe escreveu para alguém dizendo para nos enviar se tivesse alguém de confiança vindo para São Paulo, para ela não ter que ir buscar. Os dois menores ficaram com minha avó. Eu vim sozinho, tinha 12 anos, vim em 1944. Jornal da ABI – Mas como veio sozinho com essa idade? Audálio Dantas – Vim com uma família que não deixava de ser uma família de retirantes. O sujeito, chefe da família, tinha vindo para São Paulo e conseguido se estabelecer no interior e voltou para buscar a família. Era uma mulher e um monte de filhos e eu fui junto. Foi muito interessante. E não foi possível vir de navio, porque nessa época estavam torpedeando navios brasileiros. Então fizemos um caminho absolutamente complicado. Era uma coisa de louco. Fomos para Sergipe, atravessamos o Rio São Francisco, pegamos trem até Salvador, de lá até Juazeiro de trem e ali pegava um gaiola até Pirapora e, em seguida de trem até Belo Horizonte e São Paulo. Só para subir o São Francisco demorou uns 10 dias. Era lento. Não havia estrada de rodagem. A estrada de ferro era fragmentada. Apesar de absolutamente complicada, foi uma viagem interessante. Jornal da ABI – Sua mãe não ficou preocupada? Audálio Dantas – Minha mãe tinha muita confiança no homem que me trouxe. Mas ele cometeu um deslize grave que poderia ter dado um resultado complicado: quando chegamos em São Paulo, ele me deixou na

“Raquel de Queiroz escrevia uma crônica na última página de O Cruzeiro. E um dia, pensei: Ainda vou trabalhar nessa revista!” Estação Roosevelt, chamada de Estação do Norte e me perguntou se eu sabia ir até à casa da minha avó. Eu respondi que sabia, que me lembrava. Só não sabia ir dali da Estação, mas sabia que podia tomar o bonde 43 que ia me deixar lá perto e foi o que fiz. Fui sozinho. Quer dizer, se eu tivesse errado, podia ter me perdido, sumido no mundo. Jornal da ABI – E o reencontro com a sua mãe depois dessa viagem épica? Audálio Dantas – O reencontro com minha mãe foi bom e, ao mesmo tempo, complicado porque ela tinha se casado de novo. Ela se casou com uma pessoa que era ligada à família do meu segundo avô, porque também era o segundo casamento da minha avó. Meu avó tinha morrido, e esse cara era viúvo e tinha quatro filhos, todos pequenos e foi para essa família que entrei. Fui pego de surpresa, mas se transformaram em irmãos com a maior naturalidade. É que no começo foi chato. Jornal da ABI – Como você viveu essa época da Segunda Guerra? Tinha medo? Audálio Dantas – Havia os reflexos da guerra. Eram tempos difíceis. Lembro bem que havia cotas de pão, açúcar, leite, acho que de arroz também. A família comprava em um empório, aquela coisa de comprar em caderneta. Eu tinha um pouco de medo, sim... havia um farmacêutico chamado Daniel que era uma espécie de porta-voz. Ele assinava os jornais e no final da tarde colocava a cadeira na calçada e ficava lendo o jornal e as histórias eram da guerra. Eu me lembro como hoje... E ele dava uma entonação de locutor. Jornal da ABI – Era a rádio local... Audálio Dantas – Era o arauto! (risos) Berlim! Londres!... E eu ia para essas sessões de leitura no final da tarde. Pra mim, a guerra era isso. Jornal da ABI – Quando você descobriu que queria seguir a carreira de jornalista? Ou isso aconteceu por acaso? Audálio Dantas – Não foi por acaso, não. Eu estudava num curso de contabilidade numa escola técnica de comércio e fui trabalhar em um balcão de padaria. Isso atrapalhou muito os meus estudos porque eu trabalhava na Avenida Brigadeiro Luis Antônio e minha escola ficava

na Avenida Rio Branco. Eu estudava à noite. Tomava um bonde até o Largo São Francisco e pegava outro bonde, o Casa Verde, que passava perto da escola. Voltava para casa por volta das 11 horas da noite. Era muito cansativo. No dia seguinte acordava às 6 horas. Por volta de 1949, por aí, eu fui trabalhar em um laboratório fotográfico no Centro da cidade. Aí ficou muito mais fácil o deslocamento. Fui aprender a revelar filme, a revelar e ampliar fotografia... Saí de lá sabendo isso. Jornal da ABI – Mas nessa época você já lia jornais? Já se interessava pelo assunto? Audálio Dantas – Ah, sim! E há um particular: eu já lia muito desde os 14 e 15 anos. Eu era um grande leitor, não só de jornal, de revistas... Também lia as aventuras do Super-Homem, mas gibi não era o meu forte. Comecei a ler literatura nessa idade.

comecei a ler na revista O Cruzeiro as crônicas da Raquel de Queiroz. Eu tinha lido O Quinze, romance de estréia dela, também por causa da identificação com o Nordeste. Ela escrevia uma crônica na última página de O Cruzeiro. E um dia, pensei: “Ainda vou trabalhar nessa revista!”. É verdade! Eu ensaiava crônicas. Aquelas coisas que depois a gente acha uma merda. Eu reli e achei muito ruim. (risos) Depois, quando fui trabalhar num segundo laboratório fotográfico já com uma experiência boa, conheci um sujeito maravilhoso, Luigi Mamprin. Ele é considerado um dos grandes fotógrafos do Brasil. Foi da Folha, Jornal do Brasil e da Realida-

Jornal da ABI – Como era o acesso aos livros? Audálio Dantas – Às vezes, algumas pessoas me emprestavam. Outras vezes eu ia à biblioteca. Freqüentava a biblioteca e pegava livros na circulante. Foi assim que conheci Graciliano Ramos. Primeiro Jorge Amado: Foi um deslumbramento. Depois que conheci Graciliano, deixei o Jorge de lado. (risos) Jornal da ABI – O que te encantava neles? Audálio Dantas – No Graciliano me encantava, principalmente em Vidas Secas, a identidade com a terra. O fato de ele ser alagoano e que muito mais tarde, quando escrevi o livro sobre ele, descobri que o lado materno dele é o mesmo que o meu. Era do mesmo tronco familiar. O fato de ele falar de coisas próximas, que eu conhecia, e de uma maneira muito clara... Aí é que está! Acho que a grande qualidade da literatura de Graciliano é a clareza, é a simplicidade da linguagem. Nada de rebuscar. Bom... mas eu descobri também outros, principalmente os americanos, os contistas e romancistas como Steinbeck, Hemingway. Aliás, ultimamente voltei a ler o Hemingway e não achei a mesma graça. Jornal da ABI – Como o sorvete de mangaba... Audálio Dantas – Parecido! (risos) Mas diversos escritores americanos tiveram uma influência muito grande em minha formação, e cada vez mais me liguei à literatura. Então,

de. Um dia ele foi convidado para ir pra Folha, que estava inaugurando um novo laboratório. Tinha mudado aqui para os Campos Elíseos, onde está atualmente. E ele perguntou se eu queria ir trabalhar lá também e eu disse: “Claro que quero ir!”. Então acendeu a luz. Eu já fotografava, precariamente, mesmo porque não tinha equipamento. Bom, então já pensei num plano: um dia ofereci um texto que tinha feito, e eles gostaram muito. Foi em 1954 ou 1955. Aí eles me passaram para a Redação. Porque eu ficava no laboratório e eventualmente substituía fotógrafos. Foi quando fui fotografar uma excursão dos alunos salesianos para

Santa Catarina e me encantei com a paisagem do local, o Vale do Itajaí. Quando voltei escrevi uma história, eles no jornal gostaram e publicaram, e pouco tempo depois já estava na Redação escrevendo e fotografando. Jornal da ABI – De que outras matérias você se lembra desse período? Audálio Dantas – Deixa ver se me lembro... A minha tendência sempre foi a reportagem, não o noticiário... Eram pautas que eu mesmo propunha. Me lembro que, uma vez encontrei um sujeito zanzando na rua, ali perto da Barão de Limeira, olhando para as coisas. Senti que ele buscava algo e, pensando em ajudá-lo, perguntei: “Você está indo a algum lugar?” E ele disse: “Eu não sei”, “Como não sabe? Onde você mora?”. “Também não sei”. Era um sujeito que estava numa fase perturbada e resolvi fazer uma matéria sobre ele. O título foi ‘Fulano sozinho no mundo’. Coloquei no título o nome dele... mas não lembro agora qual era. O pessoal da Redação começou a gostar desses textos e fiz vários outros. Até que a grande oportunidade me foi dada pelo Secretário de Redação da Folha da Manhã. Eram três edições diárias: Folha da Manhã que era matutino, e os vespertinos Folha da Tarde, que saía por volta das 10 horas, e a Folha da Noite, que circulava pelas 17 horas. Eram outros tempos! Havia uma renovação no jornalismo em geral e Folha foi uma das pioneiras. Começaram a renovar a linguagem, fazer reportagens, etc... e eu fui um dos que começaram nessa fase. E aí, em 1955 ou 1956, eu já dirigia o suplemento dominical da Folha. Fechava isso durante algum tempo, depois fui Chefe de reportagem da Folha da Noite. Isso significava que tinha que ir de madrugada para a Redação. Já em 1956 e 1957, eu caí na reportagem de uma vez. Como eu estava dizendo, o Secretário de Redação da Folha da Manhã, o Mário Mazzei Guimarães – que está vivo até hoje –, chegou um dia e perguntou se eu queria fazer uma reportagem no Nordeste. E eu disse “claro que eu quero”. Era a primeira vez que eu ia voltar. Era para ir à usina de Paulo Afonso, que estava iniciando a distribuição de energia para o Nordeste inteiro e a reportagem era a repercussão, as consequências da energia elétrica na região, um tema muito bom. Mas era um tema de economia e nunca tinha feito uma matéria dessa editoria. Depois ele falou que

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DEPOIMENTO AUDÁLIO DANTAS, O REPÓRTER REPÓRTER

Não! Já se fazia isso aqui. Mas como o Brasil e o resto do mundo gravitam em torno dos Estados Unidos, aquilo foi tido como novidade, o que não era verdade. Claro que teve importância como movimento na própria imprensa americana. Tardio. Mas vieram grandes exemplos do jornalismo com toques literários. Um deles é o Truman Capote, porque escreveu o A Sangue Frio, que é uma grande reportagem. Ali o ficcionista usou a técnica de reportagem sem fazer ficção e sem deixar de usar a linguagem literária. Quer dizer, esse movimento foi importante e envolveu muita gente, como o Norman Mailer, Tom Wolfe e outros.

eu podia aproveitar e fazer outras matérias, além dessa de economia. Só em volta de Paulo Afonso eu fiz umas cinco matérias. Fiz uma reportagem sobre a cidade que estava nascendo em volta da usina, chamada de Paulo Afonso. Fiz a história da Cidade da Pedra, como era conhecida a cidade do Delmiro Gouveia, um tipo fantástico, um grande criador. Quer dizer, fiz um monte de coisas. Fiquei lá uns 20 e tantos dias. Voltei à minha ‘cidadinha’. Fiz uma matéria sobre ela. Então, tudo isso era uma grande realização. E comecei a ter o reconhecimento de ser um bom repórter na Folha. Bom texto. Uma das coisas que sempre cuidei é de escrever para não ser copidescado. Tinha muito cuidado, caprichava. Foi isso que me levou a ser convidado, em 1959, para O Cruzeiro. Jornal da ABI – Antes da reforma editorial a que você se referiu, o texto jornalístico era repleto de expressões desnecessárias e insinuavaumacertapretensãoliterária que na realidade não existia... Audálio Dantas – Isso era um jornalismo provinciano que começou a desaparecer nos anos 1950, com a Folha, depois com o Jornal do Brasil, o Diário Carioca. Porque isso era falar do óbvio: ‘horrível emoção’ ou ‘pavoroso incêndio’. Era o lugar-comum, o tom que se dava. O jornalismo era cheio de lugar-comum. Eu nunca usei expressões desse tipo no meu texto. Água, precioso líquido; hospital, nosocômio; era muito comum, era um texto caipira, horroroso, era bem rococó. Então os caras que tinham mais pretensões literárias faziam isso ou então faziam a macaquice literária que não era nem uma coisa, nem outra. Aprendi muito com Graciliano Ramos. Aprendi a não adjetivar... O adjetivo é inevitável, mas não precisa ficar toda hora usando. Que nem a história do Graciliano com a exclamação. Exclamação cabe, está na língua, mas não se pode abusar dela. O Graciliano usava. O primeiro texto impresso de Graciliano foi num jornalzinho do colégio que ele fez em 1904, chamado O Dilúculo. Olha o nome do jornal! O Dilúculo! Ele e o primo faziam tudo nesse jornal. O texto se chamava “O Pequeno Pedinte”. Era a história de um menino que pedia esmola. Só que o jovem Graciliano usou umas dez exclamações nesse texto que só tinha quinze linhas! (risos) E daí pra frente ele começou a não gostar de exclamação. Era um texto de menino. Jornal da ABI – Como era o seu texto? Você já fazia o chamado “jornalismo-literário”? Aliás, você concorda com esse termo? Audálio Dantas – Não gosto desse termo. Hoje se fala em jornalismo literário, mas acho que isso não existe. O que existe é o bom texto e o texto que se apropria de técnicas literárias, de narrativa com tom literário, mas

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sem fugir da informação. A informação é básica, é fundamental, porque se você sai da informação – e alguns fazem isso – deixa de fazer jornalismo, então por isso não existe “jornalismo literário”. Existe jornalismo e literatura. O meu texto sempre teve esse tom, não se prendia ao lugarcomum, também não se prendia ao fato. Por exemplo, naquela matéria sobre a cidade que nascia ao lado do São Francisco, eu fazia uma comparação entre a vila das casas dos funcionários de certo nível para cima, a cidade da usina que era cercada e tinha jardins, praças, escolas, hospital, cinema, tinha tudo. Os outros, os bóias-frias, os candangos, começaram a construir uma cidade ao lado dessa, fora da cerca, que se chama até hoje Paulo Afonso. Em certa altura eu saquei o seguinte: que o ‘Brasil’ que ali estava nascendo com outra possibilidade não era o Brasil real. O Brasil estava além da cerca. Era o Brasil de fato que estava lá, fora das cercas da cidade planejada. Assim como foi em Brasília com as cidades-satélites. Era aquele amontoado, coisas precárias. Procurava dar sentido a essas coisas. Interpretação, análise. A grande reportagem é isso.

Jornal da ABI – Você já havia tido contato com textos de outros jornalistas que escreviam dessa maneira? Audálio Dantas – Não. Eu conhecia um pouco o texto de uma pessoa que não era propriamente um jornalista que escrevia em jornal, que era o Rubem Braga. Ah! E o Joel Silveira também, que era jornalista e foi uma das grandes admirações pra mim. Jornal da ABI – Você começa a escrever dessa maneira instintivamente? Audálio Dantas – Instintivamente, não tenha dúvida. Porque eu não conhecia ainda o texto do Joel Silveira, que é maravilhoso. Acho que minha influência maior foi dos romancistas e contistas americanos, além do Graciliano. Jornal da ABI – A expressão ‘new journalism’ vem bem depois de vocês e não era nenhuma novidade... Audálio Dantas – Claro que não. Claro que não. A expressão ‘new journalism’ vem depois, nos anos 1960, e não era nenhuma novidade. O novo jornalismo não era nada mais, nada menos do que aquilo que jornalistas

com talento faziam, como no caso do Joel. Inclusive já escrevi sobre isso quando organizei o livro chamado Repórteres. O Gay Talese, que é um dos papas do ‘novo jornalismo’, escreveu, no fim dos anos 1960, uma matéria chamada ‘Frank Sinatra está gripado’. A revista Esquire encomendou um perfil do Frank Sinatra e ele foi fazer isso. E no dia em que estava marcada a entrevista, o Frank Sinatra não apareceu e um dos assessores disse que ele estava gripado e ao perguntar quando podia remarcar, responderam que não sabiam. Aquela coisa. Então ele fez o perfil por intermédio de vários personagens ligados ao Frank Sinatra: garçonetes, jogadores de corridas de cavalo, putas... Aquele universo que cercava o cantor. E foi um texto fantástico! Foi editado em 50 páginas da revista. Mas o Joel Silveira tinha feito em 1945, para a revista Diretrizes, uma matéria que era exatamente a mesma coisa! (risos) O casamento da filha do Conde Matarazzo, que mexeu com a sociedade. Ele não entrou na festa e fez isso de maneira extraordinária, numa matéria chamada A Milésima Segunda Noite na Avenida Paulista. Então, nasceu em 1960 o novo jornalismo?

Jornal da ABI – Esse estilo de reportagem tem muito a ver com a experiência de cada jornalista. Audálio Dantas – Com as tendências de cada um, a personalidade do jornalista. Matérias que eu fiz e estão no livro Tempo de Reportagem na verdade podem ser consideradas como uma subversão, porque fugiam dos padrões da época. O exemplo típico é “O Povo Caranguejo”, que foi publicada na Realidade. “O Circo do Desespero”, publicada em O Cruzeiro, também... Eu não usei nenhum dos recursos comuns de uma reportagem. Fiz o seguinte: simplesmente contei o que acontecia na minha frente. É como uma fotografia com a Leica. Ela proporciona isso. Ela é uma máquina rápida que vai registrando o que está acontecendo na frente. Isso eu fiz usando técnicas literárias ao contar a história, mas ia além dizendo por que aquela pessoa estava lá dançando. Elas não tinham nome, só números. Cheio de simbolismos que mostravam que aquilo lá era um massacre, uma barbaridade. Foi exatamente o que a matéria passou. Jornal da ABI – Que outra matéria gostaria de ter colocado nesse livro e não deu? Audálio Dantas – Ah, muitas! Porque quando eu fiz o primeiro livro, chamado O Circo do Desespero, ele tinha um sentido, marcava uma fase. Depois fiz muitas outras coisas. Outro dia descobri uma por acaso – a gente até esquece delas – , sobre uma cidadezinha do interior de São Paulo chamada Palmital, que fica perto de Ourinhos. Quem me lembrou foi uma pessoa que está escrevendo um livro sobre essa cidade. De repente uma família entrou na Justiça reivindicando todas as terras do Município e o processo foi avançando. A rigor nada pertencia àquela cidade nem a ninguém e contei isso numa matéria. É uma bela história. Outra de O Cruzeiro que deveria estar no livro foi a de um sujeito que era um milagreiro que descobri no Maranhão. Era espírita, diferente desses outros que são católicos, missionários. Ele construiu a cidade que cresceu espantosamente, perto de Caxias, no interior do


A reportagem “Povo Caranguejo” foi capa da revista Realidade de março de 1970.

“Chegaram a escrever dizendo que era um golpe de um ‘repórter ladino’, que fez aquilo para fazer sensacionalismo. Era uma invenção minha.” Maranhão. Era uma coisa muito forte porque as pessoas iam em busca de cura e ali ficavam. O título da matéria era “Cidade Alucinada”. Há várias outras que gostaria de ter colocado. Talvez ainda faça outro livro com essas reportagens. Jornal da ABI – E sua chegada à revista O Cruzeiro? Como você recebeu o convite? Audálio Dantas – Eu me deslumbrei. Tanto que na ocasião, o dono da Folha, que se chamava José Nabantino Ramos – que era um sujeito muito interessante, inovador –, me chamou e disse: “Você está louco? Está certo que é O Cruzeiro, mas você vai perder seus anos de casa?”. Tinha isso, porque não havia essa história de Fundo de Garantia. Depois pensei “ele se preocupou tanto que podia ter pago”, mas não pagou. Mas acontece que antes de sair da Folha fiz a reportagem de maior repercussão da minha história profissional: a da descoberta da Carolina de Jesus, que morava numa favela e escreveu um diário comovente. Compilei esse diário para lançar o livro Quarto de Despejo. Não é a reportagem mais importante, não é a melhor e nem está entre as melhores em termos de realização, de texto. Mas tenho que admitir que essa matéria foi importante pela repercussão internacional.

Jornal da ABI – Esse livro também foi muito criticado. Acusaram você de ter mudado o texto, como você recebia isso? Audálio Dantas – Na época eu era uma pessoa mais pura e fiquei muito indignado! (risos) Uma das coisas que mais me indigna é alguém fazer um juízo falso sobre mim. Isso pra mim é o fim. E não era só isso, era pior. Chegaram a escrever dizendo que era um golpe de um ‘repórter ladino’, que fez aquilo para fazer sensacionalismo. Era uma invenção minha. Um grande crítico literário, um dos mais respeitados do País, chamado Wilson Martins, não admitia, achava que era uma frau-

de. Escreveu, acho que nos anos 1970, que era uma coisa inventada, numa linguagem rebuscada. E eu respondi na época que, exatamente por isso, não podia ser meu, nunca escrevi de maneira rebuscada. Ele silenciou e voltou a escrever nos anos 1980 no Jornal do Brasil uma coisa violenta, mas tão violenta que fui obrigado a escrever um texto esculhambando com ele e dizendo “ou você se retrata e pára, ou serei obrigado a lhe processar”. Eu tinha todas as provas, tinha guardado todos os cadernos. Então ele recuou. Ao mesmo tempo eu tive compensações, como foi o caso de Manoel Bandeira que escreveu em sua coluna em O Globo que era impossível alguém inventar uma linguagem daquela. Ele disse inclusive que se tivesse sido capaz de inventar um texto daqueles, eu era um gênio. (risos) Na verdade, se alguém quisesse forjar aquela linguagem, iria terminar se traindo ao longo do livro, evidentemente. Ela tinha unidade de linguagem, porque a Carolina era formidável. Jornal da ABI – Na revista O Cruzeiro como se decidia que tipo de reportagem ia ser feita? Havia reunião de pauta? Audálio Dantas – Olha... As reuniões não eram tão sistemáticas. Na verdade, a maioria dos repórteres propunha as matérias. A grande maioria das matérias que fiz foi proposta por mim. Também outro fato importante é que nunca trabalhei diretamente na Redação do Rio. Eu ficava em São Paulo, na sucursal daqui. Eu preferia. Na O Cruzeiro havia uma coisa muito boa, que era metade do sucesso da qualidade das matérias: o repórter de outros Estados ia acompanhar o fechamento de sua matéria. Por isso entrei em contato com o Ziraldo. Assim, eu ficava quase meia semana no Rio e meia semana em São Paulo. Jornal da ABI – Em média, quanto tempo demorava para se produzir cada reportagem? Audálio Dantas – Normalmente era uma reportagem por edição, mas podia passar duas ou três edições sem matérias. O Cruzeiro era muito liberal, meio desorganizado, e às vezes você ia paginar, era como se falava na época... paginar na terça-feira, pegava avião e ia para o Rio, ficava no hotel, no dia seguinte passava o dia todo na Redação e não se fazia a diagramação, porque havia outros na frente. Às vezes passavam-se dois ou três dias assim para começar a fazer o trabalho. Jornal da ABI – Eles tinham muito dinheiro para gastar.... Audálio Dantas – Era coisa de rico! Para eles não significava nada o repórter

Circo”; a outra, “O Hospital do Juqueri”. Essas estão no livro. Na Quatro Rodas, eu fui ser editor de Turismo. Jornal da ABI – Mas você continuou fazendo reportagens também, não é? Você não ficava só na Redação... Audálio Dantas – Sim! Eu editava, mas ia fazer reportagem também! Era uma espécie de exigência minha. Para mim, fazer matérias de turismo foi um choque porque elas tinham que ser glamorosas, coisa que não era do meu estilo. Tinha que escrever sobre a paisagem, a beleza das cidades, o conforto dos hotéis.

ficar três, quatro dias a mais no hotel, pagando alimentação, transporte, etc. Jornal da ABI – Onde conheceu o José Hamilton Ribeiro? Audálio Dantas – Na Folha. Ele foi da leva que veio um pouco depois de mim em 1955 ou 1956. E muitos, assim como ele, vinham com uma coisa nova que era o diploma de Jornalismo. Ele foi aluno da primeira Faculdade de Jornalismo do País, que é a Cásper Líbero. Ele deve ter terminado o curso em 1954, por aí. Inclusive fiz reportagem junto com ele. Assinamos matérias juntos. Jornal da ABI – Vocês trabalharam juntos na mesma matéria? Audálio Dantas – Não. O que aconteceu foi o seguinte: quando fabricaram aqui os primeiros automóveis em 1957, 1958, por aí. Decidiu-se fazer uma matéria com um jipe percorrendo o País inteiro. Hoje não se faz mais isso, e esse é um dos motivos de a grande reportagem não estar sendo mais produzida como deveria. Ela exige investimento em tempo e dinheiro. Então esse jipe percorreu o Brasil inteiro onde havia estrada de rodagem. Ele foi até o Maranhão pelo litoral e foi voltando pelo interior. Jornal da ABI – Quanto tempo demorou a produção dessa matéria? Audálio Dantas – Ah... demorou meses! Mas aí nós íamos fazendo várias matérias. O que se encontrava pelo caminho. Mas essa viagem foi feita por vários repórteres. Foi um daqui até Recife. Depois eu peguei em Recife, fui até Maranhão, voltei até Brasília, que ainda era projeto. E o Zé Hamilton acho que fez Centro e Sul do País. Jornal da ABI – Em algum momento vocês chegaram a viajar juntos? Audálio Dantas – Não, não. Fomos separados, mas como no fim o resul-

tado era uma grande reportagem, por isso digo que fizemos juntos. Depois reencontro Zé Hamilton na Quatro Rodas. Em 1966 saí de O Cruzeiro e fui pra lá. Aliás, foi ele que me convidou para trabalhar na Quatro Rodas. Jornal da ABI – Você trabalhou com Mário de Morais,José Medeiros, Jânio de Freitas, Luciano Carneiro, Zuenir Ventura... Audálio Dantas – Sim, Zuenir Ventura também estava nessa época. Esse pessoal era do Departamento de Texto, que era como se chamava na época. O Zuenir e Jânio de Freitas eram desse departamento na O Cruzeiro. Jornal da ABI – No Departamento de Texto estavam os redatores? Audálio Dantas – Sim. É que muitos repórteres não tinham texto final. Então, eles davam a redação final. Eles me elogiavam porque meu texto era considerado final. Jornal da ABI – Zé Hamilton te convida para a Quatro Rodas em 1966. Nessa época, O Cruzeiro já estava decadente? Audálio Dantas – Já estava em franca decadência. Não me satisfazia mais. Mas em O Cruzeiro fiz várias reportagens importantes: “O

“Para mim, fazer matérias de turismo foi um choque porque elas tinham que ser glamorosas, coisa que não era do meu estilo.”

Jornal da ABI – Te incomodava escrever sobre isso? Audálio Dantas – Me incomodava, mas terminei achando que era confortável. (risos) Eu ia para lugares e fazia coisas que normalmente não podia fazer. Aliás, acho que o jornalismo ainda hoje proporciona esse tipo de coisa. Por minha conta eu jamais poderia fazer determinadas coisas, só com o dinheiro do jornal ou da revista. Na Quatro Rodas fiz uma matéria fantástica que foi o roteiro turístico para o México. Daqui pra lá, por terra. Mas eu sempre encontrava algo no meio do caminho que podia ser uma ótima matéria e pensava “A matéria era essa!”. Entendeu? Era uma frustração. Tinha que escrever sobre uma coisa turística, como vai, onde se hospeda, e de repente encontrava uma cidadezinha perdida e pensava “puta, a matéria está aqui!” e eu não fazia. Era uma frustração muito freqüente. Assim como essa viagem pela Panamericana até o México foi uma frustração muito grande porque conheci a América Latina inteira, a miséria, as contradições, e não pude escrever sobre isso. Mas aconteceu, por acaso, uma coisa: no dia em que entrei em Honduras, estourou a Guerra do Futebol com El Salvador. Esse roteiro era de preparação para a Copa do Mundo de 1970, que aconteceu no México. Os Jogos Olímpicos já tinham acontecido em 1968 na Cidade do México. E eu fiz essa viagem em 1969. Quando cheguei em Tegucigalpa, capital de Honduras, o país tinha sido bombardeado naquela manhã. Então não houve jeito, liguei pra Redação e propus fazer uma matéria para a revista Veja e fui para as duas frentes de guerra. Eu e o fotógrafo Osvaldo Maricato passávamos o dia vendo guerra. Vimos caminhões de mortos amontoados, hospital cheio de sangue, tiroteio de franco-atirador... Negócio muito feio. Fiquei lá um mês, mas a guerra durou quatro dias, a fronteira ficou fechada e fiquei lá. Não podia sair, porque a fronteira com El Salvador estava fechada e eu viajava de carro. Jornal da ABI – Havia problemas para enviar a matéria? Audálio Dantas – Eu enviava por telex. Acontece que em Tegucigalpa só havia dois aparelhos de telex, um no

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Exército e outro no único hotel. Sóque, como juntou jornalista de todas as partes, tive que ficar na fila. Cheguei na noite de sexta-feira, fui escrever e fiquei na fila do telex. Quando terminei, umas oitooudezlaudas,tinhanaminhafrente uns oito caras para enviar matérias também. Eu estava exausto. Jornal da ABI – A revista Quatro Rodas não foi um laboratório para a implantação da Realidade? Audálio Dantas – De certa forma, foi. O fato de ter uma revista com sucesso foi chamando outras, mas a Realidade e a Veja surgiram mais ou menos juntas com propostas diferentes. Uma de informação e outra de reportagem. Jornal da ABI – Quando você entrou na Realidade? Audálio Dantas – Quando voltei dessa viagem, fui convidado para a Realidade e fiquei até 1974. Jornal da ABI – Como era trabalhar com o Roberto Civita, que era o Diretor da revista? Audálio Dantas – Seria um desastre o dono da empresa estar lá na Redação o tempo todo, mas ele ficava numa sala em outro andar e aparecia de vez em quando. Ele tinha uma grande qualidade: aceitava as sugestões. O pessoal da Redação brigava por suas idéias; eu mesmo tive umas duas ou três brigas por causa de matérias. Ele era um sujeito liberal e terminava concordando, dificilmente impunha algo. Mas evidentemente ele influenciava, conduzia as coisas em determinados assuntos. Era suficientemente inteligente pra deixar a coisa rolar. Eu tenho dois exemplos. Não foi diretamente com ele, mas com a estrutura de dire-

“Roberto Civita tinha uma grande qualidade: aceitava as sugestões.”

térias são mal escritas. Você lê uma matéria nesses portais de trinta linhas e encontra quatro, cinco erros de português. Jornal da ABI – Você está sendo muito gentil. Audálio Dantas – (risos) Pois é...

ção da Abril. Fiz uma reportagem sobre mortalidade infantil em Pernambuco chamada “Doença de Menino”. Tinha uma foto de Luigi Mamprin que está na página interna da revista que é de uma dramaticidade enorme, é um sujeito segurando um caixãozinho com uma criança morta. E todo mundo achou que era capa. O sujeito foi sozinho pro cemitério e na foto é como se ele oferecesse aquele anjinho. Ficou uma briga enorme. Quando perguntam se a censura agia na Realidade, digo que ela podia não estar lá presente, mas podia estar inclusive na cabeça dos donos da empresa. Eles acharam que a foto na capa era um desafio, uma provocação ao regime. Era em 1969. Já era depois do AI-5. Jornal da ABI – Mas você disse que era uma foto muito chocante. Será que não era por isso que não devia ser usada na capa? Audálio Dantas – Também. Esse foi o argumento para não publicá-la na capa. Mas eu acho que foi outra coisa... Jornal da ABI – Era possível uma grande editora manter uma revista de esquerda naquela época? Audálio Dantas – A Realidade podia ser considerada de esquerda para a época. Mas era uma revista inovadora que começava a se preocupar com temas que normalmente não eram objeto de preocupação jor-

nalística, conseqüentemente a gente escrevia muito nas entrelinhas, coisas que só depois a gente percebe, os próprios repórteres. De repente você se apanhava escrevendo coisas que diria mais diretamente... Ou omitia coisas. Essa capa não foi vetada pelo Civita diretamente mas foi uma pessoa próxima dele que disse “olha, não dá”, e terminou não saindo. Eu acho que isso é censura. Esse argumento de que era uma capa chocante pode ter sua importância. Outra matéria que foi uma briga foi

A CAPA DA DISCÓRDIA A foto de Luigi Mamprin (ao lado), uma das que ilustrou a reportagem “Neste minuto morre uma criança”, de Audálio Dantas, foi escolhida pela Redação da Realidade como a que deveria estampar a capa da edição n°47, de fevereiro de 1970. Mas a direção da revista a vetou alegando que era uma foto muito chocante. Para os jornalistas foi um ato de censura. A pesquisa “O homem julga a mulher brasileira” ganhou a capa e a matéria sobre mortalidade infantil foi uma das manchetes.

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“O Povo Caranguejo”. Foi outra briga pela capa e essa nós ganhamos, quando digo nós era a Redação, que era muito unida. Acabou saindo, mas tivemos que fazer uma concessão. Mudamos o título para “Vida Corajosa” (risos). É uma moça coberta de lama, é bonita a foto. Aí não era chocante. Jornal da ABI – Você concorda que hoje não há espaço para uma revista como Realidade? Audálio Dantas – Dirijo uma revista que se chama Negócios da Comunicação, e fizemos uma grande entrevista com Roberto Civita e essa pergunta foi feita. Ele acha que os tempos são outros, há uma diversidade muito grande de títulos. E que a tv, o rádio, a internet, a tendência do texto rápido, curto, não deixam margem ao retorno da revista. Eu particularmente acho que sim, porque acho que há leitor para esse tipo de matéria mais aprofundada. Inclusive, aproveitando, eu gostaria de dizer que acho uma tremenda burrice alguns veículos, principalmente jornais diários, tentarem entrar nessa do ‘texto rapidinho’.Deveria ser o contrário. É um grande equívoco, eles não podem concorrer porque o tempo não permite. A sorte desses veículos que fazem isso é que a informação jornalística na internet ainda é muito precária. É precariíssima. Pode ter a vantagem da instantaneidade, isso é indiscutível, porém há um fator importante: o que se faz na internet não é um jornalismo aprofundado, mais analítico, que deveria ser o caminho da matéria impressa. Você pega os portais de notícias do Brasil e geralmente essas ma-

Jornal da ABI – Mas você não acha que falta também credibilidade para esses portais? Eles publicam muitas notícias erradas... Audálio Dantas – Falta principalmente credibilidade, falta apuração! E por que falta apuração? Porque a internet surgiu simultaneamente com um movimento econômico internacional chamado ‘globalização’. Surgiu a necessidade de se enxugar a produção, de gastar menos. Isso aconteceu no jornalismo também. O exemplo que dou freqüentemente sobre isso é o que aconteceu recentemente com o The New York Times, que quase foi à falência. Teve que vender bens. Nessa época surgiu um site de informação que fez um puta sucesso, chamado The Huffington Post. É da Arianna Huffington, uma milionária que vendeu o site por US$ 350 milhões. E esse enorme sucesso coincidiu com essa crise no The New York Times, porque todo mundo dizia que a internet vai acabar com o veículo impresso. Agora, havia uma comparação absolutamente necessária a fazer. O The New York Times, naquela ocasião, tinha mil repórteres e esse site tinha 50 repórteres! Evidentemente que esses 50 repórteres não têm condições de apurar as coisas, não têm a mesma credibilidade! Então, o papel do impresso é ir para a análise, o aprofundamento, a discussão, a reportagem, etc. E eu não sei por que não está acontecendo isso! Não consigo entender. E não é um fenômeno só no Brasil, não. Jornal da ABI – Eles estão insistindo no picadinho. Quando a Globo surgiu e passou a investir no telejornalismo, o Dines, que dirigia o Jornal do Brasil na época, reuniu a turma e disse que eles teriam que fazer um jornal ainda mais aprofundado e passou a investir no departamento de pesquisa para dar suporte à Redação... Audálio Dantas – É isso mesmo! Porque ele sabia que o jornal diário não poderia concorrer com a velocidade da televisão. E aí começou a fazer reportagens ainda mais aprofundadas. Jornal da ABI – Veja o que aconteceu ao Jornal da Tarde... Audálio Dantas – O Jornal da Tarde de hoje não tem nada a ver com aquele dos anos 1960. A imprensa diária não pode imitar o picadinho da internet e fazer o que fazem alguns portais. O pior é que, de vez em quando o Uol, que é um dos portais mais acessados, dá uma matéria da véspera da Folha. Qual é a vantagem da internet, então? Não é possível aceitar isso. (Continua na próxima edição)


MEMÓRIA

O segundo regresso ELIANE SOARES

POR RODOLFO KONDER

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o extremo norte do Central Park, as águas do Reservoir – o reservatório da cidade – começavam a esfriar, com a chegada do outono. Muitos patos nadavam por ali, em pequenos grupos. As gaivotas caçavam o almoço. Pessoas pescavam sem sucesso. Esquilos corriam e paravam, imóveis, entre as moitas e nos imensos gramados. Todas as manhãs, eu e o brazilianist Patrick Hughes freqüentávamos a pista de jogging, em torno do reservatório. Três voltas, sem pausa – quase dez quilômetros de corrida. O vento acariciava os vidros do Metropolitan Museum, percorria a 5ª Avenida, levantava nuvens de folhas mortas na praça em frente ao Plaza. Às vezes, uma chuva gelada caía sobre a ilha de Manhattan, das Twin Towers ao Harlem, cobrindo o centro, Little Italy, Soho, Village, os teatros da Broadway, os néons de Times Square. O frio chegava depressa, especialmente nos descampados ou junto aos prédios intermináveis da Avenida das Américas. Morei quase um ano em Nova York, essa cidade mágica, feita de luzes e promessas. Meu contrato com a Rádio Canadá Internacional havia terminado. Eu já não era um announcer-producer da Seção Brasileira, no edifício da CBC, Dorchester Boulevard, em Montreal. Mudei-me para Nova York, onde me instalei num apartamento na Rua 61, entre Lexington e Park – o apartamento do meu cunhado, Antonio Carlos Braga, e da minha irmã Luiza Braga. Consegui o visto de permanência nos Estados Unidos como correspondente do jornal Versus, graças a uma carta do amigo e jornalista Marcos Faerman. Durante meses, escrevi eventuais matérias para a revista Visão, de São Paulo, e para o jornal O Diário, de Lisboa. Fiz umas poucas conferências, participei de debates e seminários, geralmente convocado pelos amigos Ralph Della Cava e Joan Dassin. Nas intermináveis horas de folga, corria no Central Park, andava pela cidade, ia às sessões duplas no Carnegie Hall Cinema (ao preço de 1 dólar e meio), visitava as livrarias, as lojas de departamento e o zoológico do Bronx. Usava muito o metrô e via televisão até tarde da noite.

Descobri então por que devemos amar Nova York, a grande capital mundial da diversidade e da modernidade, o presépio de todas as religiões, o templo de judeus e muçulmanos, católicos e protestantes, budistas e espíritas. Todos os caminhos levam as pessoas até lá. A cidade abriga santos e pecadores, ateus e agnósticos, crentes e descrentes. É parada obrigatória para quem pensa, observa, busca, compra, ri e respira. Nas ruas, esbarrei às vezes com mitos como Woody Allen, Glenn Close, Jack Lemmon, Candice Bergen, Norman Mailer, B. B. King e Tony Bennett – para citar uns poucos. São personagens que povoam aquele cenário de esperanças e desilusões, loucuras e deslumbramentos. Acima das lojas, dos restaurantes,

dos teatros, dos museus, dos cinemas, das igrejas, dos edifícios e das sinagogas, Nova York é uma grande paixão, o mais sofisticado castelo do século 20. Apesar disso, eu me sentia deprimido. Inútil. Resolvi voltar ao Brasil, depois de três anos de exílio. Estava disposto a correr os riscos do regresso. Peguei um avião para São Paulo, via Lima. Cheguei, fui recebido por agentes da Polícia Federal e pelo presidente do Sindicato de Jornalistas de São Paulo, o amigo Audálio Dantas. Não me detiveram, no aeroporto. Fui intimado a prestar depoimento, dias depois, na sede da PF. Isso aconteceu no dia 17 de outubro de 1978. RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Diretor da Representação da ABI em São Paulo, Diretor Cultural da UniFMU e Conselheiro da União Brasileira de Escritores.

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ELEIÇÕES

A “Era das Cidades” e a difícil “postura lobo” do jornalista POR PINHEIRO J ÚNIOR

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m tempo de eleição o jornalista fica profissionalmente mais em xeque. E não há escapatória para ele que tem de se equilibrar entre os abismos públicos da imparcialidade e do engajamento. Se ele for comentarista/colunista o equilíbrio entre esses dois abismos pode ser ainda mais precário. Como se sabe (ou se supõe) comentarista/colunista que se preza (ou é prezado por seu veículo), tem liberdade, ainda que frugal, de escrever e não escrever o que achar que é correto. Sem se eximir, é claro, da fidelidade corporativa. O bicho começa a pegar no exercício deste livre arbítrio condicional exatamente nesse processo de divinização “econômico-empresarial”. Vem de longa data, aliás, essa “santidade patronal”, como constatava jocosamente o célebre diretor dos Diários Associados, Manoel Gomes Maranhão – o Doutor Maranhão. Sacralização que Roberto Marinho –

Jornal da ABI ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha presidencia@abi.org.br / franciscoucha@gmail.com

o Doutor Roberto das Organizações Globo – transferia para o anunciante perante toda a Redação: – Sagrado em jornal, meu filho, só o anunciante. O Doutor Maranhão dizia do alto do quase metro e noventa de altura e ainda mais alta experiência como servidor do fundador e dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand – o Doutor Assis – que “mesmo em tempo de ditadura e de maldição das urnas, o jornalista que é jornalista mesmo, fica sempre numa posição de alcatéia quando há eleição”. Não importa se ele é “contra ou a favor ou muito antes pelo contrário”, como ironizavam os “patrulheiros

antimuristas”. E se a eleição for para prefeito e vereador – acrescentava o Doutor Maranhão –, “mais de olho o jornalista deve ficar ”. Essa posição o Doutor Maranhão chamava de “postura lobo”. E o sarcástico repórterpolítico Berilo Dantas, ao ouvi-lo na Redação de O Jornal, acrescentava a meia voz: – “Só se for postura loboguará”. Lembro essas hilárias definições ao pensar na dificuldade de repórteres e colunistas para vincular campanhas às necessidades básicas das cidades dos candidatos. E, ao mesmo

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn

Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo

CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer.

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges.

CONSELHO FISCAL 2011-2012 Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e Manolo Epelbaum.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: José Pereira da Silva (Pereirinha)

Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br

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Conselheiros Efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico (in memoriam), Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral.

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Conselheiros Suplentes 2012-2015 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro

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tempo, atender aos interesses de seus jornais-empresas. O alheamento dos candidatos e o noticiário dirigido foram sentidos de São Paulo ao Rio de Janeiro, de Belo Horizonte ao Recife, de Salvador a Niterói. Esta, uma pequena ex-capital reduzida ainda mais por uma ponte de 14 km sobre a Guanabara. E convertida em cidadebairro, ainda que sempre citada como a cidade de melhor qualidade de vida do Estado e uma das melhores do País. Invejável posição soterrada pela catástrofe do Morro do Bumba com 267 mortos sob o temporal de abril de 2010. Mas Niterói continua o retrato político-social mais fácil e ao gosto da mídia como paradigmático exemplo de que não basta mudar só a paisagem e a estética urbana. É preciso subir à superfície dos problemas, como demonstrou a passada administração do agora quase ex-prefeito. É só visitar Niterói e olhar em volta. Ver a beleza do Mac, imaginar o futurismo brasiliano do Caminho Niemeyer, considerar as ruas aceitavelmente arborizadas, algumas até floridas, os belos edifícios residenciais dos tempos em que a cidade parecia feliz e até sabia disso. Mas o olhar ou “postura lobo” aconselhado pelo Doutor Maranhão nos conduz também ao que Niterói não tem. Nunca teve. Niterói – como quase todas as cidades

Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Continentino Porto, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Jordan Amora, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Rogério Marques Gomes e e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros Suplentes 2011-2014 Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães. Conselheiros Suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Carlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antônio Mendes de Miranda. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Presidente, Mário Augusto Jakobskind; Secretário, Arcírio Gouvêa Neto; Alcyr Cavalcânti, Antônio Carlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Ernesto Vianna, Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Lucy Mary Carneiro, Luiz Carlos Azêdo, Maria Cecília Ribas Carneiro, Martha Arruda de Paiva, Miro Lopes, Orpheu Santos Salles, Sérgio Caldieri e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra. REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS José Mendonça (Presidente de Honra), José Eustáquio de Oliveira (Diretor),Carla Kreefft, Dídimo Paiva, Durval Guimarães, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, José Bento Teixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Márcia Cruz e Rogério Faria Tavares.

JORNAL DA ABI • NOVEMBRO 2012 O 384 JORNAL DA ABIDENÃO ADOTA AS REGRAS DO A CORDO O RTOGRÁFICO DOS P AÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA , COMO ADMITE O DECRETO N º 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.


MUNIR AHMED

brasileiras – não tem satisfatórias escolas públicas municipais. Porque precisa de professores bem formados, pagos condignamente. Que não deixem seus alunos sem aula. Precisa – com a mesma urgência! – de hospitais municipais realmente dotados de instalações e corpo médico capazes de atender aos doentes inclusive necessitados de socorro urgente. Precisa também de infra-estrutura urbana com mais esgoto, mais rua pavimentada e calçada que não seja a conhecida armadilha esburacada. E precisa de uma administração desemperrada para responder às necessidades rotuladas de burocráticas. Dirão os jorgistas de plantão –, adeptos do prefeito pedetista Jorge Roberto Silveira que passa a cadeira para o meio-aliado petista Rodrigo Neves –, dirão eles que estes são problemas dependentes quase todos de ajuda do Estado e da União. Exceção para a máquina burocrática municipal que é “cosa nostra”.

N

iterói é apenas um dos 5.565 municípios brasileiros onde o povo celebrou nas urnas a esperança de uma democracia urbana menos desigual. É também uma das 50 cidades que foram ao segundo turno na escolha do que lhes pareceu melhor para confiar sua administração nos próximos quatro anos. Não houve porém uma celebração de sonhos para o futuro. O que houve nitidamente foi a afirmação de esperanças para o presente que começa com o resultado das urnas. Talvez por isso, por essa afirmação evidente na construção de um “país de classe média” e de cidades obviamente idem –, com a força de Lula e Dilma –, o PT foi o partido que mais conquistou votos nesta eleição. “Para o bem de todos”, no dizer do novo prefeito paulistano Fernando Haddad, o PT vai governar no País 27 milhões de eleitores em números redondos, segundo o TSE. São 7 milhões a mais do que há quatro anos quando São Paulo optou mais uma vez pela administração do PSDB. Publicidade do TSE na tv ressaltou também que esta “foi a eleição da ficha limpa”. Nota oficial do PT garantiu porém que “o mensalão não afetou o resultado das urnas”, deixando mais ou menos implícito que, apesar da agenda no STF, foram as eleições que acabaram roubando o “brilho midiático do julgamento”. Ilações que nos conduzem aos orçamentos anuais agora à disposição dos prefeitos petistas. E que, segundo ainda o TSE, somam algo em torno de R$ 77, 7 bilhões. São números oficiais significativos. Significando primeiro que, se o País como um todo vem sacudindo a pobreza, mesmo as cidades mais prósperas e dispondo de tanto dinheiro parecem se afundar na estagnação. E no estrangulamento. Há

quem garanta que o estrangulamento seria em grande parte consequência do próprio crescimento nacional proporcionando mais consumo imediato, notadamente de bens duráveis como o automóvel. Esse igualitarismo crescente desencadearia então inevitáveis emergências urbanas. Mas o certo é que prefeitos e vereadores de todos os matizes subestimaram até mesmo a mais comezinha das cotidianas necessidades relacionadas com a fluidez do trânsito. Ônibus e carros, motos e bicicletas destinados ao direito de trabalhar e à liberdade de ir e vir são vítimas e algozes, juntos e misturados, da anarquia provocada pelo excesso de veículos em vias inadequadas. E vice-versa. Até a vitalidade da caminhada a pé pelas ruas parece exercício cerceado pelo caos de vergonhosas imoralidades como o tão badalado e adiado mergulhão da Marquês do Paraná em Niterói, para citar apenas um exemplo menor da nacional desenvoltura com que empreiteiras contratadas paralisam e adiam obras sob contrato.

Meteram as cidades no garrote vil da insegurança. Postergaram, anos a fio, não apenas a especialização das polícias, mas também a óbvia prevenção da criminalidade que cresce venenosamente onde há reduzidas perspectivas de boa saúde, de habitação civilizada, de mobilidade urbana e de oportunidades escolares e profissionais. São dramas e tragédias cercadas, todos os lados, por exorbitantes taxas e impostos revertidos à população com tal exiguidade e duvidosa transparência que parecem esconder mistérios e segredos inconfessados. Dos escandalosos IPTUs às iníquas taxas de água e tarifas de energia elétrica cobradas por empresas privatizadas que não conseguem vencer a inércia do lucro fácil, tudo parece denunciar pedágios com destino ao enriquecimento fácil. Assim pintado, o clima parece envolto em desesperadora insensibilidade. Como se as cidades brasileiras estivessem já perdendo a nave do momento, correndo atrasadas do que seria o advento de um sucedâneo da era industrial - a “era das cidades” – prognosticado pela agência Habita da Onu. Uma nova era que começaria a comandar a economia do Planeta tal qual a era industrial. E que no Brasil teria entraves assustadores como vemos. Economistas e cientistas

políticos não têm dúvidas de que os engarrafamentos, a favelização dos subúrbios, o racionamento de praças e parques verdes, a poluição dos ônibus e carros de passeio em excesso nas áreas metropolitanas e a escassez de transporte de massa, como trens e metrôs, machucam não apenas o cidadão reduzindo ganhos honestos e aumentando doenças graves, derrubando o próprio desenvolvimento econômico nacional, cidade após cidade, massacrando em cascatas a capacidade de o País crescer. Por consequência, adiando indefinidamente a prosperidade ensejada com o crescimento urbano. Crescimento que, em 2050, alcançaria 70% da população mundial. Não obstante, a fórmula de salvação apontada pela Onu parece simples. Prioritariamente, necessário se faz a concentração de vontade política e recursos econômicos bem empregados no socorro às cidades assim libertadas das cadeias e barreiras seqüestradoras da produtividade das empresas e da eficiência de trabalhadores. Surgem porém as primeiras luzes no fim do tortuoso e estreito túnel urbano. Independentemente das obras em curso exigidas pelas olimpíadas e copas do mundo – tudo tão minuciosa e criticamente divulgado como um salto para o futuro-presente –, o novo Plano Nacional de Educação (PNDE) acaba de sair conclusivamente da Câmara Federal para o Senado, seguindo após para sanção da Presidente Dilma. O PNDE prevê orçamentos em dobro para a educação pública. Vai priorizar estados e municípios no ato de “gastar mais e gastar bem” sob salvaguardas legais. Na frente dos melhores exemplos europeus e asiáticos, o Brasil poderá conquistar a liderança dos países que mais investem em escolas e formação de professores e demais profissionais do ensino de todos os níveis. Dos 5,1% do PIB atuais, saltaríamos para 10% até 2022 com financiamento de 50% dos recursos do pré-sal. Royalties incluídos. O estudo “Cidade: mobilidade, habitação e escala” divulgado em outubro último pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) acompanha a constatação da Onu de que a “era das cidades” já começou. Mas o Brasil precisa se dar conta das premências urbanas. Lembra a CNI que “no século XIX foi a proximidade das indústrias com fontes energéticas e de matérias-primas que impulsionou as atividades econômicas; agora o bom ambiente urbano como um todo é que determina o crescimento econômico do País”. Como dizia Victor Hugo ainda na era industrial, “abrir escolas é fechar presídios”, é salvar as cidades para o bem. José Alves Pinheiro Júnior é jornalista e membro do Conselho Deliberativo da ABI.

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ACONTECEU NA ABI FOTOS: CARLOS DI PAOLA

Dias Gomes relembrado com carinho e música O ator Tony Ramos fez comovido depoimento sobre o autor de O Bem Amado na cerimônia, coroada com belo recital, com que a ABI festejou os 90 anos de Dias. P OR C LÁUDIA S OUZA

Um comovido depoimento do ator Tony Ramos e um recital da Camerata Dias Gomes marcaram a cerimônia com que a ABI homenageou em 19 de outubro os 90 anos de Dias Gomes, a qual contou com a presença de amigos, companheiros de trabalho e admiradores do autor de O Bem Amado e outras importantes novelas apresentadas pela televisão. Além de Tony Ramos, a cerimônia, realizada no Auditório Oscar Guanabarino, no nono andar do edifício contou com a presença da atriz Rosamaria Murtinho, do cenógrafo José Dias, do poeta Ferreira Gullar, do jornalista, escritor e acadêmico Ivan Junqueira, representando a Academia Brasileira de Letras, entre outros. A coordenação do evento, cuja abertura foi feita pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, foi de Denise Emmer, filha do homenageado e criadora da Camerata Dias Gomes, que o homenageia. O ator Sergio Fonta, mestre de cerimônia do evento, iniciou a solenidade aplaudindo a vida e a obra de Dias Gomes como um dos principais nomes da dramaturgia brasileira do século 20, autor de 33 peças teatrais, oito romances, 14 novelas, um filme, cinco minisséries e três seriados. “Esta cerimônia será informal, como Dias Gomes gostaria que fosse, com breves depoimentos de amigos e encerramento musical. Emiliano Queiróz, Edney Giovenazzi, na platéia, e vários amigos queridos de Dias Gomes vão falar sobre Dias Gomes. Se ele estivesse entre nós, os 90 anos de idade seriam comemorados com muita festa e alegria. Mas esta energia existe aqui e agora. Dias Gomes está conosco”, disse Sérgio Fonta. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, abriu a cerimônia saudando a platéia e os convidados: “A Associação Brasileira de Imprensa sente-se homenageada pela família de Dias Gomes pela oportunidade que oferece a esta Casa da Liberdade de prestar as homenagens que se devem a esta figura extraordinária do teatro, da televisão e da cultura brasileira que foi Dias Gomes. Ficamos muito confortados com esta possibilidade e consideramos que os convidados que prestarão depoimento sobre a trajetória de Dias Gomes vão enriquecer os motivos da nossa admiração por este grande brasileiro, de saudosa memória.” 12

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rio ter algum conhecimento, inclusive Em seguida, Sergio Fonta acentuou a para fazer a letra do samba-enredo. A relevância de Dias Gomes no cenário da música foi composta por Silas de Oliveicultura nacional: ra, grande compositor do Império Serra“Tive a honra de suceder à vaga de no. Quando voltei do exílio, o jornalisDias Gomes no Pen Clube do Brasil e ta Mário Gazzaneo, que nos deixou pude constatar a sua força popular, já corecentemente, me ligou e disse que tinhecida de todos, através de suas criações nha um recado do Dias Gomes para que no teatro e na tv, quando, em 18 de maio eu fosse trabalhar com ele na tv. Ele de 1999, o cortejo fúnebre saiu do Petit achou que eu estava chegando do exílio Trianon, da Academia Brasileira de Letras e não tinha emprego. Esse era o Dias!” para o seu enterro no Cemitério São João Batista. Era impressionante a comoHipocrisia ção popular. Em todas as ruas irrompiam Gullar lembrou que Dias Gomes inaplausos, lenços brancos surgiam nas jasistiu para que ele aceitasse a função e se nelas dos prédios. Na Rua São Clemencomprometeu a ensinar a rotina do trate, o funcionário de uma loja escreveu balho em televisão: “Eu nunca tinha esem uma caixa de sapatos: ‘Viva Dias crito telenovelas, mas ele me ajudou Gomes!’. Com simplicidade e precisão, muito. Dias Gomes é o melhor teledraaquele humilde funcionário expressava maturgo brasileiro. Atualmente há bons a voz do povo. Este mesmo povo para o autores, mas nada no nível dele e com o qual Dias Gomes escreveu a vida inteira, seu humor. Para escrever a peça O Berço sozinho ou com parceiros, e um deles de Herói, por exemplo, ele partiu da hisestá aqui, o poeta e dramaturgo Ferreira tória de uma cidade do interior invadida Gullar, que trabalhou com Dias Gomes por bandoleiros que tentaram saquear a em peças, novelas e minisséries.” igreja, mas o sacristão resistiu, foi morGullar iniciou a sua intervenção reto, virou estátua e alavancou a região cordando a parceria com Dias Gomes no como centro de turismo. Até o dia em que trabalho e na vida: o sacristão apareceu vivo e decidiram “Tenho a honra de participar desta matá-lo. Com isso, Dias Gomes estava homenagem a Dias Gomes, um dos maidenunciando a hipocrisia da sociedade ores amigos que tive em minha vida e que vive a partir de uma mentira”. um dos melhores dramaturgos do teaA parceria no trabalho se estendeu aos tro moderno brasileiro. Ele criou muimomentos de convivência íntima, enfatos personagens que ainda estão vivos e tizou Gullar: “Nos momentos de difiexpressões que ficaram na boca do povo. culdade, Dias Gomes esteContudo, não existe rua ve sempre presente. Ele me ou teatro com o nome IAS OMES É dava a alegria de me consuldele. Em uma reunião na O MELHOR tar em alguns acontecimenPrefeitura com a classe teatral, comentei este fato TELEDRAMATURGO tos de sua vida, pois acreditava que eu tinha uma cere se fez um silêncio absoBRASILEIRO ta sensatez que lhe faltava. luto, como se eu tivesse TUALMENTE HÁ Ele gostava muito de conpedido alguma coisa inversar comigo. Infelizmenconveniente.” BONS AUTORES te, Dias Gomes morreu de A amizade entre Gullar e MAS NADA NO uma forma absolutamente Dias Gomes se fortaleceu NÍVEL DELE E COM injusta, fruto do acaso, um após o golpe militar de 1964, dos fatores fundamentais da com o fim da Une-CPC e a O SEU HUMOR vida. Quero neste momencriação do Grupo Opinião to prestar uma homenagem a este grande por Ferreira Gullar, Oduvaldo Vianna Fiamigo, meu grande irmão”. lho, Armando Costa, Paulo Pontes, Teresa Na seqüência, o ator Sérgio Fonta Aragão, entre outros. passou a palavra ao jornalista e escritor “Foi no Teatro Opinião que me aproIvan Junqueira, membro da Academia ximei mais de Dias Gomes, quando ele Brasileira de Letras. me convidou para escrever a peça cuja “Estou aqui a convite da musicista e idéia era contar a história de Getúlio poeta Denise Emmer, filha de Dias Goatravés do enredo de uma escola de sammes, e por delegação da Presidente da ba, uma coisa muito original e fascinante. Academia Brasileira de Letras, a escritoEle me chamou porque eu estava envolra Ana Maria Machado. Ao contrário dos vido com escolas de samba e era necessá-

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Tony Ramos: Interpretar Zé do Burro foi uma emoção para toda a minha vida.

outros depoentes desta noite, eu queria dizer que só estive com Dias Gomes pessoalmente duas vezes. A primeira vez em 1989, na Bienal do Livro de Paris. Em 1999, infelizmente, o ano de sua morte, fui à casa dele conversar sobre a possibilidade do meu ingresso na ABL. Não sou a pessoa mais apropriada para falar sobre ele, mas quero atestar que a contribuição de Dias Gomes para a dramaturgia brasileira é fundamental. Antes do teatro, Dias Gomes fez muitos trabalhos para rádio, onde inclusive conheceu aquela que seria sua mulher, Janete Clair.” O grande sucesso de Dias Gomes, disse Junqueira, veio com a peça O Pagador de Promessas, que virou filme e conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. “Acho que a glória nacional de Dias Gomes começou a partir desta peça. Depois vieram muitas outras, inclusive adaptadas para a tv. Como lembrou Ferreira Gullar, eu diria que Dias Gomes é o maior teledramaturgo até a presente data. Lembro de O Pagador de Promessas, Roque Santeiro, adaptação de O Berço de Herói, Bandeira 2, e a peça na qual Dias Gomes introduziu o realismo fantástico na dramaturgia brasileira, que é Saramandaia. Quem não se lembra ainda de Odorico Paraguaçu e da Viúva Porcina? Lamento a forma abrupta pela qual Dias Gomes foi arrancado do nosso convívio em 18 de maio de 1999, e o pouco tempo que os confrades da Academia tiveram para conviver com este extraordinário autor brasileiro.” Diálogo Referência na cenografia brasileira, José Dias subiu ao palco da ABI para falar sobre os laços de amizade e profissional que o uniram ao homenageado: “É uma grande honra estar aqui nesta data. Acho que o xará, como eu e Dias Gomes nos tratávamos, gostaria de ver muita alegria nesta noite de confraterni-


turgo, a atriz Rosamaria Murtinho deszação. Meu início de contato com Dias tacou a postura ideológica de Dia Gomes: foi quando comecei a fazer a novela Sa“A peça “Pé de Cabra” foi proibida pelo ramandaia, mas como estudante de teEstado Novo porque o texto foi consideatro e de arquitetura, eu já conhecia a rado marxista. Existe uma história que obra dele. Depois da novela Gabriela, na diz que Dias Gomes foi qual trabalhei como assisacusado de marxista, mas tente, entraria no ar Roque IAS OMES Santeiro, baseada na peça O TINHA O TALENTO não sabia exatamente o que isso significava. QuanBerço de Herói, que tinha DE DRAMATURGO do leu sobre o assunto, consido proibida na década de cordou com a teoria e in70. Como o telefone de E DE DIRETOR gressou nos quadros do ParDias Gomes estava gramPOIS O ROTEIRO tido Comunista Brasileiro. peado, ele não pôde contiDELE INDICAVA Ele sempre teve essa preonuar a escrever Roque Sancupação social. Eu fui apreteiro e substituiu o texto ATÉ OS PLANOS sentada ao Dias Gomes por por Saramandaia.” Janete Clair e freqüentei muito a casa Neste novo projeto, José Dias descodeles. Praticamente criamos nossos filhos briu o realismo fantástico e, juntamenjuntos. Meu filho que é músico, João te com toda a equipe, se emocionou com Paulo, tocava muito com Guilherme e a obra do dramaturgo: com Alfredo, filhos de Dias. Eles viviam “Logo depois deste primeiro contato lá em casa. Lembro-me das festas que o ele me convidou para fazer um trabalho casal oferecia, como os réveillons. Todos em São Paulo, que foi Campeões do Munaqui já falaram muita coisa sobre o trabado, peça que já tinha estreado no Rio de lho de Dias Gomes e seu texto sempre Janeiro, no Teatro Vila-Lobos. Após a esfranco, lúcido e com muito bom humor. tréia, nos encontramos no avião e ficaParticipei da novela O Espigão, de 1974, mos conversando. Surgiu, então, o convite para eu assumir a cenografia de O Bem Amado. Costumávamos acertar todos os detalhes do trabalho em sua residência na Lagoa e na casa da Barra da Tijuca. Dias Gomes tinha o talento de dramaturgo e de diretor, pois o roteiro dele indicava até os planos. Dialogávamos muito também sobre o espaço cênico.” A partir dessa experiência, José Dias ampliou a visão em relação ao teatro, pois até então só trabalhara com o realismo: “Antes do contato com Dias Gomes, eu trabalhava com a concepção plástica onde o ator representava, mas descobri que o importante no teatro não era a cenografia, mas sim a palavra. Passei, então, a sintetizar a cena. Em seguida, fizemos vários trabalhos juntos: As Primícias, Campeões do Mundo, Meu Reino por um Cavalo, um contato muito fértil que é muito atual, pois já tinha a preocuem relação ao diálogo. Ele era como um pação com o crescimento urbano desorpai para mim. Em 2009, lancei o livro denado e denunciava a demolição de conOdorico Paraguaçu, o Bem-amado de Dias juntos históricos e paisagísticos.” Gomes, no qual eu conto toda a trajetória desde a primeira montagem da peça Imortal no Teatro de Amadores de Pernambuco.” Intérprete do personagem Zé do BurSegundo José Dias, O Bem Amado foi ro na peça O Pagador de Promessas, marescrita em 1962, encomendada pelo TBC, co do cinema e do teatro nacional, o ator por Flávio Rangel. O texto foi publicado na Tony Ramos salientou a influência da revista Cláudia, e Benjamin Cattan, da obra de Dias Gomes em sua trajetória TV de Vanguarda, gravou o espetáculo. O profissional: primeiro ator a interpretar o papel de Odo“Nos emocionamos aqui com as recorrico Paraguaçu foi Rolando Boldrin. dações sobre o cotidiano de Dias, do hoDias considera que a cultura nacional mem, do pensador, do criador. Não conviestá em dívida com o dramaturgo: vi intimamente com ele, mas compartilha“Não existe nenhum teatro com o mos uma amizade verdadeira, aquela na nome de Dias Gomes. O Teatro Serrador, qual não precisamos nos falar todos os dias por exemplo, foi o primeiro a encenar para saber o valor do sentimento. A amizauma peça dele. Chamava-se Pé de Cabra, de efetiva é aquela que brota a cada momene ele tinha apenas 19 anos. Dias escreveu to em que revemos os nossos amigos. Era asa primeira peça aos nove anos de idade. sim a minha convivência com Dias. Como Deixo aqui um apelo às autoridades para muitos aqui, tive a oportunidade de visitáque reflitam sobre a homenagem a Dias lo em sua casa em jantares e comemorações, Gomes nos futuros projetos culturais. As estréias ou encerramento de novelas”. novas gerações precisam conhecer esta Em 1978, o diretor Flávio Rangel e Dias magnífica obra.” Gomes convidaram Tony Ramos para um Representando dezenas de atores que trabalho conjunto: imortalizaram personagens do drama-

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“Fui chamado para fazer o Zé do Burro, imortal criação do nosso grande ator Leonardo Villar. Fiquei embasbacado com o convite porque aquela obra é revestida de imortalidade. Eles me tranqüilizaram e incentivaram a minha participação no ano em que se comemoravam 20 anos da primeira montagem do espetáculo. O respeito, o cuidado e o zelo, não a reverência e o medo, por uma obra que já tinha demonstrado a sua imensa força, fazem parte do meu modo de pensar. Quem não gostaria de fazer o Zé do Burro, que denuncia a intolerância, a péssima divisão de renda, o descaso com tantos necessitados deste País? Entrei naquele palco com a energia renovada na minha carreira. Naquele momento eu já tinha 10 anos de profissão”. Na cena clássica em que Zé do Burro se precipita com a cruz contra a porta da igreja, a cruz cenográfica se partiu e Tony Ramos encontrou uma solução que não afetaria a dinâmica e a profundidade do texto: “Naquele momento um silêncio profundo tomou conta da platéia e dos ato-

nho de um mundo melhor. A homenagem ao meu saudoso pai não seria completa não fossem os significativos e afetivos depoimentos do poeta Ferreira Gullar, do poeta Ivan Junqueira, representando a ABL, do cenógrafo José Dias, dos atores queridos Tony Ramos e Rosamaria Murtinho. Agradeço a presença de minha família, amigos e especialmente ao público que veio prestigiar este momento de justa lembrança ao escritor cuja obra ficará eternamente na memória popular.” Denise lembrou as últimas palavras que ouviu do pai antes do acidente que o vitimou e o incentivo que ele sempre deu à sua carreira musical: “Em 1999, eu estava cursando o primeiro período da graduação de violoncelo no Conservatório Brasileiro de Música, quando assisti a um concerto de um grande violoncelista russo. Ao final da apresentação, pedi um autógrafo, e o músico me deu um abraço e escreveu o meu nome em russo. Cheguei em casa eufórica e telefonei para papai. Ele achou muita graça e me disse: “Minha filha, nunca

Edney Giovenazzi e Emiliano Queiroz (à esquerda) e José Dias: saudades de Dias Gomes.

res em cena. Com voz baixa pedi aos companheiros de cena que me carregassem em forma de cruz. Isto feito, a platéia irrompeu em aplausos. Lembro da expressão emocionada de Dias Gomes. Foi uma emoção para toda a minha vida. Há 45 anos perdi um querido primo. O padre que encomendou o corpo era da Costa do Marfim e disse que na cultura dele a morte é um momento de celebração. É com este espírito que eu gostaria de recordar Dias Gomes. Vamos remontar Saramandaia na tv no ano que vem, uma boa oportunidade para ativarmos as lembranças de Dias Gomes pela sua determinação, ousadia e criatividade”. A fala de Denise Antes do início da apresentação da Camerata Dias Gomes, Denise Emmer agradeceu a participação de todos na homenagem ao pai. “Ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, a minha gratidão pela carinhosa acolhida nesta Casa, palco de inúmeras manifestações, algumas com a presença atuante de meu pai. Manifestações em prol da liberdade, pela justiça, a ética e o so-

pare de tocar o seu violoncelo. Ele será o seu grande amigo para sempre”. Aquelas foram as últimas palavras que ouvi de meu pai. Uma semana depois, ele partiria deste mundo num átimo de tempo, vítima de um acidente de carro. Segui o seu conselho e último pedido. Com isso, presto a homenagem que me cabe em forma de música. Como foi dito aqui, não existe nome de rua e de teatro, mas dei o nome de meu pai a uma orquestra, a Camerata Dias Gomes.” O recital O ato foi encerrado com a apresentação, muito aplaudida, dos músicos Alexei Henriques e Milena Da Matta( violino I), Ivan Scheimar e Rodolpho Ennser (violino II), Luciano de Castro e Elza Marins(viola), Denise Emmer e Luciano Corrêa(violoncelo), Fábio Bezerra da Silva (contrabaixo) e Catherine Henriques (teclado), com o seguinte repertório: J.S Bach, Concerto de Brandenburg n. 3 – Allegro – Adágio – Allegro Assai; Chiquinha Gonzaga, Gaúcho; Ernesto Nazareth, Odeon; Heitor Vila-Lobos, O Trenzinho Caipira (arranjo Álvaro Carrielo).

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ACONTECEU NA ABI

Alunos de São Carlos visitam a Casa Cerca de 60 alunos do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em São Carlos-IAU-Usp percorreram o prédio da ABI, com o objetivo de conhecer o trabalho dos irmãos Roberto e a obra que representa um marco na arquitetura moderna brasileira. A visita, no dia 23 de outubro, foi coordenada pela Professora Doutora Eulália Negrelos, que ministra a disciplina Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo no Brasil II; pela doutoranda do IAU Adriana Almeida, que realiza estágio no Programa de Aperfeiçoamento de Ensino, junto à mesma disciplina; e pelo Professor Marcelo Suzuki, responsável pela cadeira Projeto II. O grupo reunia 52 alunos do segundo ano do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo do IAU-Usp São Carlos e nove alunos intercambistas. Essa atividade acadêmica, que se aplica a todas as disciplinas do segundo ano letivo, é realizada anualmente pela universidade. “O Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, seguindo o seu projeto político-pedagógico, realiza a cada ano uma série de viagens didáticas a sítios urbanos, conjuntos e cidades especificamente referidos aos conteúdos programáticos de suas diversas disciplinas, em função do entendimento da importância dessas viagens para a formação e a cultura do arquiteto. Buscamos consolidar a atividade como ocasiões singulares de integração horizontal entre disciplinas ministradas em um mesmo ano”, explicou Eulália Negrelos. O roteiro das viagens inclui, em geral, São Paulo, Ouro Preto, Mariana, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Guaratiba e Niterói, Brasília, Curitiba e Porto Alegre. “O prédio da ABI, construído nos anos 1930 pelos arquitetos Marcelo e Milton Roberto, distingue-se como um dos primeiros edifícios de linguagem moderna construídos no Brasil. É um dos primeiros exemplares em que aparecem os chamados brisessoleil, dispositivos de controle da incidência direta da radiação solar nos interiores de uma edificação e que vieram caracterizar um dos aspectos do que se convencionou chamar de arquitetura moderna brasileira. O edifício está inserido em um conjunto de edificações que serão visitadas no Rio de Janeiro. Além disso, a organização de todos os pavimentos, sobretudo o do anfiteatro, nos interessa pela articulação entre arquitetura e soluções da engenharia”, destacou Eulália Negrelos. Disse a Professora Eulália que a proposta da viagem possibilita a integração das disciplinas de uma forma mais ágil e proporciona aos alunos, por meio de insumos pontuais e de curta duração, a compreensão de temas e questões emergentes e de relevância relacionadas à Arquitetura e aos campos de conhecimento afins. “No caso específico da visita ao edifício da ABI, além da observação direta do prédio e da maior possibilidade de compreen14

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CLÁUDIA SOUZA

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são da concepção projetual do mesmo, há o grande interesse pelo seu valor histórico e arquitetônico, sendo um dos primeiros exemplares da arquitetura moderna no País. Serão realizados ainda exercícios de observação de alguns pontos específicos da cidade do Rio de Janeiro, no caso o Aterro do Flamengo. No retorno à universidade, os alunos vão desenvolver painéis e um caderno de croquis sobre a viagem”, afirmou Eulália Negrelos. Acervo impressiona

Além dos aspectos estruturais e arquitetônicos da ABI, o acervo fotográfico da entidade também chamou a atenção dos visitantes, como Bruna Franco. “Gostei muito do acervo fotográfico da ABI. Destaco também o pé-direito alto, os brises e a solução arquitetônica que não é percebida quando vista de fora. É surpreendente esta relação”, disse Bruna. O estudante Caio Rodrigues também ressaltou o acervo de imagens da ABI e os espaços de lazer da entidade. “O mezzanino localizado no 9º andar é muito interessante. A galeria de fotos antigas expostas no local nos remete ao passado histórico da ABI. Fiquei imaginando como deve ter sido a movimentação no local e também no salão de jogos abrigado no 11º andar”, disse ele. Detalhes sobre área externa do prédio da ABI foram destacados pela estudante Caroline Niitsu: “Fiquei impressionada com a relação do edifício e a rua no térreo. A concepção do projeto não interrompe o fluxo da rua. Além disso, os brises controlam de forma importante a edificação”. A Professora Eulália comentou a influência do arquiteto francês Alfred Agache, autor do projeto de um plano diretor para

o Rio de Janeiro. O Plano Agache se dedicou especialmente ao Centro do Rio, com ênfase na engenharia urbana, no tráfego e no saneamento. Concebia a aglomeração urbana como um organismo humano: “A localização do prédio da ABI, cuja construção é anterior ao Palácio Capanema, se destaca pela utilização do para-sol, pelo auditório que apresenta magnífica estrutura e se abre para uma solução importante com o vão do pé-direito duplo e o vão livre. Em relação ao térreo, o projeto dos irmãos Roberto se adequou ao Plano Diretor de Alfred Agache, que trabalha com o pátio interno. A arquitetura

moderna que veio depois não tem o pátio, vem com o bloco.” Questão-chave

Ao final da visita, o grupo seguiu em direção ao Palácio Capanema. “A ida ao prédio da ABI é sempre realizada em conjunto com a visitação ao Palácio Capanema. Isto se deve em razão da importância deste conjunto arquitetônico de linguagem moderna na conformação urbana do Centro do Rio de Janeiro, uma das questões-chave da relação entre arquitetura e cidade”, frisou Eulália Negrelos.

Uma sede para espanhol ver Durante cerca de duas horas, no dia 26 de outubro, os arquitetos espanhóis Maria Palencia, Andrés Velarde, formados pela Universidade de Madri, e Maria Ribes, graduada pela Universidade de Barcelona, percorreram vários pavimentos do Edifício Herbert Moses, sede da ABI, cujos detalhes arquitetônicos eles conferiam com um compêndio editado no exterior que exalta aspectos de edificações da arquitetura moderna do Rio de Janeiro, entre as quais a sede da Casa. Andrés e as duas Marias moram no Rio, onde se radicaram no bairro de Santa Teresa, e se impressionaram com numerosos aspectos do Edifício Herbert Moses, como o brise-soleil da fachada, de que tiraram várias fotografias de diferentes ângulos. Eles revelaram certa decepção ao saber que o jardim projetado por Rober-

to Burle Marx para o terraço do 13º andar do prédio não mais existe, em razão do forte sol do Rio de Janeiro. No compêndio que consultavam, esse jardim era uma das principais referências. Impressionaram-se os visitantes também com as colunas de sustentação da edificação, que tem 15 pavimentos, incluídos dois de serviços, e as formas diferentes com que foram projetados. No 6º andar, por exemplo, os pilares são redondos ou de forma ligeiramente sextavada, o que lhes pareceu uma solução singular. Eles revelaram interesse também em conhecer mais informações sobre os arquitetos Milton e Marcelo Roberto, que projetaram o prédio na segunda metade dos anos 30, quando eram muito jovens. Um funcionário da ABI, Marcelo Farias, atuou como cicerone dos visitantes.


IMPRENSA

Um novembro de baixas O fechamento do Jornal da Tarde, do Marca Brasil e do Diário do Povo evidencia o cenário de dificuldades dos jornais impressos no Brasil. DOMINIQUE TORQUATO / AAN

P OR P AULO C HICO

Novembro é o mês do florescimento, plena primavera. No entanto, para o segmento dos jornais impressos no Brasil o mês que passou foi de encolhimento. Secaram as folhas de três importantes publicações regionais, conhecidas nacionalmente. O 1º de novembro deixou órfãos os leitores do respeitado Jornal da Tarde, do Grupo Estado, cuja última edição chegou às bancas em 31 de outubro. Em 4 de novembro, deixou de circular o tradicional Diário do Povo, do Grupo RAC, de Campinas. Já no dia 8 de novembro foram encerradas as atividades do esportivo Marca Brasil, editado no Rio e em São Paulo pelo grupo Empresa Jornalística Econômico S/A-Ejesa, sob licenciamento da empresa espanhola Unidad Editorial. Um cenário preocupante. Mas o que explica esse processo? “O Diário do Povo não fechou, apenas mudou de plataforma. Ele deixou de circular no papel e migrou para seu site na internet – diariodopovo.com.br – mantendo suas principais características editoriais. O site do Diário engrossa o movimento do Grupo RAC pela valorização de seus produtos na web – em outubro, foram reformulados completamente o portal RAC e o site do Correio Popular, além do lançamento da versão digital da revista Metrópole, que circula aos domingos encartada no Correio. O Diário do Povo, que foi comprado em 1996 pelo Correio, acabou ‘ensanduichado’ entre o clássico Correio Popular e o popular Notícia Já, lançado em 2007 e que faz um tremendo sucesso nas bancas. Com a queda de circulação do Diário – sua tiragem oscilava por volta de 3,5 mil exemplares/dia –, a empresa decidiu concentrar esforços nos seus dois principais produtos impressos e apostar num futuro mais promissor para ele na nova plataforma”, contou Nelson Homem de Melo, diretor do Grupo RAC, ao Jornal da ABI. Além das lamentações naturais pelo fechamento dos jornais, resta a preocupação em relação ao destino dos profissionais que atuavam nesses veículos. “O Diário do Povo impresso tinha uma característica diferente das Redações tradicionais. Não existia nenhum jornalista dedicado exclusivamente a ele. As editorias do Grupo RAC produzem conteúdo que pode ser compartilhado por todos os seus veículos, incluindo a edição dos jornais campineiros. A alimentação do novo site continuará sendo feita através desse sistema. O fechamento da edição impressa do Diário, portanto, nada tem a ver com questões conjunturais e acredito que o mesmo tenha acontecido com o Jornal da Tarde, em São Paulo. Foi uma conseqüência de suas próprias trajetórias. O Diário marcou época em Campinas,

Nelson Homem de Melo: “O Diário do Povo não fechou, apenas mudou de plataforma”.

Dois jornais e um destino: agradecer São Paulo na última edição.

assim como o Jornal da Tarde o fez em São Paulo, mas há muito não eram mais o que foram. Aquele Jornal da Tarde e aquele Diário do Povo já tinham deixado de existir há anos. Infelizmente”, analisa Homem de Melo. JT: ascensão e queda

Publicado pela primeira vez no ano de 1966, o Jornal da Tarde representou uma série de inovações em relação ao sisudo O Estado de S.Paulo. Apostava numa linguagem gráfica inovadora, claramente contrastando com o visual quase padronizado dos jornais da época. Os repórteres eram encorajados a escrever textos mais próximos do estilo literário, inclusive na reportagem policial, com narração semelhante a um romance policial. A juventude da Redação do JT era evidenciada pela diferença em relação à Redação do Estado. Em 1990, o JT teve seu melhor ano no mercado. Sua tiragem oscilava entre 120 mil (às terças, quintas, sextas e sábados) e 190 mil (às segundas e quartas). Nos últimos tempos, circulava com média pouco superior a 30 mil exemplares. “Tentamos de todos os modos revitalizar o Jornal da Tarde antes de tomar a decisão empresarial de encerrar as atividades”, declarou ao Comunique-se o Presidente do Grupo Estado, Francisco Mesquita Neto. Segundo o executivo, o processo de incorporação do JT pelo Estadão vem acontecendo desde 2010. “Sendo assim, os leitores do JT – que nos últimos anos se aproximaram do universo de leitores do Estadão – já podem perceber esta proximidade”, explicou. Questionado quanto aos jornalistas que trabalham na publicação, Mesquita Neto afirmou que todos os esforços para manter o maior número de profissionais possíveis serão feitos. A idéia é que eles sejam realocados. Pela Redação do JT,

cujo caderno Jornal do Carro seguirá sendo encartado às quartas no Estadão, passaram nomes como Mino Carta, Fernando Morais, Roberto Avallone, Fausto Silva, José Roberto Torero, Luis Nassif e William Waack. “Palmas de um funeral”

Jornalista, professor da Eca-Usp e da ESPM, Eugênio Bucci escreveu, em 1º de novembro, no Estadão, o artigo “Os dois fechamentos do Jornal da Tarde”. “Se um jornalista diz que vai fechar o jornal, nada de novo sob o Sol. Após o fechamento (feito pelo jornalista), o diário vai para as rotativas e, depois de impresso, dobrado, refilado e encadernado, cairá, exemplar por exemplar, naqueles saquinhos plásticos alongados, dentro dos quais voarão por cima dos muros das casas dos assinantes, com notícias supostamente frescas. Quando o jornalista fecha, estamos em vida normal. (...) Agora, se a gente se afasta da Redação e se aproxima dos escritórios da chamada gestão empresarial, a pior coisa que pode existir é um patrão que gosta de fechar. Quando o dono anuncia que vai fechar um jornal, até as rotativas empalidecem. O sentido do verbo se inverte, mortalmente. Jornalista, quando fecha, faz o jornal viver, mas o empresário, ao fechar, mata”, escreveu ele, que segue em sua análise.

“Aqui, a palavra fechamento vira sinônimo de falecimento. O JT está morto. Morreu aos 46 anos de idade. Os jornalistas de São Paulo estão de luto, como de luto estão os leitores, ainda que poucos. Um jornal que se fecha é uma voz que se cala, ou, mais ainda, como uma língua que desaparece, seja porque os falantes minguaram, seja por força das guerras, que dizimam a memória e a identidade dos povos conquistados. Bons jornais são uma cultura à parte, têm um léxico próprio, um ‘idioma’ inconfundível. No fim da tarde de terça-feira, por volta das 18 horas, um longo aplauso (longo mesmo, longo de três minutos) ecoou no sexto andar do prédio do Estadão, na Marginal do Tietê. Eram os jornalistas de todas as Redações do grupo aplaudindo o último fechamento (no sentido jornalístico) do jornal que seria fechado (no sentido empresarial) no dia seguinte. Eram palmas de um funeral.” O fim de Marca

Por fim, a baixa circulação, de aproximadamente 20 mil exemplares por dia, foi o que motivou o encerramento das atividades do Marca, segundo fontes ligadas à Ejesa. O rival Lance!, por exemplo, teve circulação diária média de 84,9 mil exemplares em 2011, segundo a Associação Nacional de Jornais-ANJ. A maior parte dos jornalistas que trabalhava na publicação, segundo informações de funcionários, será realocada dentro do Grupo, que edita também os jornais Brasil Econômico, O Dia, Meia Hora e a agência de notícia O Dia. O Marca Brasil foi lançado em 2009, no Rio de Janeiro, com o nome Campeão. Em 2010, fechou parceria com o espanhol Marca e foi rebatizado em janeiro de 2011.

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DEPOIMENTO

ZIRALDO, 80 ANOS

“No Brasil falta uma revista de humor com textos de qualidade” POR F RANCISCO UCHA COM VERÔNICA COUTO E SANDRO FORTUNATO

Q

uando chegamos ao estúdio do Ziraldo no final da manhã do dia 25 de setembro, sabíamos que nossa missão era quase impossível. Afinal, como falar de uma carreira tão longa e criativa em apenas duas horas? Como relembrar tantas memórias da infância, dos pais, dos amigos? Mas era o tempo disponível. Ziraldo recebeu a equipe do Jornal da ABI com sua agenda lotada, além de estar atrasado na entrega de alguns trabalhos. “Tenho que finalizar uma ilustração para a Playboy que já devia ter entregue!”, nos confidenciou. Ele estava muito alegre e disposto a falar. Ziraldo sempre está disposto a falar. O nosso problema era o tempo exíguo para conversar sobre tantas coisas. Mas começamos... Duas horas se

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passaram como se fossem minutos. Logo chegamos às três horas de conversa. E depois de quatro horas, com dois terços da pauta coberta, todos concordaram em que o melhor era parar por ali e continuar a entrevista depois. Afinal, Ziraldo tinha que voltar ao trabalho. Mas ele fez questão de nos levar a outro andar do mesmo prédio para nos mostrar o apartamento onde vivera durante muitos anos. “É onde criei meus filhos!”, disse com orgulho. Nos levou também a outro estúdio que fica no último andar, exclusivo para pintar os imensos quadros de lindas figuras femininas nos quais trabalha atualmente. Estava radiante. E continuou assim quando recebeu a Edição n°383 do Jornal da ABI. Aquela em que foi publicada a primeira parte deste depoimento. Ele fez

questão de nos ligar para parabenizar e, ainda, nos enviou a seguinte mensagem por e-mail: “Nunca, na minha vida, dei uma entrevista onde cada palavra que falei foi transcrita com tanta precisão. E olha que a minha dicção é péssima. Craque igual a você, só conheci o Ricky, o Ricky Goodwin, que hoje trabalha com os Cacetas e que era o “tirador” das nossas entrevistas do Pasquim. Editar entrevista, para mim, é repetir até a entonação da frase dita pelo entrevistado. Foi o que aconteceu com a entrevista que dei ao Jornal da ABI.” Ficamos orgulhosos, claro. Mas aproveitamos também para finalizar esta última parte. Depois de uma boa conversa por telefone e algumas trocas de e-mails aparando as arestas, eis que finalizamos nosso papo. Pelo menos, enquanto não nos encontrarmos novamente, pois Ziraldo sempre tem boas histórias para contar.


À esquerda, caricatura de Fernandes feita para a exposição Ao Mestre Com Carinho, em homenagem aos 80 anos de Ziraldo. À direita, a charge que provocou discórdia, publicada no JB, sobre a posse de Geisel.

Jornal da ABI – Fizeram uma estátua do Menino Maluquinho na sua cidade!... Ziraldo – Pois é! Em Caratinga tem uma estátua de 12 metros de altura do Menino Maluquinho! Acho que é o único personagem do Brasil que virou estátua. É raro no mundo. Tem a estátua do Flautista de Hamelin em Nuremberg, tem uma do Popeye no Sul dos Estados Unidos... Jornal da ABI – Tem da Mafalda... Ziraldo – A Mafalda tem estátua? O Quino merece! Meu compadre, meu fraterno compadre!

Jornal da ABI – É lamentável a falta de integração do Brasil com o restante do continente sul-americano... Ziraldo – Rapaz, eu viajo a América Latina toda e é incrível a paixão que eles têm pelo Brasil – tirando a rivalidade do futebol portenho, em Buenos Aires. Mas mesmo em Buenos Aires o pessoal tem uma paixão pela gente. Paixão grande! Inveja. Enchem o Sul do Brasil de turistas durante o verão. As pessoas de Córdoba, Mendoza, são apaixonadas. Córdoba tem até escola de samba. Fui à Colômbia para a feira do livro de lá e no alto da entrada do pavilhão aquelas três bandeiras: no meio, a da Colômbia, de um lado a da Inglaterra, de outro, a do Brasil. Pô, que trilogia é essa? Inglês, espanhol e português são idiomas obrigatórios nas escolas públicas. Perguntei para o cara: “Por que português?” E ele respondeu: “Tem 200 milhões de caras falando português do nosso lado, você quer que a gente não aprenda?” Jornal da ABI – Não é muito arrogante esse distanciamento do Brasil com os vizinhos? Ziraldo – Não é arrogância, não. É meio difícil de explicar. A América do Sul é um continente único. É um continente ocupado, não é autóctone. A África é dos africanos; a Ásia, dos asiáticos. A América do Sul não é dos sul-americanos. O habitante que caracteriza a América do Sul já foi. Mas essa mistura é o futuro do mundo.

inquérito policial-militar do atentado à bomba no Riocentro. O que é que eu fiz? Botei só um “OH!” grande! Mais nada. “OH!”... Virou até plástico de automóvel. Um monte de gente colocou o “OH!” no vidro do carro. Eu me divertia fazendo essas charges. E foi bom porque eu dei uma aprimorada no meu desenho. Todo dia tinha que desenhar uma! Hoje eu desenho dez vezes menos bem do que eu desenhava nessa época. Por isso eu tinha alcançado um desenho muito bom.

Jornal da ABI – Você estreou na Folha de Minas com o Wilson Figueiredo? Ziraldo – Sim, Folha de Minas, em Belo Horizonte. 23 de maio de 1954. Em 2014 vai fazer 60 anos que estreei na imprensa com a minha página. Mas eu já publicava antes, desde 1952. Eu guardo tudo, tudo. Jornal da ABI – E a chegada ao JB? Ziraldo – Pois é, o Wilson Figueiredo era redator do Odylo Costa, filho, estava completando o trabalho dele lá. O Odylo comandou a reforma que os meninos fizeram, Jânio de Freitas, Reynaldo Jardim. O Odylo sabia comandar. O JB era um jornal de classificados e anúncios de saída e chegada de navios. E eles fizeram um jornal novo. Quando cheguei ao Rio, eu ainda não publicava em O Cruzeiro, publicava na A Cigarra. Já tinha minha página na Folha de Minas. Aí, apresentei meu trabalho para o Wilson, que me apresentou ao Odylo e eu peguei uma página no Caderno B. Durante anos fiz uma página inteira do Caderno B.

Jornal da ABI – Como foi essa reunião de humoristas no livro 10 em Humor, de 1968? Ziraldo – Isso foi quando eu fiz o livro Jeremias, O Bom. A editora era a Expressão e Cultura, do Fernando Ferro. Ele fez esse livro com o Millôr, Leon Eliachar, Stanislaw Ponte Preta, Fortuna, Jaguar, Claudius, Zélio, Henfil, Vagn e eu. Vivos, hoje, só o Ziraldo, Jaguar, Claudius e Zélio.

vergonha! Depois essa charge foi publicada no livro A Última do Brasileiro. Mas eu tive umas cinco charges transcritas nos Anais do Congresso. Uma das que eu me lembro é o Ar-

mando Falcão falando “O futuro a Deus pertence”, apontando o céu... e o céu tem quatro estrelas seguidas. (risos) A de maior repercussão que eu fiz foi quando saiu o resultado do

Jornal da ABI – Segundo o expediente, a obra foi planejada pelo Fortuna e tanto esse livro quanto o do Jeremias têm uma importância histórica para o mercado editorial brasileiro, assim como o editor Fernando Ferro. Você

FRANCISCO UCHA

Jornal da ABI – O Quino está fazendo 80 anos também... Ziraldo – É. O Quino e o Mordillo também! Eu sou o mais novo dos três. (risos) Quando nós fizemos 60 anos, o Mordillo queria fazer um livro chamado “180 Anos de Humor Latino-Americano”, mas nós não fizemos. Agora ele quer fazer “240 Anos de Humor Latino-Americano”. (risos) Nós somos muito amigos. O Mordillo já esteve aqui e deixou seu autógrafo ali (apontando para a porta de madeira e vidro de seu estúdio, repleta de imagens e assinaturas). O Quino também. Eu sou o único brasileiro que tem duzentos amigos na Argentina. Toda a turma de humor. Eu chego em Buenos Aires e é como chegar em Caratinga.

Jornal da ABI – Vamos voltar ao Brasil. Como foi sua chegada ao Jornal do Brasil? Ziraldo – O Wilson Figueiredo, que fez o artigo me apresentando aos leitores da Folha de Minas,(ver boxe nesta página) estava trabalhando lá...

Jornal da ABI – E quando você passou a fazer charges políticas? Ziraldo – Muito depois. Quando o Dines já estava no JB, o Lan estava de saco cheio de fazer charge, e o Dines disse para parar com a página do Caderno B... Jornal da ABI – Foi o Lan quem indicou você? Ziraldo – Deve ter sido. Ele deve ter dito para o Dines me colocar para fazer charges com ele. Aí eu comecei a revezar, um dia eu, um dia o Lan. Fiz charges durante 20 anos, no Caderno B do JB. Teve até uma charge que fiz do Geisel que saiu no Diário Oficial. Um cara da gráfica meteu a charge em cima e resultou no seguinte: dois funcionários da gráfica foram demitidos. Além disso, o Eurípedes Cardoso Medeiros sugeriu uma solução bem brasileira: “Essa edição não existe”! Então, teve um dia que o Diário Oficial não saiu, oficialmente. Eu tinha essa edição, mas perdi! Hoje vale uma fortuna, porque é uma edição do Diário Oficial que não existe, com data e tudo. (risos) Jornal da ABI – Apagaram a edição do arquivo? Ziraldo – No arquivo não existe! Sumiu a edição. Depois declararam em ata que essa edição do Diário Oficial não existiu. Eu ganhei um exemplar dela, mas não a encontro mais... A charge é sobre a posse do Geisel. O pessoal da Arena fez um discurso saudando o Geisel e chamando ele de “grande estadista”. Foi uma

Ziraldo lê o texto escrito por Wilson Figueiredo que o apresenta aos leitores do jornal Folha de Minas em 1954.

“Senhor de um traço pessoal e moderno” Com o título Aqui Está Ziraldo, Wilson Figueiredo apresentou, num breve texto de quatro parágrafos, o genial cartunista aos leitores da Folha de Minas, de Belo Horizonte, na página 8 da edição do dia 23 de maio de 1954: “Esta página vale como um cartão de visitas de Ziraldo Alves Pinto, que hoje inicia sua vida na imprensa, lançado por Folha de Minas. Muito jovem ainda (Ziraldo conta apenas 21 anos), não obstante mostra segura vocação para a caricatura, senhor de um traço pessoal e moderno. Ziraldo é mineiro de Caratinga, estuda Direito e já trabalhou no Rio fazendo desenhos comerciais iniciando-se na charge. Mas, como ele mesmo diz, sua ‘tara’ é a caricatura.

Folha de Minas tem o prazer de apresentar mais este jovem artista mineiro para ocupar o lugar deixado por Borjalo, que se iniciou na imprensa há sete anos com a mesma idade do Ziraldo, substituindo por sua vez o grande chargista esportivo que é Mangabeira, que também começara jovem nas páginas deste jornal. Temos certeza de que em breve os bonecos de Ziraldo se tornarão personagens normais na vida mineira. Para isto, serão suficientes algumas experiências dele e o passar da vida, matéria prima de qualquer artista. Julgue o leitor o traço de Ziraldo, livre de qualquer apresentação, por menos pretensiosa que seja. Será melhor que continuar nesta crônica séria de página alegre.”

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DEPOIMENTO ZIRALDO, 80 ANOS

pode nos contar melhor essa história e sua importância? Ziraldo – Espera aí, deixa ver. É isso: rolava o ano de 1968, o Brasil estava cheio de cidadãos portugueses de qualidade, tudo conspirando pra derrubar o Salazar e trabalhando, como mouros, aqui. Entre eles, Fernando Ferro, um sujeito sofisticadíssimo. Falava mais francês do que português como todo lisboeta distinto. Aliás, era casado com uma francesa linda. Ele estava fazendo uma revolução editorial na Expressão e Cultura, editora que havia sido fundada por um belíssimo sujeito chamado Ferdinando Bastos de Souza, um homem raro, para aproveitar a chamada capacidade ociosa da poderosa gráfica que editava as listas telefônicas. Aí, o Carlos Lemos, que editava o JB na época, chegou pra mim, com aquele jeitão franco dele e aquela voz fanhosa e disse: “Esse seu Jeremias está muito chato. Dá um jeito de parar com ele.” Com um estímulo desses fica impossível bolar qualquer piada! Aí, matei o Jeremias. Quando você mata um personagem periódico, o túmulo dele deve ser um livro. Principalmente se puder ser de capa dura, que era o que o Fernando Ferro estava fazendo na nova editora. Ele já havia feito esse livro chamado 10 em Humor – de capa dura, é claro – reunindo cartunistas do Rio. Topou na hora publicar o Jeremias, mas me disse: “Tudo bem, mas o que eu quero mesmo é um livro infantil tipo os graphic-albums europeus”. Ele já havia feito um com o Gian Calvi e a Raquel de Queiroz que foi o primeiro livro com as características dos graphic-albums. Como nós éramos cartunistas que curtiam mais o desenho do que a piada, Fortuna, Jaguar, Claudius... a gente pensava em levar nosso desenho para um livro infantil desse tipo, capa dura, grandes ilustrações e tal... como vários cartunistas estrangeiros estavam fazendo. O Fortuna tinha um na cabeça, chamado “Dababu”, no qual ele caprichou tanto e refez tantas vezes, como era sua característica, que acabou morrendo sem publicar o livro. Então, eu disse ao Fernando que também tinha o meu “Dababu”. E ele me falou: “Me traz na segunda-feira, que eu tenho pressa!” Era sexta-feira e eu não tinha livro infantil nenhum! Nem na cabeça! Só O canguru de Ziraldo no livro 10 em Humor, e The Supermãe, para a revista Cláudia.

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sabia que, um dia, ia fazer um. Bem... não levei na segunda, mas talvez na terça ou quarta, uma boneca toda colada com cola de sapateiro e feita com Contact. Era o Flicts. Jornal da ABI – Nasceu quase por acaso! Na pressão da necessidade do editor... Ziraldo – Pois é... (risos) Jornal da ABI – Há uma coisa interessante também: quem escreveu o prefácio do livro Jeremias, O Bom foi o jornalista e escritor Antonio Callado... Ziraldo – É. O prefácio do livro do Jeremias foi do Callado. Eu tinha virado o leitor número um do Kuarup, e ele sabia disso. Parecia gostar de conversar comigo sobre o livro, esclarecer dúvidas, ouvir palpites... qualquer escritor gosta disto. Pedi o prefácio a ele, mas te confesso que não gostei... ele não sacou o livro. Acontece. Pro Flicts não fiz prefácio, mas o artigo do Drummond no JB, sobre o livro (ler na página 21), bastou para minha vida toda. E detonou uma série de comentários da imprensa que não deixou um só cronista brasileiro sem a obrigação de expressar sua opinião sobre o Flicts. Jornal da ABI – Você já falou por que matou o Jeremias, mas em que contexto e como surgiu esse personagem? E o Mineirinho, o Comequieto e The SuperMãe? Ziraldo – Durante muito tempo, no Jornal do Brasil, tive uma página inteira no Caderno B. Ela era semanal e muitas vezes era a primeira página do suplemento. Pelo tamanho da colaboração, eu acreditava que os cartuns que eu desenhava deviam ter a maior repercussão, afinal, todo mundo lia o JB. De repente, me deu o estalo: tá faltando um personagem! Aí, nasceu o Jeremias, O Bom. Um cara que seria a antítese do mais famoso personagem do humor gráfico brasileiro que nossa imprensa conheceu: o Amigo da

Onça. Aí, deu certo. A Supermãe e o Mineirinho vieram em seguida. Jornal da ABI – É verdade que Jeremias, O Bom teve cartuns censurados pela ditadura? Ziraldo – Não exatamente. O Jeremias foi publicado durante muito tempo no JB e depois foi para O Cruzeiro, já em final de carreira. Do Cruzeiro, não do Jeremias. E aí estava rolando a repressão braba no Rio e o Jeremias virou um personagem político. Até ensinar aos leitores como se comportar nas passeatas de protesto o Jeremias ensinou. Andou com Dom Hélder, marchou com os estudantes, virou bispo comunista e, finalmente matou um megaprojeto de um famoso produtor da TV Tupi – que era dos Diários Associados, como era a revista O Cruzeiro – que queria pendurar no Corcovado um gigantesco terço tendo como contas enormes bolas luminosas. Jornal da ABI – Ah, sim... Você já contou isso. Foi quando decidiram acabar com O Centavo... Ziraldo – Isso! Então fiz uma página do Jeremias ridicularizando essa idéia e só aí é que a direção da revista descobriu que o Jeremias era subversivo. E me mandaram parar, com a colaboração e com o suplemento de humor chamado O Centavo, que eu fazia com os humoristas que perderam o Cartum JS, do Jornal dos Sports. Jornal da ABI – O livro A Festa é pouco conhecido em sua bibliografia. Como surgiu esse projeto? Ziraldo – A Embaixada Americana sempre faz um relatório para o “Itamaraty” deles de toda a festa que acontece na noite da eleição. É uma festa que comemora a democracia. Pode ser um filme, um livro... Então, os americanos vão todos para a Embaixada, acompanham o resultado da eleição, que é uma festa, e eles mandam um relatório para lá. Então Steve Monblat inventou de fazer um livro. A idéia era eu ir

para essa festa e relatá-la desenhando. Eu tinha muita disposição na época. E fiquei muito amigo do Steve Monblat. Como ele era muito amigo do Naumim Aizen, o livro foi feito na gráfica da Ebal. O engraçado é que essa festa foi na mesma noite da recepção da Rainha da Inglaterra no Itamaraty. Aí, acabou a festa do Itamaraty e todos vieram para a festa na Embaixada Americana... Veio todo mundo, com suas medalhas, para o jardim da Embaixada. O que foi extraordinário é que estava cheio de agente secreto, tudo

de preto e de gravata. E eu desenhei todos eles. Fiquei lá a noite inteira. Jornal da ABI – Que trabalheira fazer esse livro! Ziraldo – Eu era um “caxias”! Jornal da ABI – A idéia desse relatório é muito criativa! Ziraldo – Pois é! Jornal da ABI – E a revista Palavra? Durou pouco tempo... Por que não deu certo? Ziraldo – Porque o Itamar Franco


No livro A Festa, da Embaixada dos Estados Unidos, Ziraldo não perde a oportunidade de provocar a ditadura militar com um desenho de página dupla, poucos meses depois do AI-5: “Qualquer um de nós pode ser eleito presidente...”. Ao mesmo tempo, também debocha dos anfitriões, com um penetra vietcong.

prometeu que ia bancar. A gente mostrou o projeto para ele. Era uma revista para o Brasil inteiro fora do eixo Rio-São Paulo, feita em Minas... Acho que o José Alencar, meu conterrâneo, anunciou uma vez só... Eu adorava o José Alencar! Era uma figura! Mas era chique demais essa revista, né? (folheando a publicação). Inclusive, é o seguinte, a gente chamou os designers mineiros e eu falei; “Olha, quero fazer uma revista que não te-

nha nada parecido. Eu quero usar roxo e violeta! Brasileiro não gosta dessas cores”. Então fizemos uma revista deslumbrante. Com bons designers. Olha que revista linda! Não havia nada parecido no Brasil! Jornal da ABI – Palavra era uma revista de cultura. Ele vendia bem? Ziraldo – Vendia 13 mil exemplares, eu achava pouquíssimo. Ela vendia muito bem no Rio Grande do Sul, muito melhor do que em Minas. Havia muita participação gaúcha. Eles se encantaram com a revista. Nós fizemos muita coisa, fizemos a última entrevista com o Francisco Iglésias, uma reportagem sobre o Caminho Real... sem dinheiro. Um artigo lindo sobre o homosexualismo do Pedro Nava. Mas aí não deu! O Itamar ficou um ano e meio sem escolher uma agência (de propaganda), e não tinha como pagar anúncios, como veicular. E eu banquei a revista durante esse tempo, mas não deu. Eu quebrei! Até há pouco eu ainda pagava as dívidas dessa revista... e também do Pasquim 21 e da Bundas. Eu tenho vários sucessos editoriais: O Pasquim, Cartum JS, o Pasquim 21, que é muito bom. Bundas era muito boa, mas era uma revista política, não era erótica. Jornal da ABI – Não era muito difícil manter uma revista sema-

nal como a Bundas? Ziraldo – Sem anúncio? Claro! O Itaú fez o seguro da bunda daquela menina do É o Tchan!, a Carla Peres, e anunciou isso em todos os jornais do Brasil... e não anunciou na Bundas! Liguei para o cara da agência e ele falou: “Não podemos anunciar numa revista desse gênero”. Mas acontece o seguinte: todas as pessoas que odiavam o Fernando Henrique estavam na Bundas. Era um pau no Fernando Henrique que ele não podia levantar a cabeça para respirar! (risos) O Fernando Henrique conseguiu o feito de foder com os 500 anos do Brasil! Como é que um sujeito pode ser tão pequeno por dentro assim, rapaz? Imagine se você fosse hoje Presidente da República e a festa dos 500 anos do Brasil caísse no seu mandato! Você ia fazer uma festade de que o mundo inteiro tomaria conhecimento dela e do Brasil para o resto da vida! (pausa) Pelo amor de Deus, pô! Um mínimo de grandeza interior! O jeito que ele deixou os organizadores dessa festa na mão... Deixou a festa para aquele Prefeito do Paraná, o Rafael Greca!... E fez aquele barco ridículo! Deu porrada nos índios, foi um desastre! Jornal da ABI – E sua parceria com Drummond no livro O Pipoqueiro da Esquina? Ziraldo – O Drummond fazia um negócio chamado Pipoqueiro da Esquina, no Jornal do Brasil, que eram observações humorísticas da situação que ele estava vivendo. Um dos orgulhos da minha vida era a minha amizade com o Drummond. Falava com

ele todo dia! Um dia eu falei: “Você está estragando minhas charges. Eu vou fazer uma charge e você já fez antes, só falta desenhar”. E ele respondeu: “É que eu queria ter sido chargista. O sonho da minha vida era desenhar caricaturas”. Aí eu falei para o Drummond que queria fazer um livro e ilustrar todas as piadas dele. “Mas isso é a glória para mim”, ele respondeu. “Tenho tudo arquivado, eu mando para você”. Meia hora depois chegaram lá em casa todas as pipocas dele dentro de um envelope, com um bilhetinho. Então peguei o meu melhor desenho, que havia ganhado o Prêmio Internacional do Humor em Bruxelas, aquele com um astronauta voltando da viagem ao espaço e uma criança abrindo a mala e ela está cheia de estrelas, e disse: “Drummond, este é o melhor desenho que eu fiz na minha vida, eu pretendia guardar comigo para o resto da vida, mas é a única forma de dizer muito obrigado para você”. Nós ficamos muito amigos. Um dia, a Maria Julieta veio visitá-lo, ela morava na Argentina, e ele fez questão de me chamar para conhecê-la. E ela me disse “Eu queria te conhecer porque eu morro de ciúmes do xodó que papai tem com você”. Ah! Tem outra história... O Drummond não conhecia o Álvarus e eu o apresentei naquela exposição do Álvarus na Funarte. Foi o encontro mais fantástico do mundo porque o Álvarus ficava dizendo “Mestre! Mestre!” e o Drummond dizia envergonhado “Por favor, pare com isso, Álvarus! Que mestre o quê”. E eles tinham também uma diferença, porque o Álvarus era contra a turma de 22 e tinha ridicularizado a Pedra no Meio do Caminho, e o Drummond tinha uma certa antipatia do Álvarus por causa disso. Mas foi um encontro fantástico. Jornal da ABI – Já que dividimos a entrevista em duas partes, queria apenas deixar algumas coisas bem esclarecidas... Por exemplo,

você acompanhou a Dilma naquela viagem que ela fez à Bulgária... Ziraldo – E não foi essa a primeira vez... O Tancredo Neves também me levou naquela sua viagem quando foi eleito Presidente. Eu estava no hotel e o telefone toca. Era o Tancredo que queria falar comigo. Pensei: “Deve ser piada”. Aí ele disse: “Você vai comigo na viagem. Vou dar uma volta no mundo e quero te levar”. E eu disse: “Tá bom” (risos). Agora fui com a Dilma para a Bulgária. Foi maravilhosa essa viagem. Ela me levou porque o único segmento brasileiro que tem alguma coisa a ver com a Bulgária é o dos cartunistas. Nós conhecemos todos os cartunistas búlgaros e todos eles nos conhecem. Porque em todo salão de humor, do mundo inteiro, a gente fica junto, Brasil e Bulgária. Ordem alfabética. Então eu contei isso para a Dilma e ela disse: “Então você vai comigo”. Aí eu falei “Isso é um convite?” “Não, é uma ordem”. Olha, os cartunistas só faltavam beijar o chão, ela é a mulher mais famosa da Bulgária. Desfilou num carro aberto com a multidão gritando “Dilma! Dilma!” A multidão bem arrumadinha, as mulheres olhavam para ela como quem olhava uma atriz de cinema. Todo mundo chorou, o Fernando Pimentel chorava feito uma criança. Só ela não chorou. Ficou com a voz embargada, mas não chorou. No colégio do pai dela, em que a gente foi, não deu para agüentar. Eu nunca vi uma pessoa ser recebida com tanta comoção. Foi uma experiência maravilhosa, e com Tancredo também. Então, é por isso que eu digo, são 80 anos, companheiro. Quem não se alegra em completar 80 anos? Eu tenho muitas histórias para contar. Jornal da ABI – As histórias de um cara de 80 anos, que faz uma enormidade de coisas e que é, antes de tudo, um jornalista, deve interessar muito aos seus colegas... Ziraldo – Bom, um sujeito que chega aos 80 anos tem mesmo mui-

tas histórias para contar. A gente fica até meio tentado a escrever as famosas memórias. Sempre que esta vontade me ocorreu, mesmo falador como sou, sempre me perguntei: “Alguém, meu Deus, vai se interessar em saber como foi a minha vida?” Aí, desanimava e esquecia a idéia. Quando a gente pedia ao Drummond que nos desse uma entrevista, no tempo do Pasquim, ele dizia: “Tudo que vocês querem saber sobre mim já está escrito nos meus versos.” É claro que ele não falou exatamente, assim. Cara que fala “nos meus versos” é um babaca e o Drummond não era um babaca. A propósito, tenho a maior dificuldade de me referir ao que fiz como a “minha obra”. Acho rebarbativo demais. Aí, a gente recomeça a conversar e eu destampo a falar como um condenado. Sabe que das muitas coisas que te contei e que você passou tão bem para o papel nem me lembrava mais! Achei a primeira parte da entrevista interessantíssima, acredita? E pensei até em pegar o que você tirou da minha memória e começar a escrever tudo com mais detalhes. A entrevista ficou, para mim, como se fosse a sinopse de um filme. Aí você me vem com essa idéia de dar continuação à entrevista. Tá maluco? Tenho mais nada que acrescentar, não, rapaz. Jornal da ABI – Ah, tem sim, Ziraldo. Por exemplo, na entrevista que fizemos com o Audálio Dantas (que começa a ser publicada nesta edição do Jornal da ABI), ele relembrou que várias matérias de autoria dele em O Cruzeiro foram diagramadas por você e Audálio sente muito orgulho disto. Não sabíamos que você diagramava também a revista. Quer dizer que, além de ser Diretor de Relações Públicas da editora; de desenhar o Pererê, de fazer cartuns para O Cruzeiro, você ainda tinha tempo de diagramar? Por favor, conte essa expe-

O Pipoqueiro da Esquina: parceria entre Carlos Drummond de Andrade e Ziraldo rendeu um livro de charges memoráveis, um retrato fiel do Brasil no período de 1979 a 1981.

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ACERVO JOSÉ DUAYER

DEPOIMENTO ZIRALDO, 80 ANOS Duayer, na época, fotógrafo e chargista do Pasquim, registrou estes dois flagrantes de entrevistas: ao lado, a turma com Paschoal Carlos Magno; abaixo, com Tenório Cavalcanti.

riência na revista. Ziraldo – Junto com o Enrico Bianco, com o Luiz Carlos Barreto, Luciano Carneiro, Flávio Damm, Yedo Mendonça, participei de uma turma maior ainda que estava empenhada em modernizar a revista e fazê-la parecida com a Paris Match, por exemplo, ou outras revistas internacionais. A gente foi conseguindo aos poucos. Quando o Odylo Costa, filho assumiu a revista, virei uma espécie de diretor-executivo dele, como era seu jeito de comandar. Aí eu fazia tudo. O filho do Odylo, coitado, foi assassinado, ele perdeu o gosto pela aventura, o David Nasser já estava chefiando uma revolução para derrubá-lo, ele foi embora pra casa, curtir sua dor. Pouco depois, eles me mandaram fechar o “Pererê”, e me defenestraram também... Jornal da ABI – Retornando ao assunto da reunião onde foi tratadaaaçãoconjuntadaanistia.Houve a inclusão de nomes que talvez não devessem constar no processo? Ziraldo – Será que alguém ainda quer ouvir mais alguma coisa sobre isto? Bem, a essa altura dos meus 80 anos, tudo tem um certo aspecto de depoimento final, vamos lá! Você não errou uma na primeira parte da entrevista. Só chamou o meu mouse-man de mouse humano (risos). Ah, sim, teve uma pequena confusão sobre a reunião dos jornalistas listados pelo Sindicato para serem indenizados e isto eu gostaria de esclarecer mesmo. A reunião foi na ABI, como contei, comandada pelo Barbosa Lima Sobrinho, que apadrinhava a idéia. Foram uns vinte selecionados e mais outro tanto de oferecidos! O Millôr foi o único que não aceitou a convocação. Em compensação o que tinha de jornalista “perseguido” na reunião era uma grandeza. Mas isto é outra história... Jornal da ABI – A revista do Pererê foi publicada durante quatro anos por O Cruzeiro, mas quando foi lançada pela Editora Abril em 1975, não durou um ano. Por que ela não emplacou na década de 1970? Ziraldo – A história não é bem assim. A revista Pererê, aproveitando a extraordinária distribuição nacional das publicações da editora de O Cruzeiro, chegou a ter as mesmas tiragens das revistas do Bolinha e da Luluzinha, cerca de 150 mil exemplares. O último número da Pererê saiu – tchan! – em 1° de abril de 1964. O pessoal da direção do Cruzeiro mandou a revista parar em janeiro. Eu fazia a revista com três meses de antecedência. Na onda das reformas de base, muito da esquerdinha, muito da nacionalista. Vivíamos na esperança, ou melhor, na presunção de que estávamos construindo um novo tempo para o Brasil. Estávamos. Mas não na direção que a gente sonhava. Anos depois, dentro de outro contexto, em outras circunstâncias, a Editora Abril resolveu reeditar a

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revista. Durou um ano. Mas por decisão minha. Eu havia perdido a inocência! Estava cuidando de pagar o custo da minha vida de pai de família, trabalhando em cima de argumentos que a equipe da Abril me enviava, fui me distanciando da coisa autoral, perdi o gosto. A revista, contudo, vendia bem. E eu caprichava em cima dos argumentos que a Abril me mandava. Mas decidi parar. Jornal da ABI – O projeto de publicar álbuns com todas as histórias do Pererê ainda está de pé? O que falta para concluir essa iniciativa? Ziraldo – A Editora Globo está fazendo isto. As histórias da turma do Pererê continuam vivas. Todos os álbuns que já saíram – pela Primor, pela Moderna, pela Abril – são das mesmas histórias das duas fases do Pererê. Não vou mais criar histórias novas. Os sessenta e tantos números que fiz da revista, seja pela Cruzeiro, seja pela Abril, foram o tal rio que passou na minha vida. Com a publicação dos álbuns, as histórias que fiz ganham uma permanência que as revistinhas periódicas não conseguem ter. Jornal da ABI – Por que no Brasil o mercado nacional de histórias em quadrinhos é tão insignificante, exceto pelas publicações do Mauricio de Sousa? É um problema de falta de visão e investimento dos editores? Ziraldo – Revistinha de histórias em quadrinhos de personagens infantis são como corrida de cavalo: não existem mais. Nem nos Estados Unidos. Apenas dois países do mundo mantém esse tipo de publicação, a Itália e o Brasil. Os heróis da Disney ainda estão presentes numa única revista italiana, chamada Topolino, que tem o Mickey como uma espécie de âncora. Aqui no Brasil restou apenas o Maurício, que, também, já está abandonando seus personagens mirins. As coisas são assim, nascem, crescem, morrem. Jornal da ABI – Em sua juventude, você decidiu que seria desenhista de quadrinhos, mas sua carreira esteve sempre ligada à publicidade, desde o início. Por favor, destaque algumas campanhas que você criou que lhe deram mais satisfação profissional. Ziraldo – Trabalhei anos em agências de publicidade, no Rio e em São Paulo. Na Poyares, na McCann Erickson, na Grant, no Rio, e na Standard, em Belo Horizonte. Sou do tempo do concurso que a McCann fez para os brasileiros escolherem a letra do “Happy Birthday to You” em português e da Coca Cola bem fria em vez de bem gelada. Creio que não tem ninguém mais velho do que eu em atividade na área. Acho que só tem o Altino, na McCann Erickson de São Paulo. Quanto a participar de uma campanha, só fiz isto na Stan-

dard de Belo Horizonte. Quando a loteria mineira passou seu prêmio de um para dois milhões de cruzeiros, inventei um slogan que virou bordão em Minas: “Melhor só dois milhões.” Fiz tudo na campanha, até jogar de avião tirinhas de histórias em quadrinhos em cima do povo saindo da missa. Num dos loopings do tecoteco, vomitei na multidão. (risos) Jornal da ABI – Você foi o brasileiro que teve mais trabalhos selecionados no conceituado anuário internacional de design, Graphis. Isso aconteceu desde a época em que você trabalhava em O Cruzeiro. Como foi esse processo? O que você sentiu quando teve os primeiros trabalhos selecionados pela publicação? Ziraldo – As publicações americanas – Esquire, Saturday Evening Post, Hollyday, Fortune – na McCann do Rio, e os Graphis da Standard de Belo Horizonte foram as minhas universidades. O Graphis não me passava deveres pra casa nem provas finais, mas a partir da primeira vez que mandei um trabalho meu para a Redação da revista, em Genebra, eles, ao me devolverem o trabalho, mandavam formulário para eu enviar outros trabalhos para o anuário seguinte. Até que um dia, recebo o Graphis e lá estava um trabalho meu! Foi uma das maiores emoções da minha vida. Mas,

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o mais importante de tudo na minha longa aventura com o Graphis foi quando um trabalho meu apareceu ilustrando, com outros escolhidos, o folheto que anunciava a próxima edição do anuário. Considerei este folheto meu diploma de artista gráfico! Jornal da ABI – Em 1995 você fez o projeto gráfico, os desenhos e as colagens do livro de um dos mais importantes intelectuais que este País já teve: Darcy Ribeiro. Era um inusitado livro infanto-juvenil chamado Noções das Coisas. Como surgiu esse projeto? O Darcy lhe procurou com essa idéia? Ziraldo – Eu tinha uma admiração imensa pelo Darcy Ribeiro. Adoraria ter trabalhado com ele, estar junto com ele em algumas de suas fantásticas aventuras. A Ana Maria Santeiro, sua agente literária, me veio com a encomenda de ilustrar seu Noções de Coisas, um livro feito para encantar adolescentes, destinado a ser adotado nas escolas e que começava com uma gozação ao Rui Barbosa, chamando o velhinho de “o maior

coco da Bahia” e desancando seu famoso Lição de Coisas que o Darcy afirmava que era a tradução de um livro de mais de quinhentas páginas de um autor norte-americano. E explicou que o Rui não levava jeito de educador. E citava pequenos trechos, lembrando que Rui tratava seus pequenos leitores por vós e tinha exemplos assim: “Sabeis, discípulos meus, que a curva é um acorda bamba?” Darcy era fantástico. Acompanhou toda a feitura do livro, no seu colchão de água, gozando a si próprio porque seus ossos, segundo ele, tinham virado ossos de vidro. Poucas semanas antes de morrer – poucos dias – me disse não ter medo da morte. “O que me chateia é que eu vou morrer e vocês vão ficar aí, vivinhos, vivinhos!” E me contou, me mostrando o seu guarda-roupa, qual era o seu último desejo: “Era pegar a Malu Mader, botar ela ali dentro do guarda-roupa e, toda hora que eu lembrasse, ia lá, abria a porta, dava um beijinho nela e guardava de novo”. (risos) Jornal da ABI – Como foi sua passagem pela Presidência da Funarte em 1985? E como foi o projeto da agência de distribuição de tiras de jornal? Ziraldo – Uma tristeza! Pelo me-


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Carlos Scliar, Helio Pellegrino, Clarice Lispector, Oscar Niemeyer, Glauce Rocha, Ziraldo e Milton Nascimento numa passeata em 22 de julho de 1968. Ao lado, os amigos Drummond e Ziraldo.

nos, com o Ricky (Ricky Goodwin) – que está hoje trabalhando com os Cacetas e que levei do Pasquim para a Funarte – criamos a distribuidora nacional de tiras. Foi o que possibilitou a existência de tiras brasileiras em todos os jornais do País. Mas na Funarte aprendi que artista deve apenas fazer arte e burocrata deve burocratar. Jornal da ABI – Se você quisesse lançar hoje um novo projeto editorial, como ele seria? Que tipo de publicação você acha que falta no Brasil? Ziraldo – Acho que ainda há espaço para uma grande publicação de humor que não seja político. Como as revistas de quadrinhos infantis, as revistas de humor estão morrendo no mundo inteiro. Acredito, porém, que aqui no Brasil dá pra aproveitar as criações dos inúmeros e excelentes cartunistas que temos na internet. Que, a propósito, não me parece ser o campo ideal para elas... E só servem pro Zé Simão ampliar a coluna dele... Seria uma revista de humor não político – para poder conseguir anúncios – com bons textos de humor de qualidade. Tem muita gente boa inédita por aí! Acho que daria pra gente emplacar mais uma publicação de alguma repercussão no País, com uma tiragem igual à da Piauí e da Caros Amigos. Pegaria o mesmo público e mais os que gostam só de rir. Por que vocês, aí da ABI, com este jornal tão bem feito, não decidem fazer, com o mesmo formato, com a mesma impressão, uma revista assim? É só convocar o pessoal! Vai vir todo mundo só pela alegria de fazer a revista. Se ela der lucro, a gente faz uma cooperativa. Vamos nessa? Jornal da ABI – Opa! Vamos conversar a respeito depois! (risos) Como foi a homenagem que você recebeu em Caratinga? Dá para descrever o que você sentiu? Ziraldo – Rapaz, acho que ser humano nenhum merece, por qualquer dos seus méritos, uma homenagem

naquela dimensão. Foi uma ópera de rua feita por cinco mil crianças, com meses de ensaio! Quatro horas de desfile, um apuro inacreditável e um carinho jamais dispensado a um autor de livros! Acho um privilégio ser um cara da província, ter nascido na província. Que é, você sabe, de onde vêm, em geral, os homens que mudam ou mudaram a História do mundo. O Millôr dizia que provinciano é imbatível: “Mineiro chega aqui, bate na casa do Otto ou do Fernando – como eu fiz com o Wilson Figueiredo que tinha vindo na minha frente e já era poderoso no JB – e diz: “Eu estou vindo de Minas...” Aí um mineiro liga pra um, liga pra outro, e acaba dando uma mãozinha pro mineiro. Mesmo com essa invenção do Otto de que mineiro só é solidário no câncer. Mentira, é tudo uma máfia. Essa invenção do Otto é pra que ninguém de outra “etnia” peça qualquer coisa a eles. (risos) Imagina se eu chego, por exemplo, na casa do Dines e digo: ‘Sou carioca, estou vindo do Méier...’ Não ia acontecer nada”. E concluía: “É mais fácil chegar de Caratinga a Ipanema do que do Méier à Ipanema”.

cidade grande eram todos exibidos na vitrina de A Futurista, da Rua Carmo Viggiano. Era a minha glória. E o orgulho dos cidadãos caratinguenses!!! (bem enfático e sorridente).

Jornal da ABI – Mas e a festa de Caratinga? Fale mais. Ziraldo – Por uma razão inexplicável, Caratinga é uma cidade onde o espírito de Minas não prevalece. Lá, o retrato na parede não dói. Com todos os defeitos da província da Velha Senhora do Durrenmatt (A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Durrenmatt) que minha terra tem – todas as aldeias, neste aspecto são iguais – o povo da minha cidade tem, como sua característica própria torcer pelos que partem. Quando eu era menino, bastava alguém jovem da terra formar na faculdade para ser recebido por carreata na entrada da cidade. Tinha uma loja de calçados na principal avenida da cidade, a única que tinha uma vitrina para a rua. Ali era o mural das nossas conquistas. Os primeiros desenhos que publiquei na

REPRODUÇÃO

Jornal da ABI – Vieram todos de Caratinga para desfilar na Tradição quando você foi o enredo, não foi? Ziraldo – Saíram vários ônibus de Caratinga às quatro da manhã, chegaram ao meio dia no Rio, acamparam na concentração, comeram o que puderam e, às três da madrugada de Quarta-Feira de Cinzas entraram na avenida, gloriosos, para desfilar numa escola do terceiro grupo. Acabado o desfile, entraram nos ônibus e voltaram pra Caratinga. Na madrugada do dia em que fui tomar parte na Presidência da Funarte, acordei com uma alvorada na porta do meu edifício. Eu morava no térreo. A banda mandou o dobrado e eu acordei sem entender o que estava acontecendo. Era a “Santa Cecília” que tinha viajado a noite inteira, quinhentos quilômetros cronometrados, para chegar às seis horas exatas na porta de casa e me acordar para a festa. Foram tocando até o local da posse e tocaram “Celebration, celebration” com uma qualidade de banda americana. Almoçaram não sei onde e voltaram pra Caratinga. É por esta razão que não posso ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. Onde é que eu vou colocar a população de Caratinga inteira naquele acanhado salão da Casa de Machado de Assis? (risos) Jornal da ABI – Acabamos de viver um período eleitoral, com a Lei da Ficha Limpa aprovada, o julgamento do mensalão, um recrudescimento do conservadorismo e com tantas mazelas à mostra. Você, que lutou contra a ditadura e viveu um dos períodos mais sombrios da história deste País, como vê a política brasileira hoje? Como você se posiciona politicamente hoje em dia? Ziraldo – Como bom mineiro eu diria: estou onde sempre estive, com o meu passado, com o meu presente e com o meu futuro.

Flicts: o coração da cor P OR C ARLOS D RUMMOND DE A NDRADE O mundo não é uma coleção de objetos naturais com suas formas respectivas, testemunhadas pela evidência ou pela ciência, o mundo é cor. A vida não é uma série de funções da substância organizada, desde a mais humilde até a de maior requinte, a vida são cores. Tudo é cor. O que existe, existe na cor e pela cor. A cor ama, brinca, exalta, repele, dá sentido e expressão ao sítio ou à aparência onde ela pousa. Cores são seres individualizados e superpoderosos, que se servem de nosso veículo óptico para proclamar sua verdade. Nossas verdadinhas concretas empalidecem ao sol múltiplo que elas concentram. Aprendo isso, tão tarde! Com Ziraldo. Ou mais propriamente com Flicts, criação de Ziraldo, que se torna independente do criador, e vive e vibra por si. Que é Flicts? Não digo, não quero dizer. Cada um que trave contato pessoal com Flicts, e sinta o que eu sinto ao conhecê-la um deslumbramento, um pasmo radiante, a felicidade de renascer diante do espetáculo das coisas em estado puro. Flicts faz a gente voltar ao ponto de partida, que, paradoxalmente, é ponto de chegada. No princípio era cor, e no fim será cor, alegria da percepção. Ou nem haverá fim, se concebermos a cor em si, flutuando no possível, desinteressada de pouso e tempo. Flicts já flutua no bôjo desta idéia. Mais um passo, e não precisará de ponto de referência, ela que rodou por toda a parte para afirmar-se, e acabou se encontrando… onde, não digo, não quero dizer. Você é que tem que chegar lá para vê-la. O conto contado por Ziraldo só

merece um adjetivo, infelizmente desmoralizado: maravilhoso. Não há outro, e sinto a pobreza do meu cartuchame verbal para definir Flicts: não carece de definição. É. Mestre do traço desmitificador ou generoso (Supermãe, Jeremias), Ziraldo abriu mão de suas artimanhas todas para revelar Flicts com absoluta economia de meios, ou, antes, sem meio algum. E dá-nos a festa da cor como realidade profunda, e não mera impressão da luz no olho. Sua revelação é fulgurante. Faz explodir a carga emocional e mental que as cores trazem consigo. Disse que me faltam palavras: entretanto, o próprio Ziraldo, monstro inventor de Caratinga, soube encontrá-las, compondo com elas não uma explicação de Flicts, mas um guia lacônico de viagem, para acompanharmos o giro ancoso de Flicts pelo universo. Este guia saiu um poema exato. De resto, que é Flicts senão poesia formulada de outra maneira por Ziraldo? E o consórcio das duas poesias forma uma terceira, dom maior deste livro. Flicts é a iluminação – afinal, brotou a palavra – mais fascinante de um achado: a cor, muito além de fenômeno visual, é estado de ser, e é a própria imagem. Desprende-se da faculdade de simbolizar, e revela-se aquilo em torno do qual os símbolos circulam, voejam, volitam, esvoaçam – fly, flit, fling – no desejo de encarnarse. Mas para que símbolos se captamos o coração da cor? Ziraldo realizou a façanha em seu livro. Crônica de Carlos Drummond de Andrade publicada no Correio da Manhã em 22 de agosto de 1969.

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LITERATURA

A origem de tudo: Imagem e palavra Única mulher a integrar a equipe de fundação de O Pasquim, nos anos 60, Olga Savary expõe aqui suas idéias sobre literatura e especialmente poesia.

poesia não é – mas deveria ser – semelhante ao desejo da paz universal. Imaginar a paz universal, segundo Umberto Eco, se igualaria à imortalidade quem “apesar de ser tão forte, não vemos a possibilidade de satisfazê-la. A paz no plano local, em diferentes regiões do globo terrestre, seria igual ao gesto do médico que sara uma ferida, não uma promessa de imortalidade, mas, pelo menos, uma forma de adiar a morte.” Uma das primeiras manifestações de arte do ser humano foram as pinturas rupestres nas grutas, entre as quais estão incluídas as grutas de Lascaux e outras bem conhecidas, assim como também nos espaços externos da Bahia, Pará (Serra da Lua, em Monte Alegre) e Piauí (Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato), no Brasil, com importantes estudos de duas grandes antropólogas brasileiras: Maria Beltrão (na Bahia) e Niède Guidon (no Piauí). Ambas afirmam, audazes e ousadas, que o homem surgiu no Brasil e produziu estas primeiras imagens há 100.000 anos e não nos míseros 10.000 como sempre se afirmou. Supõe-se que as imagens, estas, vieram antes; depois é que surgiu a palavra. Os desenhos rupestres, desenhados e depois pintados com as próprias mãos dos homens da Idade da Pedra, embora com uma finalidade utilitária – exorcizar o medo que estes homens primitivos tinham de grandes animais selvagens que eles tinham de matar para sua alimentação e, portanto, sobrevivência – tinham, provavelmente, também uma função estética, da contemplação da beleza. T. S. Eliot tem toda razão quando declara que a humanidade não pode suportar a mera realidade, precisando fundamentalmente de beleza e de poesia. Não há civilização sem poesia. Comigo foi diferente: desde a mais tenra infância, imagem e palavra vieram juntas. Desde bem criança, ao que me lembre, nas lembranças mais antigas, por volta dos cinco ou seis anos de idade, filha única, mãe e pai me incentivavam a desenhar. Quando eu ainda não entrara para a escola, ainda sem saber escrever, a poesia era meu brinquedo secreto, dizendo eu poemas e depois colocando-os no papel em branco. Filha única, sempre sozinha, embora com o pai e mãe presentes, jamais a solidão me pesou. Todo mundo fala mal da solidão. Entre tantos projetos que tenho, planejo um livro que tem até título: O

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P OR O LGA S AVARY

Olga Savary: desde criança, imagem e palavra vieram juntas com o incentivo dos pais.

Elogio da Solidão. Todo escritor que se preze, que tenha uma obra a realizar, não pode prescindir da bendita solidão. Claro que sem narcisismo e irmanado a todos os seus semelhantes. Solidão e solidariedade, eis meu lema desde a infância. Correndo sempre atrás de minhas duas palavras-chave – alegria e dignidade –, tive uma infância mágica e feliz, cheia de mistérios amazônicos. Nasci em Belém do Pará, em 21 de maio de 1933, sob o signo de Gêmeos, com ascendente em Gêmeos. Não tenho escapatória: Gêmeos total. Só não deixo as coisas pela metade porque sou do primeiro dia do meu signo e assim encosto no pertinaz e sensual Touro. O geminiano é mais mental. E sou uma perfeccionista meio radical, advinha o signo de concepção: Virgem. Se acredito em tudo isto dito acima? Sim e não. Pelas leituras sobre o caráter desses signos, me encaixo perfeitamente. Porém devo acrescentar que sou bastante cética em tudo: acredito em tudo porque não acredito em nada. Por exemplo: sou católica (diria melhor: sou cristã, até porque Cristo foi avançado no tempo ao demonstrar ser tão amigo das mulheres, quando na época ninguém va-

lorizava tanto as mulheres) por imposição da família materna. Meu pai era protestante. Curiosamente, no fim da vida, ambos viraram espíritas. Provei de todas as religiões, mas nenhuma me convenceu de todo. A mais deliciosamente bela e humana é o candomblé, de festas tão bonitas. Em Salvador, Bahia, meus amigos Jorge Amado e Zélia Gattai, mais Stella e Caymmi, Nancy e Carybé me levaram a festividades especialíssimas, únicas, nos terreiros de Mãe Senhora e Mãe Menininha do Gantois. O poeta e professor Ildázio Tavares levou-me há muitos anos a uma cerimônia fechadíssima na Ilha de Itaparica, com ritual só franqueado a iniciados, o ritual em honra aos antepassados. Todo deslumbrante, na década de 1970. É como brincando digo: não sei se Deus existe, mas ele mora em minha casa, faz tempo. Agora, neste dezembro de 2010, convidada pela Professora Lílian Pacheco (que conheci através de seu companheiro Walmir Palma, cantor, compositor e violinista), integro o IV Seminário do Programa de Pós-Graduação em Desenho, Cultura e Interatividade e II Colóquio Internacional: Desenho, Registro e Memória Visual, na UEFS, contente de, de novo estar na Bahia. A coordenação do evento deve-se à Professora Dra. Lílian Miranda Bastos Pacheco, Professor Antônio Francisco Zorzo e Professora Dra. Gláucia Maria Costa Trinchão, assessorados por vários outros professores da Comissão Científica e Monitores. O que me pediam nesta participação: que desse um depoimento sobre meu trabalho, minha obra, e que lesse meus poemas. O que foi surpresa para mim foi o fato de que a mesa, composta de cinco professores da UEFS, me fizera bela homenagem por toda a tarde de 2 de dezembro, dando uma visão diversa da minha poesia. Foram visões brilhantes e comoventes, cada um lendo poemas meus de sua escolha. Da mesa faziam parte o Prof. Dr. Aleilton Fonseca, Prof. Dr. Antonio Brasileiro, Prof. Dr. Miguel Almir Lima de Araújo, tudo sob a coordenação do Prof. Dr. Roberval Alves Pereira (que assina Roberval Pereyr como poeta). Tema da mesa-redonda: Poesia, Imagem e Imaginário. Alguns desses participantes são poetas da minha especial predileção, cuja poesia conheço há anos, desde a década de 1970: Aleilton, Brasileiro e Roberval. Os demais conheci então. Uma grande alegria foi estarmos juntos neste evento, por

admirar sua poesia e sua ficção, das melhores realizadas no Brasil de hoje. Essa minha afirmação entusiástica comoveu às lágrimas a Profª. Lílian Pacheco, que disse ao auditório lotado de professores e alunos da Graduação e Pós Graduação, além dos profissionais da área de Artes da Região de Feira de Santana: “É preciso vir uma poeta de fora para valorizar os nossos poetas, que devem ser amados em sua própria terra, a Bahia.” A intervenção da Profª. Lílian, precisa e amorosa, contagiou a todos: poetas, público em geral. A Bahia é prodígia em boa poesia. Assim, não podemos esquecer de outros grandes poetas como Cajazeiras, Capinam, Florisvaldo, José Inácio Vieira de Melo, Myriam Fraga, Ruy Espinheira e tantos mais, alguns que incluí em minhas antologias de poesia desde a década de 1980 (de poesia erótica, de poesia social e existencial, já editadas) e de outras que estão em preparo. Gosto de organizar antológicas, sempre as fiz, bom exercício, não só para dar maior visibilidade aos colegas do fazer poético, como também o deixar de olhar o próprio umbigo. Psicologicamente falando, com estas realizações, deixo de ser filha para virar mãe, uma forma de crescimento humano. Muitos poetas e ficcionistas me chamam de sua “mãe literária”. ais ou menos assim me sinto em relação a poetas estrangeiros que traduzi, também contistas, romancistas, teatrólogos, ensaístas. Além do desafio de trazê-los para nosso idioma, é como se, através da tradução dos mais de 50 títulos que traduzi, me tornasse responsável por estes vários autores serem atendidos e amados no Brasil. Por exemplo, sou a principal tradutora de Pablo Neruda entre nós, com 13 livros deste autor (poesia, memórias – o conhecidíssimo Confesso Que Vivi, com cerca de 30 edições, sempre lido com sucesso e agrado – e até uma peça de teatro, a única peça que Neruda escreveu e que narra uma história muito parecida à de Lampião e Maria Bonita. Entre bandido e herói, cortam-lhe a cabeça no final da peça teatral). Sou também a principal tradutora do poeta e ensaísta Octavio Paz, com oito livros traduzidos. Detalhe importante: só é capaz de fazer uma boa tradução de poesia se o tradutor for poeta igualmente. E sabe-se que uma má tradução destrói um livro,

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sem escapatória. Das mais de 50 traduções que realizei na vida, traduzi poesia e teatro de Lorca, Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Cortázar, Semprúm, Borges, Arrabal e tantos mais, ou seja, os mestres hispanoamericanos, além de ser também a mais assídua tradutora dos clássicos haicaístas, os poetas japoneses do haicai (quatro livros publicados): Bashô, Buson, Issa, Moritake e outros. Sou considerada pela crítica e imprensa a pioneira do haicai no Brasil: a primeira escritora em escrever esta que é a forma mais sucinta de poesia que se conhece, a mais breve forma poética existente. Hoje é moda, porém no início da década de 1940 eu menina era considerada no mínimo exótica por falar e escrever haicai no Brasil. Quase ninguém sabia o que isso queria dizer, o que era o haicai. Mais tarde traduzi, dei palestras e oficinas de haicai, inclusive na Casa da Palavra/Biblioteca Nacional e outras entidades culturais, para professores e alunos. Com uma obra vasta que vai da letra A à letra Z, e sempre trabalhando demais, cerca de 16 a 18 horas por dia, incluindo sábados, domingos, feriados, dias de festas (Carnaval, Ano Novo, Natal, etc.), sem férias há mais de 30 anos, pelo valor da obra reconhecida por mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de poesia, conto, romance, crítica literária e de artes, ensaio, tradução, jornalismo literário, antologia, mais o desenho, sempre tive quem bancasse meus 20 livros pessoais e as antologias que organizei, procurada sempre por editores. Isto é raro no panorama editorial brasileiro, raríssimo de ocorrer com autores brasileiros contemporâneos. Explica-se pela continuidade do meu trabalho, pela paixão com a qual sempre exerci, entre outros aspectos que não me cabe mencionar. Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Antônio Houaiss, Gilberto Freyre, entre muitos mais, me diziam sempre que eu trabalhava mais do que 20 homens juntos. Afirmação generosa mas, digamos, um pouco inadequada: as mulheres desde sempre, e quase sempre, com rara exceções, trabalharam mais, desde civilizações primitivas. É sabido que o poeta surge pela sua especial intuição, axioma consagrado pela sabedoria popular e pela filosofia consagrada, que dizia o mesmo. Esta faculdade de pressentir, captar e prever, não só a realidade imediata como também aquela realidade que escapa do mundo tangível, situa-se na periferia do profético. Mesmo assim, impossível denominá-la de “revelação divina”. Pablo Neruda, o poeta chileno-universal, por exemplo, não tolerava que chamassem o poeta de “pequeno deus”. Até porque este seria um pretexto para não pagá-lo à altura do seu merecimento, não pagá-lo como a um outro trabalhador – e sabemos muito bem que o escritor é um trabalhador ultra especializado, desde que seja naquilo que faz. Pode sim o criador de poesias possuir algo de sobrenatural, dentro de um valor digamos fora da “normalidade”, por estar como que fora do contexto da pura lógica. É inerente nele uma carga de originalidade, uma visão de mundo mais que particular, acrescida de inquietude e rebeldia, muitas vezes amalgamada à desolação e ao desespero.

Ele, o poeta, capta, sente, com suas inquietações utópicas e metafísicas. Somente ao final de tudo isto nasce-lhe a consciência, consciência que é o dom maior, o bem mais precioso da vida. Porém no criador a consciência e a lucidez vêm marcadas por incertezas, contradições, possivelmente angústias existenciais. Em meio a essas considerações, é preciso dizer que a poesia e a literatura em geral não podem deixar de ser fundamental testemunho de seu tempo, contemporâneo e vital. Assim, vale dizer que este testemunho tem de ser moderno, atual, uma vez que trata dos temas eternos da poesia e de qualquer forma de criação: vida e morte, natureza, Eros, tempo. O poeta serve-se destes ícones, destes temas acima citados, enquanto estes como que dialogam com o poeta, recorrentes. Ao apresentar os tempos da contemporaneidade, o poeta está representando todos os tempos desde os primevos, desde o surgimento da primeira civilização. A poesia, mesmo não sendo a vida em sua totalidade, metonimicamente nos proporciona a impressão de viver em busca do sentido da vida. Eis porque se observa ser poesia e filosofia muitas vezes uma coisa só, porque ambas andam, caminham e seguem de mãos dadas, refletindo a vida e o comportamento humano. Com sensibilidade, inteligência vívida e vivida, esta visão, tão própria e intransferível, permite demonstrar a emoção, podendo até controlá-la a fim de a tornar mais contundente, à maneira de grandes poetas norte-americanos como Emily Dickinson (apontada como “mãe da poesia moderna”) e Marianne Moore (quando esta diz não gostar da poesia, mas não poder viver sem ela). Marianne diz mais: que, ao ler ou escrever poesia, com desprezo, acaba por descobrir nela, poesia, o lugar certo para o que há de mais genuíno. Já dizia Novalis que quanto mais poético mais verdadeiro. Poesia é ovo, larva, crisálida: tudo. O processo de individuação do autor, tal como foi concebido por Jung, passa igualmente por quatro etapas diversas: a sombra, a persona, o animus ou a anima (princípio masculino para o homem ou princípio feminino para a mulher, respectivamente), e finalmente o self (aportuguesando, o “si mesmo”, como ensinava Dra. Nise da Silveira, psiquiatra de renome mundial, em seu Centro de Estudos Jung, no Rio de Janeiro, na década de 1960 até meados da década de 1990, que freqüentei por cerca de 40 anos). Beleza e verdade, profundidade e leveza, os velhos antagonismos, como na vida, mais uma boa dosagem de graça, de humor, devem estar contidos em todo poema que se preza. Reflexão e prazer, portanto. É o alçar-se do enigmático mundo da fantasia, do imaginário. Valeria dizer que os joelhos do poeta rendem-se ao peso da mão que escreve o poema? Com certeza vale esta metáfora do criador prestar homenagem e subjulgar-se à criação, como em um ritual sagrado, a poesia virando a sua religião. Para mim pelo menos é assim. Deuses amam altares? O poeta sim e não. Em suas paisagens interiores, quase sempre, o poeta alcança as montanhas, toca o céu. Para o poeta, a poesia é obrigatoriamente o Jardim do Paraíso, não perdido mas

achado, magia de floresta amazônica, teoremas de urbes, claridade da beleza, grandes nacos de ar. as afinal o que é a poesia? O poema se esconde entre as frestas de janelas e portas, ou de qualquer outro elemento em qualquer circunstância, surpreendido na estrada ou na saída da palavra que se revela, se desvela na casa? É a palavra certa porém envolvida num ninho de silêncio? É tudo isto e muito mais. Poesia: pequenas mortes no altar da vida, pequenos assassinatos, pura solidão, largueza da fraternidade, a palavra exata ou o verbo vão? Tudo é poesia. Basta saber olhar e ver. E a chamada poesia feminina? Mulher que escreve é poeta ou poetisa? Um dos críticos mais reconhecidos no Brasil e no exterior, Benedito Nunes (que foi em 1951, 1952 e 1953 meu professor de Filosofia, e que me deu meu primeiro prêmio de poesia, eu adolescente com 17 anos de idade, fazendo parte de júri com meu excepcional professor de Português Francisco Paulo Mendes e o poeta Ruy Guilherme Barata) já então me denominava poeta e não poetisa. Dizia Benedito Nunes que bom poeta deve ser chamado poeta indiscriminadamente, seja mulher ou homem. Digo eu, brincando, porém a sério: mulher bom de poesia é poeta, até porque termina com a letra A a palavra. Os homens que inventem outra para eles, se quiserem. Ser mulher poeta seria recuperar uma certa e especial virilidade perdida? Não, não é isso. Mas nada impede que poesia de mulher seja poderosa, forte e substantiva (como em geral dizem que a minha é) e não definida com aqueles ridículos adjetivos, tipo “diáfana”, etc. Igualmente pode se quase “feminina” uma poesia feita por homem, por ser mais delicada, sem diminuir em nada a masculinidade de quem a pratica. Mulher que não aprendeu o valor da sedução, mesmo que estejamos aqui falando da sedução através da palavra, fadou-se ao tédio, mero rumor de pedras. Poesia tem mais é que chicotear, assombrar, causar estranheza. De pura lava devem ser constituídas as imagens, as metáforas que irrompem da solidão do poeta, terreno minado onde se encontra consigo mesmo. Poesia? É pura papa fina, de se cozer em fogo alto, um coup de dés, lance de dados em uma explosão implodida. Três coisas devem ser fundamentais na poesia que se quer necessária: o sentido poético propriamente dito, o senso erótico (que refulgirá sutil, nada a ver com pornográfica que só diminui tudo o que toca por ser rasa e explícita) e o senso de humor (lúdico e todo voltado para a vida que se quer). A poesia pode também ser “pictórica”, como um quadro, quadros espontâneos inspirados na natureza, porque afinal expõe o prazer da dionisíaca celebração com tudo o que nos cerca, em pleno estado de graça. Solar ou lunar, a poesia tem é de estar alerta. E ser toda uma louvação e um extasiado testemunho de alegria. Em minha poesia utilizo bastante a palavra ara que, no idioma tupi, língua falada no Brasil até o século XVIII e XIX pelos primeiros brasileiros,

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nossos índios, significa luz, dia, claridade, podendo até significar firmamento. Assim, essa poesia-pintura, revelada em um valor a mais como poesia ecológica, está voltada à imagética que nos remete ao paraíso, seja um paraíso pagão grego, todo voltado para a descoberta do corpo, ou para o Paraíso bíblico, judeucristão. É a paz sonhada entre os viventes. Não é à toa que minha poesia fala tanto em água, principalmente em meu quinto livro, Magma (considerado pela crítica e pela mídia como o primeiro livro de poeta mulher todo escrito em temática erótica, editado em 1982 e recebendo por unanimidade – menos o voto de um padre acadêmico, por razões óbvias – o “Prêmio de Poesia da ABL – Academia Brasileira de Letras”. Além deste episódio curioso do voto contra do padre acadêmico da ABL, para meu livro Magma (entregue ao editor Massao Ohno cerca de quatro anos antes de ser editado, na década de 1970, uma vez que sabe-se quantos anos levam os editores para fazer uma edição caprichada de poesia – meus livros, sempre bancados pelos vários editores que tive, os fizeram levando no mínimo dois anos, quando não quatro), teve outro, o comentário do acadêmico Antonio Houaiss, que apresentou MAGMA: “Olga, Você Lara tanto em água neste livro que arrisca-se a ficar afogada”. Por falar em Houaiss, bem antes até de MAGMA, quando eu estava com três livros publicados, ele, Francisco de Assis Barbosa, Jorge Amado e muitos outros acadêmicos viviam me perguntando por que eu não me candidatava à Academia Brasileira de Letras. Diziam que obra eu já tinha para: livros pessoais, participação em várias antologias brasileiras e estrangeiras, muitas traduções de autores conhecidos, palestrante, antologista, com reconhecimento em território nacional e no exterior, que mais que merecia pertencer à ABL e estar entre meus pares. À época eu não pensava nisto. Mais tarde, mais amadurecida e com obra bem mais ampla, porém exacerbadamente exigente comigo mesma, julguei que candidatarme só deveria ser feito quando eu tivesse pelo menos 12 livros pessoais já editados a apresentar, fora os vários livros nas áreas em que sempre atuei. Se tivesse menos exigência, possivelmente já estaria na ABL desde a década de 1980. ou movida a desafios – e à paixão pelo meu trabalho. Sempre. Por conta disso, minha obra tem merecido inúmeras teses de doutorado na UFRJ, na Usp e até uma tese da professora Maria Longobardi, na Itália, entre outras. Estudada pelas professoras doutoras Nelly Novaes Coelho, Angélica Soares, Dalma Nascimento, Claudia Pastore, etc., tenho sido chamada pela professora doutora da Usp–Universidade de São Paulo Marleine Paula Marcondes e Ferreira de Toledo de multimídia. Principal estudiosa e especialista em minha obra, a professora Marleine Paula Marcondes e Ferreira de Toledo, que a estuda desde a década de 1980, já publicou dois livros, tendo-me como assunto: A Voz das Águas: Uma Interpretação do Universo Poético de Olga Savary (Lisboa –

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LITERATURA A ORIGEM DE TUDO: IMAGEM E PALAVRA

Portugal, Edições Colibri / Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra / Universidade de São Paulo, 1999. Prêmio APCA de Ensaio 2000) e Olga Savary: Erotismo e Paixão (São Paulo, Ateliê Editorial, 2009). O primeiro livro é um longo ensaio sobre meus 10 primeiros livros de poesia; o segundo, idem sobre os outros 10 de poesia e de contos; prepara ela agora o terceiro livro sobre minha vida e obra. Procurei dar neste depoimento algumas das respostas às perguntas que me fizeram em entrevistas nos principais órgãos da mídia nacional e internacional, uma forma de me colocar diante da minha grande paixão na vida: a poesia e a literatura como um todo. Esta é minha simples maneira de celebrar a beleza ímpar de nossa Língua Brasileira. Força é exercer e conservar esta paixão, jamais atraiçoá-la, nunca arrefecer. Paixão pelo Brasil e sua esplêndida Língua é de raiz, não há antídoto. Converso com a poesia e digo a ela, como na oração: Diz uma só palavra, poesia, e serei salva. É na palavra que a vida se concentra. Ouço o canto da Sereia, o verdadeiro canto, e vou. Alguns querem as reles coisas de sempre, os objetos de consumo. Para o poeta, consumo é sempre a Poesia. Se tudo escureceu, força é buscar a luz do paraíso, a claridade ampla e total. O poeta escreve na tempestade ou na calmaria, livre, liberto e incondicionado como um pássaro, que seria aqui o representar a espiritualidade, os estados superiores do ser. Palestra pronunciada no curso de pós-graduação da UEFS, em Salvador, Bahia.

Olga Savary, a pioneira nos haicais Olga Savary é escritora, tradutora e jornalista. Tem 20 livros de poesia e ficção, pessoais e mais de 980 coletivos (centenas de antologias que organizou e integrou, no Brasil e no exterior). Convidada, é a única escritora a constar da antologia Poesia da América Latina (entre apenas 18 poetas, entre os quais dois Prêmios Nobel: Neruda e Octavio Paz, editada na Holanda, em 1994). Integra as antologias Os Cem Melhores Contos do Século e Os Cem Melhores Poemas do Século (Rio de Janeiro, Objetiva, 2000). Recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de poesia, conto, romance, crítica, ensaio, tradução e jornalismo (3 “Jabuti”, vários Prêmios UBE-RJ e UBE-SP, vários Prêmios da Academia Brasileira de Letras, nas várias áreas literárias, inclusive o Prêmio Machado de Assis para Conjunto de Obras, o Prêmio Internacional Brasil-América Hispânica para poesia). É pioneira em publicar haicais no Brasil, no início da década de 1940, menina ainda, e depois em divulgar e traduzir os clássicos japoneses do haicai. Pioneira também em publicar o considerado primeiro livro todo em tema erótico no Brasil e em ter organizado a primeira antologia de poesia erótica. E em utilizar palavras do idioma tupi em tudo o que escreve, seja poesia, ficção ou ensaio. Tem mas 10 livros no prelo e a sair. Pelos editores com os quais trabalha e admiradores de sua obra está colocada em mais de 300.000 sites.

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PREMIAÇÃO

Corrupção no futebol dá o bi no Esso de Jornalismo à Folha Pelo segundo ano consecutivo a Folha de S. Paulo conquista a maior láurea do mais destacado prêmio jornalístico do País, desta feita com uma série de reportagens sobre o longo reinado de Ricardo Teixeira à frente da Confederação Brasileira de Futebol-CBF. Pelo segundo ano consecutivo, já que ganhara a mesma distinção em 2011, com a reportagem de Renata Lo Prete, O patrimônio e as consultorias que derrubaram Palocci, sobre o escândalo do mensalão, a Folha de S. Paulo conquistou a principal láurea do Prêmio de Esso de Jornalismo, cujos vencedores foram anunciados em 12 de novembro. Os jornalistas Filipe Coutinho, Julio Wiziack, Leandro Colon, Rodrigo Mattos e Sérgio Rangel foram contemplados com o prêmio principal do certame pela série de reportagens O jogo suspeito e a queda de Ricardo Teixeira. Examinados em três etapas por duas comissões de julgamento, os trabalhos publicados na Folha destacam que o Teixeira misturou seus interesses particulares com os da Confederação Brasileira de FutebolCBF, fato apontado como motivo de seu afastamento. O Prêmio Esso de Jornalismo chegou em 2012 à sua 57ª edição consecutiva, comemorando mais um recorde de trabalhos inscritos – foram 1.302 no total. “O Prêmio Esso de Jornalismo, herdeiro do Repórter Esso, que surgiu há mais de 70 anos, é uma página importantíssima desta nossa História e mostra o nosso comprometimento com o País”, declarou Alexandre Marques, Presidente da ExxonMobil no Brasil. Os vencedores do Prêmio Esso de Jornalismo, Prêmio Esso de Reportagem e de outras dez categorias de mídia impressa tiveram seus nomes escolhidos pela comissão de premiação de mídia impressa no dia 8 de novembro. Comissões específicas escolheram os vencedores do Prêmio Esso de Telejornalismo e do Prêmio Esso de Fotografia. Os premiados serão homenageados no dia 4 de dezembro de 2012 durante um jantar no Rio de Janeiro. Os vencedores tiveram seus trabalhos indicados após o exame pelos jurados das comissões de premiação de 72 finalistas, sendo 50 de mídia impressa, doze trabalhos fotográficos e 10 trabalhos de telejornalismo. Os finalistas foram previamente selecionados do total de 1.302 trabalhos inscritos, dos quais 677 reportagens, séries de reportagens ou artigos; 213 trabalhos fotográficos; 329 trabalhos de criação gráfica (Jornal, Revista e Primeira Página) e 83 trabalhos de telejornalismo.

miliar, a pobreza e as falhas do Estado arrancam crianças de casa e da escola e as jogam nas calçadas e nas drogas. A reportagem Filho da Rua, publicada no jornal Zero Hora, apresenta em 16 páginas um retrato inédito de um problema crônico da sociedade brasileira. O Prêmio Esso de Fotografia coube ao repórter-fotográfico Wilton Junior, ao registrar a Presidente Dilma Rousseff no momento em que passava em revista a tropa na cerimônia de entrega de espadins aos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, Estado do Rio. A foto Touché, publicada pelo Estado de S. Paulo, mostra a Presidente em posição em que parece estar sendo trespassada pela espada de um militar. A Comissão de Premiação

A Comissão de Premiação do Prêmio Esso de Jornalismo 2012 que julgou os trabalhos de mídia impressa (à exceção da Categoria Fotografia) foi composta pelos jornalistas Francisco Ornellas, Luiz Garcia, Mário Vítor Santos, Thales Guaracy e Xico Vargas. Coube-lhes examinar 50 trabalhos finalistas e apontar os vencedores das Categorias, além do Prêmio Esso de Reportagem e o prêmio principal, o Prêmio Esso de Jornalismo 2012. Comissão de Premiação de Telejornalismo foi formada pelos jornalistas Ana Gregati, Christina Pinheiro e Nélson Hoineff, que voltaram suas atenções para os dez trabalhos finalistas. Uma comissão especial formada por 50 editores de fotografia dos principais veículos brasileiros foi encarregada de apontar a foto vencedora do Prêmio Esso de Fotografia, dentre um total de 12 fotos finalistas. Coube às diversas comissões do Prêmio Esso, num total de 90 jurados, selecionar os finalistas e indicar os vencedores de 13 distinções de mídia impressa, além do Prêmio Esso de Telejornalismo.

Crianças na rua

O Prêmio Esso de Telejornalismo foi atribuído à equipe da Rede Bandeirantes, chefiada pelo jornalista Fábio Pannunzio, pela série de reportagens intitulada Desaparecidos. O trabalho destaca histórias comoventes de pessoas que procuram desesperadamente por filhos, pais e irmãos, vistos pela última vez quando saíam de casa, escola ou trabalho. Por três anos, a repórter Letícia Duarte, vencedora do Prêmio Esso de Reportagem, acompanhou os passos de um menino para revelar como a omissão, a desestrutura fa-

Touché, do repórter-fotográfico Wilton Junior, recebeu o Prêmio Esso de Fotografia.


Prêmio Esso de Educação DIPLOMA E R$ 5.000,00

Antônio Gois, Chico Otávio, Efrém Ribeiro, Odilon Rios, Letícia Lins e Carolina Benevides, com o trabalho Aula de Excelência na Pobreza, publicado no jornal O Globo. Prêmio Esso Especial de Primeira Página DIPLOMA E R$ 5.000,00

Ana Dubeux, Saulo Santana, Carlos Alexandre, Plácido Fernandes, Marcelo Agner, Luís Tajes e Varilandes Gonçalves, com o trabalho Adeus, Chico, publicado no jornal Correio Braziliense.

A edição 2012 do Prêmio Esso de Jornalismo atribuiu aos vencedores um total de R$ 112 mil. Foram premiados:

DIPLOMA E R$ 5.000,00

Alessandro de Castro Alvim, Renato Carvalho, Michelle Rodrigues e Kamilla Pavão, com o trabalho Cristo, publicado no jornal O Globo.

Prêmio Esso de Jornalismo 2012

Prêmio Esso de Criação Gráfica Categoria Revista

DIPLOMA E R$ 30.000,00

DIPLOMA E R$ 5.000,00

Filipe Coutinho, Julio Wiziack, Leandro Colon, Rodrigo Mattos e Sérgio Rangel, com o trabalho O jogo suspeito e a queda de Ricardo Teixeira, publicado no jornal Folha de S. Paulo.

Rafaela Ranzani, Camila Durelli, Manuela Alcântara e Fernando Luna, com o trabalho Lebmra Quem Tmoou Toads?, publicado na revista TPM. Prêmio Esso Regional Norte/Nordeste

Prêmio Esso de Telejornalismo 2012

DIPLOMA E R$ 3.000,00

DIPLOMA E R$ 20.000,00

João Valadares, com o trabalho Reencontros, publicado no Jornal do Commercio do Recife.

Fábio Pannunzio, Edvander Rodrigo Silva, Eliete Cavalcante de Albuquerque, Rosângela Marques Lara, Luiz Pessoa Júnior, Ubaldino Mota, Josenildo Tavares e José Antônio Martins de Palma Gonçalves Peres, com o trabalho Desaparecidos, exibido na Rede Bandeirantes de Televisão.

Prêmio Esso Regional Centro-Oeste DIPLOMA E R$ 3.000,00

Daniela Arbex, com o trabalho Holocausto Brasileiro, publicado no jornal Tribuna de Minas.

Prêmio Esso de Reportagem

Prêmio Esso Regional Sul

DIPLOMA E R$ 10.000,00

DIPLOMA E R$ 3.000,00

Letícia Duarte, com o trabalho Filho da Rua, publicado no jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

Adriana Irion e José Luís Costa, com o trabalho Meninos Condenados, publicado no jornal Zero Hora .

Prêmio Esso de Fotografia DIPLOMA E R$ 10.000,00

Prêmio Esso Regional Sudeste

Wilton Junior, com a foto Touché, publicada no jornal O Estado de S. Paulo.

DIPLOMA E R$ 3.000,00

Prêmio Esso de Informação Econômica

Fausto Macedo e Felipe Rocondo com o trabalho Farra Salarial no Judiciário, publicado no jornal O Estado de S. Paulo.

DIPLOMA E R$ 5.000,00

Claudia Safatle e Ribamar Oliveira, com o trabalho O dia em que o Brasil quebrou, publicado no jornal Valor Econômico. Prêmio Esso de Informação Científica, Tecnológica ou Ambiental DIPLOMA E R$ 5.000,00

Cristiane Segatto, com o trabalho O paciente de R$ 800 mil, publicado na revista Época.

Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa A Comissão de Premiação do Prêmio Esso de Jornalismo 2012 decidiu atribuir a distinção de Melhor Contribuição à Imprensa ao jornal O Globo, pelo produto Globo a Mais, resultado do investimento da empresa no aperfeiçoamento da difusão de informação por meio de um novo formato.

Ao lado o trabalho ganhador do Prêmio Esso de Criação Gráfica, Categoria Jornal. Acima, o Prêmio Esso Regional Norte/Nordeste.

Autores do trabalho vencedor na Categoria Televisão fizeram esforço especial para evitar que os espectadores chorassem diante dos dados que a matéria apresentava. Oito trabalhos de diferentes Estados do País foram contemplados com o Prêmio Abdias Nascimento de Jornalismo, destinado a laurear matérias jornalísticas voltadas para a luta da população negra e o combate ao preconceito racial. Na Categoria Televisão, a vencedora foi Luciana Barreto, autora da reportagem Negros no Brasil – Brilho e Invisibilidade, veiculada na TV Brasil. “Quando compilamos os números, percebemos que a realidade era muito dura. Tivemos que pensar em como não fazer as pessoas chorarem em casa”, conta Luciana. Na mesma Categoria, Miriam Leitão e Cláudio Renato receberam menção honrosa pelo trabalho A arqueologia da escravidão, da GloboNews. “Foi um reportagem emocionante de fazer. Chamei historiadores negros, jovens, que pudessem contar a chegada dos negros pelo (cais do) Valongo”, lembra Miriam. “Todos os trabalhos que estão na disputa são muito bons”, completa. Na Categoria Mídia Impressa, os vencedores foram Antonio Gois e Alessandra Duarte, com a matéria Desigualdade em trabalhos iguais, de O Globo. O texto revela, com base em dados do IBGE, as diferenças salariais no mercado de trabalho em função da cor da pele. “Negros ganham menos do que brancos e mulheres ganham menos do que homens, inclusive no jornalismo”, atesta Gois, expondo o reflexo do preconceito que foi retratado em números na reportagem. A noite de entrega, em 12 de novembro, dos prêmios reservou uma surpresa para o professor e jornalista Muniz Sodré. Ele recebeu uma placa do Prêmio Abdias pela sua militância no combate ao racismo e pela luta em nome da diversidade cultural. “Abdias Nascimento se arriscou para garantir o protagonismo do negro na sociedade brasileira. A palavra da libertação e da afirmação do negro ninguém para mais”, afirmou Sodré. O evento foi encerrado com a participação do jornalista Heraldo Pereira, que falou da longa caminhada contra o preconceito, e com show de samba da Tia Surica, da Velha Guarda da Portela, e participação especial da cantora Mariene de Castro.

RICARDO STUCKERT/PR

OS VENCEDORES

Prêmio Esso de Criação Gráfica Categoria Jornal

Prêmio Abdias tem oito ganhadores

QUEM GANHOU O QUÊ Foram estes os ganhadores da segunda edição do Prêmio Abdias Nascimento de Jornalismo: Mídia Impressa Antonio Gois e Alessandra Duarte, Desigualdade em trabalhos iguais, O Globo. Televisão Luciana Barreto e equipe, Caminhos da Reportagem: Negros no Brasil – Brilho e Invisibilidade, TV Brasil, RJ; Menção honrosa: Míriam Leitão e Cláudio Renato, A Arqueologia da Escravidão – Cemitérios dos Pretos Novos e Cais do Valongo, Globo News, RJ. Fotografia Nilton Fukuda, Excluídos pelo Crack, O Estado de S. Paulo. Rádio Nestor Tipa Junior, Quilombos Urbanos, Rádio Gaúcha, RS. Especial de Gênero Ed Wanderley, Negra é minha cor, Diário de Pernambuco. Internet Priscila Borges, UNB já formou mais de 1 mil universitários pelas cotas, Portal iG , (DF). Mídia Alternativa ou Comunitária Tatiana Félix, Karol Assumção, Natasha Pitts e Rogéria Araújo, Série Negros no Ceará: Redenção?, Agência Adital, Fortaleza.

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LIBERDADE DE IMPRENSA

O

anteprojeto do novo Código Penal, elaborado por uma Comissão constituída pelo Presidente do Senado, Senador José Sarney e já em tramitação na chamada Câmara Alta do Congresso Nacional, prevê o agravamento das penas atualmente cominadas para os crimes de imprensa, as quais poderão ser até duplicadas, como no caso do delito de calúnia, cuja pena máxima poderá ser ampliada de três anos para seis anos. Esse aspecto do anteprojeto foi realçado pelo Desembargador Luiz Gustavo Grandinetti no 10º Fórum Permanente de Direito à Informação e de Política Social do Poder Judiciário, realizado em 23 de outubro passado pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro– Emerj e que versou o tema Liberdade de Imprensa, de Expressão, de Opinião e o Anteprojeto do novo Código Penal. Participaram do evento o Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos; a Presidente da Emerj, Desembargadora Leila Mariano; o Desembargador Fernando Foch, o Desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, o Desembargador Luiz Gustavo Grandinetti, o Desembargador José Muiños Piñeiro Filho e o jornalista e advogado Eugênio Bucci. Destacou-se no encontro que o novo Código vai influir direta ou indiretamente na apuração da notícia, além de atingir os meios de comunicação e o direito de divulgar e cobrir os fatos. O Desembargador José Muiños Piñeiro Filho, um dos integrantes da Comissão que elaborou o anteprojeto do novo Código Penal, disse durante o Fórum: “Demos imunidade à imprensa. Em qualquer país do mundo não há precedente igual a esse. Se o anteprojeto for aprovado na Câmara dos Deputados, pois deve passar no Senado, será um avanço imenso da liberdade de expressão no Brasil”.

CRÍTICAS A CHÁVEZ Ao abrir o evento, disse o Desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos San28

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Delito de calúnia terá a apenação majorada de um ano a dois anos para um a três anos; o de difamação, de três meses a um ano para um a dois anos; o de injúria, de um a seis meses para seis meses a um ano. Essas e outras mudanças propostas no anteprojeto encaminhado ao Senado foram discutidas no 10º Fórum da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, que debate vários aspectos das modificações propostas. P OR A RCÍRIO G OUVÊA

tos, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Nós passamos por um período difícil no Brasil relativo à liberdade de expressão, sobretudo na América Latina. Nós temos alguns países aqui na América do Sul, que apesar da aparência, possuem problemas graves de liberdade de imprensa. E entre esses problemas está o relativo ao Presidente Hugo Chávez, da Venezuela, que usa a democracia para corroê-la por dentro”. “Quando se pretende acabar com a democracia são duas coisas que se faz: acabar com as prerrogativas do Judiciário. Não confundir prerrogativas do Judiciário com prerrogativas dos magistrados, pois esse é um erro: as prerrogativas vêm para atender ao interesse público, ao interesse social. Sem um Judiciário livre jamais haverá uma plena democracia. Estamos vendo isso agora aqui no Brasil. A segunda coisa que os governos autoritários fazem é acabar com a liberdade de imprensa. “Por iniciativa do Desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, tivemos oportunidade de criar o Fórum Permanente do Direito à Informação e de Política de Comunicação Social do Poder Judiciário, com a precípua finalidade de ampliar e aprofundar a discussão sobre liberdade de imprensa e expressão no Brasil. Fizemos aqui, há dois anos, um

evento muito grande em que vieram representantes da imprensa da Venezuela, do Equador e da Argentina, onde o problema é tão grave quanto o da Venezuela. Na Argentina, a Presidente Cristina Krischner está querendo asfixiar economicamente os meios de comunicação que fazem oposição ao Governo, principalmente o Grupo Clarín e o Grupo La Nación. O Governo está fazendo uma campanha sórdida contra esses grupos porque eles não são chapa branca. Sem uma imprensa livre nós não sabemos sequer as mazelas do Poder Judiciário, porque muita coisa chega ao nosso conhecimento através da imprensa.” “Existe coisa errada no Judiciário? É claro que existe, nós magistrados somos seres humanos, apesar de uma meia dúzia de colegas, e eu por uma questão ética não poderia citar nomes aqui, embora informalmente até pudesse, que se sentem deus-embargadores. Uns dois ou três se consideram assim. São pessoas que por uma vaidade mórbida ou por um autoritarismo arraigado, patológico, se colocam acima do bem e do mal. É através da imprensa livre que a gente toma conhecimento de muita coisa.” “É preciso que os jovens magistrados fiquem atentos com relação à importância da liberdade de imprensa. A liberdade

de imprensa e um Judiciário livre são os pilares da democracia. Isso é uma espécie de chavão, muita gente repete isso, mas é a verdade. Sem uma coisa e outra nós jamais teremos democracia em nosso País.”

A RECEITA DO FAORO O Desembargador e jornalista Fernando Foch fez um aparte: “Reforçando tudo o que o nosso Presidente disse, quero lembrar algo do qual fui testemunha in visu. Quando o General Geisel, na Presidência da República, começou a implementar o programa de abertura lenta, gradual e segura, ele encarregou o Senador Petrônio Portela de ouvir a sociedade civil. E o Senador Petrônio Portela saiu por aí. Colheu na CNBB laudas e laudas de estudos de ciências políticas, colheu em outros setores também alentados estudos e foi então à OAB, que era presidida por um homem notável, um verdadeiro estadista, Raimundo Faoro, colher a sua opinião, a receita da OAB com relação a uma verdadeira e plena democracia”. “Concordou-se então com um encontro no apartamento do Senador Petrônio Portela, na Rua Joaquim Nabuco, em Copacabana. A conversa durou uns 20 minutos, incluindo aí amenidades. O Presidente Raimundo Faoro não deu nenhuma lauda, nada por escrito ao Senador Petrônio Portela, ficando o encontro registrado no campo apenas da conversa. Eu sou testemunha porque estava cobrindo a reunião para o jornal O Estado de S. Paulo, do qual eu era repórter especial. O Professor Raimundo Faoro disse na oportunidade que para se restabelecer a democracia no Brasil bastava que se restituíssem à magistratura suas garantias e que fosse restaurado o habeas corpus. Essa era a receita para a liberdade”.

“IRMÃS GÊMEAS” Em seguida falou o Desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, citando que a independência judicial e a liberdade de imprensa são irmãs gêmeas: “Esse 10o Fórum muito nos orgulha, prin-

MUNIR AHMED

Anteprojeto do futuro Código Penal aumenta as penas de crimes de imprensa


DIVULGAÇÃO

cipalmente depois daquele tão significativo encontro histórico de 2010, quando aqui estiveram jornalistas representantes de tantos países sul-americanos, principalmente o Carl Bernstein, jornalista norte-americano que fez toda a investigação do Caso Watergate, que acabou resultando no impeachment do Presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos. “O Presidente Manoel Alberto se referiu à Emerj e suas realizações e o que isso revela? Revela uma nova preocupação do Poder Judiciário. Ou seja, há 20 ou 30 anos atrás a cultura do Poder Judiciário era uma cultura de isolamento, mas hoje é crucial, é fundamental, uma interlocução com a sociedade civil, com a imprensa. Quando o Presidente Manoel Alberto salienta que são duas vertentes, dois eixos principais da democracia: a independência judicial e a liberdade de imprensa, elas são sim irmãs gêmeas ou siamesas, na questão da garantia de funcionamento da democracia. Não há democracia sem um Judiciário forte, altivo, independente, e sem uma imprensa que também possa atuar com liberdade, uma liberdade ampla e plena sem estar sujeita a vetores de censura.” “Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve uma decisão histórica quando afirmou a incompatibilidade da Lei de Imprensa com relação à Constituição de 1988. Não por acaso a Lei de Imprensa (Lei nº5.250/67) é de 1967, pois todos sabemos que o regime militar começou em 1964 e teve um recrudescimento extremo em 1968, com o AI-5, mas em 1967 vem a Lei de Imprensa. O Supremo, recentemente, em um processo de relatoria do Ministro Ayres Brito, decidiu que qualquer Lei de Imprensa que pretenda reprimir ou estabelecer limites muito severos com respeito à atividade da imprensa seria incompatível com os direitos fundamentais da Constituição.” “Direitos fundamentais, dos quais o principal é a liberdade de informação. A liberdade de imprensa é instrumental direito da informação. O Desembargador Luiz Gustavo Grandinetti tem um livro também importantíssimo a esse respeito, ao fazer associação entre o direito fundamental, o direito básico à informação verdadeira e à liberdade de imprensa. Quer dizer, a liberdade de imprensa como um canal, um veículo de asseguramento do direito fundamental de qualquer cidadão, de qualquer um de nós à informação verdadeira. Um direito que a gente chama difuso, um direito difuso à informação verdadeira. Existe esse direito. Ele diz nessa obra que um direito é extensão do outro: direito fundamental à informação verdadeira e liberdade de imprensa.” “No entanto, existe a contraface disso, ou seja, nós não podemos ter uma liberdade absoluta. Também achamos que não poderíamos ter uma Lei de Imprensa, porque ela seria inconstitucional por reprimir a liberdade fundamental da imprensa como expressão da liberdade de opinião, ao mesmo tempo temos que ter no Código Penal a tutela desses valores, da honra que pode ser atingida por manifestações exacerbadas na imprensa.”

Desembargador Fernando Foch: testemunha do encontro entre o Senador Petrônio Portela e Raimundo Faoro.

OS MARCOS DA REFORMA “A imprensa pode exagerar? Pode. Nós também podemos exagerar e falhar e a imprensa também pode. E onde estará essa tutela se não está numa lei específica de imprensa cujo viés foi considerado autoritário pelo Supremo Tribunal Federal? Estaria então no Código Penal comum, onde todos os crimes contra a honra estão contemplados e ali é que se vai tratar do exagero ou do abuso da violação da honra pela atividade exacerbada ou violadora que apareça por parte da imprensa.” O Desembargador José Muiños Piñeiro Filho, integrante da Comissão que elaborou o anteprojeto do novo Código Penal, foi o seguinte a abordar o tema: “É uma satisfação estar aqui e poder discorrer sobre esse assunto porque desde abril de 2009 eu leciono Lei de Imprensa. Eu digo abril de 2009 porque foi a época que o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de não considerar recepcionada pela Constituição aquela lei de 1967, bem lembrada pelo Desembargador Luiz Fernando. “Com isso deixamos de ter mais uma lei extravagante e agora temos essa oportunidade de discutirmos não a lei, mas a matéria, aqui neste Fórum, no momento em que o Senado Federal está debatendo um anteprojeto elaborado por uma comissão de oito profissionais de Direito, três magistrados e presidida pelo Ministro Gilson Dipp, que também coordena a Comissão da Verdade e até em função disso teve um probleminha de estresse.” “Lógico que aqui não teremos tempo para falarmos sobre a reforma do Código Penal, mas sob o aspecto pontual do que foi projetado dizendo respeito a matérias como liberdade de imprensa e comunicação em geral e que tratamento foi dado a esses temas. Claro que sabemos que alguma coisa, direta ou indiretamente, vai atingir os meios de comunicação e o direito de divulgar e cobrir fatos e se haverá uma criminalização ou não em eventuais abusos.” “O trabalho da comunicação é o de levar em particular aos profissionais de Direito a notícia de que esse anteprojeto, que agora já é projeto, pois o Senado já o transformou em projeto e está em discussão por uma Comissão Especial, pode ser muito bom para os dois lados. E claro, felizmente, vem sofrendo críticas,

algumas ácidas, talvez exageradas, porém fundamentais para que o próprio Senado e depois a Câmara dos Deputados, é o que se espera, possam discutir e votar, pois essas Casas é que são as dignas representantes da sociedade.” “A primeira coisa a falar da liberdade de imprensa são os marcos. O primeiro marco é a própria Constituição. É o artigo 5o, que desde logo, como um direito fundamental, expressa a total liberdade de manifestação do pensamento, ressaltando-se que pode ser punido o abuso. É óbvio, porém, a liberdade de se manifestar está garantida na Constituição e mais do que garantia constitucional é uma garantia fundamental, prevista na Constituição. “Mas não ficamos somente no artigo 5o, porque o artigo 5o é o introdutor, é o básico, é o fundamental, o pilotis, mas ele se prolonga e eu uso o verbo prolongar porque é o Ministro Ayres Brito, no seu magistral voto como relator da ADPF uma verdadeira aula de sociologia, de ciência política, de cidadania e de conhecimento jurídico, que afinal cumpriu pela não recepção da Lei 5.250, que bem define esse balizamento. Primeiro, colocando a liberdade de imprensa como categoria jurídica e ele diz muito sabiamente: ‘A plena liberdade de imprensa deve ser vista como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia’. Então, esse é um marco que a partir de 2009 passamos a ter somandose ao que diz a própria Constituição.”

“A BEM DO INTERESSE PÚBLICO, A IMPRENSA É INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. A CRÍTICA JORNALÍSTICA, PELA SUA RELAÇÃO DE INERÊNCIA COM O INTERESSE PÚBLICO, NÃO PODE SER, A PRIORISTICAMENTE, VÍTIMA DE QUALQUER CENSURA.” “Vai mais além, no capítulo constitucional da comunicação social, artigo 220, está dito ‘como segmento prolongador das liberdades de manifestação do pensamento’. E por que isso? Porque existem dois grandes blocos que envolvem o tema. Um bloco ele chama de ‘direitos que dão conteúdo à liberdade de manifestação do pensamento’ e o outro bloco ‘aquele que protege a honra e a privacidade’. Mas, diz ele, e entenda-se aí o Supremo Tribunal Federal, e vejam que coisa maravilhosa, ‘a categoria jurídica liberdade de imprensa se impõe, prevalece, sobre a categoria privacidade e garantia da honra’. Numa forma magistral, ele deixa claro que ainda que haja perifericamente controle do abuso a posteriori, como direito de resposta, uma indenização, uma punição pelo tribunal, isso também é uma forma de coibir o abuso. Mas

o abuso, ou o pretenso abuso, ou a pretexto de um pretenso abuso, jamais permitirá o Judiciário impedir, censurar, proibir, a divulgação de uma matéria.” Ao final, o Ministro Ayres Brito diz: “A bem do interesse público, a imprensa é instância natural de formação da opinião pública alternativa à versão oficial dos fatos. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não pode ser, aprioristicamente, vítima de qualquer censura.” “Então, evidentemente, a par do artigo 5o como direito fundamental, o artigo 220 da Constituição diz: ‘A manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, sob qualquer forma, não sofrerão restrição. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena informação jornalística vedada qualquer censura de natureza política, ideológica e artística’.

CINCO ARTIGOS EM DISCUSSÃO “Cito aqui cinco artigos para serem discutidos. E o primeiro é desacato, porque a proposta do projeto é de revogar o artigo 331 do atual Código Penal, porque a comissão entendeu, atendendo a pedido da Comissão de Liberdade de Expressão da OEA, que os países signatários do tratado não adotem, ou revoguem, ou façam desaparecer das suas ordens jurídicas o crime de desacato. Na Onu, também existe essa prática, pois o desacato é responsável pelo grande número de jornalistas assassinados, número que aumenta a cada ano e não somente no Brasil, mas em quase todos os países da América Latina. Há inúmeros exemplos de jornalistas envolvidos em crimes de desacato nas três Américas. Recentemente, no Equador, um jornalista foi preso porque fez um editorial criticando o Governo e foi preso porque lá no Código Penal do Equador o crime de desacato pode ser materializado por meios de comunicação, como existe em tantos outros países.” “Ou seja, isso acaba provocando todo um processo de corrupção e coerção nos meios de comunicação, imposto por muitos governos: quem fala bem da administração federal recebe polpudas verbas publicitárias, quem fala mal não recebe nada. E cria-se aí um ciclo vicioso fatal para centenas de jornais: falar bem provoca uma sobrevida e falar mal, ou melhor, falar a verdade, pode provocar a falência.” “Mas será revogado atendendo a esse pedido da OEA porque o nosso desacato é outro, não envolve a repartição pública, como em outros países. Então, o nosso crime de desacato é imediato, é um policial que foi xingado, é uma autoridade que não foi obedecida, e por aí vai, e não, jamais, um jornalista ser preso ou sofrer ameaça porque escreveu um artigo ou fez uma reportagem denunciando um ato ou os bastidores de um governo. Sei que há um lobby em Brasília, de delegados, que farão pressão para que essa parte não passe, mas aí já foge à minha alçada.” “O segundo tipo penal que de alguma maneira pode atingir a liberdade de im-

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prensa é a revelação ilícita. Essa revelação ilícita é relativa às escutas telefônicas não autorizadas, o conhecido grampo, e quem pratica grampo ilegal pratica crime também. Para esse tipo de crime apenas aumentamos a punição. Porém, o grande problema, a grande questão, é quando o grampo é autorizado na forma da lei, é legal, e ele sai por outros caminhos e aparece na televisão, no jornal, na revista e esse método, digamos, acaba gerando infindáveis processos contra jornalistas nos fóruns pelo Brasil afora.” “Por causa disso tudo, nós entendemos, na Comissão, que a divulgação pela impressa de um grampo legal, sem justa causa, desde que garantido o interesse público, naturalmente afasta qualquer responsabilidade penal do jornalista. E, aqui é necessário explicar por que a expressão sem justa causa, especialmente para quem não é jornalista.” “Optamos por justa causa porque ela é o gênero com várias espécies e uma delas é o interesse público. Para garantir isso volto a ler aquilo que o Ministro Ayres Brito fala: ‘O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de estender críticas a qualquer pessoa ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística pela sua relação de inerência com o interesse público’. Para ficar bem claro, será criminalizado quem divulgou o grampo, o delegado, o parlamentar, o procurador, o funcionário do Congresso, menos o jornalista que publicou a matéria.” “O terceiro artigo é ‘perseguição obsessiva ou insidiosa’. Essa perseguição é uma novidade em termos penais no Brasil, mas não é uma novidade em termos de Direito Penal mundial, até porque já existem previsões sobre isso no Direito Penal europeu e foi aplicado pela primeira vez em Portugal. Essa perseguição, algo como o bullying, atinge aqueles que são vitimados por uma perseguição contínua, permanente, silenciosa, psicológica, enfim, e normalmente tem a ver com uma relação passional, mas nem sempre. Quem assistiu os filmes Instinto Selvagem ou Atração Fatal sabe bem do que eu estou falando. Ela pode ser criminosa e quando se começou a trabalhar com isso ficamos impressionados com a quantidade de pessoas que são continuamente perseguidas. Como seja, por aquele que foi demitido, por aquela pessoa que te liga de madrugada e não fala nada, que lhe persegue na rua, no shopping e você não pode fazer nada. Não pode chamar um policial, afinal, ela não está fazendo nada, está ali parada, com seu direito de ir e vir. E o que isso tem a ver com o tema do nosso Fórum? Porque pode atingir o famoso paparazzi, que eu particularmente acho que não tem nada a ver: a perseguição dele não é permanente, é momentânea. Ele quer apenas tirar a foto ali naquela hora e pronto.” “Mas aí eu pergunto: será que com essa lei estaremos cerceando o trabalho da imprensa? Será que ela não poderá mais publicar as fotos de celebridades porque 30

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REPRODUÇÃO

LIBERDADE DE IMPRENSA

O Desembargador Muiños Piñeiro lembrou o artigo 220 da Constituição: “A manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, sob qualquer forma, não sofrerão restrição.”

elas poderão se sentir ameaçadas? Embora não seja essa a motivação da lei, deixo aqui a questão para ser analisada. Enfim, mais à frente, dependendo dos acontecimentos, poderá ser aprimorada.” O quarto item é o artigo 81 do projeto do novo Código Penal, ‘Circunstância Atenuante’, alínea F: ‘ter o agente sofrido violação dos direitos do nome e da imagem pela degradação abusiva dos meios de comunicação social’. Bem, isso foi proposto e aprovado por unanimidade pelos membros da Comissão. Quero dizer isso porque, quando isso foi proposto em março e alguns meios de comunicação estavam lá cobrindo e o Felipe Coutinho, da Folha de S.Paulo, quando ouviu essa proposta logo nos entrevistou e também o Evandro Éboli, do Jornal O Globo, que publicou exatamente como eu falei, mas deu uma versão um pouco diferente e procurou inclusive o Ministro Gilson Dipp, que na ocasião disse não ser muito favorável à proposta. “O Evandro Éboli foi ainda ao Deputado Miro Teixeira, que se manifestou dizendo achar a proposta medieval, mas ele esqueceu que participou da Constituinte e que ele colocou lá ‘ninguém poderá ser submetido a tratamento degradante’, é a Lei da Tortura. Na Lei de Execução Penal está previsto ‘que constitui um direito do preso não sofrer qualquer forma de sensacionalismo’. Fomos, inclusive, brindados pelo jornal O Estado de S. Paulo de termos idéia asnática, e fui consultar o dicionário e estava lá, burro, asno, cavalgadura. O articulista Luiz Garcia disse que era uma ‘idéia maluca’. Mas jamais, nunca, pensamos em censurar a imprensa com essa lei, pelo contrário.” “Vou terminar esse item dando um exemplo verídico: acontece que o delegado permite que os cinegrafistas ou fotógrafos entrem na casa de um empresário que praticou algum crime. Sua casa é filmada e o produto de seu roubo também. Mas o cinegrafista vai mais além e entra no quarto do casal e filma a cama e objetos eróticos sobre ela. O casal neste caso terá direito a atenuante, pois teve exposta sua vida privada, que nada tem a ver com o crime cometido. É preciso que se tome bastante cuidado com esse tipo de filmagem e que vem ocorrendo com muita freqüência hoje em dia, é preciso haver orientação da empresa com relação a isso, algum

código de conduta dos cinegrafistas, sei lá.” “O quinto item e mais polêmico é o crime de calúnia, injúria e difamação. Na Lei de Imprensa, que não foi recepcionada, as penas eram maiores, naturalmente, em relação ao Código Penal, justamente pelo efeito da divulgação daquela ofensa, eventual honra atingida por um meio de comunicação, mas quem podia ser punido pela Lei de Imprensa não era só o jornalista, e aí é que começa o primeiro equívoco. Hoje, o artigo 141 do Código Penal diz que as penas para os crimes contra a honra ‘serão aumentadas de um terço se qualquer dos crimes é cometido na presença de várias pessoas por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação e da injúria’. Isso está desde 1940 no Código Penal. E agora nós adaptamos ‘as penas são aumentadas se qualquer dos crimes é cometido por meio jornalístico, inclusive o eletrônico, o digital ou qualquer outro meio de comunicação que facilite a divulgação da calúnia, da difamação e da injúria’.”

AS CRÍTICAS “Para finalizar, as críticas que sofremos, – disse Muiños Piñeiro – entre elas da Professora Janaina, da Universidade de São Paulo, são injustas, pois não fizemos nada de novo, apenas adaptamos

uma lei de 1940 ao mundo moderno. E essa lei não foi feita para atingir jornalistas. Se eu publicar um artigo ou der uma entrevista em um programa televisivo e atingir a honra de alguém, serei o responsável por isso; se for condenado, terei a pena aumentada e eu não sou jornalista.” “E aqui exponho o clímax a que chegou a Comissão com relação à liberdade de imprensa, no artigo 141: ‘Não constitui difamação e injúria a opinião desfavorável da crítica literária artística, cientifica e jornalística, salvo quando inequívoca intenção de difamar ’. Demos imunidade à imprensa, em qualquer país do mundo não há precedente. E se for aprovado será um avanço imenso da liberdade de expressão no Brasil. Não o fizemos com a calúnia porque aí já é um outro aspecto. Está garantida, ao contrário, do que em grande parte do mundo civilizado não existe, ou seja, imunidade ao jornalista, evidentemente, dentro da honestidade e verdade dos fatos.” “E termino com uma afirmação do Eugênio Bucci: ‘Quem agride um jornalista, seja de que veículo for, porque ele representa o seu veículo, o seu público, agride o público, agride o jornalismo. A liberdade de imprensa não é um privilégio do jornalista ou dos meios de comunicação é um direito de todos nós.”

O viés autoritário persiste A intervenção do Desembargador Grandinetti. O Desembargador Luiz Gustavo Grandinetti discorreu sobre liberdade de imprensa e expressão e o novo Código Penal: “Vou seguir as pegadas do nosso palestrante Muiños Piñeiro. Logo no início de sua fala o nosso palestrante registrou que o Brasil tem cerca de 1.500 condutas tipificadas e saibam os presentes que cerca de metade dessas condutas foram tipificadas após a Constituição de 1988. Ou seja, depois dos ventos democráticos e de uma constituição cidadã e democrática nós tipificamos cerca de 800 novas condutas, que se tornaram portanto condutas criminosas. Vejam que após a democratização ressurge o viés autoritário que ainda transita no País e que faz o nosso País ser o terceiro em números de encarceramento per capita e o quarto em números gerais do mundo.” “O Brasil, portanto, é o quarto país do mundo em termos de contingente carcerário e o terceiro em relação à população. Isso não é pouca coisa. Daí que eu me preocupo com o aumento generalizado das penas que o anteprojeto trouxe e especificamente no tema que nos cabe trouxe em relação aos crimes de imprensa. Os crimes contra a honra são aqueles crimes potencialmente praticados pelos jornalistas. O crime de calúnia, no Código Penal atual, tem pena de um a dois anos e passará a ter uma pena de um a três anos. O crime de difamação, cuja

pena atual é de três meses a um ano, passará a ter a pena de um a dois anos. O crime de injúria, no qual a pena atual é de um mês a seis meses, passará a ter a pena de seis meses a um ano. Além disso, quando o crime é praticado por meio jornalístico, ou qualquer meio que facilite a sua divulgação, a pena é aumentada em dobro.” “Ou seja, a pena, por essa majorante da divulgação, é muito maior do que o aumento previsto no Código Penal atual. Então, em tese, um jornalista começaria sendo réu em um processo penal com uma pena de até seis anos para calúnia, até quatro anos para difamação e até dois anos para injúria. Penas que são bastante superiores às praticadas hoje no Código Penal. A minha preocupação é que membros da Comissão do anteprojeto vão dizer que o anteprojeto excluiu os crimes que previam aquelas imunidades com os quais eu concordo e saúdo a Comissão por isso, mas o fato é que essa imunidade só ocorrerá no final do processo se o juiz assim o decidir.” “Mas, em tese, o jornalista que eventualmente seja acusado de um crime d e calúnia já estará sujeito a uma pena que pode ir a até seis anos, e aqui há um detalhe, estará excluído dos juizados criminais. Ou seja, hoje, o jornalista eventualmente processado por injúria e difamação será processado em um juizado


divulgar genericamente aquilo que é obtido por meio de um mandado de busca é altamente problemático, porque extrapola a autorização que a Constituição deu ao juiz.” “Veja-se que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Echia, que foi um caso de interceptação telefônica divulgado indevidamente pelos meios de comunicação. Echia era um funcionário público do Estado do Paraná que teve suas conversas gravadas e interceptadas com ordem judicial e imediatamente no mesmo dia a TV Globo transmitia ao público aquelas conversas interceptadas e no outro dia os demais meios de comunicação também passaram a divulgar. O Brasil foi condenado por isso. Então, quando o juiz preserva o objeto da prova, não está censurando os meios de comunicação, está agindo no estrito cumprimento do que dispõem os diplomas internacionais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Constituição brasileira e os tribunais brasileiros. Então, é preciso ver com cuidado redobra-

do o uso dessas expressões, para que não se leve a opinião pública a formar opiniões equivocadas.” “Com relação ao interesse público e justa causa, eu próprio já havia defendido isso em outro evento aqui mesmo na Emerj sobre liberdade de imprensa, quando a TV Globo pretendeu exibir, divulgar ao público uma interceptação telefônica do candidato à Presidência da República Anthony Garotinho. Houve uma liminar impedindo, confirmada pela segunda instância e chegou até ao Supremo, que manteve a proibição. Naquele caso, eu já sustentava que quem tem a chave do cofre ou quem pretende ter a chave do cofre não pode ter ou pretender ter sigilos.” “Nisso eu concordo com a Comissão. A única restrição que faço é que interesse público e justa causa podem parecer termos extremamente vagos e abrangentes para quem não é da área jurídica, como os profissionais da imprensa. Eles podem entender que qualquer conversa interceptada a que eles tenham acesso revele interesse público para divulgação, e não é bem isso. São as pessoas públicas que

não têm direito a toda esfera de privacidade, mas as pessoas privadas, eventualmente interceptadas e acusadas de um crime, mantêm a sua privacidade. A imunidade, do jeito que está no anteprojeto, pode levar um órgão de imprensa crer-se amparado por ela, crer-se autorizado a divulgar interceptações em nome do interesse público e no final ser condenado porque o juiz pode fazer essa distinção entre público e privado. Quero dizer com relação à atenuante que acompanhar uma diligência policial é um ilícito penal, sim; é um crime de violação de domicílio. Quando a imprensa acompanha autoridade policial dentro do domicílio de alguém, está cometendo um crime de violação de privacidade, ainda que convidada por agentes públicos. E cito como exemplo pela imprensa o estouro da fortaleza do banqueiro de bicho Castor de Andrade, há alguns anos, em que um mandado de busca permitiu que o Ministério Público ingressasse na residência do Castor de Andrade e atrás veio a imprensa toda e ali todos cometeram crime de invasão de domicílio.”

Existe censura judicial, sim Eugênio Bucci cita como comprovação a censura ao Estadão. O jornalista e advogado Eugênio Bucci encerrou o seminário: “Eu gostaria de começar dizendo que pode haver, sim, a figura da censura do Judiciário. Gostaria de dizer também que o novo Código Penal será arrojado e trará inovações, principalmente no que nos compete dizer aqui, sobre a liberdade de imprensa, especialmente porque teve a participação brilhante do Ministro Carlos Ayres Brito, que nele deu uma aula de Direito. Seu parecer é atípico e deveria ser utilizado até como ensino em cursos de Jornalismo.” “Ele diz que não existe direito absoluto e que o direito à liberdade e o direito à informação precedem os demais direitos. É por isso que ele diz que o direito à informação e o direito de ser informado vêm antes do direito à privacidade, e não que um seja mais importante que o outro, mas que o fundamento da ordem democrática começa pela liberdade. De modo que não é possível sustentar uma ordem democrática se ela estiver baseada apenas na privacidade de cada um. A privacidade não pode servir de esconderijo ao ilícito, pois fere o direito dos demais e o direito do cidadão e o direito da Justiça punir. O que me preocupa nesse código é que ele não tem encontrado aceitação em setores da sociedade brasileira. Pergunto se não há nele uma carência de legitimidade. O que eu gostaria é que esse novo código fosse debatido de maneira mais ampla pela sociedade e não ficasse restrito apenas ao âmbito do Congresso. Ele precisa de um processo mais amplo de amparo e em muitos aspectos é bastante restritivo.”

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

criminal, cuja estrutura é amplamente mais favorável ao réu porque prevê uma série de possibilidades de excluir o processo penal. No sistema implantado pelo anteprojeto, apenas o crime de injúria poderá ficar no âmbito criminal, ou seja, difamação e calúnia seriam afastados do sistema do Juizado Criminal.” “Isso é altamente preocupante porque nós estaremos com isso deslocando essas infrações da qualificação de menor potencial ofensivo para uma qualificação de ofensividade média. Vem a pergunta: se o bem jurídico aqui tutelado por essas novas formas, novas tipificações do anteprojeto, teriam realmente esse objetivo de deslocar o bem jurídico penal, ou seja, deixando de ser um crime de baixo potencial ofensivo para ser um crime de média potencialidade.” “Talvez a prática jornalística recomendasse que eventuais acusados por essa prática, por esses crimes, respondessem no âmbito do Juizado Criminal e não de uma vara criminal comum. Com relação à revelação ilícita, aqui há uma série de condicionantes. Em primeiro lugar, eu queria registrar a minha desaprovação ao termo censura quando praticada pelo Judiciário. Parece que o palestrante usou a palavra censura, mas ele se referia ao acórdão do Supremo que usou a expressão. Eu discordo tanto do acórdão que usou o termo censura como discordo quando a própria imprensa o faz referindo-se à atividade jurisdicional.” “Judiciário não censura. O termo censura vem do Direito Canônico, era uma pena àqueles que se insurgiam contra as regras eclesiásticas. A pena era de censura. O Judiciário, quando eventualmente restringe a publicidade, restringe a informação, o faz porque alguém o provoca e o provoca de uma forma qualificada, dizendo-se titular de um direito fundamental previsto na Constituição. O Judiciário não restringe a publicidade, a informação por vontade sua; é provocado. O Judiciário não tem uma pauta escondida para dizer o que pode ser publicado e o que não pode, coisa que o censor tem. O Judiciário não tem isso; sua pauta é a Constituição, aprovada pelo Congresso Nacional democraticamente.” “Então, dizer que o Judiciário censura é uma aplicação extremamente equivocada do termo censura. De modo que, em um ambiente em que se divulga para a população toda termos dessa magnitude, há que se ter cuidado com as palavras, para que não se propale uma idéia que é extremamente equivocada. Assim, quando se fala de revelação ilícita, como restrição de uma revelação de uma conversa telefônica, gravada licitamente ou ilicitamente, é preciso ter em mente que não se trata de uma censura, mas cumprimento da Constituição e cumprimento da própria lei que permitiu a interceptação.” “Porque, vejam, quando decreta a quebra de um sigilo constitucional, o juiz não tem carta-branca e nem pode transferir carta-branca a ninguém. A quebra tem uma finalidade, que é obter prova para o processo, e ponto, mais nada. De modo que

Eugênio Bucci: “O novo Código Penal será arrojado e trará inovações sobre liberdade de imprensa.”

“Quero ressaltar que a função do jornalista é contar a todos os cidadãos o que ele descobriu de relevante. O pacto funcional e institucional que ampara o seu fazer de ofício é com a opinião pública e o direito de saber. Nada pode existir, nada, que o impeça de divulgar as notícias que ele descobriu. O próprio ministro Ayres Brito diz no acórdão que nada pode haver que delimite uma barreira, um obstáculo, entre o pensamento ou a expressão do pensamento ou entre uma redação livre e independente e o seu público, os seus leitores. Há de existir uma maneira de punir o abuso, de punir o excesso. Quando nós dizemos que alguma infor-

mação obtida proveniente de alguma interceptação, vamos dizer, com autorização judicial, que não deveria ir ao conhecimento público porque está sob a forma de algum sigilo judicial, o vazamento ou a comunicação disso, quando submetida a esse critério, pode ter uma avaliação subjetiva da autoridade judicial, estamos certos. Pode de um lado querer dizer que isso protege o jornalista e de outro lado pode querer dizer que isso abre sobre a atividade jornalística um peso mais decisivo do que o que nós temos até aqui da autoridade judicial sobre essa atividade.” “Explico melhor, nós não podemos desprezar o fato de que existem hoje no

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LIBERDADE DE IMPRENSA “O PACTO PROFISSIONAL Brasil dezenas de decisões judiciais que estabelecem proibição prévia de que se publiquem determinados assuntos, dados e informações. Muitas vezes nas instâncias superiores essas decisões são revistas, refeitas e revertidas. Já tivemos casos de censura que alcançaram centenas de veículos em todo o território nacional. Já tivemos casos de proibição de pesquisas eleitorais. Ora, se o Judiciário vem decidindo assim como ele não irá decidir com essa abertura no texto legal para condenar um jornalista, um profissional de imprensa? A expressão justa causa, portanto, que aqui aparece como uma garantia do jornalista, pode também abrir janela para a discricionariedade indevida da autoridade judicial.” “O fundamento da ordem democrática começa pela liberdade. É esse o raciocínio do Ministro. Assim, não há como conceber uma ordem democrática se ela estiver sustentada apenas na observância de cada um. Muitas vezes, nós temos percebido isso na vida cotidiana; a privacidade é alegada como um subterfúgio para que ela sirva de abrigo a um ilícito público que fere o interesse dos demais. Ela vira um esconderijo do cidadão de saber e, mais do que isso, o direito da Justiça de investigar e punir. Por isso ele ensina que o direito à informação precede a qualquer outro. É uma lição da mais alta importância, e eu posso falar em nome do jornalismo, uma lição para aqueles que como eu são estudantes no campo do Jornalismo.” “A minha preocupação com relação ao novo Código Penal não é relativa aquilo que se encontra no conteúdo do Código; antes disso, algo que inspira uma certa apreensão, é a maneira como esse Código não tem encontrado sustentação em setores representativos e importantes da sociedade brasileira. A pergunta que eu deixo neste Fórum é se não há uma certa carência de legitimidade nele. As argumentações dos que o criticam são contundentes. Algumas apareceram aqui em exposição neste evento, mas elas são mais do que isso, são bastante representativas porque são entidades, nomes importantes de doutrinadores, de juristas, que estabelecem restrições às vezes definitivas.” “O ponto que eu gostaria de deixar registrado é o seguinte: a sociedade brasileira precisa desenvolver outras aberturas, outros fóruns, outras instâncias, para que no regime de um diálogo aberto, não apenas no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, mas na sociedade de maneira ampla, isso seja mais compreendido e novas modificações sejam incorporadas, porque o novo Código Penal deve vir de um processo um pouco mais sólido de amparo. Lembrando aqui um outro professor, não basta a lei estar conforme aos parâmetros do Direito positivo; ela precisa ser legítima e se há essa crise já causa preocupação. Se essa impressão que tenho tem algum fundo de verdade, se há realmente essa crise, nós precisamos de mais discussão.” “Gostaria de comentar aqui também o artigo 154, que já foi amplamente discutido e comentado. No entanto, é aque32

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E INSTITUCIONAL QUE AMPARA O TRABALHO DO JORNALISTA É COM A OPINIÃO PÚBLICA, COM O DIREITO DE SABER. NADA PODE HAVER QUE O IMPEÇA DE DIVULGAR AS NOTÍCIAS POR ELE APURADAS.” le que não penaliza o jornalista que no exercício de sua função divulgar algum conteúdo obtido por alguma interceptação ou escuta, desde que em justa causa ou por justa causa. Eu comento esse em primeiro lugar. Eu comento esse ponto porque há aqui a necessidade de trazermos noções de fundamento do jornalismo e da informação. Começo dizendo o seguinte: a função do jornalista é contar para os cidadãos o que ele descobriu de relevante. O pacto profissional e institucional que ampara o trabalho do jornalista é com a opinião pública, com o direito de saber. Nada pode haver que o impeça de divulgar as notícias por ele apuradas. Nada pode haver que estabeleça uma barreira entre o pensamento e a expressão do pensamento ou entre uma redação livre e independente e o seu público. Há de haver uma maneira de punir o abuso, de punir o excesso.” “Ora, se nós dizemos que alguma informação obtida de alguma interceptação com autorização judicial que não deveria ir ao conhecimento público, pois estaria sob alguma forma de sigilo legal, o vazamento ou a comunicação disso quando submetida a esse critério pode ter alguma avaliação subjetiva da autoridade judicial, pode de um lado querer dizer que isso protege o jornalista e de outro lado pode querer dizer que isso abre sobre a atividade jornalística um peso mais decisivo.” “Explico melhor: não podemos desprezar o fato de que hoje no Brasil existem inúmeras decisões judiciais, algumas dezenas as mais importantes, que estabelecem proibição prévia de que se publiquem determinados dados, assuntos, determinadas informações. Muitas vezes, a partir dos recursos, essas decisões são revistas e acabam sendo refeitas e revertidas. Já tivemos casos de censuras que alcançaram praticamente uma centena de veículos de circulação nacional que duraram em alguns casos 24 horas e em outros de mais tempo. Já tivemos casos de pesquisa eleitorais proibidas de serem veiculadas. Ora, se o Judiciário vem decidindo assim, como ele não irá decidir, com essa permitida pelo texto legal, para condenar um jornalista.” “A expressão justa causa, portanto, que aqui aparece como uma proteção ao jornalista, pode também abrir janela para a discricionaridade da autoridade judicial. O que é justa causa, mesmo que estivesse sendo usado aqui o conceito de interesse público? De início, uma definição pacífica, que faça escola, que firme jurisprudência, que seja objeto de uma súmula vinculante do que seja considerado de inte-

resse público dos conflitos que o jornalista realmente participe no dia-a-dia.” “Vejo uma certa ambigüidade nessa consideração. Há um certo risco e eu não estou discutindo a boa intenção dos formuladores desse projeto, mas esse risco me chama a atenção. Quando foi mencionado aqui situação ameaçadora nos países vizinhos envolvendo a imprensa, ou de constrangimento, ou de opressão, ou de intimidação, ou de ameaça, a que é que nós nos referimos? Nós nos referimos: em primeiro lugar, à ameaça física e atentados violentos contra jornalistas e suas famílias. No México, a situação é gravíssima. Nós nos referimos também a recursos pelos quais regimes pretensamente democráticos estabelecem obstáculos ao livre exercício da imprensa. Nós nos referimos à tentativas, mais visíveis hoje na Argentina, do poder governamental, instalado na máquina do Estado, de, a pretexto de regularizar o mercado da radiodifusão, intimidar e às vezes inviabilizar alguns veículos jornalísticos, porque eles são críticos e não porque eles concentrem uma fatia do mercado que não deveriam concentrar. Tudo isso cria um ambiente cultural muito frágil; entendamos frágil frente ao argumento cultural da força, da predominância cultural da razão sempre da autoridade. “Nesse ambiente, os cuidados que devemos ter com qualquer mudança legal sobre as atividades jornalísticas devem ficar redobrados; qualquer ambigüidade deve ser perigosa. Essa é a minha preocupação com o artigo 154. A imprensa é útil quando crítica. A imprensa é fecunda quando desagrada quem governa, por melhor que seja o Governo. Nós, do senso comum, costumamos acreditar, somos flexíveis, somos negligentes com uma crença que se difunde e que é algo mais ou menos assim: quando o Governo é muito bom a imprensa não precisa ser tão crítica, e esse é um tremendo engano, por melhor que seja o Governo, a imprensa precisa buscar defeitos, precisa criticar. Quanto melhor o Governo, melhor ficará com uma imprensa crítica e é por isso que ela existe. Existe apenas para estar onde possa haver problemas. “Sobre isso são sábias, novamente, as palavras do Ministro Carlos Ayres Brito, quando ele menciona a contundência dos comentários jornalísticos. Pensem bem, se não fosse para apresentar problemas então para que serviria a imprensa? A imprensa só existe porque o cidadão

“NÃO PODEMOS DESPREZAR O FATO DE QUE HOJE NO BRASIL EXISTEM INÚMERAS DECISÕES JUDICIAIS, ALGUMAS DEZENAS AS MAIS IMPORTANTES, QUE ESTABELECEM PROIBIÇÃO PRÉVIA DE QUE SE PUBLIQUEM DETERMINADOS DADOS, ASSUNTOS, DETERMINADAS INFORMAÇÕES.”

delega o poder e para delegar o poder ele tem o direito de saber. Ele vai exercer melhor essa função de delegar o poder se mais informação tiver e só vai ter mais informação se houver uma instituição que seja independente do poder, encarregada de contar a ele, cidadão, o que ela descobrir desta instituição.” “Portanto, é por isso que a função do jornalista é contar o que ele descobriu e é por isso que o pacto do jornalista é com a opinião pública e é por isso que a imprensa precisa ser livre e crítica. Imprensa, portanto, se confunde com a função de atrapalhar as estratégias dos poderosos quaisquer que sejam eles. De ver problemas onde os poderosos, gostariam que a sociedade visse apenas solução. Sendo assim, a função de guardar um sigilo é da autoridade judicial, se estamos falando de um sigilo de justiça. A função do jornalista, tendo descoberto alguma informação tem no mínimo que considerar a possibilidade de publicá-la. Eu poderia até considerar que o dever do jornalista é contar o que ele sabe. Mesmo que o que ele saiba não seja a expressão final da verdade. O jornalista existe para contar o que descobriu.” “Vejam só o caso da invasão da Baía dos Porcos feita por uma pequena tropa treinada nos Estados Unidos, em 1961. O New York Times tinha a informação e daria essa informação. Um pouco antes, o Presidente Kennedy chama o editor do jornal em Washington e de uma certa negociação resulta que o New York Times deu a notícia com menos destaque, escondida, e foi preferível que não tivesse noticiado nada. E por quê? Porque ao noticiar a invasão à Baía dos Porcos poderia pôr em risco a segurança nacional e contrariaria interesses do Governo e prejudicaria a paz na região. Ora, vários anos depois, o próprio New York Times faz uma revisão no seu diretor de Redação e reconhece que errou nessa situação. Era um sigilo, a função de guardar um sigilo era de alguém, mas a função do jornalista era revelar esse sigilo, esse problema não era dele e nem do jornal. Isso está contado no livro O reino e o poder, lançado no Brasil.” “Vou mais longe aqui: a função da imprensa é contar segredos e ainda mais: ela só existe para contar segredos. Uma notícia não é outra coisa se não um segredo revelado e que desagrada a quem tem poder. Por isso a função do Estado Democrático é proteger essa função e não abrir flancos pelos quais ela possa vir a ser atacada por interesses obscuros e que ficam ali se fingindo de mortos, mas como sempre bem vivos e acordados.” “Não quis aqui divergir do novo Código Penal, pois não tenho competência para isso, mas quis levantar pontos que me parecem preocupantes, levando em conta principalmente o cenário atual da América do Sul. Quero, por fim, me referir aos artigos 140 e 141, que tratam de um lado do agravamento da pena quando o crime é cometido por meio de recursos que amplifiquem os crimes de calúnia, injúria e difamação e por outro lado que jogam a imunidade para o jornalis-


“UM JUIZ NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NÃO PODE FAZER CENSURA, PORQUE A CENSURA NÃO É CONSTITUCIONAL E POR ISSO MESMO NÃO É TOLERADA.” ta, no caso da difamação e da injúria e não da calúnia; a calúnia está fora disso. “Me pergunto por que não dar o mesmo tratamento ao crime de calúnia? Por favor, não me entendam mal, eu não estou pedindo licença para que os jornalistas pratiquem o crime de calúnia livre e impunemente. Não se trata disso, assim como o nosso brilhante Desembargador Muiños Piñero não defende que os jornalistas pratiquem o crime de difamação e injúria impunemente. Se trata de proteger a imprensa e todas essas medidas existem para que não subsistam flancos pelos quais os poderosos ataquem a imprensa.” “Eu gostaria também, antes de terminar, de falar sobre a exceção da verdade, da nossa velha Lei de Imprensa. Ali não era admitida contra a figura do Presidente da República, agora os valores que presidem o projeto do novo Código Penal não têm mais essa figura e também me parece que a figura do funcionário público ficou protegida demais no novo código. Acho ainda pertinente falar sobre a censura e aquilatar de que maneira uma decisão judicial pode interferir no direito fundamental que é o acesso à informação. É claro que um juiz não é um censor, um juiz no Estado Democrático de Direito não pode fazer censura, porque a censura não é constitucional e por isso mesmo não é tolerada. Todas as democracias repelem a censura. O juiz aplica a lei no processo do contraditório, ouve as partes e, principalmente, o recurso. A censura é uma decisão da autoridade de Estado que tem essa característica, ela não admite recurso. Porém, há dezenas de casos. Quando um juiz decide que o nome de uma determinada pessoa ou determinado assunto não poderá vir a ser objeto de reportagens futuras, ele está estabelecendo um impedimento para que o cidadão saiba de um determinado assunto.” “Vamos tomar como exemplo o caso do Estado de S. Paulo, que não é o mais grave, mas é o mais conhecido. O que houve não foi uma punição que tentava estabelecer um abuso à liberdade ou crime contra a honra que houvesse sido cometido, foi uma proibição de que o jornal noticiasse um caso que vinha sendo investigado sob sigilo de justiça e que os jornalistas descobriram. Vejam que em nenhum momento dessa cobertura houve qualquer informação sobre a privacidade da família. Todas as informações que foram discutidas e alcançaram a esfera pública eram de claríssimo interesse público. Não houve invasão de privacidade ali. Nenhuma informação que dissesse respeito à informações familiares veio a público. Ora, será que é normal numa democracia que um caso como aquele, de notório interesse público, tivesse a sua publicação impedida? Alguém poderá

argumentar, mas ali foi só um jornal, o que importa é que a sociedade acabou sabendo de tudo o que seu passou. No entanto, se a decisão tomada contra aquele jornal foi correta, não foi uma censura, temos que estender o raciocínio mais além. Ou seja, se ela foi correta, então deveria ser aplicada a todos os jornais pelo Brasil. E se fosse, como nós ficaríamos?” “Não seria censura se ela fosse adotada para todos os jornais do País. Se não fosse uma televisão no Brasil, os brasileiros não ficariam sabendo daquela investigação. Isso é democrático ou isso é censura? Eu tenho a impressão de que isso é censura. Vamos supor que essa decisão houvesse sido tomada então para todos os jornais do Brasil, televisões, sites e blogs. Todos estariam proibidos de publicar qualquer informação sobre a Operação Boi-Barrica. Alguém diria, mas não há censura, porque há recurso. Poderíamos entrar com recurso. Quantos anos deveríamos esperar para que ele fosse julgado, para que ele transitasse em julgado, indo a todas as instâncias possíveis? Talvez depois de alguns anos a relevância da questão, sua importância, já teria caducado. Porque no jornalismo as coisas acontecem muito rapidamente e elas não prescrevem antes porque os jornais têm sede do imediato, mas é porque as decisões da democracia acontecem nesse prazo mais rápido. A imprensa é o dia-adia, o cotidiano este e não espera.” “Aí nós estaríamos de acordo que teríamos uma censura. Portanto, se uma medida judicial não pode ser aplicada a todos, quando aplicada a um só ela constitui uma forma de censura prévia, ainda que não tenha esse nome. E aí está minha preocupação e que deve ser a de todos os jornalistas nesse momento: é nesse ambiente que esse novo Código Penal vai cair. Todos os cuidados aqui nunca serão suficientes. Nós precisamos ter muita clareza sobre isso e total conhecimento de cada palavra desse Código.”

PUBLICAÇÃO, EM BREVE Ao encerrar a sessão, disse a Desembargadora Leila Mariano, Presidente da Emerj: “A Emerj é esse espaço de discussão e procuramos focar o máximo na liberdade de imprensa. Tanto que estamos recuperando todos os eventos que já foram realizados sobre esse tema e já estamos degravando-os, a fim de se publicar uma revista especial da Emerj sobre o tema da liberdade de imprensa. Estamos em fase final dessa degravação. Vamos mandar os artigos degravados para os seus autores fazerem a revisão e disponibilizaremos, inclusive, online, para que se democratize todo esse conhecimento.” “Todos os fóruns que realizamos muito nos honram e entendemos que toda a comunicação interna e externa da Emerj deve estar disponível para a imprensa e, dessa forma, sujeita a crítica, pois é através da crítica que se cresce e garanto que manteremos sempre esse Fórum e com a intenção de engrandecê-lo cada vez mais e ser uma referência dos estudos nessa área. Agradeço a todos o brilhantismo que trazem a este nosso evento”.

Juíza de Brasília quer censurar blog que a criticou Além de pleitear judicialmente vedação de menção a um processo em que atuou, a Juíza Marli Nogueira quer que o jornalista a indenize por danos morais. A Juíza Marli Lopes da Costa de Góes Nogueira, da Justiça do Trabalho do Distrito Federal, requereu judicialmente a censura do blog do jornalista Leonardo Sakamoto, que a criticou por conceder liminar a um mandado de segurança impetrado por uma empresa acusada de manter trabalhadores em condição igual à de escravos no Município de Naviraí, Mato Grosso do Sul. Em ação em tramitação em Brasília, na qual envolveu também o portal UOL, a Juíza Marli pleiteou que a matéria e os comentários de Sakamoto fossem retirados do ar, não se fizesse referência à sua reputação, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, e indenização por danos morais. Ao negar o pedido de liminar por ela formulado, o Juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros declarou que “decisões judiciais não são infensas a críticas, e críticas não são o mesmo que ofensa”. Sakamoto relatou assim, em seu blog, o litígio com a Juíza Marli: “Estou sendo processado pela juíza Marli Lopes da Costa de Goes Nogueira, da Justiça do Trabalho do Distrito Federal, por conta de um post publicado aqui neste blog. O texto tratava de uma decisão da magistrada, atendendo a um pedido de liminar em mandado de segurança movido pela empresa Infinity Agrícola. Sua decisão suspendeu um resgate de trabalhadores que foram considerados em condição análoga à de escravos pelo Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho. As vítimas estavam em uma fazenda de cana no Município de Naviraí, Estado de Mato Grosso do Sul e, entre eles, trabalhadores das etnias Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva e Terena. Posteriormente, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região revisou a decisão da juíza, permitindo que as ações relacionadas à fiscalização continuassem. Na ação, que envolveu também o portal Uol, ela solicitou – liminarmente – que a matéria e os comentários dos leitores fossem retirados do ar. E que eu não divulgasse mais nada relativo à sua reputação sob pena de multa de R$ 10 mil/dia. Quanto ao

mérito da ação, pediu indenização por danos morais que teriam sido causados pela matéria e pelos comentários. O valor, a ser estipulado pela Justiça, deve ser o suficiente para que “desmotive de praticar ilícitos semelhantes em sua atividade de blogueiro e formador de opinião na internet”. Também solicitou que “diante da natureza dos fatos alegados”, o processo corresse em segredo de justiça. O processo já corre há um tempo e esperei para ver o que acontecia. Decidi publicar agora sobre ele uma vez que acabei de ser intimado para prestar depoimento em Brasília. Sei quais as conseqüências de retratar as dificuldades para a efetividade dos direitos humanos. Ainda mais no Brasil. Então, até aí, nenhuma novidade. Já fui ameaçado por senadora, fazendeiro, empresário, enfim, pegue uma senha e entre na fila. Reafirmo tudo o que foi apurado com minhas fontes e escrito e não vou retirar nada deste blog voluntariamente. E, se tiver que pagar uma indenização, pedirei a ajuda de vocês para uma campanha “Sakamoto Esperança” porque, como sabem, não sou uma pessoa de posses. Contudo, posso dizer que estou sendo muito bem defendido. Um último comentário: na decisão sobre a liminar, o Juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros afirmou que: “Decisões judiciais não são infensas a críticas, e críticas não são o mesmo que ofensas. Não cabe aqui discutir o mérito da decisão ou da crítica feita pelo réu (até porque este juízo não é instância revisora do que decide a autora em sua atividade jurisdicional), mas apenas analisar se houve excesso no direito de informar e criticar. Mas o fato é que, ao menos neste juízo de prelibação, não se enxerga, na veiculação da notícia, o ânimo de ofender a autora por qualquer modo, mas apenas o de informar e expor sua crítica, para o que tem o jornalista não apenas o direito, mas o dever de fazer”. “Dever de fazer.” Não é a decisão sobre o mérito, que ainda vai demorar. Mas não deixa de ser uma pequena aula vinda do Judiciário sobre liberdade de expressão e um alento para quem resolve amassar o barro diariamente.”

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LIBERDADE DE IMPRENSA

Jornalista que faz denúncias é ameaçado em Aquidauana, MS Até a mãe de prefeito denunciado participou de grupo que intimidou dono de jornal local. Quatro pessoas, de dentro de um carro, soltaram rojões e bombas contra a casa e a Rádio Independente, de propriedade do jornalista e radialista Armando de Amorim Anache. O ataque ocorreu em 7 de outubro, após o resultado das eleições municipais em Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Anache também é dono do portal de notícias Pantanal News. Desde 1990 atuando como jornalista investigativo na fronteira Brasil-Bolívia, o radialista tem denunciado a corrupção na política e o tráfico de drogas. Por causa dessas denúncias, que tiveram destaque nacional e internacional, Anache vem sofrendo agressões e ameaças de morte. “Depois do resultado da eleição, um carro parou em frente à minha casa e as pessoas que estavam nele soltaram rojões e bombas contra a varanda da casa e da rádio”, contou o jornalista. Segundo Anache, os criminosos seriam ligados ao Prefeito reeleito Fauzi Suleiman (PMDB). “Havia quatro pessoas dentro do veículo, entre elas, a minha vizinha de muro, que é funcionária do Gabinete do Prefeito, Tania M. Ferrari, e a mãe do Prefeito, Zaquia Suleiman.” Após tentar conter os ataques, Anache chamou a Polícia, que, disse ele, ignorou a ocorrência: “Liguei para o 190 e para minha surpresa os policiais informaram que nada poderiam fazer. Eles disseram

que não viram e não ouviram nada e, por isto, não poderiam agir. Ponderei que, em um assalto a banco, a Polícia Militar também não vê, mas nem por isso deixa de fazer a busca, a perseguição dos mesmos, que estão em estado de flagrante”. Anache acredita que as ameaças estejam relacionadas com as denúncias que sempre fez como jornalista. “Exerço as profissões de jornalista e radialista de forma independente. Não sou relações-públicas de quaisquer autoridades constituídas. Informo os fatos que acontecem. Não sou eu quem produz esses mesmos fatos.” Entre as denúncias, há processos contra o Prefeito e denúncias de supostas irregularidades administrativas praticadas em sua gestão. As candidaturas do Prefeito Suleiman e do seu vice, Vanildo Neves (PSDB) foram cassadas pela Justiça Eleitoral. “Fauzi Suleiman foi denunciado dezenas de vezes pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul e tem dezenas de processos tramitando contra ele na Justiça. Eu só fiz apontar o que documentos oficiais atestam.” Anache procurou o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul para solicitar providências legais. “Desejo somente as garantias do Estado Democrático de Direito para exercer o meu ofício em paz. Solicito também apoio de todos os colegas jornalistas”.

ABI exige proteção para Anache A ABI enviou telegrama ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pedindo proteção para o jornalista Armando de Amorim Anache, proprietário da Rádio Independente de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, e também do portal de notícias Pantanal News. Foi o seguinte o telegrama enviado pela ABI: “A Associação Brasileira de Imprensa encarece a intervenção direta de Vossa Excelência visando à proteção do jornalista Armando de Amorim Anache, proprietário e comentarista da Rádio Independente de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, o qual vem sendo vítima de violências e ameaças cometidas por parentes e partidários do Prefeito reeleito desse Município, que não se conforma com o caráter independente com que esse profissional exerce sua atividade jornalística. Como noticiou a ABI em seu Site (www.abi. org.br), nas ameaças mais recentes, praticadas diante da residência de Anache, estava presente, num veículo, uma auxiliar direta do Gabinete do Prefeito, que não oculta seu propósito de intimidar esse jornalista e radialista. A ABI considera que a integridade física e a vida de Armando Anache jornalista dependem de providências urgentes de Vossa Excelência para protegê-lo. Cordialmente (a) Mauricio Azêdo, Presidente da ABI.”

Radialista é morto no trabalho em Sergipe O jornalista Edmilson de Jesus, 40 anos, conhecido como Edmilson dos Cachinhos, foi executado a tiros no dia 28 de outubro quando trabalhava nos estúdios da Rádio Princesa da Serra, em Itabaiana, Sergipe, a 58 km de Aracaju. O crime ocorreu por volta das 21h, quando Edmilson se encontrava sozinho no estúdio. Por não haver sinais de arrombamento, a Polícia suspeita que o crime tenha sido realizado por algum conhecido do radialista. Edmilson trabalhava há seis meses como free lancer na Rádio Princesa da Serra após atuar por 10 anos em emissoras da capital sergipana, a exemplo da Rádio Ilha FM, da Rádio Capital do Agreste, da FM Sergipe e da Rádio do Povo. Ele era solteiro, não tinha filhos e residia com a mãe em Itabaiana. Este foi o 52º assassinato ocorrido em 2012 na cidade, que tem pouco mais de 87 mil habitantes. Antes dos tiros, luta

Segundo informações da Polícia, havia indícios de que houve uma discussão 34

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entre o radialista e seu matador. Os dois teriam entrado em luta corporal e o homem fez três disparos contra Edmilson, que ainda tentou correr, mas caiu na porta de acesso ao estúdio. O assassino teria fugido levando o ciclomotor e o celular dele. Eliana de Jesus, irmã de Edmilson, disse que o filho dela ligara para o tio para pedir uma música por volta das 21h30, e um homem atendeu a ligação. “Meu filho ficou assustado, pois logo no primeiro toque o suspeito atendeu e disse não ser Edmilson. Ele pediu então para falar com tio e o homem disse que ele estava morto e desligou”, contou Eliana. O jovem entrou em contato com ela e informou o que havia acontecido. “Imediatamente tentei falar com meu irmão, mas o celular dele já estava desligado. A família está em choque, pois não sabemos quem poderia ter feito isso, ou mesmo o que teria motivado o crime. Meu irmão não tinha inimigos, não havia comentado nada referente a ameaças, dívidas e coisas desse tipo”, disse.

Jornalistas perseguidos

O Presidente do Sindicato dos Radialistas do Sergipe, Fernando Cabral, informou que a entidade está acompanhando o caso. “Estivemos no local logo após o crime e estamos cobrando da Secretaria de Segurança Pública agilidade nas investigações. Sergipe não é um Estado violento, mas precisa adotar medidas para que os radialistas possam trabalhar com segurança. Enviamos um e-mail para a Confederação dos Radialista sobre o caso, e queremos saber o verdadeiro motivo das ameaças a esses profissionais.” Cabral informou que o radialista Alex Henrique de Souza foi ameaçado em agosto passado quando trabalhava para a Rádio Capital Agreste, em Itabaiana. Ele foi perseguido por dois homens em um veículo e precisou sair da casa de uma entrevistada escoltado pela Polícia. No dia 5 de outubro, o radialista Elenilson Silva foi perseguido quando retornava com a família de Aracaju para São Domingos. Ele foi agredido no rosto, mas os homens fugiram quando os parentes de Elenilson começaram a gritar.

ABI reclama apuração de violências no Espírito Santo A ABI enviou mensagem em 29 de outubro ao Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, reclamando a apuração das violências praticadas contra o repórter André Falcão e o cinegrafista Wagner Martins, da TV Gazeta de Vitória, quando cobriam a apuração da eleição no Município de Vila Velha, na noite da véspera, no bairro de Itaparica. Os autores das violências foram partidários do candidato derrotado, Neucimar Fraga (PR), que agrediram os repórteres quando chegavam para acompanhar o discurso de Fraga. Foram recebidos com chutes e socos. Wagner caiu desmaiado e foi ferido numa perna. Falcão não sofreu ferimentos, embora também agredido. Além de atacar esses jornalistas, os partidários de Neucimar destruíram os equipamentos de outros repórteres que registravam as cenas. Após o incidente, que os repórteres Martins e Falcão registraram no Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha, Neucimar Fraga ligou para a direção da Rede Gazeta, lamentando o episódio e pedindo desculpas. Ele disse que iria ajudar na identificação dos agressores. A mensagem enviada pela ABI ao Governador Renato Casagrande tem o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa encarece o empenho de Vossa Excelência para a apuração das violências de que foram vítimas os jornalistas André Falcão e Wagner Martins, quando faziam a cobertura da apuração da eleição no Município de Vila Velha, os quais foram agredidos por partidários do candidato Neucimar Fraga e tiveram seus equipamentos danificados. Ocorrência de tal gravidade deve conduzir à responsabilização penal de sues autores, por constituir intolerável violação da liberdade de imprensa. Cordialmente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”


DIREITOS HUMANOS REVISTA DIALOGOS DO SUL

DIVULGAÇÃO/IMS

STJ condena Veja em ação de Ministro do Governo FH Por decisão de sua Segunda Turma, o Superior Tribunal de Justiça condenou a Editora Abril a pagar uma indenização de R$ 150 mil por danos morais a Eduardo Jorge Pereira, Secretário-Geral da Presidência da República no Governo Fernando Henrique Cardoso, o qual tinha status de Ministro. A revista Veja foi condenada a publicar em suas versões impressa e online o texto da sentença judicial favorável a Eduardo Jorge, que ajuizou a ação em julho de 2003. Na revista impressa, a sentença terá de ser publicada com o mesmo destaque dado às matérias consideradas ofensivas: na versão online, deverá

permanecer no ar por três meses, sob pena de multa de R$ 1 mil por dia em caso de descumpimento dessa decisão. Em São Paulo, o Tribunal de Justiça do Estado condenou Rafinha Bastos, integrante da equipe do programa CQC, da Rede Bandeirantes, a pagar uma indenização de R$ 150 mil por danos morais à cantora Wanessa Camargo, ao seu marido, Marcus Buaiz, e ao filho do casal por comentários que a família considerou ofensivos. Para elogiar a beleza da cantora, Rafinha Bastos disse que “comeria a cantora e o bebê”. Da decisão ainda cabe recurso.

BRASIL 247 CONDENADO

que expõe juízo de valor e de cunho altamente tendencioso sem, aparentemente, justificar qualquer embasamento para tanto”.

A 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou a Editora 247 e um dos seus diretores a retirar do site Brasil 247 reportagens que faziam referências ao Presidente do Banco BMG, Ricardo Annes Guimarães, como “principal financiador do “mensalão” e “pai do mensalão”. Além da retirada das reportagens, a Editora foi punida com multa de R$ 1 mil por dia, até o limite de R$ 60 mil. Em seu voto, o Desembargador Marcelo Rodrigues sustentou que a matéria “extrapola a função informativa da imprensa à medida

Jornalista mexicano morto na Costa Rica As autoridades da Costa Rica identificaram o corpo do jornalista mexicano Pascual Tarin Ávila, repórter do diário El Norte de Cananea, que se encontrava desaparecido desde 14 de junho. Seu corpo e o de homem nicaraguenho foram encontrados na luxuosa zona de Bello Horizonte de Escazú, próxima à capital, San José. A família de Ávila não explicou o que ele estava fazendo na Costa Rica desde maio. As duas mortes continuam sob investigação.

VIOLÊNCIAS NA ARGENTINA O jornalista Néstor Dib, daTV C5N, foi agredido no dia 8 de novembro na Plaza de Mayo, no Centro de Buenos Aires, por dois participantes de uma manifestação de protesto contra o Governo Christina Kirchner. Dois homens aproximaram-se do carro da C5N e começaram xingar a equipe. Dib começou a relatar no ar o que estava ocorrendo quando um homem apareceu por trás e, olhando diretamente para a câmera, deu-lhe um soco. Um dos agressores foi preso. Também na Argentina, o jornalista Claudio Leiva, do Diário de Cuyo, da cidade de San Juan, denunciou que recebeu ameaças do ex-militar Gustavo De Marchi, que está sendo julgado por crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura militar. Leivas cobre o julgamento de sete militares, num processo em que De Marchi é acusado de torturas e de assédio que terminaram em mortes em quatro casos. O Diário de Cuyo considerou as ameaças como uma forma de pressão

COLLOR PERDE Também na capital paulista, o Juiz substituto Eduardo Pellegrinelli, da 5ª Vara Cível, considerou improcedente e declarou extinto o processo por dano moral ajuizado pelo Senador Fernando Collor (PTB-AL) contra o jornalista Augusto Nunes e a Editora Abril pela publicação de três notícias na Veja Online em março deste ano. Collor foi condenado a pagar R$ 5 mil de custas judiciais e honorários advocatícios.

para impedir a publicação de duas cartas apresentadas no julgamento.

ROLHA NO EQUADOR O jornal La Hora, de Quito, capital do Equador, foi proibido pela Justiça de divulgar informações sobre um processo movido contra a publicação por um funcionário do Governo. A Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip classificou a ordem judicial de “grave atentado à liberdade de imprensa”.

GOELA LARGA NO PANAMÁ Os empresários David e Daniel Ochy Diez e a empresa Panaplátano pleiteiam uma indenização de US$ 7 milhões da Corporación La Prensa por supostos danos causados pela publicação de notícias acerca da propriedade de terras na Província de Chiriqui, no Oeste do Panamá.

SEQÜESTRO NA SÍRIA Rebeldes sírios publicaram no YouTube um vídeo de 15 segundos em que uma jornalista ucraniana confirma que foi seqüestrada e solicita socorro. No vídeo, ela pede às autoridades da Rússia e da Ucrânia e aos poderes oficiais da Síria para que atendam às exigências dos seqüestradores, sobre as quais não foram divulgados detalhes.

ATENTADOS NA VENEZUELA O prédio do jornal El Regional, de Caracas, capital da Venezuela, foi atacado a tiros na manhã do dia 1º de novembro, na mesma hora em que atentado igual era praticado contra a sede da empresa estatal de petróleo, a Pdvsa. Não foram identificados os autores dos atentados, mas o chefe de informações de El Regional atribuiu-os a um matador de aluguel.

(Fonte: Tambor da Aldeia, nº 46, 12 de novembro de 2012. Pesquisa e edição: Vilson Romero)

Ferreira Gullar e Neiva Moreira: dois jornalistas maranhenses perseguidos pela ditadura.

Maranhão lista vítimas da ditadura Em resposta a expediente enviado pela ABI, como parte de um levantamento nacional sobre os jornalistas vítimas da ditadura militar (19641985), o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Luís encaminhou à Casa a relação de profissionais de imprensa que sofreram perseguições após o golpe de 1º de abril de 1964, na qual figura o atual Presidente da Academia Maranhense de Letras, escritor e historiador Benedito Buzar, além do jornalista e escritor Ferreira Gullar. A realização desse levantamento foi proposta pela Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI, para avaliação da extensão das perseguições aos jornalistas pelo regime militar. A ABI pediu informações a respeito a todos os Sindicatos de Jornalistas do País. O de São Luís foi o primeiro a atender à solicitação da ABI. A lista contém os seguintes nomes: 1. Benedito Bógea Buzar (Benedito Buzar) Foi cassado como Deputado Estadual na Assembléia Legislativa do Maranhão. Era militante do Partido Comunista. Requereu indenização à Comissão de Anistia e teve seu pedido deferido. Continua no exercício da profissão de jornalista. É escritor, historiador e presidente da Academia Maranhense de Letras. 2. Manoel Vera Cruz Ribeiro Marques (Vera Cruz Marques) Já falecido. Foi cassado como Deputado Estadual da Assembléia Legislativa do Maranhão. Era militante do Partido Comunista. Não requereu indenização. 3. Ubiratan Pereira Teixeira (Ubiratan Teixeira) Chegou a ter seu registro de jornalista cassado pelo Ministério do Trabalho, ausentou-se do País. Voltou e teve seu registro regularizado na década de 90. Era militante do Partido Comunista. Não requereu indenização. Continua no exercício da atividade de jornalista como cronista semanal do jornal O Estado do Maranhão.

4. Ferreira Gullar Exilou-se no Chile. Pertencia ao Partido Comunista. Exerceu a maior parte do jornalismo no Rio de Janeiro, onde reside. 5. Neiva Moreira Foi cassado como Deputado Federal. Pertenceu ao Partido Comunista. Por muitos anos editou e foi diretorgeral do Jornal do Povo, em São Luís (MA), na década de 50. Faleceu recentemente na capital maranhense. 6. Edson Carvalho Vidigal Foi preso como militante do Partido Comunista. Após o período de chumbo, já formado em Direito, foi nomeado pelo ex-Presidente da República José Sarney Ministro do Superior Tribunal de Justiça, onde chegou à Presidência. Atualmente milita na política maranhense como filiado ao PDT-MA. Escreve, semanalmente, no Jornal Pequeno, editado em São Luís. 7. Sálvio de Jesus Castro e Costa Dino (Sálvio Dino) Foi cassado como Deputado Estadual. Requereu indenização à Comissão de Anistia. É advogado. Exerce atualmente a função de Subchefe do Gabinete Civil do Governo do Maranhão. É cronista semanal do jornal O Estado do Maranhão. 8. José Tribuzzi Pinheiro Gomes (Bandeira Tribuzzi) Foi detido no quartel do Exército em São Luís por ser militante do Partido Comunista. Foi fundador, junto com seu contemporâneo e amigo Senador José Sarney, do jornal O Estado do Maranhão. Era também poeta e escritor, autor do Hino da Cidade de São Luís. Falecido. 9. José Bento Nogueira Neves (Zé Bento Neves) Falecido recentemente. Foi representante no Maranhão das lendárias “ligas camponesas” no Nordeste, fundadas pelo também lendário Francisco Julião. Foi advogado da antiga Superintendência da Reforma Agrária-Supra.

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DIREITOS HUMANOS

Um GT para tratar das violências contra jornalistas O Grupo de Trabalho receberá denúncias e fará o acompanhamento de ações contra os profissionais de comunicação. FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República decidiu constituir um Grupo de Trabalho para tratar dos direitos humanos dos jornalistas e coibir as violências de que eles têm sido vítimas, entre as quais homicídios. A medida foi anunciada pela Ministra Maria do Rosário Nunes na reunião realizada em 30 de outubro pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, a qual contou com a participação do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A ABI foi representada na reunião pelo jornalista Mário Augusto Jakobskind, Presidente da sua Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos. Disse a Ministra que caberá ao Grupo de Trabalho analisar denúncias referentes à situação de violência contra profissionais de comunicação social no exercí-

Ministra Maria do Rosário quer monitorar denúncias de violações aos direitos humanos dos profissionais da comunicação.

cio dessa função e encaminhar suas conclusões aos órgãos competentes, bem como acompanhar seus desdobramentos. O GT terá também como missão propor ações que auxiliem a instituição de um sistema de monitoramento de denúncias referentes às violações aos direitos humanos dos profissionais da comunicação, além de propor medidas que visem ao aperfeiçoamento das políticas públicas voltadas para esses profissionais. Serão propostas também diretrizes para efetiva segurança dos jornalistas diante de situações de risco decorrentes do exercício profissional. Ao anunciar a constituição do Grupo de Trabalho, a Ministra Maria do Rosário informou que poderão ser convidados a prestar colaboração especialistas, peritos e outros profissionais cujas habilidades e competência sejam necessárias ao

bom desempenho das atividades a serem desenvolvidas. Além da ABI, que será representada por seu Vice-Presidente Tarcísio Holanda, integrarão o GT um Conselheiro do CDDPH, representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, da Secretaria-Geral da Presidência da República, do Ministério da Justiça, do Ministério das Comunicações, da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos, do Ministério Público Federal, da Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj, da Associação Nacional de Jornais-ANJ, da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação-Altercom, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo-Abraji e da Federação Interestadual de Trabalhadores em Radiodifusão-Fitert. WILSONDIAS/ABR

Protesto em frente ao Congresso Nacional: entidades pedem proteção a índios da etnia Guarani-Kaiowá ameaçados de expulsão de suas terras.

Índios Kaiowá não vão se matar, e sim resistir até à morte Na reunião do Conselho foram analisadas entre outras questões a situação dos indígenas Guarani-Kaiowá, de Mato Grosso do Sul, que estão sendo vítimas de violências de fazendeiros que ocuparam terras indígenas durante a época da ditadura. O Ministro da Justiça comunicou que foi acatado pela Justiça (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) um agravo de instrumento interposto pela Fundação Nacional do Índio-Funai e pela União que deu ganho de causa aos silvícolas da Comunidade Indígena Pyelito Kue, que se 36

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encontram estabelecidos na área da Fazenda Cambará, no Município de Iguatemi, Mato Grosso do Sul. O caso, que vem sendo noticiado pelos principais veículos de comunicação, tem despertado interesse não só no País como no exterior. Na reunião, várias lideranças indígenas prestaram depoimento; alguns indígenas, como Lipo Solano Lopes, expressaram-se em guarani. Todos os indígenas presentes manifestaram a disposição de manter a luta para continuarem vivendo onde estão enterrados os seus ancestrais. Negaram que es-

tejam dispostos a um suicídio coletivo, mas confirmaram que resistirão até à morte com todas as suas forças para se manterem nas terras que lhes pertencem secularmente. A Fazenda Cambará, localizada na Bacia Iguatemipeguá, segundo a Funai, é área tradicionalmente ocupada pelos índios, situação que torna questionável o pleito de fazendeiros que se consideram donos da terra. A Presidente da Funai, Marta Maria Azevedo, também esteve presente e saudou a decisão judicial favorável aos índios.

Pela suspensão do uso de pistolas de eletrochoque Entre os temas da pauta da reunião do Conselho figurou a apresentação pelo Conselheiro Aurélio Virgílio Veiga Rios da proposta de resolução sobre a abolição do uso pelas autoridades policiais de terminologias genéricas, como “autos de resistência” e “resistência seguida de morte”. Por proposta de Marcelo Zelic, Vice-Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, foi apresentado estudo sobre a necessidade de regulamentação federal para emprego de armamentos “menos letais” em todo o território nacional. Houve unanimidade dos conselheiros quanto à proposta de que seja suspenso pela Polícia o emprego de armas como a pistola de eletrochoque, tanto para o setor público como privado até que um marco regulatório seja aprovado no Congresso, associado a uma política pública de combate e prevenção à tortura.


IMPRENSA

DIVULGAÇÃO/BRUNO MOOCA

Aplausos, de pé, para Dines e Lúcio Flávio Lúcio Flávio Pinto e Alberto Dines são ovacionados na entrega do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Os jornalistas Lúcio Flávio Pinto e Alberto Dines foram aplaudidos de pé pela platéia que lotou o Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-Tuca, durante a solenidade de entrega do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, realizada no dia 23 de outubro. Depois de receber o Prêmio Especial Vladimir Herzog 2012, os dois fizeram discursos que emocionaram os presentes. O primeiro a falar foi Lúcio Flávio, que começou dizendo que se sentia em casa em São Paulo, onde nasceu sua primeira filha, mas logo passou a contar suas desventuras com a Justiça do País. Em seguida Alberto Dines iniciou seu discurso falando que “o melhor prêmio que se pode conceder a um jornalista é a oportunidade para seguir trabalhando”, dando o tom do restante de suas palavras. A seguir, os dois discursos.

LÚCIO FLÁVIO PINTO

“A Justiça, que é o esteio da democracia, hoje aparece nos sertões, nos limbos do Brasil, como a ameaça.” “Sinto-me em casa aqui em São Paulo, onde morei por cinco anos, me formei na Escola de Sociologia e Política – há até um colega meu de escola aqui presente –, e nasceu minha primeira filha. Eu estava em Belém, em 1987, já com 21 anos de jornalismo, quando, um dia, fiz, depois de três meses de investigação, uma matéria sobre o assassinato do ex-Deputado Paulo Fonteles de Lima, um dos crimes políticos mais graves que já ocorreu no Pará. E essa matéria estava redonda, completa (ela ganhou o primeiro Prêmio Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas), e eu apresentei à diretora do [jornal] Liberal, que depois moveu cinco ações contra mim, e ela me disse que, infelizmente, não podia publicar porque envolvia dois dos maiores anunciantes da empresa, e um deles era considerado um dos homens mais ricos do Pará e outro, o maior armador fluvial do mundo. E nós, jornalistas, já ouvimos esta frase várias vezes: “Ah, quer publicar? Faz o teu jornal”. Eu já havia experimentado fazer alguns jornais. Disse: “Vou fazer um jornal para publicar essa reportagem”. Um jornal de custo mínimo, uma só pessoa, também sem qualquer possibilidade de dissidência e que iria recusar publicidade. Primeiro jornal que recusaria publicidade. Me lembrei do Opinião, onde trabalhei também com Raimundo Rodrigues Pereira, e o Opinião disse: “Jamais a publicidade será superior a 20%”. Nunca precisou ter essa preocupação. Então, resolvi eliminar até essa preocupação metafísica. Eu fiz o jornal, achando que o Jornal Pessoal fosse um jornal alternativo. Se fos-

sem as teorias de Comunicação corretas, ele não precisaria existir, porque nós estamos no período da mais longa democracia da República brasileira. Mas eu vi que, ao longo do tempo – já se vão 25 anos – o Jornal Pessoal se especializou, involuntariamente, em publicar o que a grande imprensa não publica sobre a Amazônia. Não publica às vezes porque não sabe; não publica às vezes porque omite ou manipula, e os interesses que a Amazônia provoca hoje são mundiais. Neste momento, o maior trem de carga do mundo está fazendo a sua oitava viagem levando minério de ferro, o melhor minério de ferro do planeta, para a Ásia, 70% dele para a China e 20% para o Japão. É o maior trem de carga, leva quatro minutos, passando por determinados pontos, tem 330 vagões, quatro quilômetros de extensão. Então, a imprensa não publica e o Jornal Pessoal se mantém porque simplesmente diz a verdade, e a verdade se tornou pecaminosa, tem de ser perseguida em plena democracia! O que acontece com nossa democracia, quando a Justiça passa a ser o instrumento de perseguição? Um grande cientista político alemão, Franz Neumann, analisou os julgados a República de Weimar, antes do Hitler – ele teve que fugir da Alemanha para os Estados Unidos. E ele mostrou que Justiça de Weimar, da República Democrática de Weimar, julgava diferentemente as pessoas: os socialistas eram punidos violentamente, os nazistas, não. Nós estamos, no Brasil, numa Justiça da República de Weimar e, por isso, a Justiça, que é o esteio da democracia, hoje aparece nos sertões, nos limbos do Brasil, como a ameaça.

Homenageados da noite, Alberto Dines e Lúcio Flávio Pinto receberam seus prêmios das mãos da Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário.

E entre esses 33 processos que o Audálio Dantas – grande personagem, modelo para todos nós, jornalistas – lembrou, o caso de um grileiro, que grilou terras. E eu fui condenado a indenizar o grileiro por chamá-lo de grileiro. A Justiça do Estado [do Pará] me condenou, reconhecendo a grilagem, e a Justiça federal deu a decisão contra ele. Como eu não tinha dinheiro para pagar, e não tinha mais a que recorrer, porque o Presidente do STJ, Ari Pargendler, simplesmente pegou as formalidadezinhas da lei e ignorou a substância e as próprias decisões do Superior Tribunal de Justiça. Resolvi não mais recorrer e, em dez dias, os brasileiros, sobretudo de São Paulo, aderiram à nossa coleta e nós reunimos dinheiro suficiente para pagar. Agora, o problema é pagar. Não existe nenhuma legislação da Justiça brasileira do réu que quer pagar. Todo réu foge de pagamento. Eu quero pagar, porque no dia em que eu for pagar, em nome de 770

pessoas que me deram dinheiro para eu pagar, eu quero dizer: “Essa justiça é iníqua. Essa Justiça não tem identidade nenhuma com a nação”. Então, esse pedido único na História do Judiciário brasileiro está na mãos do juiz, o juiz não sabe o que fazer para eu pagar a minha indenização. Então, eu acho que, à parte os interesses corporativos, os empresariais, nós, jornalistas, temos que colocar a mão na nossa consciência e dizer: ‘Nós estamos sendo covardes? Nós estamos querendo fugir dos riscos? Nós estamos querendo ficar ao lado do computador, ao lado do telefone, não na linha de frente, olhando as pessoas e vendo o Brasil real?’ Hoje, com este Prêmio que muito me emociona, vocês estão dizendo que aquele jornalzinho, lá em Belém do Pará, pequeno, que não tem foto, que não tem cor, não tem mulher nua, não tem colunista social, merece viver. Nós merecemos viver. Muito obrigado!”

ALBERTO DINES

“Cultores da palavra livre, estamos aprisionados por um palavrório vazio e perverso” “Queridos amigos: O melhor prêmio que se pode conceder a um jornalista é a oportunidade para seguir trabalhando. Somos escravos do efêmero, vítimas da fragmentação. Assim como fazem com equipamentos, querem nos condenar à obsolescência, isto é, nos desativar. O reconhecimento é a nossa chance – ainda que fugaz – de avisar que estamos atentos, ativos, portanto vivos. Este privilégio vale mais do que medalhas de ouro – aliás, a única que recebi nos últimos 60 anos foi roubada num arrastão no meu prédio.

Também sabemos conviver com os holofotes, sobretudo em ocasiões como esta em que o inspirador deste Prêmio, os objetivos da premiação e os companheiros premiados simbolizam os mais preciosos valores da arte jornalística — solidariedade, decência, dedicação. Esta é uma festa, mas não devemos esquecer a suprema ironia de que, sendo arautos das mudanças, somos também suas primeiras vítimas. Cultores da palavra livre, estamos aprisionados por um palavrório vazio e perverso, geralmente composto por neologismos como “mone-

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IMPRENSA APLAUSOS, DE PÉ, PARA DINES E LÚCIO FLÁVIO

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ACERVO GRACILIANO RAMOS/DIVULGAÇÃO BOITEMPO

O Velho Graça renovado P OR J OSELIA A GUIAR

Nas rodas literárias do Rio de Janeiro, chegou a notícia lá por 1932 de um prefeito de Palmeira dos Índios que escrevera uns relatórios de prestação de contas ao governo para lá de extravagantes. O que surpreendia não era só a heterodoxia – um estilo coloquial engraçado, incomum naquele tipo de documento oficial–, mas o inequívoco valor literário, expresso por uma combinação de concisão, vocabulário justo e sentido plural. O sujeito de fato escrevia como poucos. “Há quem ache ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos. Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.” De mão em mão, entre risos e espanto, os escritos do tal intendente foram pas-

sando na então Capital Federal, até alcançar os olhos de um leitor profissional, Augusto Frederico Schmidt, poeta que, à época, comandava livraria e editora de sucesso estabelecida na Rua do Ouvidor, por onde estreavam aqueles que se tornariam importantes escritores do País. Schmidt não perdeu tempo: fez chegar uma carta àquele anônimo já ilustre, com que perguntava se por acaso o sujeito não guardava algum inédito para publicar, interessara-se em imprimir o quanto antes aquele talento. Graciliano Ramos (1892-1953), a princípio incrédulo com tal pedido que lhe chegava pelo Correio, respondeu que sim, tinha inédito. E é assim que Caetés, cuja escrita iniciara sete anos antes, se torna seu primeiro romance publicado, deixando a gaveta para ser remetido a um editor. A história de como se descobriu um gênio literário no pacato intendente de cidadezinha do interior de Alagoas ajuda a compreender um pouco do temperamento do autor que é celebrado agora, quando se completa o 120º aniversário de seu nascimento – seu talento como artista e integridade como homem o fazem obter como poucos a unanimidade. Um temperamento discreto, quase arredio, o ACERVO PROJETO PORTINARI/DIVULGAÇÃO BOITEMPO

tização”, “modelo de negócios”, “terceirização”, “out-sourcing”, “sinergia”, “aliança estratégica”. Éramos marginais no início, em seguida fomos reconhecidos como trabalhadores, depois nos transformaram em PJs, agora querem que sejamos empreendedores. Tudo bem, seremos empreendedores, mas pelo menos facilitem a desconcentração, abram espaços. Mas, por favor, não despachem nossos jornais para as nuvens virtuais porque de lá voltarão emitindo grunhidos com 140 caracteres. O Senhor Mercado imagina que o mundo é movido por gadgets, o Senhor Mercado engana-se mais uma vez: o mundo é movido por idéias, por gente. Sócrates, pai da filosofia, não conhecia as tecnologias de informação, não sabia ler nem escrever, estava apenas conectado com a condição humana e inventou o diálogo. A informação hoje ou é codificada através de números ou glamourizada pela informalidade. Inovação é um vale-tudo que virou retrocesso. O jornalismo forjado na esfera do espírito e da moral está a reboque da banalidade. Éramos os buscadores da verdade, hoje querem de nós apenas meiasverdades. Às vezes, nem isso, apenas meias meias-verdades. Desde que abençoadas pelo capelão da empresa. Deo gratias. Mesmo assim, estamos aqui, sob a égide de um idealista chamado Vladimir Herzog, irmanados pelo compromisso de restaurar o acontecido. Não somos juízes, mas sabemos desencavar destroços e com eles contar histórias. É a nossa especialidade. A absurda tese do suicídio de Vladimir Herzog foi derrubada trinta e sete anos depois. Foi morto nas dependências de uma repartição militar onde se apresentou voluntariamente um dia antes. Mas não podemos esquecer que semanas antes Vladimir Herzog foi submetido a um autêntico bullying jornalístico por um profissional da imprensa marrom chamado Cláudio Marques que sugeria cinicamente sua internação no “Tutóia Hilton”, nefanda alusão à localização do Doi-Codi. Herzog era tímido, não me conhecia, pediu a Zuenir Ventura que me contasse a campanha de difamação contra ele empreendida pelo colunista do Shopping News. Fiz uma denúncia no Jornal dos Jornais, não adiantou: uma semana depois, Vladimir Herzog foi assassinado. Cláudio Marques jamais foi convocado a prestar contas sobre sua cumplicidade. Vi-o uma vez na Redação da Folha de S. Paulo, fazia parte da corriola da linha-dura que andava por lá, era próximo do Coronel Erasmo Dias, assíduo em outras Redações paulistanas. Cabe a nós completar esta e outras histórias. Nossas pautas são enormes. Com prêmio ou sem prêmios precisamos tocá-las. Podemos ser encostados, jamais seremos descartáveis. Parafraseando Kant, nossa missão é interminável. Com ou sem papel, nosso papel é intransferível.”

HOMENAGEM

Cena histórica: Graciliano Ramos (ao centro) aplaude a entrega do carnê de membro do Partido Comunista Brasileiro a Candido Portinari (esquerda) por Luiz Carlos Prestes. Atrás, Aydano do Couto Ferraz, Pedro Motta Lima (diretor da Tribuna Popular) e Álvaro Moreyra, entre outros.

fizera escrever e reescrever exaustivamente seus livros, adiando a estréia como romancista até ultrapassar a idade de 40 anos, precavendo-se de qualquer vaidade ou deslumbramento mesmo depois de ter o talento reconhecido pelos pares. Nunca foi best-seller, mas desde o começo se estabelece como clássico, e o prestígio entre os leitores não parou de crescer. Esforçando-se em não aparecer, sóbrio de gestos, destacava-se mesmo sem querer. Tinha um mau humor engraçado, parecia pessimista mas escondia um coração generoso, o perfeccionismo quase dava nos nervos de quem o acompanhava na lida de reescrever, apagar e resistir à publicação: assim é o Velho Graça que nos revela a biografia de Dênis de Moraes, reeditada pela paulistana Boitempo Editorial duas décadas depois de seu lançamento, obra revista e ampliada, acrescida de ilustrações, fotografias, algumas inéditas e cronologia. Não é o único título que aparece – ou reaparece – nas livrarias em honra do romancista alagoano. Garranchos é uma nova antologia, organizada por Thiago Mia Salla, de textos inéditos em livro publicados em jornais e revistas do País no período que vai de 1910 a 1950, ou seja, de sua mais tenra juventude aos últimos anos. A renovação de Graciliano nas prateleiras começou ano passado. Livro precioso, Graciliano: Retrato Fragmentado, o perfil escrito por seu filho, o contista Ricardo Ramos (1929 - 1992), voltou a ser editado, desta vez pela Globo Livros. Às prateleiras das lojas também se pode encontrar a


ACERVO GRACILIANO RAMOS/DIVULGAÇÃO BOITEMPO

Graciliano foi homenageado em 1942 pela passagem de seus 50 anos no Restaurante Lido, no Rio de Janeiro. Estiveram presentes (sentados) Marques Rebelo, Carlos Drummond de Andrade, Candido Portinari, Rodrigo Otávio Filho, Lúcia Miguel Pereira, Graciliano Ramos, Gustavo Capanema, Heloísa Medeiros Ramos, Manuel Bandeira e José Maria Belo. Em pé, na primeira fila: Hermes Lima, Antônio Rolemberg, João Condé, José Lins do Rego, Valdemar Cavalcanti, Peregrino Júnior, Genolino Amado, Álvaro Lins, J. Paulo de Medeiros, Amando Fontes, Matilde Amado, Jorge Amado e Joel Silveira. Em pé, na segunda fila, entre outros: Aurélio Buarque de Holanda, Raul Lima, Murilo Miranda, Otto Maria Carpeaux, Paulo Rónai, Moacir Werneck de Castro, Luís Augusto de Medeiros. ACERVO PROJETO PORTINARI/DIVULGAÇÃO BOITEMPO

ACERVO GRACILIANO RAMOS/DIVULGAÇÃO BOITEMPO

Heloísa e Graciliano Ramos acompanham o poeta chileno Pablo Neruda num almoço no Rio de Janeiro em 1952, com Candido Portinari e Jorge Amado. Ao lado, Graciliano e sua segunda mulher, Heloísa de Medeiros Ramos, em 1931, junto com os filhos Múcio, do primeiro casamento (ao fundo), e Ricardo, em Palmeira dos Índios. Abaixo, Graciliano e Ricardo no Rio de Janeiro, em 1948. ACERVO GRACILIANO RAMOS/DIVULGAÇÃO BOITEMPO

edição especial de Vidas Secas, em capa dura, tamanho grande e imagens da região feitas por Evandro Teixeira, publicada em 2008 por ocasião dos 70 anos do lançamento dessa que é uma de suas obras-primas. Em 2013 vida e obra continuam a ser comemoradas: Graciliano é o homenageado da Festa Literária de Paraty, a Flip, o que deve garantir que seu nome permaneça por ainda mais tempo em evidência – fato que talvez deixasse o Velho Graça desconfortável, até encabulado. A alcunha de “Velho”, ele a mereceu muito jovem, ao se ver cercado por uma turma de ficcionistas que mal concluíra a adolescência. Entre moças e rapazes que encaravam a vida já com gravidade, era um sujeito de tiradas cômicas, ainda que a intenção não fosse exatamente provocar graça. A um “bom dia”, era capaz de responder “você acha mesmo?”. Ateu que lia a Bíblia, incluía corriqueiramente em seu vocabulário expressões como “Deus”, “Deus do Céu”, “Nosso Senhor” e “Jesus Cristo” para causar espécie. As lembranças das anedotas não são maiores do que as de seu engajamento em defesa da justiça e da liberdade. Vinte anos mais novo mas da mesma geração que revolucionou o romance brasileiro na década de 1930, o baiano Jorge Amado (1912-2001), que o conheceu numa passagem por Maceió antes mesmo de Graciliano se mudar para o Rio de Janeiro, se recordava de sua face magra, de chapéu-palheta, bengala e cigarro, “parecia seco e difícil, era terno e solidário, acreditava no homem e no futuro”. Outro amigo da época, o poeta Álvaro Moreyra (1898-1948) dizia que Graciliano, “com aquela rispidez de defesa, era a sensibilidade mais envolvente que eu conheci”. Geração à frente, o romancista Antonio Callado (1917-1997) tinha do Velho uma imagem que não difere dos demais colegas: Graciliano “não pensava em suas desventuras, pensava em dores maiores, coletivas”. No relato de Dênis de Moraes, a trajetória do Velho Graça se refaz numa narrativa cativante. Constata-se que o talento apareceu já na infância. Desde muito cedo o mais velho dos 16 filhos do casal Sebastião e Maria Amélia Ramos descobriu a leitura e a escrita. Tempo em que a família, originária de Quebrangulo, Alagoas, depois de passar pela fazenda Pintadinho, em Buíque, Pernambuco, se estabelece em Viçosa, outra vez no Estado natal. Aos 12 anos, em 1904, publica o primeiro conto, Pequeno Pedinte, no jornalzinho do internato onde estudava. Um ano depois, aos 13, chega à capital, Maceió, para continuar os estudos. Embrenha-se em Eça, Machado, Dostoiévski. Jovem autodidata, lê em francês Honoré de Balzac, Émile Zola e Karl Marx. Ainda é um adolescente quando arruma um emprego de redator num jornal quinzenal. Ficará por pouco tempo na função: “Echo Viçosense” só dura dois números. Não vai parar de publicar, ainda que a produtividade seja escondida por uma vastidão de pseudônimos. Em 1906, publica sonetos

no carioca O Malho. Em 1909, é a vez de o Jornal de Alagoas estampar versos seus. Ora assina como Almeida Cunha, ora Soeiro Lobato: a imaginação para novos nomes e sobrenomes não se esgotará. Na cidade onde vai se tornar prefeito, Palmeira dos Índios, passa a residir aos 18. Estabelece-se ali como comerciante na loja Sincera, sem interromper as publicações na imprensa do seu Estado e do Rio de Janeiro. Tem 23 anos no primeiro casamento, com Maria Augusta de Barros. Depois de dar luz aos filhos Márcio, Júnio e Múcio, sua mulher morre em 1920, de complicações do parto do quarto rebento, uma menina que será batizada com o nome da mãe. Viúvo ainda jovem, com quatro crianças, continua a escrever, sempre sob pseudônimo, a lista de alcunhas já se ampliara, há entre vários J. Calisto, Lambda, Anastácio Anacleto. O período como prefeito será breve – de 1928 a 1930 – mas, como se verá, inesquecível. É nessa época que se casa com a segun-

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HOMENAGEM VELHO GRAÇA RENOVADO

da mulher, Heloísa, companheira até os últimos dias. Nascem Ricardo, Roberto, que morre com poucos meses, Luiza e Clara. Estabelecido em Maceió, vai dirigir a Imprensa Oficial de Alagoas, depois a Instrução Pública. É nesses anos de 1930 na capital alagoana que vai conviver com intelectuais que residem por lá, como Raquel de Queirós, José Lins do Rego, Aurélio Buarque de Holanda. Na mesa de bar, um dos seus costumes é derramar um pouco de pinga para queimá-la com a ponta do cigarro, fazendo subir um cheiro de engenho de cana-de-açúcar. Quando é descoberto por Schmidt, que o publica em 1933, tem outro romance em andamento, São Bernardo. Será lançado por nova editora, a Ariel, de Gastão Cruls e Agripino Griecco, em 1934. Graciliano nunca escondeu suas críticas ao Governo: preocupava-se com as injustiças sociais, buscava mais igualdade e liberdade. Antes que a simpatia pelo comunismo o fizesse entrar para o partido, será preso em 1936 pela polícia política de Getúlio Vargas, sem que haja provas contra ele – está na cadeia quando sai seu terceiro livro, Angústia, pela José Olympio, que desbanca a Schmidt e a Ariel na preferência de literatos e leitores. Vai viver o inferno da Ilha Grande – só será libertado no ano seguinte, quando passa a residir no Rio de Janeiro, até morrer, em 1953. A relação entre artistas e intelectuais de esquerda com o Estado Novo caracterizase pela ambivalência. O Governo tenta cooptá-los, merecer simpatia ou condescendência, artistas e intelectuais posicionam-se como podem. Graciliano não será exceção: escritor em aperto financeiro, não vai mudar de ideais mas aceita a nomeação para inspetor federal de ensino e colabora na revista oficial Cultura Política, editada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (Dip). Graciliano estreitará mais tarde sua atuação na imprensa ao se tornar copidesque implacável no Correio da Manhã. Entre jornais e revistas para onde escreve, destacam-se O Cruzeiro, Dom Casmurro, Vamos Ler, Revista do Brasil, O Jornal. O ritmo de produção dos livros que assina com o próprio nome será sempre mais lento: Vidas Secas, romance, sai em 1938. Três livros de contos, reescritos à exaustão, saem em sequência: Infância, em 1945, Histórias Incompletas, 1946, e Insônia, 1947. Entre suas obras, encontram-se também títulos para o público infanto-juvenil, A Terra dos Meninos Pelados, de 1939, e Histórias de Alexandre, de 1944. A simpatia pelo comunismo se institucionaliza com sua filiação ao PCB, em 1945, a convite de Luís Carlos Prestes, secretário-geral. Nessa época, de fim de Segunda Guerra Mundial e campanha pela redemocratização no País, o Partido volta a funcionar legalmente. O romancista se torna militante disciplinado, como mostra Dênis de Moraes: participa de células, encontros e reuniões partidárias, redige discursos, escreve para veículos de imprensa comunista. É parte da comitiva de artistas e intelectuais que visita a União Soviética em 1952. Na volta, está já em fase adiantada de câncer no pulmão. A festa dos seus 60 anos, naquele outubro, será comemorada sem ele. Passa dois meses internado na Casa de Saúde São Victor, onde morre em 20 de março de 1953. Memórias 40

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do Cárcere chega às livrarias postumamente, nesse mesmo ano. No ano seguinte, sai Viagem, também de tom memorialístico. Na década de 1960, reúne-se em livro parte de suas colaborações em jornais e revistas, Viventes das Alagoas – que inclui os famosos relatórios de quando era prefeito de Palmeira dos Índios –, Linhas Tortas. Garranchos é um dos livros que recuperam o Graciliano não-oficial. A coletânea reúne 81 textos de gêneros variados: crônicas, epigramas, artigos de crítica literária, discursos políticos, cartas, um conto juvenil e até o primeiro ato de uma peça teatral que nunca foi concluída – todos assinados com pseudônimos. Graciliano é um sujeito que “toma partido, da esfera municipal à nacional”, como observa o organizador, Thiago Mia Salla. A cada página, o leitor poderá acompanhar a evolução de um pacato sertanejo que, décadas de-

pois, se tornará um dos mais importantes intelectuais de seu tempo, ainda que ser “intelectual” tivesse para ele sentido que muitas vezes desprezava. Os textos registram desde as primeiras impressões do jovem cronista sobre o Rio que conhece na década de 1920, o cenário político alagoano nos anos 30, aos grandes debates literários e à militância comunista. O título Garranchos é o mesmo de uma seção no jornal O Índio, de Palmeira dos Índios, entre janeiro e maio de 1921. O título também se relaciona à precariedade atribuída pelo artista às suas colaborações na imprensa. Como explica o organizador, Graciliano lança mão de certa estratégia retórica conhecida como “inania verba”; em linhas gerais, tal artifício provoca o rebaixamento de textos jornalísticos, referidos como frivolidades sem maiores compromissos, e do próprio ofí-

Retratos da terra em que Graça viveu Em 2002, o jornalista Audálio Dantas e o fotógrafo Tiago Santana partiram para uma série de viagens ao sertão nordestino, entre Alagoas e Pernambuco, para encontrar os lugares onde Graciliano Ramos nasceu, viveu mais de quatro décadas e recriou em toda sua obra, mesmo após se radicar no Rio de Janeiro em fins de 1930. A terra estorricada, as famílias pobres, o tempo imóvel permanecem mais de um século depois, como registraram em O Chão de Graciliano, obra que combina a grande reportagem e livro de arte, publicada em 2007 pela editora cearense Tempo D´Imagem. Numa paisagem que domina o destino do homem, o que sobressai, para além do solo seco e duro, da poeira constante e do sol abrasador, é o próprio homem, aquele que caminha nesse chão, o “eterno Fabiano”, como lembra Joel Silveira, jornalista e escritor nordestino que escreve a apresentação. A obra tem 200 páginas, edições em português, inglês e espanhol e continua em catálogo apesar de não ser muito fácil encontrá-la nas livrarias. O livro foi o escolhido em 2007 para o prêmio Melhores do Ano na categoria literatura/reportagem da Associação Paulista de Críticos de Arte- APCA. Para os autores, ambos também homens do Nordeste, esses lugares não são desconhecidos. Audálio Dantas, nascido em 1932, é originário de Tanque D’Arca, Alagoas, mesmo estado do autor de Vidas Secas. Entre suas obras publicadas, encontram-se Resistência, Tempo de Luta, O Circo do Desespero e Repórteres. Tiago Santana nasceu em 1966 no Crato, no Ceará, e uma das imagens recorrentes em sua infância e adolescência era a dos romeiros que passavam em busca de milagres do Padre Cícero. Iniciou sua trajetória em 1986, em cursos ministrados por Stefania Bril e Cláudio Feijó. Atua em fotojornalismo e documentação. Em 1993, fundou o grupo Dependentes da Luz, em Fortaleza. No ano seguinte, fundou o banco de imagens e editora Tempo D’Imagem. Parte do material que a dupla recolheu fora apresentado em 2003 na exposição O Chão de Graciliano, que começou em São Paulo, no Sesc Pompéia, e depois chegou a outras cidades do País. A mostra incluiu fotos, documentos e objetos que pertenceram ao escritor, numa cenografia que tentou reproduzir, com pedras, gravetos, cordas e barro, a paisagem do sertão nordestino. Num programa paralelo, integraram-se palestras, teatro, filme e vídeos.

cio de cronista, como meio de torná-los, em sentido contrário, ainda mais persuasivos. “A suposta humildade reivindicada por tal procedimento”, acrescenta Sala, “ajudar a dignificar a condição daqueles que escrevem ao correr da pena, bem como amplia as possibilidades de obtenção da benevolência do leitor, corroborando o êxito do intento comunicativo proposto, no qual, muitas vezes, a função didática parece sobrepujar a estética.” Em Graciliano: Retrato Fragmentado, o filho Ricardo Ramos se recorda de um diálogo com o pai poucos anos antes de morrer sobre o que fazer com os tantos textos assinados com pseudônimo: “Se assinei com meu nome, pode publicar; se usei as iniciar GR, leia com cuidado, veja bem; se usei RO ou GO, tenha mais cuidado ainda. O que fiz sem assinatura ou sem iniciais não vale nada, deve ser besteira, mas pode escapar uma ou outra página infeliz. Já com pseudônimo não, não sobra uma linha, não deixe sair. E pelo amor de Deus, poesia nunca. Foi tudo uma desgraça”. O perfil escrito por Ricardo Ramos, sensível e enxuto, é o retrato comovente de um pai feito em ângulos inusitados por um filho que segue seus passos. A biografia de Dênis de Moraes é exemplar no que tem de material pesquisado – o autor investigou arquivos, ouviu gente que conviveu com o escritor – e no encadeamento dos fatos. Sobretudo “não cometeu o erro de fazer um biografismo”, como notou o crítico Carlos Nelson Coutinho na apresentação de sua primeira edição, duas décadas atrás. Ou seja, Moraes não tentou explicar a obra pela trajetória, o que diminuiria a obra e restringiria o artista. Da infância à maturidade, apresenta as pessoas e as questões que comoveram Graciliano, os impasses de viver como escritor num País de misérias e ditaduras, uma vida que serve de lição. A biografia não dispensa a obra, é principalmente um convite para conhecê-la, pois a obra é o que de fato importa. Como parecia indicar o próprio Graciliano numa carta que escreveu em 1937 ao tradutor argentino Raúl Navarro, um dos documentos levantados por Moraes. Na ocasião, Navarro pedia ao escritor que lhe enviasse breve biografia que seria incluída no título que sairia no mercado de livros de Buenos Aires. O Velho respondeu, em seu estilo inconfundível: “Os dados biográficos é que não posso arranjar, porque não tenho biografia. Nunca fui literato, até pouco tempo vivia na roça e negociava. Por infelicidade, virei prefeito no interior de Alagoas e escrevi uns relatórios que me desgraçaram. Veja o senhor como coisas aparentemente inofensivas inutilizam um cidadão. Depois que redigi esses infames relatórios, os jornais e o governo resolveram não me deixar em paz. Houve uma série de desastres: mudanças, intrigas, cargos públicos, hospital, coisas piores e três romances fabricados em situações horríveis – Caetés, publicado em 1933, São Bernardo, em 1934, e Angústia, em 1936. Evidentemente, isso não dá para uma biografia. Que hei de fazer? Eu devia enfeitar-me com algumas mentiras, mas talvez seja melhor deixá-las para romances.”


O mundo bonito que Aldemir Martins exaltou Um dos mais importantes artistas brasileiros, ele estaria completando 90 anos neste novembro. Sua obra continua mais viva do que nunca. P OR G ONÇALO J ÚNIOR Pouco antes de morrer, aos 84 anos de idade, o artista plástico, ilustrador, pintor e escultor autodidata cearense Aldemir Martins (19222006) escutou de um jornalista a insólita pergunta sobre o que quis dizer com uma vida inteira dedicada à arte. Seria capaz de resumir em tão poucas palavras? A resposta não demorou: “Eu quis dizer que o mundo é bonito”. De fato, o mundo que um dos mais importantes artistas plásticos brasileiros apresentou aqui e lá fora é de beleza inquestionável. Em cores vivas e ângulos inusitados, sua obra – que se pode reconhecer imediatamente pela originalidade e singularidade – mostra uma vida brasileira admirável por meio de gatos – uma de suas paixões –, galos, peixes, frutas e paisagens, cangaceiros e rendeiras em pinturas, cerâmicas, gravuras, desenhos e esculturas, e até na joalheria, território onde também imprimiu sua marca. Aldemir Martins nunca deixou de inovar em uma carreira que atravessou boa parte do século 20. Aberto à experimentação, não limitou sua obra a conceitos, materiais etc: chegou a usar suportes pouco convencionais como papéis de carta, telas de linho, de juta e tecidos variados, copos de requeijão, caixas de charuto, embalagens de sabonete, de sorvete e de pizza. O que sempre se manteve foi seu traço forte e inconfundível, o uso de tons vibrantes. Por mais de meio século, esteve presente em individuais e coletivas no Brasil e no exterior, acumulando prêmios nacionais e internacionais e integrando coleções privadas e públicas. E também esteve presente no dia-a-dia, em formas visuais ao alcance de todos, fora dos grandes circuitos de arte: dedicou-se à ilustração de livros, à cenografia teatral e a desenhos para marcas comerciais, além de selos para os Cor-

reios. Encontrá-lo é possível até nas ruas: no bar O Cangaceiro, no Rio de Janeiro, por exemplo, há um painel de sua autoria. Sua história começa em Ingazeiras, no Vale do Cariri, interior do Ceará. Ali Aldemir nasceu em 1922, o ano da Semana de Arte Moderna. Em 8 de novembro completaria, portanto, 90 anos. A sua origem era das mais modestas: o pai, encarregado da construção de estradas de ferro, a mãe, uma dona de casa que descendia dos índios tapuias e se dedicava exclusivamente a cuidar dos filhos e do lar. O ofício itinerante do pai levou a família a se mudar várias vezes, onde sua especialidade era exigida. Por fim, os Martins se estabeleceram em Pacatuba, próximo a Fortaleza, quando o garoto Aldemir tinha onze anos. O talento do menino que viraria artista do mundo – o primeiro brasileiro a ganhar a Bienal de Veneza – se revelou desde os tempos de colégio, em que foi escolhido como orientador artístico da classe, mesmo com tão pouca idade. A carreira no Exército parecia à única possibilidade para Aldemir sair da pobreza. No quartel, seu talento não demorou a ser notado, claro. Nos tempos do serviço militar, de 1941 a 1945, ele foi promovido a Cabo Pintor, prêmio concedido ao vencedor de um concurso de pintura de viaturas da corporação promovido pela Oficina de Material Bélico da 10ª Região Militar. Em 1942, expôs pela primeira vez no II Salão de Pintura do Ceará. Ocupou-se como ilustrador de jornais, revistas e livros publicados na capital do seu Estado. Quando deixou o serviço militar, ele já freqüentava a cena das artes plásticas de Fortaleza: por ali, ajudou a criar o Grupo ARTYS e a Sociedade Cearense de Artistas Plásticos, ao lado de artistas que se tornariam importantes como Mário Barata, Antônio Bandeira e João Siqueira. Em 1945, mudou-se para o Rio de Janeiro. Sua trajetória estava apenas começando. Ali, integrou uma coletiva na Galeria Escanais e no Salão Nacional de Belas-Artes. Não demoraria para Aldemir vir a se fixar em São Paulo, já no ano seguinte. Foi quando realizou sua primeira individual, na seção paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil, e intensificou suas atividades como ilustrador em diversos jornais. Na capital paulista, também passou a estudar com Poty, que já era impor-

tante artista brasileiro, ilustrador notório de livros; e de Pietro Maria Bardi, criador do Museu de Arte de São Paulo-Masp. Uma viagem entre o Ceará e São Paulo, de caminhão pau-de-arara, para rever os pais e os irmãos marcou sua obra a partir de 1951: com essa experiência, iniciou a série de desenhos de temática nordestina. Seu primeiro trabalho cenográfico foi realizado em 1954, para a peça Lampião, de Raquel de Queiroz, em São Paulo. Aldemir, então, lançou por essa época o álbum de xilogravuras Cinco Carreiras de Cururu, texto de Paulo Vanzolini, com tiragem de 150 volumes pela editora Grafix. Em 1955, o artista recebeu o prêmio de melhor desenhista da Bienal de São Paulo, láurea dividida com o colega argentino-brasileiro Carybé. A descoberta das cores Um novo salto em sua carreira se deu nesse período. Aldemir expôs pela primeira vez no exterior, numa coletiva em Praga, capital da antiga Tcheco-Eslováquia. Seus desenhos, até então realizados em preto e branco, passaram a ter o colorido com o qual se torna conhecido. Logo depois surgiram as séries de galos, gatos, peixes e pássaros. E também passou a realizar a pintura de uma série de painéis: o do bar O Cangaceiro, já mencionado, reduto da boemia carioca, freqüentado por escritores, jornalistas e artistas. Em São Paulo, pintou um amplo painel para a residência do Rodolfo “Rudi” Bonfiglioli, filho de um dos fundadores da empresa de alimentos Cica, notório adepto de caçadas de elefantes. Também fez um painel de pastilhas para a Vidrotil, outros para a Casa Beethoven, para a Companhia União de Refinadores, para a loja Adams. Em 1956, a trajetória internacional de Aldemir teve merecido reconhecimento. Ele foi considerado um dos melhores desenhistas do mundo na Bienal de Veneza. Dois anos depois, realizou uma série de exposições nos Estados Unidos. Acabou convidado a permanecer no país, por três meses, pelo Departamento de Estado Americano. Visitou, então, o Estado da Filadélfia e as cidades de Chicago, Detroit, Boston e Nova York, entre outras. Nessa época, publicou o álbum Silk Screem, que teve a apresentação do mestre Pietro Maria

CARLA ROMERO/VALOR/FOLHAPRESS

ARTE

Bardi, com tiragem de 100 exemplares, em edição bilíngue, pela Galeria Bonina, de Buenos Aires, Argentina. Decidiu então residir em Roma, cidade onde ficou de 1960 a 1961. Os dois anos que viveu na Itália foram de muitas aquisições intelectuais e contatos com diferentes escolas. Numa visita à Inglaterra, conheceu o uso das tintas acrílicas, novidade no mercado da arte da época que incorporou a seu trabalho para sempre. Em 1966, começou a criar esculturas e jóias em ouro e prata. Na década de 1970, Aldemir Martins estreou na televisão brasileira em grande estilo: foi dele a abertura da primeira versão da novela Gabriela, em 1975, adaptação do livro homônimo do baiano Jorge Amado para a Rede Globo. Ele descobriu a telinha logo depois da chamada arte aplicada: passou a fazer arte com rótulos de vinhos, cardápios de restaurantes, brindes de fim de ano, entre outros suportes não convencionais que a tv absorveu em comerciais. Na década de 1990, prosseguiu o mergulho na arte aplicada: chegou a pintar um automóvel Ford Ka como parte da campanha promocional da montadora. Fascinado por gatos, sobretudo na cor vermelha, também desenhou e pintou pássaros com recorrência. Nos últimos anos de vida, entre mostras individuais e coletivas, não deixou de fazer xilogravuras e de explorar a faceta de designer – o artista teve suas obras lançadas pela empresa que ele mesmo criou, a Aldemir Martins Licenciamentos – MBA (Marcas Brasileiras Administradas) em copos de requeijão Nestlé, tapetes Tabacow e jogos da Grow. Aldemir foi condecorado pelo Governo brasileiro com a Ordem de Rio Branco, em grau de Cavaleiro. Suas obras estão expostas em museus e coleções privadas na França, Suíça, Itália, Alemanha, Polônia, México, Argentina, Uruguai, Peru, Estados Unidos, Chile. Em 1998, ao buscar novos espaços para que sua arte saísse dos museus e galerias, o inquieto artista, então com 76 anos, entrou no universo redondo e aromático das embalagens de pizzas, outra de suas paixões. Em 2005, uma grande mostra no Masp celebrou sua obra. Sucesso de público, teve sua duração esticada para dar conta de tantas visitas. Só a morte interrompeu sua arte: em 4 de fevereiro de 2006, no Hospital São Luís, após sofrer um infarto em sua casa, na Zona Sul de São Paulo. Seu corpo foi velado na Assembléia Legislativa do Estado. Casado duas vezes, primeiro com Amélia Bauerfeld, depois com Cora Pabst, teve na primeira união o filho Pedro, nascido em 1950. Cora foi sua companheira de toda vida. Após sua morte, foi criado o Estúdio Aldemir Martins para administrar todo o seu legado. Entre suas atividades, o EAM fornece certificados de autenticidade de obras, libera direitos de imagem, comercializa gravuras, desenhos e pinturas, peças de cerâmica e esculturas assinadas por ele. A instituição também organiza eventos, mostras e exposições de suas obras. Para conhecer sua vida e obra, há um conjunto de livros para todas as idades: Aldemir Martins por Aldemir Martins, editado pela Bestpoint por ocasião da grande mostra no Masp, em 2005; Aldemir Martins – O Viajante Amigo, de Jacob Klintowitz, publicado pelo Sesc no ano de sua morte; o recente catálogo O Desenho de Aldemir Martins, de Oscar D´Ambrosio e Rubens Matuck, pela Liz Editorial; e os infantojuvenis Aldemir Martins, de Nilson Moulin e Rubens Matuck, pela Callis, e Contando a Arte de Aldemir Martins, pela Noovha America.

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JEAN MANZON/CEPAR CONSULTORIA

JEAN MANZON/CEPAR CONSULTORIA

FOTOGRAFIA

BASTIDORES DE CONCURSO DE BELEZA, HOTEL GLÓRIA, 1953. RIO DE JANEIRO, RJ.

CARMEM MIRANDA, DÉCADA DE 1940.

Exposição destaca a modernização do fotojornalismo no Brasil pelas páginas de O Cruzeiro nas décadas de 1940 e 1950.

As imagens de uma revista revolucionária P OR G ONÇALO J ÚNIOR

Em 1943, a revista O Cruzeiro, com quase duas décadas de lançada, era uma importante publicação de circulação nacional mas, em certa medida, ainda parecida com as outras que cobriam a vida cultural, social e política do País. Até ali, pouco se podia destacar como original, que se tornaria sua marca, no que se refere à linguagem jornalística. O sucesso podia ser medido por altas tiragens e larga distribuição, e até então apenas isso. A virada, a mudança que iria transformá-la num projeto inovador, vai ocorrer naquele ano, quando acolhe Jean Manzon, fotógrafo francês que trazia na bagagem o modelo de foto-reportagem de sucesso da americana Life, imitado, por sua vez, por Paris Match e Paris Soir, duas Redações por onde ele passara na capital francesa. Assim é que imagem começa a fazer par com texto, e não mais seria um mero acessório, como explica Helouise Costa, coordenadora da divisão de pesquisa, teoria e 42

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crítica do Museu de Arte Contemporânea-Usp: “As fotos dessa época passaram a ser mostradas com um propósito jornalístico, a partir de uma estrutura narrativa que contava sempre uma história”. Helouise Costa, uma especialista na revista O Cruzeiro, tema de dissertação e tese, é uma das curadoras da grande exposição As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro (1940-1960)”, dedicada à publicação aberta pelo Instituto Moreira Salles, em São Paulo, desde o dia 22 de novembro. O evento, já apreciado pelo público no Rio de Janeiro, reúne mais de 300 imagens com as respectivas reportagens em que foram usadas. Os conjuntos mostram por que a revista ilustrada brasileira se tornou, na opinião de muitos especialistas, a mais importante do século XX, um novo capítulo na História da imprensa brasileira. Se outras publicações se igualaram em impacto e repercussão, O Cruzeiro foi sem dúvida a mais decisiva para a implantação do fotojornalismo no País. O fio condutor da exibição no IMS é, por

isso mesmo, a relação entre as imagens produzidas pelos fotógrafos e respectivas reportagens, sobretudo nas décadas de 1940 e 1950, de maior inventividade e penetração social da revista. Essa abordagem, como destacam os organizadores, é até hoje inédita. Manzon foi pioneiro e abriu caminho para muitos outros artistas visuais. Três franceses como ele, Marcel Gautherot, Pierre Verger e Henri Ballot, também produziram foto-reportagens primorosas. Na lista, há dois outros estrangeiros radicados no País, os alemães Ed Keffel e Peter Scheier. E diversos brasileiros de várias procedências, como Flávio Damm, José Medeiros, Luciano Carneiro, Salomão Scliar, Indalécio Wanderley, Roberto Maia, João Martins, Mário de Moraes, Eugênio Silva, Carlos Moskovics, Luiz Carlos Barreto, que se tornou cineasta anos depois. Muitas das imagens pertencem ao acervo do IMS. Outras foram cedidas por acervos do jornal Estado de Minas, Fundação Pierre Verger, Acervo

Público do Estado de São Paulo- Apesp, Coleção Samuel Gorberg e os acervos pessoais de Luiz Carlos Barreto e Flávio Damm. Helouise Costa divide a curadoria com Sérgio Burgi, Coordenador de Fotografia do IMS. História da revolução

Para contar a história da revolução de O Cruzeiro, vale relembrar o que acontece antes. A fotografia se integra à imprensa do País já em 1900. O Jornal do Brasil lança naquele ano o suplemento Revista da Semana, que depois ganharia vida própria e duraria mais de cinco décadas. Os jornais diários vão demorar um pouco a adotar a novidade. Entre as décadas de 1930 e 1950, as revistas ilustradas vão ser o grande veículo a estampar as mudanças por que passa a sociedade brasileira – urbanização, novos comportamentos e consumo, explosão do rádio, do cinema e da publicidade. Assis Chateaubriand vai se tornar o principal magnata na imprensa dessa época. A sua trajetória começa em 1924, quando, aos 32 anos, compra O Jornal. Será o primeiro de um grande conglomerado, os Diários Associados, que vai reunir a certa altura 40 jornais e revistas, 36 estações de rádio, 16 emissoras de televisão, uma agência de notícias e uma empresa de propaganda. O Cruzeiro, um de seus principais veículos, existia apenas como marca e seria comprada por ele já em 1928. O negócio foi realizado com financiamento intermediado por Getúlio Vargas, então Ministro da Fazenda do Governo Washington Luiz, dois anos antes de chegar ao poder – Chateaubriand será um dos principais articuladores da negociação que leva Getúlio Vargas à Presidência, sua revista estará a serviço da candidatura do líder gaúcho. Chatô escolhe o melhor para a sua nova empreitada: com papel de qualidade superior, a revista estamparia textos dos intelectuais mais importantes, tinha a assinatura de serviços estrangeiros de fotografias e notícias, rodada a quatro cores em retrogravura. Naquela década de 1920, o máximo de uma tiragem girava em torno de 25 mil exemplares. O empresário quase dobra esse número: a tiragem semanal inicial é de 50 mil exemplares, distribuídos em todas as capitais e grandes cidades. A pu-


JOSÉ MEDEIROS/ ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES

JOSÉ MEDEIROS/ ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES

MERCEDES BATISTA E VALTER RIBEIRO NA GAFIEIRA ESTUDANTINA, 1956. RIO DE JANEIRO, RJ.

ÍNDIO IAUALAPITI, 1949. SERRA DO RONCADOR. FLÁVIO DAMM/ ACERVO FLÁVIO DAMM

PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHEK NO HELIPORTO DO PALÁCIO DO CATETE, 1959. RIO DE JANEIRO, RJ.

tante contribuição para profissionalizar a área de fotografia na imprensa. “A fotografia era meramente ilustrativa do texto, a diagramação tentava criar interesse no leitor com molduras, mas as fotos eram pouco trabalhadas do ponto de vista da linguagem”, como ressalta Helouise Costa. De início, O Cruzeiro apenas copia o que se fazia lá fora. “Manzon, aos poucos, adapta essa experiência para a realidade local”, acrescenta a curadora. Manzon não só vai ajudar a transformar a revista de Chateaubriand. Não por coincidência, é contratado por Lourival Fontes, um dos homens fortes de Getúlio Vargas, para montar o Departamento de Fotografia e Cinema do Departamento de Imprensa e Propaganda-Dip, órgão que faz censura, zela pela imagem do Estado Novo e promove um Brasil típico e pitoresco, ancorado num ufanismo fascista e de exaltação à figura do ditador. “Em O Cruzeiro, ele junta linguagem arrojada com o entendimento do Brasil, essa forma de ver do Departamento de Imprensa e Propaganda (Dip)”, explica a curadora. Escola de fotografia

blicação é vendida até no exterior: em Buenos Aires e Montevidéu, pode ser encontrada sem grande dificuldade. Uma grande estratégia de marketing – grande, sobretudo se se pensar a época – foi montada para a véspera do lançamento, em 10 de dezembro. Do alto dos edifícios da Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, são atirados quatro milhões de filipetas que anunciam a “revista contemporânea dos arranha-céus”. O crescimento é maior que podiam imaginar, mesmo os mais otimistas. Um ano depois, a tiragem alcança 80 mil exemplares. A modernização gráfica não vai cessar, a cor é introduzida nas ilustrações, mais tarde nas fotografias. Até o fim da década de 1930, porém, a imagem nas reportagens apresenta-se do mesmo modo que nas outras revistas que circulam, ou seja, as fotos têm pequeno formato e são distribuídas aleatoriamente, sem um fio narrativo ou busca de sentido. Numa fase de queda de tiragem e desin-

teresse de leitores, o então secretário de Redação, Antônio Accioly Neto, entende que a revista deve publicar mais reportagens, exibir o mundo moderno. O Cruzeiro passa a usar fotografias e colaboradores de O Jornal, introduz-se certo dinamismo, apesar do material requentado. Superando a concorrente direta, a Revista da Semana, O Cruzeiro tem em 1942 uma tiragem de 58 mil exemplares. É quando chega Jean Manzon. A contratação do fotógrafo francês que vai dar novo ritmo às reportagens é idéia de Frederico Chateaubriand, sobrinho de Assis que dirige a Redação. Quer seguir o exemplo de grandes revistas internacionais, Life, Look e Paris Match – nas modernas revistas americanas e francesas, a fotografia sai em grandes formatos, às vezes ocupa página inteira e, sozinha, é capaz de dar conta de toda a notícia. Manzon é experiente não só nas coberturas urbanas; também chegou ao front. Serviu no Serviço Fotográfico e Cinematográfico da

Marinha francesa, documentando diversas batalhas. Cobriu até mesmo a retirada da esquadra do Atlântico, depois que os nazistas invadem Paris. Então será passageiro do último navio que deixa o porto francês que foge para Londres. Quando Manzon chega a O Cruzeiro, a revista publica sobretudo reportagens femininas de comportamento. Os textos sobre moda e culinária embaralham-se com os anúncios em pequeno formato, matérias pagas e um pouco de noticiário. O papel utilizado é de baixa qualidade. O uso das fotografias é o mais caótico possível: retratos posados, de pequeno tamanho, faziam a página lembrar uma coleção de selos sem beleza ou movimento. É então que a revista, incorporando o modelo da foto-reportagem, torna-se um dos mais influentes veículos de comunicação de massa que o Brasil já conheceu. Não é exagero dizer que se pode dividir a História em antes e depois de Manzon. E, assim, o fotógrafo francês dá sua impor-

O Cruzeiro deixou de circular em maio de 1975, quando seu último número vendeu apenas 120 exemplares. E, como observa Helouise Costa, mesmo após 38 anos do fechamento da revista – houve uma breve tentativa de ressuscitá-la em 1981, sem êxito – “constatamos que ela continua sendo uma importante referência para os profissionais da imprensa brasileira, muito embora seja pouco conhecida pelas gerações atuais”. A curadora acrescenta que “a noção de O Cruzeiro como escola de fotografia é uma das vertentes possíveis, um recorte pela especialidade que adquiriu. Nos últimos tempos, a internet tem permitido outras leituras de como entender a revista incluída no contexto global de jornalismo, de internacionalização”. Percebe-se hoje, segundo ela, que havia um diálogo de linguagem relacionada à fotografia entre Life, Paris Match – esta com teor um pouco mais sensacionalista – e outras revistas importantes, pela recorrência de termos. “Não é uma questão de cópia o que O Cruzeiro

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MARCEL GAUTHEROT / ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES

FOTOGRAFIA AS IMAGENS DE UMA REVISTA REVOLUCIONÁRIA

Farsas

Quem conhece a história da imprensa brasileira sabe que O Cruzeiro foi marcada também por uma questão polêmica, a do forjamento de reportagens, inclusive de fotos. Helouise Costa lembra que Paris Match seguia essa mesma linha e acabou por influenciar a revista brasileira. “Um exemplo clássico foi a foto que essa revista tirou do grande bailarino Nijinski, quando ele estava debilitado e 44

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envelhecido, calvo e gordo. Repórter e fotógrafo levaram uma vitrola e colocaram para tocar. Ele, excitado, se solta e se põe a dançar. Na reportagem, fazem parecer que por coincidência do acaso estavam lá quando o bailarino dançou. Era, sem dúvida, um tipo de imprensa sensacionalista. Em O Cruzeiro, como mostram os depoimentos de Flavio Damm e Luiz Carlos Barreto, havia também o truque, a farsa das fotos, algo ligado a uma opção editorial que se fez naquele momento.” Entre as reportagens que, anos mais tarde, teriam a veracidade – parcial ou integral – questionada é uma sobre a Amazônia, de janeiro de 1944, em que os autores, Jean Manzon e David Nasser, afirmam ter passado 43 dias em plena selva. Mais tarde, o próprio diretor da revista, Accioly Neto, vai desmentir essa afirmação. A série Amazônica foi feita no Rio, com jacarés do Jardim Zoológico, na Quinta da Boa Vista. Os “garimpeiros” eram falsos: todos saíram de um acampamento da construção civil, na Barra da Tijuca. Outro exemplo de reportagem forjada, assinada pela mesma dupla, é exatamente a dos índios xavantes, já mencionada. Diz-se que é a primeira vez que a imprensa publica fotos desta tribo arredia, e assim a matéria é vendida para diversas revistas estrangeiras, inclusive a Life. Em seu livro sobre a história da revista, com ênfase no polêmico David Nasser, Cobras-criadas, Luiz Maklouf Carvalho diz se tratar de uma falsificação. O embuste mais expressivo, porém, será o de 17 de maio de 1952, quando um encarte especial anuncia que foi flagrado um discovoador em pleno Rio de Janeiro. Diziam os autores da reportagem, Ed Keffel e João Martins, que foram à praia da Barra da Tijuca fotografar casais de namorados. E assim teriam sido surpreendidos pelo Ovni. Depois, duas versões diferentes passam a circular: a de que a dupla saíra no encalço de um homem parecido com Hitler e a de que estavam à procura de Luís Carlos Prestes. O objeto de cor cinza-azulado teria saído do mar, com grande velocidade, e foi visto durante um minuto, depois desaparecera em silêncio, sem deixar rastro. A Embaixada Americana solicita então os negativos para serem examinados por laboratórios militares; duas semanas depois o Governo americano devolve o material para a revista, sem nenhum comentário. Analisando o modelo de câmera, Rolleiflex, os negativos feitos, a velocidade e a luz, peritos dizem que a imagem pode ter sido totalmente forjada. A dúvida é se o erro do fotógrafo foi intencional ou não. E isso nunca se saberá. Com fama de profissional sério, o alemão Ed Keffel pode ter cometido um engano: acreditou mesmo que um efeito técnico pudesse de fato ser a imagem de um disco- voador. A revista jamais se retratou da fraude. Pior que isso, a matéria seria retomada diversas vezes, como em 2 de novembro 1954, 16 de novembro de

JEAN MANZON/CEPAR CONSULTORIA

fez no Brasil, é uma característica de uma época, da eficácia da linguagem fotográfica no jornalismo. Essa apropriação de conteúdo foi algo relevante.” A exposição do Instituto Moreira Salles apresenta alguns temas recorrentes nas páginas da revista entre as décadas de 1940 e 1950, seu período áureo. Um deles é a relativa ao índio brasileiro. Como observam os curadores, a dominação do índio era vista não só como inevitável, mas necessária à modernização do País, idéia apoiada pelo Governo, que lançava um projeto de integração do índio à sociedade civil. A primeira grande reportagem sobre o tema, de 1944, foi realizada pela dupla Jean Manzon e David Nasser sobre uma comunidade xavante que nunca fora antes contatada. Em edições posteriores, o tema do índio é retratado por outros fotógrafos, principalmente José Medeiros e Henri Ballot. A cobertura ampla das artes no Brasil também interessa à revista. Entre as décadas de 1940 e 1950, o País vive um momento de expansão de seu sistema artístico: é quando são fundadas importantes instituições culturais, como o Masp (1947), em São Paulo, por iniciativa de Assis Chateaubriand, e não por acaso O Cruzeiro publicaria com grande recorrência foto-reportagens sobre esse museu paulista – no ano seguinte, seria aberto o Mam do Rio de Janeiro . Nas reportagens sobre o tema realizadas pela revista, personalidades da elite econômica e política do País são então retratadas em vernissages, cerimônias e banquetes, ou até mesmo em um luxuoso desfile de moda realizado em meio às obras de arte. Outro traço que sobressai nessa linguagem, como notam os curadores, é a autonomia da câmera, questão de forte presença no imaginário do período entre guerras, exprimindo a vontade de superar limites da visão humana e de sua adequação aos desafios da modernização. As foto-reportagens de O Cruzeiro eram muitas vezes seriadas, como se vê na exposição: a publicação reúne diversos exemplos em que as narrativas se desdobram em séries de média ou longa duração. Essas séries estimulavam o consumo regular da revista e induziam o público a colecioná-la. Os faits divers, presentes na publicação, são outra novidade: o termo, de origem francesa, é incorporado ao vocabulário do jornalismo para denominar as matérias e reportagens sobre temas não muito relevantes, entre a notícia e a ficção, que não se enquadram nas editoriais tradicionais e têm pouca relevância social e política. Curiosidades, assuntos banais, tudo isso era envolvido em um clima de suspense, quase sempre fazendo sobressair o dilema de algum indivíduo.

1957, 31 de outubro de 1959 e, mais tardiamente, em 12 de dezembro de 1973. Fotos inéditas

Essa exibição no Instituto Moreira Salles é parte de uma série de atividades ligadas à fotografia que integram a programação da instituição desde que foi criada. Sua coleção de fotografia é hoje uma das mais importantes do País. Não só, há um esforço para sempre ampliá-la, com a aquisição de outras coleções de grande monta. Um número expressivo de fotos do arquivo da revista O Cruzeiro foi adquirido em 2011, trabalhos de fotógrafos brasileiros e estrangeiros que viveram no País, esses que fazem parte da exposição atual. “No caso da exposição, tornou-se uma oportunidade de confrontar o que saiu na revista e o que de fato foi produzido, uma vez que é muito grande o acervo de fotos inéditas, que ficaram de fora da edição de cada reportagem. Um dos motes para a exposição foi apresentar esse contraponto, ao mesmo tempo em que exibimos as fotos publicadas em sua integralidade, sem os cortes, como foram originalmente produzidas”, explica a curadora. Entre tantos talentos consagrados, houve alguma surpresa? Helouise Cunha res-

ROMARIA. JUBILEU DO SANTUÁRIO DO BOM JESUS DE MATOSINHOS, 1947. CONGONHAS DO CAMPO, MG. PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS ESCREVE EM SEU GABINETE, DÉCADA DE 1940.

ponde que sim: O Cruzeiro era uma revista multifacetada e com um número grande de colaboradores. “Luciano Carneiro foi uma surpresa para nós”, destaca ela. A pesquisa sobre a década de 1950, explica a curadora, mostrou fotógrafos como ele, com vertentes mais humanistas, enquanto a turma da década anterior, de Manzon, seguiu uma linha mais sensacionalista. “Luciano fazia fotografia muito lírica, tinha engajamento e compromisso com a veracidade. Ele foi enviado como correspondente de O Cruzeiro em Paris e entrou em contato com a Agência Magnus, então uma referência mundial em fotografia. Fez trabalhos em vários lugares do mundo, foi cobrir a guerra da Coréia. Infelizmente, morreu muito jovem.” Outro olhar inovador que se apresenta ao País nas páginas da revista nessa época é o de Pierre Verger, etnofotógrafo francês que conhece o Brasil em 1946 e, por conta de um contrato com O Cruzeiro, vai conseguir esticar sua estada – a contratação seria depois renovada e por fim ele se estabeleceria com endereço fixo na Bahia. Como explica a curadora, Verger teve dois momentos na revista e impôs para si uma liberdade de produzir a partir do seu interesse pessoal. “Verger recebia por reportagem publicada e é interessante observar que ele não seguia um padrão internacional de foto-reportagem, com reprodução de foto de página inteira para criar impacto inicial. Verger não se pautava nesse modelo.” Luiz Carlos Barreto, que se tornaria um importante realizador do cinema brasileiro, vai ser um dos novos nomes da revista. “Barreto teve uma passagem muito curta. Mas sempre comprometido com o real e adepto de uma linguagem mais sofisticada de fotojornalismo.” Para a curadora, impressiona a qualidade do conjunto dos fotógrafos que a revista reuniu, um grande time que fez e marcou seu tempo.


H

á uma passagem no livro Chatô – O Rei do Brasil (Companhia das Letras, 1994) em que o autor Fernando Morais diz que o futuro magnata da imprensa brasileira Assis Chateaubriand (1892-1968) queria lançar, por volta de 1927, uma revista semanal de nome O Cruzeiro quando soube que certo jornalista português Carlos Malheiros Dias (1875-1941) pretendia lançar uma revista de circulação nacional, com a mesma denominação, mas faltara dinheiro e o projeto estava parado fazia algum tempo. Chateaubriand não pensou muito para ressuscitar a idéia e a comprou de Dias, juntamente com a pequena editora, chamada de Empresa Gráfica Cruzeiro S.A. Passou-se mais de um ano até que o primeiro número de O Cruzeiro finalmente estreasse nas bancas, em dezembro de 1928. Tanto tempo se deu entre busca do dinheiro para fechar o negócio, pendências legais, montagem da Redação e preparação do novo título, que seria semanal e tiragem inicial de 50 mil exemplares, além de acertos para impressão na Argentina – onde ele acreditava que a qualidade gráfica era melhor. O que Moraes não disse e é um fato quase desconhecido na História da imprensa brasileira foi que, exatamente dois anos antes da estréia da revista de Chateaubriand, no dia 18 de dezembro de 1926, chegou aos leitores de todo o Estado do Paraná e do de Santa Catarina o primeiro número de uma publicação com o mesmo nome: O Cruzeiro. Aliás, não só isso. Eram muitas as semelhanças, principalmente na parte editorial e de enfoque na vida cultural. Editada por Generoso Borges, circulou com o subtítulo de “Revista quinzenal de artes e letras e atualidades gerais”. A Redação e gerência funcionaram inicialmente na Rua 15 de novembro, 51ª, região central e um dos pontos culturais efervescentes da cidade. “A vida literária e artística do Paraná desde muito reclamava uma revista da natureza desta, que hoje oferecemos ao público”, escreveu Borges, no editorial. “O nosso meio desde muito exigia uma folha ilustrada que possa aparecer e traduzir o nosso estado de cultura.” Segundo ele, as revistas que o Paraná tivera até aquele momento não tinham conseguido triunfar exclusivamente por falta de persistência de seus editores. Ele prometeu que não seria o seu caso, certamente: “Esta que ora surge conta com elementos de estabilidade e assim terá seguramente apoio público.” Para o editor, “O Cruzeiro não tinha programa (linha editorial) porque para uma folha paranaense só havia um destino: o de trabalhar pelo progresso de sua terra e pela cultura de sua gente”, de acordo com suas próprias palavras. “Na indicação das realizações dos nossos homens, quer na administração pública quer nas indústrias, nas artes, nas ciências e nas letras, estará um serviço útil de divulgação do que somos”. Borges apostava que o povo paranaense saberia compreender as aspirações da revista e o empenho de sua Redação. “É a ele que dedicamos O Cruzeiro”. A publicação tinha o mesmo formato de sua futura homônima, lançada dois anos depois no Rio de Janeiro. Com capa impressa em duas cores – azul e amarelo – , tinha 52 páginas e uma surpreendente quantidade de anunciantes. Dentre eles, o da

No princípio, havia outra O Cruzeiro Exemplar raro mostra que antes de Chateaubriand criar sua famosa revista, em 1928, existiu uma de título homônimo de conteúdo semelhante no Paraná. fábrica de pianos de cauda da marca alemã Essenfelder, muito apreciada entre os imigrantes alemães. Outros permitiriam conhecer um pouco da vida cultural da capital paranaense, como a Livraria Mundial, que funcionava no prédio em frente ao da revista, no número 52, e trazia não só livros de São Paulo e do Rio de Janeiro como de Londres e Paris. A ilustração da capa, feita pelo cartunista H. Ronio, tinha outra semelhança com a edição de estréia da irmã famosa: uma jovem e bela mulher cercada de estrelas. O primeiro texto jornalístico do volume destacava “Uma brilhante declamadora paranaense que surge”. Referia-se à “senhorita” Didi Caillet, que se apresentou no palco do Teatro Guaíra dias antes do lançamento da revista, em recital beneficente. “É uma jovem de resplendente beleza, gestos comedidos

e voz encantadora, declamando com arte e elegância”, escreveu Borges. Didi não demoraria a se tornar um mito sexual no Paraná. Muito bonita, fina e bem educada, fazia parte da elite curitibana, tinha dons artísticos e ainda palpitava na vida política. Seu nome completo era Marie Delfine Caillet e chamava a atenção por onde passava a bordo de sua baratinha na provinciana Curitiba dos anos 1920. Filha de uma italiana com um francês de posses, era a mais bonita entre três irmãs, falava vários idiomas e tinha um carisma incomum. Metida a poetisa, chegou a lançar um livro em 1933 ilustrado pelo festejado artista gráfico J. Carlos. Didi foi a primeira mulher a gravar um disco de poesia no Brasil e não se tem idéia de quantas músicas foram compostas em sua homenagem. Enquanto a maioria das meninas da cidade sonhava em conseguir um bom marido e lindos filhos, ela trocou o noivo aos 19 anos pela chance de ir ao Rio de Janeiro, para se tornar a primeira paranaense a disputar o concurso de Miss Brasil. Voltou famosa. Foi recepcionada na estação ferroviária com festa, banda e mais de 30 mil pessoas. Nas páginas de política de O Cruzeiro, o editor deu destaque depois de Didi Caillet ao Presidente Washington Luiz e ao Governador Caetano Munhoz da Rosa. O interesse de Borges, no entanto, era a poesia e a literatura – a principal característica desse primeiro número de sua revista. E foram dele os primeiros versos publicados. Outro poeta assinava com pseudônimo: um tal de Júlio Pernetta – que bem poderia ser o próprio editor. Usavam os próprios nomes os poetas Euclides Bandeira, Domingos Nascimento e Rodrigo Júnior. Na seção Bellas-Artes, dedicada ao teatro, à música e às artes plásticas, a publicação destacou num longo perfil o talento do escultor João Turim. Nas páginas seguintes, crônicas sobre a cidade escritas por Aureliano Silveira. A última página destacava a visita do time paulista do Santos ao Paraná, em uma bem sucedida turnê pelo Estado. Mesmo com tanto entusiasmo do editor, no entanto, não é ainda possível precisar quantos números de O Cruzeiro foram publicados. Nem mesmo se o volume dois saiu, em janeiro de 1927. De Generoso Borges quase nada se saberia depois. Apenas que era chamado de doutor – provavelmente, ele ganhava a vida como advogado – e se tornou um dos pioneiros do Martinismo no Brasil, escola de pensamento místico-filosófica derivada dos ensinamentos e escritos de Martinez de Pasqually (1727-1779) e de Louis Claude de Saint-Martin (1743-1803), relacionada com o cristianismo esotérico e a mística judaica. O termo era usado também como a designação de um rito da maçonaria. Em Curitiba, o ponto de partida dessa corrente foi a criação do Centro Esotérico “Luz Invisível” autorizado e filiado ao Grupo Independente de Estudos Esotéricos de Papus, em 10 de julho de 1900. Em 1907, o Martinismo chegou a São Paulo, com a fundação da Loja “Amor e Verdade”, dirigida pelo Dr. Horácio Carvalho, sem podermos precisar a data de sua instalação nem tampouco sua filiação. Não há nas páginas de O Cruzeiro paranaense qualquer referência ao movimento. (Gonçalo Júnior) JORNAL DA ABI 384 • NOVEMBRO DE 2012

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HISTÓRIA

ILUSTRAÇÕES: ELIANE SOARES

Há meio século, o mundo era chacoalhado por revoluções políticas, sociais e culturais com conseqüências que permanecem vivas até hoje. P OR C ELSO S ABADIN

Não tenho o menor conhecimento de Astrologia, e na verdade nem sei dizer se acredito ou não nessa ciência. Mas é impossível não pensar, pelo menos de forma fantasiosa, numa espécie de “conjunção especial de astros” que poderia ter acontecido há exatos 50 anos. Já repararam que ano atípico foi 1962? O planeta vivia uma forte polarização entre capitalistas contra comunistas, que continuavam tentando dividir o mundo em duas metades, como já haviam dividido Berlim, através do infame muro construído no ano anterior. Tanto que logo no primeiro mês de 1962, mais precisamente no dia 31, a Organização dos Estados Americanos-OEA expulsa Cuba, depois de fortes pressões dos Estados Unidos. O Brasil de João Goulart, com um pé na ideologia esquerdista e outro na dependência norteamericana, preferiu se abster na votação. Vinte dias depois, como parte do processo publicitário de marcar território no espaço sideral (naquela época se falava “espaço sideral”), os mesmos Estados Unidos colocam em órbita o primeiro astronauta norte-americano: John Glenn. Foi um vôo curto, de menos de cinco horas, mas politicamente importante o suficiente para equiparar o orgulho americano ao soviético: Yuri Gagarin já não estava mais sozinho no panteão dos deuses astronautas criado pela corrida espacial. 46

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Mas também já fazia três anos que os Estados Unidos não estavam mais sozinhos como potência capitalista nas Américas. A Revolução Cubana havia implantado desde 1959 uma república comunista em pleno Caribe, verdadeira pedra nos sapatos do Tio Sam, incrustada a poucos quilômetros da Flórida. O clima de tensão era crescente e em 1961, os Estados Unidos chegaram a empreender a operação Baía dos Porcos, com

o objetivo de depor Fidel Castro , e que acabou por se transformar num fracasso constrangedor. No ano seguinte, a espionagem americana detectou a construção de 40 silos nucleares em Cuba, e imediatamente acionou seus serviços de propaganda e relações públicas para incitar ainda mais a população contra o tal perigo vermelho, vendendo a idéia de um iminente ataque atômico. Enquanto a mídia ensinava ao povo como construir abrigos nucle-

ares e como reconhecer um comunista andando na rua, Kruschev e Kennedy iniciaram um delicado jogo de xadrez bélicopolítico, onde qualquer escorregadela poderia significar o fim do mundo “como nós o conhecemos”, para usar uma expressão bem americana. A Guerra Fria nunca esteve tão quente. Kennedy posicionou navios militares no mar do Caribe, isolando maritimamente União Soviética e Cuba. Os russos questionavam a ação, argumentando que não eram poucos os mísseis norte-americanos instalados em países da Otan, apontados contra os soviéticos. Uma palavra mal interpretada, uma jogada mal feita, um general mais destemperado, e a Terceira Guerra Mundial começaria. Mas o bom senso prevaleceu. Kruschev se comprometeu a não disparar seus mísseis, Kennedy prometeu não atacar Cuba e também retirar seus foguetes que, instalados na Turquia, miravam a União Soviética. Tudo foi resolvido oficialmente em 28 de outubro de 1962 e pelo menos até o fechamento desta edição o mundo ainda não havia acabado. Enquanto isso, do lado de baixo do Equador, golpes militares derrubam governos na Argentina e no Peru. No Caribe e América Central, Jamaica e Trinidad e Tobago conquistam sua independência da Inglaterra, enquanto a Nicarágua funda a sua Frente Sandinista de Libertação Nacional. Na África, a movimentação política também é efervescente, com quatro países tornando-se independentes: Burundi, Ruanda, Uganda e Tanzânia. Ventos de liberdade no Continente Negro? Nem tanto. 1962 também é o primeiro dos 27 longos anos de prisão pelos quais passaria Nelson Mandela. Na Europa, começa a Conferência de Genebra sobre o desarmamento, e a assinatura do acordo de Evian põe fim ao domínio francês na Argélia, após oito anos de guerra. E para ninguém dizer que não falamos de amenidades, o Rei da Espanha Juan Carlos de Bourbon se casa com a princesa Sofia. No Brasil, assim como no resto do mundo, a situação também não é das mais confortáveis. João Goulart se equilibra no fio da navalha para tentar administrar a gigantesca crise aberta pela renúncia de Jânio Quadros, no ano anterior. Ainda que recebido pelo Presidente Kennedy na Casa Branca, Jango é alvo de um temor histérico de uma parte da população, que teme as tendências socialistas do Presidente. Há quebra-quebras, saques, mortos e feridos no Rio de Janeiro. Quase a totalidade das 40 universidades brasileiras ficam paralisadas por três meses na chamada Greve do Um Terço, em que os estudantes reclamam a presença de um terço de estudantes nos colegiados das universidades. A situação é de incerteza. Uma greve geral pede a antecipação do plebiscito sobre a adoção do parlamentarismo no Brasil. A criação do Conselho Nacional de Reforma Agrária, da Ação Popular-AP, e do Comando-Geral dos Trabalhadores-CGT, além da conferência extraordinária que reorganiza o Partido Comunista do Brasil (que passa a adotar a sigla PCdoB), tudo acontecido em 1962, atiçam ainda mais o “pânico vermelho”.


ritmos, arranjos ou canções, os Beatles ditaram pensamentos, polêmicas, modas e atitudes. Pregaram a paz mundial, disseram que “all you need is love”, flertaram com filosofias orientais, popularizaram o que mais tarde se chamaria “vídeoclipe”, e se autoproclamaram, para a ira dos conservadores, “mais populares que Jesus Cristo”. Talvez com razão. Em 2009, o roteirista Luís Bolognesi fez uma ampla pesquisa junto a estudantes paulistas de classe média, que serviu como base de informações para o filme As Melhores Coisas do Mundo. Perguntava-se aos jovens, entre outros itens, sobre seus gostos e preferências musicais. Em primeiro lugar, segundo Bolognesi, veio a resposta “eu ouço de tudo”. Em segundo, Os Beatles. Quarenta anos após a dissolução do grupo. Mas nada disso teve grande repercussão entre 30 de maio e 17 de junho daquele ano. Afinal, nesse período a atenção dos brasileiros estava concentrada em algo muito mais importante: a busca da Seleção Canarinho pelo bicampeonato mundial de futebol, nos gramados do Chile. Ainda sem o “milagre” da transmissão ao vivo pela televisão, o Brasil acompanhava as jogadas de Garrincha, Vavá e Pelé através de torres de alto-falantes instaladas em pontos estratégicos das grandes cidades. Três dias antes do bicampeonato, a São Paulo Alpargatas fabrica o primeiro par do que viria a se transformar num dos nossos maiores sucessos de consumo tanto do Brasil como do exterior: as sandálias Havaianas, cuja campanha publicitária alardeava que “não deforma, não solta as tiras e não tem cheiro”. Ainda no mesmo ano, o Santos se torna o primeiro time brasileiro a conquistar o campeonato Internacional de clubes (vencendo o Benfica por 5 a 2), e o povo brasileiro conquista o direito ao 13º salário. Não era pouca coisa para um único ano. Quatro cabeludos mudam o comportamento de uma geração

Paralelamente a toda essa movimentação político-desportiva, o ano de 1962 já nascia carregado de uma fortíssima vocação para revolucionar também o panorama artístico mundial. Tanto que o “Ano Novo” só tinha 24 dias quando um contrato como outro qualquer, aparentemente igual a milhões de outros contratos pelo mundo, era assinado na Inglaterra, sem que ninguém pudesse prever o quanto

ele alteraria o panorama cultural das décadas seguintes. Um simples pedaço de papel que selava a parceria entre o empresário Brian Epstein e um grupo de jovens cabeludos vindos de Liverpool que teimavam em usar estranhas roupas de couro. Trocar a agressividade do couro por algo mais “comportado” foi uma das primeiras iniciativas de Epstein, que ainda passou quase cinco meses dando com a cara na porta de gravadoras que previam que aqueles tais The Beatles, como o grupo se autodenominava, não tinham talento nem futuro. Até que em 6 de junho de 1962, no estúdio Abbey Road, no Norte de Londres, os “cabeludinhos” finalmente começaram a gravar para a EMI, que os contratou por um ano. Na verdade, esta primeira gravação não foi bem recebida pela empresa, que pouco ou nada aproveitou do material gravado. Mas em setembro do mesmo ano uma nova rodada de gravações gerou a música Love Me Do. Lançada como compacto [para os mais novos, vale explicar que “compacto” era o nome que se dava a um pequeno disco que só tinha duas músicas, uma de cada lado], a canção foi um sucesso instantâneo, alcançando o primeiro lugar na lista dos melhores na revista Mersey Beat, e se posicionando honrosamente entre os 20 compactos mais vendidos na Billboard. Era o nascimento de uma banda [na época no Brasil falávamos “grupo” ou “conjunto”] cujo sucesso extrapolaria os limites do mercado musical para encontrar eco em todos os campos do comportamento humano. Mais que criar novos

sa produtora do filme, na Rua do Triunfo, na Boca do Lixo. Lá chegando, encontramos Seu Martins, o Vice-Diretor da Cinedistri, liderando um clima de festa entre amigos e funcionários. Logo chegaram Iracema Massaini, esposa de Osvaldo, os então pequenos filhos Aníbal e Osvaldinho, bem como Carlos Coimbra, que tinha atuado como editor ”. “O cinema brasileiro já havia ganhado alguns prêmios internacionais, mas jamais um dessa envergadura. Havia a consciência de que aquela data se tornaria histórica”. Chamava a atenção, na época, o fato de O Pagador de Promessas ter sido dirigido

O Brasil conquista sua primeira (e até agora única) Palma de Ouro

Outro fato histórico de relevância acontecido em 1962 foi a conquista, pelo Brasil, do prêmio mais importante do cinema mundial: a Palma de Ouro no prestigiado Festival de Cannes. O cineasta e jornalista Alfredo Sternheim lembra com precisão daquele 23 de maio: “Eu estava trafegando pela Avenida São Luiz, no carro conduzido pelo cineasta Walter Hugo Khouri, de quem eu era assistente, quando nos vimos diante do noticiário luminoso do jornal O Estado de S.Paulo que informava: ‘Cannes, urgentíssimo. O filme brasileiro O Pagador de Promessas acaba de ser contemplado com a Palma de Ouro do 15º Festival Internacional de Cinema de Cannes´. Foi uma euforia e um espanto. Khouri desligou o motor da sua Romi Iseta. Quase ninguém, nem ele e nem eu, acreditava na possibilidade de o filme vencer naquele certame”, conta Sternheim. A descrença pelo filme se devia aos fortes concorrentes que Anselmo Duarte enfrentou na França: O Pagador de Promessas concorria com O Eclipse, de Antonioni, O Anjo Exterminador, de Buñuel, Tempestade Sobre Washington, de Otto Preminger, Os Inocentes, de Jack Clayton, e Divórcio à Italiana, de Pietro Germi, entre vários outros. E o júri era formado por ilustres representantes europeus, como Mario Soldati e François Truffaut. O Brasil era “zebra”. De qualquer maneira, prossegue Sternheim, “Khouri ligou o motor e fomos para o escritório da Cinedistri, a empre-

não por um grande cineasta, mas por um profissional até então conhecido somente como ator. Mais precisamente, como galã. Anselmo Duarte alcançara muita popularidade como ator em mais de 20 filmes na produtora carioca Atlântida e na paulista Vera Cruz. Entre eles, Sinhá Moça e Tico-Tico no Fubá. O Pagador... era a sua estréia como diretor, e a Palma de Ouro foi, ao mesmo tempo, sua consagração e sua maldição. Décadas após o prêmio, o próprio Anselmo me contou que Federico Fellini, naquele mesmo Festival de 1962, deu os pêsames ao diretor brasileiro. “Agora eles vão exigir que você ganhe a Palma de Ouro todos os anos”, o italiano teria dito ao brasileiro, de acordo com o testemunho amargo de Anselmo. Sternheim ratifica que “a raiva contaminou Anselmo nos anos seguintes. Alternando trabalhos fracos e fortes como diretor, ele foi ficando cada vez mais ressentido, com ataques da crítica e ironias algo desrespeitosas, espalhadas por alguns marqueteiros do Cinema Novo. Acabou vendo inimigos até entre os amigos, entre os que o queriam bem. E, cerca de vinte anos depois da vitória em Cannes, magoou profundamente Osvaldo Massaini, quando pediu emprestada a Palma de Ouro, que desde 1962 estava em uma vitrina na sala de espera do seu escritório, na Cinedistri. O cineasta não a devolveu. Na época do festival, o troféu era entregue ao produtor. Nada mais justo Massaini colocá-lo ali, em plena Boca do Lixo. Mas, acima de tudo, O Pagador de Promessas foi uma vitória do cinema brasilei-

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HISTÓRIA 1962, UM ANO EMBLEMÁTICO

Enquanto isso, às margens do Tâmisa...

Mas se no cinema brasileiro o grande fato do ano foi a nossa solitária Palma de Ouro, para a Sétima Arte mundial 1962 reservava uma surpresa mais duradoura, com marco inicial na capital inglesa. Shaftesbury Avenue com a Coventry Street. Exatamente nesta esquina, mais precisamente no imponente London Pavillion, centenas de homens de smoking e mulheres de vestidos longos se aglomeravam na noite de 5 de outubro. Eram formadores de opinião, imprensa e profissionais de cinema especialmente convidados para a pré-estreia mundial de um filme estrelado por um herói até então só conhecido nos livros: Bond, James Bond. Após uma forte campanha publicitária empreendida pela distribuidora United Artists, havia grande curiosidade em saber o que dois produtores norte-americanos radicados na Inglaterra (o novaiorquino Albert Broccoli e o canadense Harry Saltzman) e um ator escocês (Sean Connery) haviam feito para transformar em filme as aventuras do espião idealizado pelo escritor Ian Fleming, em 1953. Na tela, a bem dosada mistura de aventura, espionagem, locações luxuosas, humor britânico e belas mulheres faziam de 007 Contra o Satânico Dr. No uma revolução estética no cinema. Porém, naquele outubro de 62, em plena crise da Baía dos Porcos, a imprensa reagiu com reservas à adaptação. O Time publicou que o herói “quase sempre consegue parecer um pou-

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co bobo”. O crítico Stanley Kauffmann, do The New Republic, acusou 007 Contra o Satânico Dr. No de “nunca se decidir se é um suspense ou uma paródia de um suspense”. E o Vaticano condenou o filme pela sua violência e conteúdo sexual. Por outro lado, Leonard Mosley no Daily Express disse que “Dr. No é divertido e até mesmo o sexo é inofensivo”, enquanto o crítico do Guardian o classificou de “um thriller emocionante”. O público? Os números falam mais alto que qualquer crítica: o filme faturou nas bilheterias do mundo inteiro quase 60 vezes o seu custo, pouco superior a US$ 1 milhão (pouco para hoje, mas respeitável para os padrões da época). E 007 Contra o Satânico Dr. No acabou se transformando na matriz de uma franquia que se perpetua até hoje, somando 23 longas que faturaram, juntos, mais de US$ 1,5 bilhão. Nem o mais otimista dos produtores poderia supor tamanho sucesso, há meio século. O filme só chegaria ao Brasil no feriado de 7 de setembro do ano seguinte. Certamente um dos assuntos mais comentados entre o público e os profissionais de cinema presentes na histórica préestréia deste primeiro 007 foi a morte de Marilyn Monroe. Afinal, completavamse naquele dia apenas e exatos dois meses que a diva mais famosa de Hollywood fora encontrada morta em sua mansão em Brentwood, Califórnia. E ainda muitos mistérios pairavam sobre sua morte. Como, aliás, pairam até hoje, principalmente junto aos adeptos das “teorias da conspiração” que povoam o imaginário popular. A versão oficial fala em overdose pela ingestão de barbitúricos, mas versões menos confiáveis (e por isso mesmo mais fascinantes) relatam que uma ambulância foi vista em frente à casa de Marilyn mesmo antes de a empregada tê-la encontrada morta, ou mesmo que se ouviu ruído de helicóptero pousando nas imediações, na fatídica noite. Prato cheio para as revistas de fofocas e de celebridades, os boatos e rumores ainda repercutiam supostos grampos nos telefonemas de Marilyn, e até relatórios desaparecidos do FBI. Tudo isso porque à boca pequena comentava-se sobre um aludido caso amoroso entre a atriz e o então Presidente John Kennedy, que por sinal seria assassinado no ano seguinte. Obviamente ninguém viu com ingenuidade o marcante e sensual “Happy Birthday” que Marilyn havia cantado para Kennedy em 19 de maio do mesmo 1962. Todas as especulações e a morte prematura aos 36 anos de idade contribuíram ainda mais para alçar a atriz à condição de mito. Foram 33 filmes de 1947 até o inacabado Something’s Got to Give, de 62. Marilyn Monroe na verdade era Norma Jean Mortenson; a loira na verdade era castanha; seus dentes na verdade eram encapados um a um para ficarem perfeitos na tela. Numa era em que botox e photoshop ainda não existiam, ela foi o maior ícone, até então, da fabricação de um ídolo pela indústria do entretenimento. E ajudou a fazer do ano de 1962 um dos mais emblemáticos da nossa História recente.

REPRODUÇÃO/HISTÓRIA DO EXÉRCITO. 2ª EDIÇÃO, 1998

ro que se preocupa em emocionar, em ter fluência. Cinqüenta anos depois, é preciso não esquecer aquela Palma de Ouro, a única dada a um longa brasileiro.”, finaliza e alfineta Sternheim.

HISTÓRIA

Guias civis eram contratados para guiar tropas governistas em terras onde não existiam mapas.

O Contestado terminou para sempre Os derradeiros momentos da guerra que sobressaltou Santa Catarina entre 1912, quando ela começou, e 1916, quando seus últimos guerreiros foram mortos. P OR P AULO R AMOS D ERENGOSKI

Em 1916 a Guerra do Contestado acabara. Missão cumprida, os últimos comandos legalistas voltaram às suas bases. Os trens militares partiram para o Norte e para o Sul. Os piquetes da cavalaria retornaram aos pampas. Navios apinhados de soldados levantaram ferros no porto de Itajaí e São Francisco. As volantes de vaqueanos permanecem pelos serros, regressando aos poucos às vilas e fazendas. A discussão sobre a questão de limites foi chegando a um acordo com a mediação do Presidente da República, o mineiro de Itajubá Venceslau Brás. Os postos fiscais voltaram a arrecadar taxas sobre o transporte de ouro verde: a erva-mate. Os sertanejos se dispersaram para sempre nos carrascais, pregando nos fundos dos ranchos miseráveis o retratinho de São João Maria de alpercatas. Um caminhante como eles mesmos – mas que havia sido alcançado quase às dimensões de um deus... No teatro de operações vazio e mal iluminado restaram apenas dois combatentes: o legendário Elias de Moraes e Adeodato Ramos. Elias de Moraes, apesar de ter perdido toda autoridade anterior – quando levou os jagunços a grandes vitórias como a de Caragoatá –, retirou-se de cena depois da queda do reduto de São Pedro para os vaqueanos de Lau Fernandez. Tomou a direção dos campos do Rio Grande do Sul, antigo maragato que era, com os sonhos e façanhas dos entreveros gaúchos ainda povoando sua imaginação.

Foi andando de rio em rio, sonhando com as cargas da cavalaria impossíveis – Vadeando seus passos secretos – quando foi surpreendido num desses vaus por um caçador que imediatamente o reconheceu. O último caudilho jagunço tinha só uma bala no tambor do revólver e ainda tentou disparar. Mas errou – e recebeu de volta uma descarga na cabeça. Caiu e foi arrastado por seu cavalo em cima de pedras. Já Adeodato foi mais feliz. Conseguiu negacear seus caçadores durante alguns meses, esgueirando-se por trilhas e veredas, dormindo nos matos. Até o dia em que foi cercado numa tapera, quando esquentava um resto de comida. Talvez pudesse ter reagido, ou fugido – pois estava armado. Cansado, preferiu se entregar. Foi levado preso, sob forte escolta, para uma cadeia de São Francisco do Sul. Algumas crianças lhe atiram pedras – e as mulheres cospem na sua cara. Ele ri, zombeteiramente. Parece encarar aquilo tudo como brincadeira. Em todos os interrogatórios a que é submetido se defende sozinho, habitualmente, manhosamente. No xadrez, enquanto aguardava o julgamento, passava as tardes cantando com sua poderosa voz de trovador sertanejo. Submetido a júri em dezembro de 1916, Adeodato foi condenado a máxima pena que então as leis permitiam: trinta anos de prisão. Ao ouvir a sentença atirou o chapéu para cima e garganteou – “Trinta anos, eu dou risada...” Paulo Ramos Derengoski, jornalista e escritor, radicado em Lages, Santa Catarina, é sócio da ABI.


VIDAS

Vera Sastre, a irreverente

Leonardo da Vinci, o gênio total POR P AULO RAMOS DERENGOSKI

Se Leonardo tivesse pintado apenas a Mona Lisa – quadro cujo seguro hoje está avaliado em mais de um bilhão de dólares – já poderia ser considerado genial. Mas ele foi muito além disso. Nascido em 1452 na vila de Vinci, o pai recusou-se a lhe dar o sobrenome (Piero) e Leonardo adquiriu o apodo regional. Esse detalhe fará com que mais tarde Freud (o que explicava tudo) afirme que a agressão paterna e as carícias maternas fizeram que uma precocidade sexual resultasse numa correspondente precocidade visual. O fato é que Leonardo ainda jovem encontrou um mecenas em Ludovico de Sforza, o mouro, e começa a projetar murais e pintar catedrais. Sua beleza física – alto, louro, olhos azuis, jeitos afeminados – atrai a atenção dos mestres da arte florentina: Boticelli, Ghirlandaio e até o clã dos Médici. Logo passa a desenvolver projetos de arquitetura, inventos mecânicos e desenhos de cadáveres. Em 1502 Cezar Borgia o nomeia engenheiro militar. Ele organizava a defesa de Milão com carros de combate e canhões de canos múltiplos. Reurbaniza Milão, derrubando muros, alinhando ruas, planejando viadutos. E os quadros jorram: Adoração dos Magos, A Virgem das Rochas, São Jerônimo. Torna-se animista. Diz que a Terra tem alma, onde a água é o sangue. Torna-se vegetariano e em 1503 termina A Ceia, quadro de intenção dramática evidente, ao mostrar a delação de Judas, até hoje é copiado em todo mundo. Com a invasão francesa vai para a Veneza planejar a defesa contra os turcos. Cria o pára-quedas e um engenho voador. Inventa a bomba hidráulica, a potente pênsil e o submarino. E nas horas vagas vai retocando a Mona Lisa. É acusado de desrespeito aos mortos por dissecar cadáveres, e quase vai preso. Foge para Roma. Estuda alta matemática. Foge para a França. Escreve alucinadamente, mas de trás para diante, só podendo ser lido por espelhos. Mede a distância do Sol à Terra e o tamanho da Lua. Mas os gênios também morrem e Leonardo, o menino da cidadezinha de Vinci, se apaga. Em sua cabeceira está o misterioso quadro da Gioconda, a chamada Mona Lisa, sua maior paixão em vida. É sepultado na Église Saint Florentin, em Amboise, França.

REPRODUÇÃO

ARTE

Amiga de atores, músicos e produtores culturais, a jornalista Vera Sastre morreu em decorrência de um câncer em 10 de outubro. Nascida em janeiro de 1945 em Laranjeiras, Vera Sastre iniciou a carreira no jornal Última Hora e depois foi para o jornal O Sol, criado em 1967 por Reynaldo Jardim com a proposta de resistência ao regime militar. A experiência no veículo foi tema do documentário O Sol Caminhando Contra o Vento, de Tetê Moraes, no qual Vera foi personagem e trabalhou como pesquisadora. Vera trabalhou ainda nas Redações dos jornais Tribuna da Imprensa, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo e nas revistas Manchete, Veja, Contigo e Caras. Nos últimos anos foi curadora de editais de cultura de empresas privadas. Em sua homenagem o jornalista José Ribamar Bessa Freire publicou no Diário do Amazonas no dia 14, sob o título Verinha PorraLouca, o seguinte texto: Entro no facebook. Abro uma janelinha que diz: “Pesquise pessoas, locais e coisas”. Coisas? Somente aquelas do coração cantadas por Raul Seixas. Locais? Dispenso todos. As pessoas sim, essas me interessam. Digito, então, o nome de uma amiga querida: Vera Sastre. Aparecem quatro pessoas com esse nome. Qual delas é a que procuro? Vou clicando um por um para ver. A primeira Vera, decididamente, não é. Parece que essa é argentina, traz acoplado outro sobrenome: Vera Sastre Quesada. O perfil exibe a foto de uma loura, com uma máquina fotográfica e uma frase em espanhol que provocaria risos na minha amiga: “el corazón también se cansa de esperar, de callar y de intentar ”. A foto da segunda Vera, que além de Sastre é Gallegos, mostra uma mulher, de vestido vermelho, deitada num sofá cama, com a perna cruzada e uns sapatos prateados, que não fazem o estilo daquela que procuro. Dou sorte no terceiro clique. Encontro, enfim, a Vera vera, a Vera verdadeira. É ela, não tenho dúvidas, sobretudo quando vejo a indicação sobre o seu livro preferido: “Fora Paulo Coelho”. É a cara da Vera. Mas o facebook desconfia de mim e, em outra janela que abre, insiste com uma pergunta impertinente: – Você conhece Vera? Quem? A Verinha Porra-Louca? É claro que conheço desde o século passado, quando o Facebook nem havia nascido. Trabalhamos juntos no jornal O Sol. O “Porra Louca” acabou incorporado à sua identidade, pelo menos entre os amigos, porque desde aquela época ela exercitava com prazer seu direito de criticar, sem qualquer autocensura. Era absolutamente espontânea, aberta, alegre, irreverente. Dizia tudo o que pensava com invejável liberdade. Nesse contexto, o “PorraLouca” era uma manifestação de carinho e de admiração de todos nós. O Facebook parece admitir que eu possa conhecê-la, mas na sugestão que a

seguir me dá, faz uma ressalva – a gente nunca sabe – com um “se” no condicional: – Se você conhece Vera, envie uma solicitação de amizade ou uma mensagem... A amizade

O que o Facebook não compreende é que não adianta, é inútil enviar qualquer mensagem, porque não haverá mais resposta. Vera Sastre, a nossa Vera, a Verinha Porra-Louca, foi embora, na última quinta-feira, deixando no Facebook 165 amigos, dois gatos na foto de capa – um negro e outro marronzinho – e uma série de textos deliciosos no arquivo A Cozinha de Notícias. Deixou também muitas saudades, além de sua filha Cândida e do documentário O Sol – Caminhando Contra o Vento, dirigido por Tetê Moraes e Martha Alencar, no qual Verinha foi personagem. Não fui ao sepultamento no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, porque só tomei conhecimento de sua morte à noite, voltando da universidade, quando li a notícia publicada no Globo sob o título: Obituário. Vera Sastre, jornalista do sol e da boemia do Leblon. A notícia informa que Vera nasceu em janeiro de 1945, em Laranjeiras, no Rio, e que passou grande parte de sua vida no Leblon, onde freqüentava a Cobal com outros boêmios do bairro como o jornalista Tarso de Castro, com quem trabalhou em vários projetos editoriais. Além do Sol, Verinha foi repórter do Última Hora e, depois, passou por várias Redações: Tribuna da Imprensa, Manchete, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Veja, Contigo, Caras e O Globo. Por isso, entre os seus amigos há muitos jornalistas, vários atores, músicos, gente de teatro e cinema e produtores culturais, entre os quais Ana Arruda Callado, Martha Alencar, Elaina Daher, Geísa Teixeira Melo, João Rodolfo Prado, Thereza Christina Pereira Jorge, Iná Meirelles, Celso Barata, Cláudio Jaguaribe, Léa Penteado, Sérgio Caldieri, Joyce Pascowitch, André Mota Lima, Luis Carlos Maciel, Noilton Nunes, Ana Maria Magalhães, Walcyr Carrasco, Tânia Malheiros e tantos outros. Verinha, atacada por um câncer, trabalhou como free-lancer até quando

pôde. Há menos de um ano, em novembro do ano passado, me procurou porque queria contatos em Manaus para fazer uma matéria. Ela soube, não sei por quais canais, que havia um conhecido empresário no Amazonas que traficava com armas e estava metido com contrabando e outros negócios escusos. Creio que a doença não deixou que a entrevista fosse feita. – Riba, só quero fazer uma perguntinha pra ele. Basta fazer a pergunta, lembra? Faz a pergunta. Lembro sim. Já contei essa história em outro lugar. Resumo aqui. A Vera se referiu a uma entrevista coletiva de Nelson Rockefeller, que veio ao Rio de Janeiro para falar sobre economia e sobre as relações do Brasil com os Estados Unidos. O editor de Problemas Brasileiros, Otto Maria Carpeaux, sugeriu que eu tentasse alguma declaração exclusiva para O Sol. Manifestei à Verinha preocupação por causa da precariedade do meu inglês. Ela me aconselhou: – Faz a pergunta e o Rockefeller que se vire. Dito e feito. Depois da coletiva, encarei o banqueiro americano e mandei ver no meu inglês macarrônico: – What do you think about Vietnam War? Se ele articulasse uma resposta densa, eu estaria perdido. Felizmente, o gringo abanou os braços dizendo algo que eu podia entender muito bem: – No! No! No! No dia seguinte, a manchete de O Sol foi algo assim como: Rockefeller se recusa a falar sobre a guerra do Vietnam. Verinha insistia que, numa entrevista, o fundamental é fazer a pergunta. Uma vez formulada, a coisa anda sozinha. Ela não teve tempo de formular a sua pergunta para o mercador de armas do Amazonas. Estivemos juntos, pelo menos duas vezes, no cemitério. Uma delas foi para dar adeus ao poeta Félix de Athayde, que morreu em1995, aos 63 anos. Havíamos trabalhado com ele nos jornais O Paiz e Correio da Manhã, com ele fizemos amizade, admirávamos sua poesia, ele que havia cantado a luz de Olinda, sua cidade natal, e “a Pátria que me pariu”. Na nossa geração, quando tínhamos vinte anos, todos nós éramos imortais, ninguém morria. Agora, semana sim, outra também, um amigo se despede. Se o Facebook permitisse, eu faria uma pergunta para a Verinha Porra-Louca, ela que se vire para responder: – Tem certeza de que já era hora de partir, levando com você pedacinhos de todos nós? Ou será que nós, que aqui ficamos, é que estamos retardando nossa partida?” P.S. - Link para “O dia em que entrevistei Rockefeller ”: taquiprati.com.br/ cronica.php?ident=214 JORNAL DA ABI 384 • NOVEMBRO DE 2012

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VIDAS

Theodoro, professor emérito O jornalista e professor Antonio Theodoro de Magalhães Barros morreu aos 78 anos, na manhã do dia 16 de outubro, no hospital Prontocor, unidade da Lagoa, com quadro de mielodisplasia. Exdiretor do jornal Última Hora, Theodoro Barros ingressou no jornalismo em 1959, no Diário Carioca. Atuou como repórter, redator e editor nas Redações do Correio da Manhã, O Jornal, O Globo e revista Manchete. Foi o primeiro docente da Universidade Federal Fluminense a receber o título de professor emérito, tendo se dedicado ao magistério superior por mais de 30 anos. Integrou a equipe de professores que ajudaram a formar as primeiras turmas de Jornalismo, entre os quais Muniz Sodré, Nilson Lage, Érika Werneck e Rosental Calmon Alves.

Lecionou as disciplinas Redação e Edição, Administração de Empresa Jornalística, Jornalismo Internacional e Jornalismo Político. Foi diretor do Departamento de Comunicação Social e fez parte da Comissão de Especialistas em Comunicação Social da Secretaria de Ensino Superior (Sesu) do Ministério da Educação. Pós-Graduado em Ciências Políticas, Econômicas e Sociais pelo Instituto de Altos Estudos da América Latina - Universidade Paris III, Theodoro Barros concluiu também o curso de bacharel em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas. Muito ligado à ABI, Theodoro Barros participou, em 13 de julho de 2011, do lançamento do livro A Última Hora, Como Ela Era (Mauad-X), do jornalista Pinheiro Jú-

nior. Na ocasião, foi realizado o debate Última Hora – 60 anos, Os Sobreviventes, no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do Edifício Herbert Moses, sede da ABI. A mesa de honra, coordenada pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, contou com a participação de jornalistas que atuaram na Última Hora, entre os quais Theodoro Barros, e os Conselheiros da ABI Milton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Domingos Meirelles, Pery Cotta, Alcyr Cavalcanti e Benício Medeiros. Na ocasião, Theodoro Barros ressaltou a sua experiência no UH, sobre a qual escreveu extenso estudo no livro Nos Tempos de Samuel Wainer – A Última Hora, editado pela ABI em 1993: “Na condição de um dos poucos sobreviventes, tive a alegria de reencontrar aqui alguns dos colegas da época da Última Hora, que real-

“Fui jogado no jornalismo” Em entrevista ao jornal Caroço, produzido por estudantes de Jornalismo da UFF, Theodoro falou sobre a sua trajetória na imprensa e no ambiente acadêmico: “Quando jovem, sonhava em me tornar arquiteto, mas aos 18 anos ingressei na Marinha Mercante, viajando pelo mundo afora durante quatro anos. Sempre gostei de escrever. O escrever tem duas raízes: praticar muito, escrevendo sempre, e a principal, que é ler. E eu li muito. Inclusive, nesse período da Marinha, quando li dos clássicos aos grandes autores nacionais e estrangeiros. Como futuros oficiais no navioescola Guanabara, da Marinha de Guerra, éramos obrigados a bater ferrugem, raspar o chão com lona e areia. O conceito básico era o seguinte: a gente não pode mandar ninguém fazer nada se não sabe fazer. Esse é também o meu conceito em jornal e como professor. Fui jogado no jornalismo em 1959 pelo Nélson [Pereira dos Santos], meu amigo de Icaraí, que era copidesque do Diário Carioca. O jornal não pagava, mas eu rapidamente fui promovido a um monte de coisa. Depois fui para a Última Hora. Nessa época, havia no Rio de Janeiro 23 jornais. Era muito fácil ir de um para o outro. Só da UH fui cinco vezes. Do Diário fui duas, do Correio da Manhã, duas, além do Globo e da Manchete. Junto com Maurício Azêdo, Presidente da ABI, trabalhei no início dos anos 1960, na sucursal do Diário Carioca, em Niterói, acumulando com a UH, onde era repórter. O Samuel me chamou e disse: ‘Você tá no DC

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ainda? Então larga, que nós vamos lançar a edição de UH do Estado do Rio’. Como editor e diretorresponsável da UH fluminense fizemos um jornal popular mas principalmente político, apoiando as reformas pretendidas pelo Governo João Goulart. O jornal também cobriu fatos dramáticos como a morte do Roberto Silveira [então Governador do Estado do Rio, morto em acidente de helicóptero] e o incêndio do Gran Circo Americano, com mais de 300 mortos. O golpe militar de 1964 acabou com a Rede UH, então com 11 edições em sete Estados e cerca de 500 mil exemplares diários. Juntamente com oito edições regionais, a UH fluminense foi proibida de circular. Sobraram apenas a UH Rio e a UH São Paulo. Restoume ir para o Correio da Manhã, como copidesque, então batizado ironicamente de ‘os derrotados de abril’, por abrigar jornalistas perseguidos pelo regime militar. No final de 1964, com uma bolsa de estudos concedida pelo Governo francês, ingressei no curso de pósgraduação em Ciências Políticas na Universidade de Paris. No início do ano seguinte, reencontrei em Paris Samuel Wainer, que trocara o exílio no Chile pela França. Como minha bolsa era de apenas 500 dólares, aceitei traduzir e adaptar matérias do jornal Le Monde e da revista L’Express para serem publicadas na coluna Europa Moderna, que aproveitava as matérias originais francesas, cedidas a UH por acordo obtido por Samuel. Na verdade, a coluna era um balão de ensaio para uma futura publicação,

que seria impressa na França e circularia no Brasil. Após sondagens feitas no Rio de Janeiro por Moacir Werneck de Castro, ficou claro que os militares não permitiriam tal projeto. Continuei fazendo a coluna, mais tarde transformada em uma página inteira, dentro da editoria internacional de UH, quando regressei ao Brasil no ano seguinte. Graças ao material do Le Monde e de L’Express, fizemos a melhor cobertura brasileira da revolta estudantil iniciada em maio de 1968, em Paris, e que nos meses seguintes se alastrou por praticamente todo o mundo, inclusive em nosso País. Outra cobertura internacional importante foi a da conquista da Lua. A partir da viagem de ida e volta à Lua pela Apolo 8, a UH passou a editar também uma página batizada de Jornal da Lua, que noticiava tudo sobre as expedições seguintes. Na subida da Apolo 11, que levou os astronautas à superfície da Lua, em julho de 1969, planejamos tudo com antecedência: decidimos que uma única edição extra não bastaria, pois estaria superada rapidamente. Fizemos quatro edições, narrando as várias etapas da conquista do satélite, que complementavam o título O Homem está na Lua. A Terra está em festa e eram valorizadas com manchetes curtas e de impacto como Andaram (1ª extra), Lua Conquistada (2ª), Pularam e dançaram (3ª) e Eles estão Voltando (4ª). Na última das quatro extras ainda esnobamos os concorrentes, publicando em rodapé com oito colunas as reproduções das capas das edições com o título As quatro fases lunares de UH.

mente foi um jornal que revolucionou a imprensa carioca. Antes da Última Hora trabalhei no Diário Carioca e depois no Correio da Manhã. Mas foi na Última Hora, em várias funções, a última delas como editor internacional, que me realizei como jornalista, não só fazendo reportagens, mas principalmente editando a parte do noticiário internacional. Pena que hoje nós sejamos tão poucos e que a Última Hora esteja tão longe, 60 anos. Mas o exemplo que a Última Hora deu como linha de conduta e cobertura jornalística vai continuar a fazer seguidores. Fui professor da Universidade Federal Fluminense e tenho a esperança de que alunos e ex-alunos que hoje militam na imprensa voltem a buscar as lições da Última Hora para que o nosso jornalismo melhore ainda mais”.

As pressões políticas e também financeiras sobre a Última Hora obrigaram Samuel Wainer a vender o título do jornal. Primeiro foi a UH São Paulo, negociada com o grupo Folha da Manhã, e, em 1971, a UH Rio, vendida para o grupo de empreiteiros que arrendara o Correio da Manhã. Fui, então, trabalhar na Internacional do Globo e, paralelamente, como administrador na Telerj, à época Companhia Telefônica Brasileira (CTB). A pedido de Nilson Lage, passei para o copidesque. Mas a censura era brava. Não podíamos publicar quase nada. Joguei, então, a toalha: pedi demissão. Para piorar, sofri um acidente de carro que me deixou afastado da Telerj por cerca de um ano. Já estava quase desesperado quando o mesmo Nilson Lage, que era professor da UFF, me convidou para dar aulas. Fiz os concursos públicos e me doutorei com uma tese mostrando como as grandes empresas jornalísticas eram as que tinham sabido se organizar administrativamente. Para me tornar professor titular, fiz outra tese, mostrando como a Última Hora renovou a imprensa brasileira. Voltei à França como bolsista do MEC para fazer pós-doutorado no Instituto de Imprensa da Universidade de Paris, em 1979-1980, além de pesquisas sobre novas tecnologias da informação. Após a aposentadoria no magistério, em 2003, Theodoro Barros orientou monografias de conclusão de curso, participou de bancas examinadoras e ministrou palestras e conferências em seminários e congressos promovidos por diversas universidades públicas e particulares.” Entrevista concedida a Andressa Camargo, Cláudia Lamego, Gustavo Monteiro, Luciana Gondim, Monique Oliveira e Olívia Bandeira de Melo.


ALEXANDRE HORTA

Gazzaneo, jornalista e intelectual O jornalista Luiz Mário Gazzaneo faleceu no dia 12 de outubro no Hospital Nacional de Cardiologia, em Laranjeiras, após uma cirurgia que se seguiu a um infarto. Paulista radicado no Rio desde 1959, Gazzaneo iniciou-se no jornalismo muito jovem, como crítico de cinema do jornal Notícias de Hoje, diário do Partido Comunista Brasileiro-PCB editado em São Paulo, e trabalhou nos periódicos partidários Voz Operária e Novos Rumos e, depois do golpe militar de 1º de abril de 1964, no jornal Folha da Semana, primeira publicação de oposição criada após o golpe, lançada pelo PCB em setembro de 1965 e fechada pelo Governo Castelo Branco em 13 de dezembro de 1966; na revista Cartaz, da Rio Gráfica e Editora; no Jornal do Brasil e em O Globo. Entre 2000 e 2010, dirigiu a Assessoria de Comunicação Social da Fundação IBGE. Dotado de sólida e versátil cultura, com fortes conhecimentos de Filosofia, Economia Política e Literatura, Gazzaneo era também tradutor de obras estrangeiras, principalmente italianas, e teve atuação destacada, ao lado dos escritores Carlos Nélson Coutinho e Leandro Konder, na divulgação de obras do pensador italiano Antonio Gramsci. Após o fechamento da Folha da Semana por portaria do então Ministro da Justiça Carlos Medeiros, trabalhou com o escritor e teatrólogo Dias Gomes na Editora Civilização Brasileira, de Ênio Silveira, de quem se tornou grande amigo. Responsável pela Editoria Internacional da Folha da Semana, na qual colaborava com o pseudônimo de Mário Patti, como forma de descaracterizar a ligação do jornal com o PCB, foi um dos responsáveis pela publicação nesse periódico de celebrada matéria do L’Humanté, diário do Partido Comunista Francês, a série de reportagens Dois Meses com os Vietcongs, em que se revelava pela primeira vez a vida dos guerrilheiros que enfrentavam as tropas dos Estados Unidos e da ditadura do Vietnã do Sul. Apaixonado pelo jornalismo e conhecido pelo entusiasmo com que festejava as matérias de repercussão no meio profissional e no conjunto da sociedade, Gazzaneo foi um dos responsáveis pela edição de histórica primeira página do Jornal do Brasil, a de 12 de setembro de 1973, que noticiava o golpe militar que derrubara o Presidente do Chile Salvador Allende. Como a censura militar proibira que se noticiasse com destaque o gol-

pe comandado pelo General Augusto Pinochet, ele e o então Editor-Geral do JB, Alberto Dines, decidiram montar a primeira página sem manchete nem qualquer outro título, mas ocupando-a com as informações sobre o golpe em tipologia destacada. Então redator da seção internacional do JB, coube a Gazzaneo redigir o texto da extensa chamada. Gazzaneo orgulhava-se também da cobertura do JB ao episódio do atentado terrorista de 30 de abril de 1981 contra o Riocentro, onde milhares de jovens assistiam a um show de música popular organizado pelo Centro Brasil Democrático, órgão de resistência à ditadura criado pelo PCB. Gazza, como era chamado pelos companheiros, recebeu um telefonema quando deixava a Redação, no qual uma pessoa que se intitulava “porta-voz do Comando Delta” sugeriu que se mandasse um repórter para o Riocentro, porque “a coisa lá estava feia”. O JB lançou-se então a minuciosa cobertura do episódio, a qual culminou com a concessão do Prêmio Esso de 1981 ao repórter Fritz Utzeri. À frente do setor de comunicação social do IBGE, Gazzaneo promoveu a abertura de informações aos profissionais do jornalismo e a pesquisadores. Seus colegas de trabalho no órgão, assim como a direção do IBGE, divulgaram um anúncio com convite para a vigília em sua homenagem. Gazzaneo foi casado com Aparecida Gazzaneo e, posteriormente, com a jornalista Thereza Ottoni de Siqueira. Deixou cinco filhos e sete netos. Sócio da ABI desde 31 de maio de 1977, estava com 84 anos.

UM PROFISSIONAL MUITO QUERIDO Mais de 180 jornalistas, intelectuais e artistas assinaram o convite para a missa de sétimo dia de Gazzaneo, numa demonstração sem precedentes de carinho e pesar pelo passamento de um companheiro. A manifestação foi organizada pelo jornalista Marcelo Auler e teve forte repercussão no meio profissional e em outras áreas em que Gazzaneo atuou durante sua fecunda existência. Precedendo a informação sobre a missa foram reproduzidas palavras de um dos ídolos de Gazzaneo, o marxista italiano Antônio Gramsci, nos seguintes termos: “Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes”. Em seguida, vinha o elogio póstumo de Gazzaneo: “Nós, amigos e colegas de trabalho de Gazzaneo, testemunhas de sua dedicação profissional, de sua dignidade, de sua luta pelas grandes causas, qualidades que fizeram com que exercesse de modo diferente seu papel de cidadão e jornalista e marcasse definitivamente sua passagem entre nós, convidamos todos para a celebração em sua homenagem, a realizarse sábado, 20 de outubro, às 17 horas, na Igreja Nossa Senhora da Conceição, na Rua Conde de Bonfim 987, Tijuca. Assinaram o convite Agata Messina, Agostinho Vieira, Alberto Dines, Alexandre Medeiros, Alfredo Herkenhoff, Altamir Tojal, Altenir Rodrigues, Aluizio Maranhão, Ana Cristina Miguez, Ana Lúcia e

Rogério Monteiro, Ana Maria Machado, Ancelmo Góis, André Motta Lima, André Trigueiro, Ângela Regina Cunha, Antero Luiz Martins Cunha, Antônio Batalha, Antônio José Ribeiro Dias (Vermelho), Argemiro Ferreira, Armando Strozemberg, Arnaldo César Jacob, Atenéia Feijó, Beatriz Bomfim e Luiz Gonzaga Larqué (in memoriam), Bruno Liberati, Bruno Thys, Carlos Aurélio Weneck, Carlos Franco, Carlos Marchi, Catarina Malan e Artur Aymoré, Celina Cortes, Celso Barata, Cesar Mota, Christine Ajuz, Claudia Ahimsa, Cristina Borges, Cristina Calmon, Cristina Duarte, Cristina e Leandro Konder, Dácio Malta, Dorrit Harazim e Elio Gaspari, Edgar Arruda, Eduardo Ulup, Elaine Maciel, Eliete Vaitsman, Eliane Cantanhêde, Elvira Lobato e Marcelo Beraba, Evandro Teixeira, Fernanda Pedrosa, Fernando Calazans, Fernando Molica, Fernando Paulino Neto, Ferreira Gullar, Fichel Davit Chargel, Flávia Oliveira, Flávio Pinheiro, Franca Di Sabato Guerrante, Franklin Martins, Giseh Viana, Guida e Sérgio Besserman, Guilherme Fiúza, Henrique Caban, Humberto Jansen, Iesa Rodrigues, Irineu Tamanini, Israel Tabak, Ivan Leão, Ivanir Yazbeck, Isa Salaes, Jesus Chediak, João Batista de Freitas, João Batista de Abreu, João Máximo, Jöelle Rouchou, Jorge Antônio Barros, Jorge Roberto Martins, José Carlos Avellar, José Carlos de Assis, José Casado, José Itamar de Freitas, José Silveira, Kristina Michahelles, Laerte Gomes, Letícia Coimbra, Lilian Newlands, Lima de Amorim, Lúcia Novaes, Luiz Antônio Ryff, Luiz Carlos Mello, Luciana Barros, Luiz Claudio Latgé, Luiz Ernesto Magalhães, Luiz Fernando Gomes, Luiz Orlando Carneiro, Manuel Borges Neto, Marcelo Auler, Marcelo Cerqueira, Marcelo Pontes, Marceu Vieira, Marcos de Castro, Maria Alice Paes Barretto e Luis Carlos David, Maria Cecília Comegno e Armenio Guedes, Maria Helena Leitão, Maria Helena Loureiro Pinto, Maria Helena Malta, Maria Ignez Duque Estrada, Maria Lea Monteiro de Aguiar, Mariléa Miranda, Mário Magalhães, Mário Marona, Marly Vianna e Ramón Peña, Maurício Azêdo, Mauricio Menezes, Mauro Malin, May Campos da Paz, Milton Coelho da Graça, Milton Temer, Miriam Lage, Miriam Malina e Thomaz Meirelles (in memoriam), Moacyr Andrade, Monica Cotta, Mônica Freitas, Mônica Horta, Mônica Ramos, Nilson Damasceno, Norma Coury, Octávio Guedes, Orivaldo Perin, Oscar Valporto, Patrícia Nolasco, Paulo Canto e Mello, Paulo Cézar Pereira, Paulo Jerônimo (Pajê), Paulo Totti, Pedro Celestino, Regina Eleutério, Regina Zappa, Régis Farris, Renato Guimarães, Ricardo Kotscho, Ricardo Leoni, Ricardo Porto, Rodolfo Konder, Rogerio Monteiro, Rogério Reis, Romildo Guerrante, Ronie Lima, Ruth de Aquino, Ruth Martins, Sandra Chaves, Sérgio Moreyra, Sérgio Cabral, Sérgio Cavalcanti, Sérgio Fleury, Sílio Boccanera, Sônia Benevides, Sônia Beatriz de Barros, Sonia Bialowas e Flávio Dickstein, Sônia Meinberg, Tarcísio Holanda, Taís de Mendonça Jorge, Trajano de Moraes, Teresa Ottoni, Ubirajara Moura, Vera Araújo, Vera de Paula e Zelito Viana, Vera Perfeito, Vitor Iorio, Walter Fontoura, Wilson Figueiredo, Yacy Nunes, Zelda Torres e Sérgio Moraes, Ziraldo e Zuenir Ventura. JORNAL DA ABI 384 • NOVEMBRO DE 2012

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