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TIA GLADYS Professora de Desenho, foi dela o primeiro programa infantil da tv O começo não foi fácil, porque o diretor da antiga TV Tupi queria algo alegre: um time de bichos que a garotada adorasse. P ÁGINAS 26 E 27

ACERVO PESSOAL

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

366 M AIO 2011

DUPLA EDIÇOÃMO PANHA A

A C O EX T R EDIÇÃMOR ATIVA C O M E D IA D A DO E N S A IM P R

O Puma do atentado, símbolo do terrorismo de Estado.

Trinta anos depois ainda está por ser esclarecido o atentado terrorista do Riocentro, que tinha como alvo, em 1º de maio de 1981, um show musical que reunia milhares de jovens. O Exército armou uma farsa para deixar o crime impune e até hoje não revelou a verdade à opinião pública. PÁGINAS 24 E 25 E EDITORIAL O EXÉRCITO DEVE PEDIR DESCULPAS, PÁGINA 2

TODA A HISTÓRIA DO EXPURGO PM NÃO DÁ TRÉGUA E CERCA ISTOÉ ESPALHA COMO REAL JORNALISTAS QUEREM PUNIR FEITO PELO ITAMARATY EM 1969 A ABI NO ESTADO DE DIREITO PIADA SEM GRAÇA DA INTERNET TRUCULÊNCIA DE REQUIÃO O COMANDANTE DA RAZZIA FOI O CHANCELER MAGALHÃES PINTO, UM FALSO LIBERAL QUE ASSINOU O AI-5. PÁGINAS 3, 4, 5, 6 E 7

O PRETEXTO FOI UM ATO DE SOLIDARIEDADE AOS 13 DO PROTESTO CONTRA O PRESIDENTE BARACK OBAMA, EM MARÇO PASSADO. PÁGINA 9

A REVISTA TRATOU A BRINCADEIRINHA COMO MATÉRIA SÉRIA, REPRODUZIU O MAU GOSTO E ATÉ SERGINHO GROISMAN CAIU NESSA. PÁGINAS 14 E 15

NUNCA O SENADO ASSISTIU A ATOS DE TANTA VIOLÊNCIA COMO OS QUE ELE COMETEU CONTRA UM REPÓRTER DA BAND. PÁGINA 19


Editorial

O EXÉRCITO DEVE PEDIR DESCULPAS

EPISÓDIO MARCANTE DO GOVERNO do General João Batista de Figueiredo, o atentado tinha por objetivo imediato a explosão de bombas que impedissem a realização do espetáculo e punissem com morte e ferimentos boa parte de seus milhares de espectadores. Grande parte destes seria vítima do atropelo que então se criaria com a tentativa massiva de fuga de centenas de integrantes da platéia. A IMPERÍCIA DOS EXECUTORES DO ATENTADO evitou a tragédia planejada: a bomba explodiu no colo do Sargento Rosário, matando-o na hora, quando ele a manipulava no banco do carona, e provou lesões extremamente graves no Capitão Wilson Machado, que dirigia um carro Puma usado na operação, salvo da morte pela competência das equipes médicas do Hospital Municipal Miguel Couto. NÃO LOGROU O ATENTADO efetivar a motivação maior que o determinara, qual seja a

Jornal da ABI Número 366 - Maio de 2011

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, André Gil, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas.

MANIPULAÇÃO SOBRE FOTO DE ANIBAL PHILOT/AGÊNCIA O GLOBO

PASSADOS 30 ANOS DAQUELES dias sinistros, evocados agora com um acento crítico que não era possível na época, em razão da censura e do arbítrio imperantes, é chegado o momento de se conhecer a verdade sobre o frustrado atentado de que foram incumbidos o então Capitão Wilson Lopes Machado e o Sargento Guilherme Pereira do Rosário contra a realização do Show 1º de Maio, em 30 de abril de 1981, nas dependências do Riocentro, em Jacarepaguá.

pressão dos elementos da chamada linha dura do regime, partidários de uma ditadura ainda mais brutal e de uma repressão ainda mais impiedosa do que aquela que torturava e matava seus adversários. A manifestação terrorista não era de responsabilidade exclusiva dos agentes que a executavam, pois toda uma teia se estendia pelos bolsões de resistência dos partidários da ditadura à possibilidade que se desenhava de ampliação da abertura política iniciada no Governo do ditador precedente, General Ernesto Geisel. Por trás da manobra, como revelou em entrevista a O Globo o Almirante Júlio de Sá Bierrenbach, então um dos próceres do regime, estava um dos aspirantes a sucessor do ditador de plantão, o General Otávio Medeiros, que se considerava herdeiro natural da

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer. CONSELHO FISCAL 2011-2012 Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e Manolo Epelbaum.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: Marcus Antônio Mendes de Miranda

Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br

Conselheiros Efetivos 2011-2014 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, Dácio Malta, Ely Moreira, Hélio Alonso, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Modesto da Silveira, Pinheiro Júnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br

Conselheiros Efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico (in memoriam), Marcelo Tiognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral.

Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP

Conselheiros Efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

ditadura em razão das quatro-estrelas que ostentava como general-de-exército. DIANTE DO IMPREVISTO GERADO pela explosão prematura da bomba do Sargento Rosário, o Ministério do Exército concebeu e montou uma farsa para descaracterizar a autoria do atentado, instaurando um inquérito confiado a um militar, o Coronel Job Lorena, que cumpriu à risca a missão que lhe foi determinada: a de atribuir o ato terrorista à própria oposição ao regime e impedir eficaz apuração do episódio. Com aparato e cenografia que incluíram exibição de slides, projeção de gráficos e exibição de peças de sustentação da versão que se pretendia impor à opinião pública, o Coronel Job Lorena foi eficiente: produziu uma farsa que o Exército patrocinou, dando como procedentes as falsidades de que estavam inçadas sua exposição e suas conclusões. Tal eficiência teve seu estipêndio: pouco depois Job Lorena era promovido a general. ESTA É UMA DAS DÍVIDAS que o Exército ainda está por resgatar diante do conjunto da sociedade e da posteridade e do próprio juízo da História: ou pede desculpas pela farsa com que ofendeu a inteligência coletiva ou promove a divulgação dos documentos e testemunhos sobre o que realmente aconteceu naquela noite em que o terrorismo de Estado planejou o assassinato de milhares de jovens que pretendiam apenas assistir à apresentação dos principais astros da música popular brasileira.

Conselheiros Suplentes 2011-2014 Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães. Conselheiros Suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros Suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas (in memoriam), Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Carlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antônio Mendes de Miranda. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Alcyr Cavalcânti, Antônio Carlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Lucy Mary Carneiro, Luiz Carlos Azêdo, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra.

O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO O RTOGRÁFICO DOS P AÍSES DE L ÍNGUA PORTUGUESA , COMO ADMITE O D ECRETO N º 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.

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Jornal da ABI 366 Maio de 2011


ILUISTRAÇÃO DE MUNIR AHMED

ESPECIAL

O GRANDE EXPURGO DO ITAMARATY

Sessão da 49ª Caravana da Anistia, realizada em 30 de abril na ABI, revela a arrasadora depuração feita na diplomacia brasileira durante a ditadura militar. POR MAURÍCIO AZÊDO Sob o comando do Chanceler Magalhães Pinto, que se proclamava um liberal mas assinou o Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, o Itamaraty promoveu em abril de 1969 o maior expurgo da História da diplomacia brasileira, através de uma razzia que demitiu, aposentou, removeu ou repreendeu nada menos de 44 servidores, impondo essas punições tanto a funcionári-

os de alta graduação – ministros de segunda classe, que seriam futuros embaixadores – como a serventes, motoristas e até um mensageiro. Acusados de homossexualismo, embriaguez, incontinência de costumes e de inimigos do regime militar, as vítimas da gigantesca depuração tiveram apenas 26 dias de sobrevida no serviço público entre a imputação e a punição – sem direito de defesa. Jornal da ABI 366 Maio de 2011

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ESPECIAL O GRANDE EXPURGO DO ITAMARATY DIVULGAÇÃO/ISAAC AMORIM

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Jornal da ABI 366 Maio de 2011

DIVULGAÇÃO/ISAAC AMORIM

s pormenores dessa caça às bruxas foram revelados agora no julgamento do pedido de anistia da viúva de um dos cassados, o diplomata Arnaldo Vieira de Mello, que morreu acabrunhado e desgostoso seis anos após ser desligado da instituição a que servira durante 28 anos. No parecer que emitiu favoravelmente à concessão da anistia pleiteada pela viúva Gilda dos Santos Vieira de Mello, de 92 anos, o Conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça Virginius José Lianza da Franca fez ampla e minuciosa descrição das violências então praticadas pelo Itamaraty sob a batuta e com o aval do Ministro Magalhães Pinto, que assinava à margem dos processos despachos determinando o prosseguimento da perseguição. O julgamento desse e de mais seis processos de anistia ocorreu no Auditório Oscar Guanabarino da ABI, no nono andar do Edifício Herbert Moses, na 49ª Caravana da Anistia, organizada por iniciativa do Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior, em parceria com a ABI, e aberta na tarde do dia 30 de abril pelo Ministro da Justiça, Deputado José Eduardo Cardozo, que prestou homenagem ao Brigadeiro Rui Moreira Lima, Comandante do Grupo de Caça da Força Aérea Brasileira nos céus da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. O evento integrou as comemorações dos dez anos da Comissão de Anistia e dos três anos da primeira Caravana da Anistia, realizada nesse mesmo espaço da ABI no dia 4 de abril de 2008, ano do centenário da Casa. O ato reuniu centenas de pessoas e contou com a participação de dezenas de entidades representativas da sociedade civil, que exibiam faixas, cartazes e palavras de ordem nos espaços do Auditório e de seu saguão, onde eram distribuiídas inúmeras publicações, entre as quais o Jornal da ABI, edição de abril de 2011, dedicada ao Caso Rubens Paiva. Entre as reivindicações expostas figuravam as do pessoal militar, cuja anistia é objeto de contestação pela burocracia do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Entre os presentes estavam os Deputados Chico Alencar e Jean Wyllys, ambos do Psol, e o Diretor do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Professor Paulo Knaus, que tomaram assento à mesa, a ex-Deputada Laura Carneiro, Maria Prestes,

viúva de Luís Carlos Prestes, e seu filho Luís Carlos Prestes Filho. Ao lado de sua filha Sônia, de 68 anos, a viúva de Arnaldo Vieira de Mello acompanhou o julgamento do pedido de anistia na primeira fila da platéia do Auditório Oscar Guanabarino. Assim como Sônia, ela não pôde esconder a emoção à medida que o relator Virginius Lianza avançava na leitura de seu parecer e especialmente nos trechos em que falava do anistiando Arnaldo e de seu filho Sérgio Vieira de Mello, o brasileiro que chefiava o escritório das Nações Unidas no Iraque morto num atentado terrorista após assumir o cargo. Lembrou Virginius que Sérgio deixou de concorrer ao Instituto Rio Branco, para se tornar funcionário do Itamaraty, em protesto contra o tratamento que o Governo brasileiro dera a seu pai, cortando sua carreira sem processo regular nem direito de defesa. “A ditadura é uma realidade”, disse então Sérgio Vieira de Mello.

“Agora chega, Rui” Um momento de grande emoção do ato foi a homenagem do Ministério da Justiça ao Brigadeiro Rui Moreira Lima, que é também Presidente de Honra da Aliança Democrática dos Militares NacionalistasAdnam. Após receber o certificado de homenagem das mãos do Ministro José Eduardo Cardozo, o Brigadeiro iniciou um discurso em que evocou a visita que o embaixador da Alemanha no Brasil e um alto funcionário alemão vindo de Berlim fizeram à Escola Militar do Realengo, no começo da Segunda Guerra Mundial, em 1939, para mostrar o poderio bélico de seu país. Organizado pelo Comandante da Escola, General Álvaro Fiúza de Castro, o ato incluiu uma exposição dos visitantes, que, para estupefação do Comandante, após encerrá-la receberam ruidosa vaia dos cadetes da Escola, insatisfeitos com os representantes do país que em 1º de setembro daquele ano invadira a

Sob aplausos de Paulo Abrão, Presidente da Comissão de Anistia, o Ministro José Eduardo Cardoso cumprimenta o Brigadeiro Moreira Lima. Abaixo, o Presidente da ABI e o Deputado Chico Alencar (Psol-RJ).

Polônia, deflagrando a Segunda Guerra Mundial. Antes que Moreira Lima completasse a exposição e falasse de seu desdobramento (os cadetes receberam um carão do General Fiúza de Castro; após nova intervenção dos visitantes, eles repetiram a vaia ainda com mais estridência), sua esposa saiu da segunda fila da platéia, subiu ao palco, tomou-lhe o microfone da mão e o fez encerrar o discurso apenas iniciado. Sob aplausos e risos da platéia, disse-lhe a Senhora Maria José: “Agora chega, Rui. O médico permitiu que você viesse com a condição de falar pouco. Você já agradeceu, falou o necessário.” O documento entregue ao Brigadeiro Rui Moreira Lima pelo Ministro José Eduardo Cardozo tem a seguinte inscrição: “Certificado Certifico que Rui Barbosa Moreira Lima é anistiado político brasileiro nos termos da Lei nº 10.4559, de 13 de novembro de 2002. Por meio desta manifestação política o Estado brasileiro reconhece seus atos de resistência contra o regime autoritário e em prol da liberdade e da democracia em nosso País. Pela anistia política constrói-se a reparação aos que foram violados em seus direitos fundamentais, bem como a memória e a verdade histórica. Para que não se esqueça, Para que nunca mais aconteça. Rio de Janeiro, 30 de abril de 2011 José Eduardo Cardozo Ministro de Estado da Justiça”


OS PROCESSOS JULGADOS

FILHO DO CORONEL DAGOBERTO ESPEROU 37 ANOS POR JUSTIÇA Ele tinha dez anos quando foi para o exílio no Uruguai com o pai. Voltou com 20 e foi perseguido. Após a parte solene da 49ª.Caravana da Anistia, a mesa do ato foi desfeita para ceder lugar aos membros do Conselho da Comissão de Anistia, para realização da sessão de julgamento dos sete processos constantes da pauta. O plenário deferiu então os processos de anistia de seis dos sete requerentes: CARLOS AUGUSTO COSTA RODRIGUES Filho do Coronel Dagoberto da Costa Rodrigues, Diretor-Geral do antigo Departamento de Correios e Telégrafos e considerado uma das principais lideranças militares para uma eventual resistência do Presidente João Goulart aos golpistas, Carlos Augusto, então com dez anos, foi levado com o pai para o exílio no Uruguai. Após formar-se em artes plásticas no país vizinho, retornou ao Brasil com uma série de quadros para uma exposição de seus trabalhos. A repressão política prendeu-o sob a acusação de estar transportando armas para o Brasil, visando a uma ação militar, processou-o e passou a persegui-lo. Restaurado o Estado de Direito e aprovada a anistia, Carlos Augusto livrou-se de seus perseguidores e levou 37 anos – de 1964 a 2011 – para obter justiça. Seu pedido de anis-

tia foi deferido. Ao anunciar a decisão, o Presidente da Comissão de Anistia, como faz em todos os processos deferidos, pediulhe desculpas em nome do Estado nacional pelos sofrimentos que a ditadura militar lhe impôs. SÉRGIO DE SOUZA BIZZI Advogado e escriturário, foi preso durante a greve dos bancários de 1979. Preso e processado, foi demitido por sua atuação no movimento sindical. Agora, 32 anos depois, foi anistiado com base no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República e da Lei da Anistia. ROGÉRIO MEDEIROS Jornalista profissional, foi demitido em 1979 do Jornal dos Sports após ser preso e acusado de desenvolver atividades subversivas. Torturado no Doi-Codi do I Exército (Departamento de Operações de Informações-Comando de Operações da Defesa Interna), não encontrou mais oportunidades de trabalho após o processo a que respondeu e teve de sobreviver como como free lancer. Somente após a Lei da Anistia, em agosto de 1979, pôde fazer concurso público para o magistério supe-

rior federal, foi aprovado e admitido. Seu processo de anistia também foi deferido. FANNY TABAK Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, foi presa inúmeras vezes desde 1948. No processo mais recente de caráter político a que respondeu, foi acusada com o marido, também professor, de ser russa e, como tal, agente de subversão patrocinada pela antiga União Soviética. Um dos acusadores num dos muitos processos a que respondeu e que fez essa acusação foi seu ex-sogro, dado depois como portador de esquizofrenia grave. Seu pedido de anistia foi deferido. Ela está atualmente com 89 anos. ROSA MARIA SILVA DE SOUZA Servidora do antigo Instituto Nacional da Previdência Social-INPS, antecessor do atual INSS, foi presa e torturada no DoiCodi do I Exército por ser militante do Partido Comunista do Brasil-PCdoB. Numa das prisões que sofreu foi obrigada por seus perseguidores a requerer ao INSS sua demissão do cargo público que ocupava. A prova dessa violência consta de documento incorporado aos autos do processo de anistia, que foi deferido. Ela acompanhou

o julgamento com as mãos tremendo, conseqüência das graves lesões cerebrais que sofreu com as torturas. MAURO DE MORAES Ex-militar do Exército, requereu a anistia com uma peça inicial incompleta, na qual não declarou o posto ou graduação que detinha, onde servia e quais as perseguições que sofreu. Seu processo foi incluído na pauta desse julgamento por decisão judicial que deferiu petição que ajuizou. Como o processo estava insuficientemente instruído, foi indeferido. Dessa decisão cabe recurso. ARNALDO VIEIRA DE MELLO Anistia deferida, com base no voto do Conselheiro Virginius José Lianza da Franca, apresentado a seguir. Da discussão dos processos de Rogério Medeiros, Fanny Tabak e Rosa Maria Silva de Souza participou o advogado Humberto Jansen Machado, que discordou do valor das pensões permanentes e continuadas atribuídas aos requerentes. Também o jornalista Rogério Medeiros foi ouvido pelo plenário, ao qual relatou as violências que sofreu e as dificuldades que enfrentou por não ter acesso ao mercado de trabalho.

CAÇA ÀS BRUXAS CHEGOU A TODOS OS ESCALÕES O impressionante levantamento feito pelo relator Virginius Lianza para seu parecer na Comissão de Anistia: o Itamaraty perseguiu homossexuais, os que tinham o hábito da bebida, os que tinham conduta pública considerada escandalosa, todos acusados, sem direito de defesa, numa investigação que durou apenas 26 dias e se estendeu aos nossos serviços diplomáticos no exterior. O parecer do relator Virginius Lianza no processo relativo ao diplomata Arnaldo Vieira de Mello faz minuciosa exposição das violências a que o Itamaraty submeteu seus servidores após a decretação do Ato Institucional nª 5, que fundamentou os atos arbitrários de punição, sem conceder aos acusados o direito de defesa. O algoz-mor dos funcionários foi o Embaixador Antônio Cândido da Câmara Canto, que contou na missão cassadora com a colaboração de outros dois diplomatas, os Embaixadores Carlos Sette Gomes Pereira e Manoel Emílio Pereira Guilhon, que assinaram com ele o relatório em que foram propostas as punições. Redigido de forma objetiva, em estilo despojado de qualquer arrebatamento que não correspondesse ao que foi apurado na documentação examinada, o parecer do Conselheiro Virginius mostra a extensão da razzia efetuada no Itamaraty e a preocupação da comissão Câmara Canto de atingir o máximo de funcionários. Para compor a lista dos diplomatas que seriam punidos, a comissão enviou telegramas aos chefes de missão do Brasil no exterior, intimando-os a informar os nomes dos servidores “implicados em ocorrências que tenham comprometido sua conduta funcional”.

A comissão elaborou então a lista dos 13 diplomatas que seriam cassados, entre os quais o poeta Vinícius de Moraes, que era primeiro-secretário do quadro de diplomatas. Os demais punidos foram Ângelo Regattieri Ferrari, Arnaldo Vieira de Mello, Jenny de Rezende Rubim, João Batista Telles Soares de Pina, José Augusto Ribeiro, José Leal Ferreira Júnior, Marcos Magalhães Dantas Romero, Nísio Batista Martins, Raul José de Sá Barbosa, Ricardo Joppert, Sérgio Maurício Corrêa do Lago e Wilson Sidney Lobato. “Arapongas das Forças Armadas cederam fichas de mais de 80 diplomatas”, diz o parecer, que informa que a caça às bruxas chegou a todos os escalões do Ministério das Relações Exteriores e resultou na perda de cargos de 13 diplomatas, oito oficiais de chancelaria e 23 servidores administrativos, entre os quais oito serventes, cinco porteiros e auxiliares de portaria, dois motoristas e um mensageiro. Arnaldo Vieira de Mello, que era cônsul em Stuttgart, Alemanha, acabara de ser promovido a ministro de segunda classe, penúltimo degrau na hierarquia da carreira. “De todos os pedidos de cassação – diz o relator Virginius – só os de dois oficiais de chancelaria indicam al-

guma motivação política. Trazem a explicação ‘risco de segurança’. Outros documentos secretos mostram que eles eram acusados de simpatizar com o comunismo.” O parecer Excluídos os elementos de identificação do processo (natureza do pedido, requerente, anistiando, relator e ementa da opinamento), o texto do parecer do Conselheiro Virginius Lianza da Franca tem o seguinte teor: “1. Trata-se de requerimento de anistia formulado, em 17 de junho de 2009, por Gilda dos Santos Vieira de Mello, a esta Comissão, pleiteando o reconhecimento da condição de anistiado político post mortem em favor de seu exmarido Arnaldo Vieira de Mello, bem como a reparação econômica em prestação mensal permanente e continuada, com base na Lei de Anistia nº 10.559/2002 (fl. 03 e 63).

I. RELA TO DA REQUERENTE ELATO 2. A Requerente apresenta que o anistiando era exfuncionário de carreira do Ministério das Relações Exteriores, tendo alcançado o cargo de Ministro de Segunda Classe. (fls. 01). Jornal da ABI 366 Maio de 2011

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ESPECIAL O GRANDE EXPURGO DO ITAMARATY

3. Que foi aposentado compulsoriamente, em 29/ 04/1969, com base no Ato Institucional n° 5, vindo a falecer no dia 12/06/1973.(fls.01) 4. Que a aposentadoria compulsória tolheu bruscamente a continuidade de seu mister profissional e impediu-lhe as promoções a que faria jus, se permanecesse na ativa.(fls.02) 5. Que o forte abalo psicológico decorrente do ato arbitrário submeteu-o a grave estado depressivo e culminou com a sua morte prematura cerca de 06 anos após, aos 60 anos de idade.(fls.02) 6. Assim, junta aos autos os seguintes documentos: a) Cópia dos documentos pessoais da requerente e do anistiando. (fls. 05 a 11) b) Cópia do Diário Oficial de União de 30/04/1969, onde consta o ato de aposentadoria do anistiando. (fls. 12) c) Informações do Arquivo Nacional. (fls. 13 a 18) d) Notícia de jornal da época dos fatos. (fls. 26). e) Histórico da vida profissional do anistiando. (fls. 28). f) Notícia sobre a promoção post mortem do diplomata Vinicius de Morais. 7. Constam também nos autos, em razão de diligências efetuadas por esta Comissão, os seguintes documentos: g) Histórico Funcional e todos os documentos do anistiando enquanto na ativa perante o Ministério das Relações Exteriores, bem como toda a legislação referente as condições de progressão de carreira no âmbito do referido Ministério. (fls. 37 a 120) h) Informação do Instituto Rio Branco de que o anistiando não participou do curso de Altos Estudos. (fls. 123). É, em síntese, o que era necessário relatar!

“NO PERÍODO MAIS SOMBRIO DA DITADURA MILITAR, COM FUNDAMENTO NO ATO INSTITUCIONAL N° 5, O MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES USOU A SEGURANÇA NACIONAL COMO PRETEXTO PARA VIOLAR A INTIMIDADE DE FUNCIONÁRIOS E EXPULSAR DIPLOMATAS.”

sanidade mental” (mais três), “vida irregular e escandalosa, instabilidade emocional comprovada e indisciplina funcional” (um caso) e “desinteresse pelo serviço público resultante de freqüentes crises psíquicas” (um caso). 16. Outros dez diplomatas “suspeitos de homossexualismo” deveriam ser submetidos a “cuidadoso exame médico e psiquiátrico” por uma junta de doutores do Itamaraty e da Aeronáutica. 17. “Se ficar comprovada a suspeita que paira sobre esses funcionários, a comissão recomenda que sejam também definitivamente afastados do serviço exterior brasileiro”, diz o relatório. Ao lado dos nomes, Magalhães Pinto anotou: “Chamar a serviço e submeter ao exame médico”. No entanto, não há registros de realização das consultas. 18. A comissão ainda receitou penas como repreensão e remoção do cargo a cinco diplomatas por motivos como “demonstrações de irresponsabilidade” e “desmedida incontinência verbal”. 19. Também pediu a demissão de oito oficiais de chancelaria e 25 servidores administrativos, além de exame médico para verificar a orientação sexual de outros quatro. 20. A lista de afastamentos sumários inclui funcionários humildes, como oito serventes, cinco porteiros e auxiliares de portaria, dois motoristas e um mensageiro. Junto aos nomes, aparecem acusações vagas, como “embriaguez” e “indisciplina”. II. DA REPRESSÃO NO ITAMARA TY AMARATY 21. De todos os pedidos de cassação, são os de dois NOS TEMPOS DO AI-5 oficiais de chancelaria que indicam alguma motivação política. Trazem a explicação “risco de segurança”. Ou8. No período mais sombrio da ditadura militar, com tros documentos secretos mostram que eles eram acufundamento no Ato Institucional n° 5, o Ministério das sados de simpatizar com o comunismo. Relações Exteriores usou a Segurança Nacional como 22. Entre os diplomatas cassados estava Arnaldo pretexto para violar a intimidade de funcionários e Vieira de Mello, que era cônsul em Stuttgart e acabara expulsar diplomatas que, segundo o próprio órgão, eram de ser promovido a ministro de segunda classe, penúlconsiderados homossexuais, emocionalmente instáveis timo degrau na hierarquia da carreira. ou alcoólatras. 23. Os 13 diplomatas cassados na ocasião foram 9. Documentos constantes no Arquivo Nacional, Ângelo Regattieri Ferrari, Arnaldo Vieira de Mello, vinculado a Casa Civil, e no Itamaraty Jenny de Rezende Rubim, João Batisprovam que a homofobia e a intoleta Telles Soares de Pina, José Augus“O FORTE ABALO rância pautaram o funcionamento da to Ribeiro, José Leal Ferreira Junior, PSICOLÓGICO Comissão de Investigação Sumária, Marcos Magalhães Dantas Romero, que promoveu uma verdadeira ‘caça Nísio Batista Martins, Raul José de DECORRENTE DO ATO às bruxas’ em todos os escalões do Sá Barbosa, Ricardo Joppert, Sérgio ARBITRÁRIO SUBMETEU-O Mauriício Corrêa do Lago, Vinicius de Itamaraty. 10. O órgão secreto deu origem a 44 Morais e Wilson Sidney Lobato. A GRAVE ESTADO cassações em abril de 1969, no maior 24. Para compor a lista, a comissão DEPRESSIVO E CULMINOU recrutou informantes civis e militaexpurgo da história da diplomacia brasileira! res. Sua primeira medida foi despaCOM A SUA MORTE 11. A comissão foi criada pelo Michar circular telegráfica aos chefes de PREMATURA CERCA nistro Magalhães Pinto e chefiada missão no exterior, intimados a enpelo Embaixador Antonio Candido da tregar os nomes de servidores “impliDE 6 ANOS APÓS” Câmara Canto, que teve 26 dias para cados em fatos ou ocorrências que tenham confeccionar a lista de colegas a serem degolados com comprometido sua conduta funcional”. base no nefasto Ato Institucional n° 5. 25. Arapongas das Forcas Armadas cederam fichas 12. Em vez de perseguir esquerdistas, como fizeram individuais de mais de 80 diplomatas. Também assinam outros ministérios na época, o Itamaraty mirou nos funo relatório os embaixadores Carlos Sette Gomes Pereicionários cujo comportamento na vida privada afronra e Manoel Emilio Pereira Guilhon, que auxiliaram taria os “valores do regime”. Entre os aposentados a Câmara Canto na missão sigilosa. forca, de forma sumária e sem o direito a nenhuma de26. O chefe da comissão encerrou o texto com um fesa, estava, além do anistiando, o poeta e então primeiautoelogio patriótico: “Tudo fizemos para atingir os objero secretário Vinicius de Moraes. tivos colimados e preservar o bom nome do Brasil e do seu serviço no exterior”. 13. Das informações contidas no relatório da comis27. O chanceler Magalhães Pinto devolveu o docusão, denota-se que o ódio contra homossexuais foi o famento assinado e com uma ordem escrita a mão: “Recotor que mais pesou na escolha dos cassados. mendo que se cumpram as determinações”. 14. Dos 15 pedidos de demissão de diplomatas, sete 28. Cinco integrantes da lista seriam poupados até a foram justificados com as seguintes palavras: “pela prátipublicação das aposentadorias, por ato do Presidente ca de homossexualismo, incontinência pública escandalosa”. Costa e Silva. Perderam o cargo 13 diplomatas, oito 15. A lista segue com “incontinência pública escandaoficiais de chancelaria e 23 servidores administrativos. losa, decorrente do vício de embriaguez” (três casos), “in6

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Os decretos de cassação ocuparam três páginas do Diário Oficial de 30 de abril de 1969. 29. O expurgo de 1969 interrompeu várias carreiras em ascensão no Itamaraty. 30. O primeiro-secretário Raul José de Sá Barbosa servia na embaixada do Brasil em Jacarta quando recebeu um telegrama com a notícia da aposentadoria compulsória. Era considerado um dos melhores textos da sua geração de diplomatas. Aos 42 anos, encabeçava a fila de promoção por antiguidade. Ele atribui o afastamento ao fato de ser homossexual. – Fui vítima de preconceito. Cortaram minha carreira, destruíram minha vida. Minha turma de Rio Branco tinha 15 pessoas. Todos viraram embaixadores, menos eu. 31. Barbosa sofreu uma pena adicional: passou dois meses na Indonésia recebendo apenas um salário mínimo, em cruzeiros. De volta ao Brasil, viu as dificuldades financeiras se agravarem. A discriminação, também: – Muitos colegas que considerava amigos nunca mais me procuraram. Houve um silêncio acovardado da carneirada, do rebanho. 32. O mais novo da lista era o segundo-secretário Ricardo Joppert. Em abril de 1969, ele servia no consulado de Gotemburgo quando foi convocado a voltar as pressas para o Brasil. Ao embarcar num avião da Varig, leu num exemplar do Globo a notícia da sua aposentadoria. Tinha apenas 28 anos. – Nunca escondi que era homossexual. Na época isso era visto como problema, porque a sociedade não estava preparada para encarar as minorias – analisa ele, que foi reintegrado em 1986 e hoje serve no Museu Histórico e Diplomático, no Rio. 33. Para a oficial de chancelaria Nair Saud, a demissão significou uma ruptura traumática com a Casa onde conseguiu seu primeiro emprego, aos 17 anos. Aos 86, ela ainda não se conforma com a cassação por “risco de segurança”, como indica o relatório secreto da Comissão de Investigação Sumária. – Meu irmão ficou oito anos sem falar comigo. Disse que preferia ter uma irmã prostituta a uma irmã comunista. Gente que freqüentava minha casa deixou de me cumprimentar, como se eu tivesse uma doença – emociona-se. III. DA PERSEGUIÇÃO AO ANISTIANDO 34. Arnaldo Vieira de Mello crescera numa família de proprietários rurais no interior agrícola da Bahia. Arnaldo e os quatro irmãos haviam sido mandados para um internato jesuíta em Salvador. 35. Após cursar a universidade no Rio, ele trabalhou como editor e comentarista de guerra de A Noite, um importante jornal da época. Estava determinado a ingressar no Itamaraty, o que se deu em 1941. 36. Pobre a ponto de não poder comprar livros nem cadernos, fazia todas as suas leituras numa biblioteca pública do Rio, espremendo suas anotações nas fichas do tamanho da palma da mão usadas para solicitar livros à biblioteca. Carregava pequenas bolsas repletas de pilhas dessas fichas e organizava as bolsas por assunto. 37. Em 1935, Arnaldo conheceu Gilda dos Santos, uma jovem carioca de dezessete anos. Logo fez amizade com a mãe dela, Isabelle da Costa Santos, uma talentosa pintora, e com o pai, Miguel Antonio dos Santos, homem de vários talentos, conhecido no Rio como autor de musicais para o teatro, tradutor do Frances e do alemão e poeta que dirigia uma loja de jóias com os irmãos. 38. “Arnaldo está noivando com meu pai”, brincava Gilda com os amigos. Os jovens noivos casaram-se em 1940 no Rio, e Gilda deu à luz uma filha, Sônia, em 1943, e depois a Sérgio, em 15 de março de 1948 – que mais tarde tornar-se-ia o maior nome brasileiro na Diplomacia Mundial, até ter também a sua vida tolhida por ato de


“MEU IRMÃO FICOU OITO ANOS SEM FALAR COMIGO. DISSE QUE PREFERIA TER UMA IRMÃ PROSTITUTA A UMA IRMÃ COMUNISTA. GENTE QUE FREQÜENTAVA MINHA CASA DEIXOU DE ME CUMPRIMENTAR, COMO SE EU TIVESSE UMA DOENÇA.”

autoritarismo e vandalismo praticado em Bagdá no ano de 2003, que veio a ceifar-lhe a vida de forma brutal durante a Guerra do Iraque. Sérgio dizia não ver sentido em servir à Casa que expulsou seu pai, recusando-se a prestar concurso para o Instituto Rio Branco, e foi trabalhar na Onu, onde se tornaria um dos maiores expoentes pela luta em favor da paz. 39. Os Vieira de Mello levavam uma vida itinerante típica das famílias de diplomatas. Em 1950, Arnaldo, então com 36 anos, mudou-se com a esposa e os dois filhos da Argentina para Gênova, Itália. 40. Em 1952, retornou ao Brasil, onde permaneceu até ser mandado de volta a Itália para trabalhar no consulado em Milão. 41. Em 1956, ano da crise do Suez, a família morou em Beirute, e em 1958 enfim se fixou em Roma, onde moraram por quatro anos, uma das permanências mais longas da família numa só cidade em toda a sua vida. 42. Arnaldo Vieira de Mello era um homem carismático e de grande cultura. “A audácia é o dom dos vitoriosos”, gostava de dizer, ao insistir com o filho para que fosse ousado nas suas atividades intelectuais e pessoais. 43. Quando trouxe a família de volta ao Rio em 1962, nas noites em que permanecia em casa, desaparecia em sua biblioteca, onde mergulhava num mundo de livros e mapas. Enquanto conservava seu emprego diurno de diplomata, conseguiu escrever uma história da política externa brasileira do século XIX, que foi publicada em 1963 e se tornou leitura obrigatória de aspirantes ao serviço diplomático brasileiro. 44. No final de 1963 foi designado para o consulado brasileiro em Nápoles. Gilda, que aprendera a viver uma vida que girava em torno dos filhos mais do que do marido, achou melhor permanecer no Brasil. A filha, Sônia, havia se casado e esperava um bebê, enquanto Sergio cursava o Liceu Franco-Brasileiro, uma escola do Rio freqüentada por muitos filhos de diplomatas. 45. Arnaldo tinha medo de avião, e, como a viagem de navio da Europa para o Brasil levava mais de uma semana, retornava ao País só uma vez por ano. 46. Em 1967 deixara Nápoles e se tornara cônsul-geral do Brasil em Stuttgart, na Alemanha. 47. No Brasil, entretanto, a ditadura militar estava se tornando ainda mais repressiva. Forças paramilitares percorriam o País detendo, torturando e muitas vezes até matando os suspeitos de atividade subversiva. 48. Num dia de primavera de 1969, cinco anos após o golpe, Arnaldo Vieira de Mello estava sentado a mesa de sua residência em Stuttgart, bebendo seu café matinal, enquanto lia os jornais matutinos e folheava os relatórios diplomáticos do Brasil. Ao percorrer a lista de funcionários públicos que o regime militar forçou a se aposentar, seus olhos se fixaram subitamente num nome que não esperava encontrar: o seu. Havia sido dispensado por um governo que servira durante 28 anos. 49. O episódio, anos depois, levou seu filho, Sergio Vieira de Mello, a buscar outra carreira. Sergio estava em Paris quando soube da notícia. Enfureceu-se com o Governo brasileiro por prejudicar sua família e reclamou que o pai havia sido dispensado por seus pontos de vista políticos. O regime militar não deu nenhuma explicação. “A ditadura é uma realidade”, expressou ele sobre o episódio. IV AÇÃO À LEI 10.559/2002. DEQUAÇÃO IV.. DA ADEQU 50. Desta forma, resta plenamente demonstrada a perseguição, de cunho exclusivamente político, de que trata a Lei 10.559D 02, capaz de ensejar o reconhecimento da condição de anistiado político post mortem ao ora anistiando.

51. Eis que depois de transcorridas devida a reparação econômica em prestação única àqueexatas 42 primaveras, tem esta Coles que não puderem comprovar vínculos com a atividade missão de Anistia a obrigação de relaboral; doutra banda, o artigo 5° do mesmo diploma conhecer e reparar todas as mazelas legal disciplina que será devida a reparação econômica que o Estado brasileiro cometeu para em prestação mensal, permanente e continuada àquecom os seus concidadãos, em especiles que comprovem o rompimento de uma atividade laal a família Vieira de Mello. boral, sendo facultado a opção pela prestação única, e, 52. É hora, então, de reavivar a prinos termos do artigo 3°, restando vedado o acúmulo das mavera, a renovação dos sentimentos, modalidades de reparação. reconstrução dos tempos, renasci58. Isso posto, vem a requerente a esta Comissão mento da vida, reencontro das flores, pugnar por uma reparação econômica em prestação recrudescimento das idéias. mensal permanente e continuada, equivalente aos ven53. Quando as folhas secam, deixam as árvores triscimentos de um Ministro de Primeira Classe do quadro tes. Elas se despedem e voam suavemente, depois, mepermanente do Ministério das Relações Exteriores, vislancolicamente choram, e caem. No adeus singelo das to que seria esse o posto que ocuparia, se na ativa estivesse, folhas, a promessa das águas, de verdes renascidos desenconforme estabelece o artigo 6° da Lei 10.559/2002. cantando as flores! Deus na natureza, versos na alegria, 59. Da análise dos autos, conforme documentos de e os fartos ventos que nos acoitam o corpo e a alma anunfls. 37 a 120, Arnaldo Vieira de Mello ingressou no quaciando primaveras. dro permanente do Ministério das Relações Exteriores, 54. Brindemos esta Primavera e o ressurgimento das sendo dele aposentado compulsoriamente em 12 de juflores! Compositores a homenageiam em suas canções. nho de 1969, por força do Ato Institucional n° 5, quanO grande Cartola desabafa: “queixo-me às rosas, mas que do ocupava a função de Ministro de Segunda Classe. bobagem... as rosas não falam! Simplesmente as rosas exa60. Caso o anistiando permanecesse na ativa, preenlam o perfume que roubam de ti...” Em seu poema dramácheria os requisitos objetivos à obtenção das progressões tico Dona Rosita a solteira, Federico Garcia Lorca canta necessárias ao posto de Ministro de Primeira Classe. toda a tristeza dramática de uma Granada Semana Santa, 61. Em que pese a legislação que trata da promoção nos do canto Jondo, da profundidade mítica do majestoso quadros daquele Ministério a época do afastamento do Allambra, no tão belo poema “Lo que dicem las flores”. Pras anistiando acostada aos autos mencionarem a necessidabandas de cá, Geraldo Vandré respondeu a todas as barde da realização de um curso de Altos Estudos para que baridades de um vendaval maluco que por aqui passou, se alcançasse o posto de Ministro de Primeira Classe, bem com uma bela canção que intitulou de Pra não dizer que como da certidão também constante dos autos dando não falei das flores. E tantos outros poconta de que o anistiando não efetuou “AO PERCORRER A LISTA o referido curso, esses dados de per si etas que se inspiraram nos belos jardins pela vida! não são suficientes para afastar a posDE FUNCIONÁRIOS 55. Homenageemos então o anissibilidade de concessão da promoção PÚBLICOS QUE O REGIME postulada pela requerente. tiando, nesta primavera da verdadeira reconciliação, com a pureza do bro62. E que o próprio Ministério das MILITAR FORÇOU A SE tamento das flores, com o germinar Relações Exteriores formulou proposde uma nova semente, com o resgate APOSENTAR, SEUS OLHOS ta de lei sancionada pelo Excelentísda vida que não o deixaram viver, das Presidente da República em 21 SE FIXARAM SUBITAMENTE simo sementes que não o deixaram perpede junho de 2010, efetuando a proNUM NOME QUE NÃO tuar, mas com a certeza de que o homoção, post mortem, do então Primeimem de hoje, graças à semente planro-Secretário Marcus Vinicius da ESPERAVA ENCONTRAR: tada no ontem pela luta e regada com Cruz Mello de Moraes, ao posto de O SEU. HAVIA SIDO o suor e o sangue de tantos brasileiros Ministro de Primeira Classe, o que deque se fizeram audazes, para nos famonstra a plausibilidade do direito DISPENSADO POR UM zer vitoriosos: pelos nossos sonhos, postulado pela ora requerente. GOVERNO QUE SERVIRA pelas nossas esperanças, pela nossa 63. Conforme documento consmemória e pelas nossas pequenas tante as fls, os valores percebidos pelo DURANTE 28 ANOS.” coragens, das quais falava o poeta e diMinistro de Primeira Classe, hoje, são plomata Vinicius de Moraes, também bruscamente equivalentes a R$ 18.478,45. afastado de suas funções pelo regime ditatorial: 64. Ainda em acordo com o documento, o Ministro “Resta essa faculdade incoercível de sonhar de Segunda Classe tem remuneração equivalente a R$ De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade 17.769,29. De aceitá-la tal como é, e essa visão 65. Isto posto, traçados os argumentos fáticos e de Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante direito que dos autos constam, opino pelo deferimenE desnecessária presciência, e essa memória anterior to parcial do pedido formulado para conceder: De mundos inexistentes, e esse heroísmo a) Declaração de anistiado político post mortem com Estático, e essa pequenina luz indecifrável fulcro no artigo 1º inciso I da Lei 10.559/2002, oficiaA que às vezes os poetas dão o nome de esperança. lizando em nome do Estado Brasileiro o pedido de desResta esse desejo de sentir-se igual a todos culpas ao Sr. Arnaldo Vieira de Mello; De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória b) Reparação Econômica, em prestação mensal perResta essa pobreza intrínseca, essa vaidade manente e continuada equivalente à diferença do que De não querer ser príncipe senão do seu reino. vem percebendo como Ministro de Segunda Classe ao Resta esse constante esforço para caminhar dentro do que deveria estar recebendo como Ministro de Primeilabirinto ra Classe, função que deveria estar ocupando, se na atiEsse eterno levantar-se depois de cada queda va estivesse, o que equivale a um valor de R$ 709,16(seEssa busca de equilíbrio no fio da navalha tecentos e nove reais e dezesseis centavos), em favor de Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo sua viúva, Gilda dos Santos Vieira de Mello. Infantil de ter pequenas coragens.” c) Retroativo qüinqüenal a contar de 17.06.2004, haja 56. Assim sendo, demonstrada a perseguição polítivista o protocolo nesta comissão ter sido de 17.06.2009, ca sofrida e a possibilidade de conceder a declaração da equivalente a R$ 63.304,35 (sessenta e três mil trezentos condição de anistiado político post mortem, resta estabee quatro reais e trinta e cinco centavos). lecer a reparação econômica a ser fixada em razão da E como voto. perseguição sofrida pelo anistiando. Rio de Janeiro, 30 de abril de 2011. 57. Estabelece o artigo 4° da Lei 10.559D 2002 que será Virginius José Lianza da Franca Relator.” Jornal da ABI 366 Maio de 2011

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ARTE

Portinari, grande Portinari Em artigo especial para o Site da ABI, o jornalista PAULO RAMOS DERENGOSKI relembra a trajetória do pintor Cândido Portinari, cujo painel “Guerra e Paz”, que ilustra a sede das Nações Unidas, em Nova York, está sendo restaurado no Rio.

O

ano de 2003 marcou o centenário do nascimento daquele que foi o maior pintor brasileiro: Cândido Torquato Portinari, que nos deixou em 1962. Menino pobre de Brodósqui, cresceu sem ter um diploma. Mudou-se para o Rio aos 18 anos e com o pouco que ganhava comprava tintas para pintar. Em 1922 exibe o primeiro quadro no salão da Escola de Belas-Artes. Logo é convidado para o curso. E como o Rio não era uma província em matéria de artes, Portinari escapa da influência paulistana da chamada Semana d’Arte Moderna de 22. Como prêmio de viagem vai a Paris e, aí sim, contata arte moderna e as lutas sociais antifascistas que abalavam o mundo. Ao voltar ao Rio inicia uma produção de grande porte. Uma obra gigantesca! Sempre figurativo, mas emancipado do classicismo, retrata a gente simples do povo brasileiro: crianças, lavadeiras, operários, jogos de futebol, espantalho, cruzes, retirantes. Em 1934 a Carnegie Foundation (EUA) premia seu quadro O Café. O menino de Brodósqui se alça ao lado dos grandes muralistas latino-americanos: Orozco, Rivera, Siqueiros. Os afrescos e painéis se sucedem. A capela de Pampulha, as paredes do Ministério da Educação, a Rádio Tupi, um prodígio de criatividade que vai atingir o máximo no Guerra e Paz, sob encomenda da Onu, que eu tive a chance de ver, ainda menino, nos salões do Teatro Municipal do Rio. Com o passar do tempo a pintura de Portinari ficou mais suave, mais transparente, mais poética, quase cubista, mas sempre fortemente expressiva. Fiel ao seu estilo brasileiro, pes-

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O PAINEL PAZ, DA OBRA GUERRA E PAZ, DE PORTINARI.

soal. Como não aderiu à moda passageira do abstracionismo, foi atacado. Mas onde estão hoje aqueles formalistas borra-tintas que o criticavam? Sumiram do mapa! Grande Portinari: cores vibrantes, luzes diáfanas, conteúdo social – tudo gravado para sempre no arquétipo imemorial do Brasil. O menino que começou como simples restaurador de igrejas, o aluno brilhante de Rodolfo Amoedo, o jovem que se extasiou diante dos mestres renascentistas e primitivos na Europa antifascista, o amigo dileto de Lúcio Costa, o comunista convicto que foi uma espécie de pin-

tor oficial do Brasil varguista, transformou-se em nome mundial a partir de 1940, com seus quadros disputados em todos os leilões do mundo. Sua obra gigantesca poderia ser sintetizada como expressionismo social, com referências à nossa História e cultura. Sua retórica de imagens jamais foi superada em força geométrica. Ele procurou – e conseguiu construir – uma arte brasileira, mas com imaginário moderno. Cândido Torquato Portinari: gênio da raça! PAULO RAMOS DERENGOSKI, sócio da ABI, é jornalista e escritor Radicado em Lages, Santa Catarina, é Diretor do Patrimônio Histórico de Lages e membro do Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação-TV Brasil.


Aconteceu na ABI

PM ocupa espaço da sede da ABI POR CLÁUDIA SOUZA

A Polícia Militar enviou quatro viaturas (placas LKS 8596, LPC 4806, KLY 0995, LPD 3164) com cerca de dez militares para a sede da ABI no início da noite do dia 19 de maio, a pretexto de evitar qualquer confusão diante do ato público que se realizava no auditório da Casa em solidariedade aos 13 participantes do protesto contra a visita ao Brasil do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, diante do Consulado Americano, no Centro do Rio, em 17 de março passado. Os integrantes das viaturas foram interpelados pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, em razão de ocupação semelhante de espaço da Casa, mesmo no hall do Edifício Herbert Moses, só ter como precedente o período da ditadura militar. “A ABI estranha que no Estado Democrático de Direito se repita um comportamento que foi típico da ditadura militar. Pedimos esclarecimentos ao comandante do grupo para que se dirija ao Comando do 13º BPM a fim de esclarecer este episódio. Se persistir a permanência da Polícia aqui, vamos encaminhar uma mensagem de protesto ao

Governador Sérgio Cabral e ao Comandante da Polícia Militar.” Com a permanência da PM no local, o Presidente da ABI enviou mensagem ao Governador Sérgio Cabral com o seguinte teor: “Senhor Governador, O 13º Batalhão de PM mandou duas viaturas e pelo menos seis praças para a sede da ABI, a pretexto de prevenir manifestações no ato em realização em nosso auditório em solidariedade com os 13 participantes do protesto no Consulado dos Estados Unidos contra a visita do Presidente Obama. A ABI estranha esse procedimento, que tem precedente somente na ditadura militar e agride o Estado Democrático de Direito. Peço sua intervenção. Maurício Azêdo, Presidente da ABI” Em resposta, o Governador Sérgio Cabral repassou ao Presidente da ABI o e-mail que endereçou ao Comandante-Geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Coronel Mário Sérgio Duarte, com a seguinte determinação: – Mário Sérgio, veja isso por favor!! Entretanto, uma das quatro viaturas permaneceu estacionada na calçada oposta à do prédio da ABI até o final do evento.

FOTOS RENAN CASTRO

Os praças da PM e seus veículos ocuparam parte do saguão térreo e da calçada interna do Edifício Herbert Moses, que não são logradouros públicos. Isso só ocorreu antes durante a ditadura.

“Estão criminalizando os movimentos sociais” O ato público em defesa dos 13 perseguidos políticos no protesto diante do Consulado Americano contou com o apoio da ABI, da Reitoria da UFRJ, da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, do Diretório Central e Estudantes (DCE) da UFRJ, da Superintendência Geral de Comunicação Social da UFRJ, do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro-Sepe-RJ, da Assembléia Nacional dos Estudantes-Anel, e da Central Sindical e Popular-CSP-Conlutas, PSOL e PSTU. O encontro teve início após a comunicação da ABI com a polícia. A mesa de honra do evento foi formada por Maurício Azêdo, o advogado Marcelo Cerqueira, José Maria de Almeida e Cyro Garcia, respectivamente, Presidentes Nacional e Regional do PSTU, José Ferreira (Sindicato dos Bancários), Fausto de Paula Reis (Sindicato dos Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro), Sandra

Quintela (PACS), Deputado Estadual Róbson Leite (PT), Vanessa Portugal (PSTU-MG), Ricardo Pinheiro (PCB), João Pedro Acyoli Teixeira (Psol), além de representantes do Sepe-RJ, Sindipetro, CSP-Conlutas, Anel, CTB, Associação de Moradores do Morro do Bumba. Cyro Garcia abriu o ato destacando a importância da luta pelas liberdades: “A prisão dos 13 manifestantes evidencia a política do Governo do Estado do Rio de Janeiro de criminalização das lutas e dos movimentos sociais, como a luta do Sindicato dos Bombeiros. São exemplos de como o Governo do Estado encara as greves e lutas. O direito de lutar não é crime; lutar é um direito. Nesta noite fria aqui no Rio de Janeiro, a presença de vocês traz o calor necessário para continuar na luta pela democracia e pelo direito de lutar e de se expressar. Em nome da ABI, Maurício Azêdo

“O direito de lutar não é crime”, diz Cyro Garcia

saudou os presentes e falou do papel da Casa na defesa da democracia: “A Associação Brasileira de Imprensa recebe com muito carinho os companheiros e as companheiras que vêm prestigiar este ato de solidariedade aos participantes daquele protesto histórico diante da visita do Presidente Barack Obama, os 13 companheiros da manifestação do Consulado Geral dos Estados Unidos. A ABI está solidária com a luta pelos companheiros, com a luta dos companheiros do PSTU e com o engajamento que diferentes setores da sociedade promoveram e vem promovendo em defesa das pessoas que se manifestaram naquele dia histórico diante do Consulado. O Presidente da ABI informou a platéia, que lotou o Auditório Oscar Guanabarino, sobre a presença da polícia no local: “A ABI considera necessário ressaltar um ponto que já foi sublinhado pelo nosso companheiro Cyro Garcia, que é o propósito de criminalização dos movi-

mentos sociais em nosso Estado. Tivemos uma prova disso agora, pouco antes da abertura do ato, e um dos motivos de protelação de sua instalação foi a presença da Polícia Militar em espaço da ABI, na calçada da ABI, no hall térreo da ABI, coisa que não acontecia na Casa do Jornalista desde a ditadura militar (aplausos). Advertidos para esse fato, os Diretores da ABI foram ao térreo pedir explicações do comandante da força policial que lá se implantara para saber as razões da mobilização desse dispositivo de segurança e de repressão diante do Edifício Herbert Moses. Um sargento do grupo ficou de fazer o contato com o 13º Batalhão da Polícia Militar e se dirigiu ao rádio de sua viatura. Estamos esperando o retorno desse contato para que o Comando esclareça a razão do destacamento de uma força policial aqui para a Casa do Jornalista, porque nós sublinhamos: que no Estado Democrático de Direito é inadmissível um ato como esse adotado pelo 13º Batalhão da Polícia Militar. Eu Jornal da ABI 366 Maio de 2011

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Aconteceu na ABI

“Obama, um homem do mal” Dando continuidade ao encontro, o advogado Marcelo Cerqueira destacou a sua participação na defesa dos presos políticos e manifestou perplexidade diante da censura imposta aos participantes do protesto: “Eu tinha combinado com o advogado Modesto da Silveira, que também atua neste caso, de virmos hoje aqui para dar seqüência a um trabalho que pensávamos não ter mais que fazer. Nós defendemos presos políticos, entre 1965 e 1985, e imaginávamos que essa página ruim na nossa História tivesse virada. Quando sou surpreendido com a pri10

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são arbitrária e inconseqüente do ponto de vista político, moral e jurídico daqueles que se manifestaram contra a presença do Presidente Obama, que é um homem do mal. Ele que agora teve o americano invadindo um país soberano e assassinou com requintes de crueldade um cidadão. E também essa perseguição aos bombeiros, eu também fui chamado e estou atuando na defesa deles. Não há nenhuma razão de natureza jurídica para essa prisão, para essa criminalização, num País que tem uma Constituição democrática avançada no que se refere aos direitos fundamentais, à defesa do Estado Democrático de Direito, que tanto nos custou, tantas mortes, tantas lutas, tantas incompreensões e passamos por isso. A nossa experiência naqueles anos demonstrou que a defesa do perseguido político amplia enormemente a luta. José Maria de Almeida também frisou a relevância da manifestação contra o imperialismo: “A luta pelo arquivamento da denúncia contra os 13 presos políticos é essencialmente uma luta democrática, por um direito democrático básico de todo cidadão. Mas essa luta também tem outra dimensão. Aquela luta foi a expressão da defesa de um direito da soberania do povo brasileiro contra os interesses norte-americanos das grandes indústrias petroleiras, representados pelo Presidente Barack Obama. Representando os estudantes, o membro do Grêmio Estudantil do Colégio Pedro II, João Pedro Acyoli Teixeira, um dos 13 presos políticos, fez um relato sobre a prisão e a experiência imposta pelas autoridades do Estado: “Sou um dos 13 presos políticos que tiveram o direito à liberdade duramente ceifado pelo simples fato de se manifestar contra o imperialismo, contra a entrega do nosso pré-sal. Queremos destacar o caráter ilegal e político dessa prisão dos Governos estadual e federal em prol das empresas e esquecendo do povo. O que aconteceu na ditadura precisa ficar enterrado pelo peso da história. Nós, da mais ampla vertente de movimentos sociais, partidários, movimentos políticos, temos que ajudar a manter e garantir as liberdades democráticas.” O carteiro Yuri Costa, 22 anos, que também foi preso no protesto, assinalou a força que motivou o grupo na prisão: “Nós estávamos apenas exercendo o direito de manifestação sobre o que representava a vinda de Obama ao Brasil, mas o Governo não entendeu desta forma. Graças à campanha solidária de várias instituições como a ABI e a OAB, entre outras, conseguimos a liberdade. Os dias na prisão foram pesados, uma tentativa de nos humilhar, mas com a nossa união enfrentamos tudo aquilo. A defesa da democracia será sempre a razão para seguirmos lutando. Aplausos No final do evento, os 13 perseguidos políticos foram convidados a subir ao palco e ovacionados pelas mais de 500 pessoas que participaram do encontro.

Associados reafirmaram apoio à Chapa Prudente de Morais Mesmo com chapa única, foi expressivo o comparecimento à votação para o terço do Conselho. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES E C LÁUDIA SOUZA Mais uma vez se confirmou a aprovação dos associados da ABI ao trabalho que vem sendo desempenhado na direção da Casa pela Chapa Prudente de Moraes, neto. O voto de confiança foi confirmado na eleição para a renovação de um terço do Conselho Deliberativo e para a totalidade do Conselho Fiscal da ABI, para o exercício 2011/2014, realizada no dia 29 de abril. Na véspera, quando foi instalada, a Assembléia-Geral Ordinária Anual de 2011 aprovou o Relatório da Diretoria do exercício social 2010-2011 e o Balanço da ABI no ano cível 2010. A eleição apresentou um quórum expressivo de 119 votantes. Aberta a urna foram contabilizados 115 votos nos candidatos ao Conselho Deliberativo e 111 aos indicados para o Conselho Fiscal. Assim que se confirmou o resul-

tado, o Presidente Maurício Azêdo falou sobre a satisfação da Diretoria da ABI pelo apoio que vem recebendo do quadro social, que tem demonstrado um alto índice de satisfação com o trabalho desempenhado na sua gestão: “A Chapa Prudente de Moraes, neto se sente gratificada com o desempenho eleitoral de hoje, em que, apesar de haver apenas uma chapa, houve um comparecimento expressivo de associados denunciando a preocupação desses companheiros de prestigiar a nossa entidade. A Diretoria da ABI fica muito sensibilizada com essa demonstração de apreço ao seu trabalho e persiste no seu propósito de continuar se empenhando para o progresso crescente da Associação.” A mesa escrutinadora foi composta pelos associados e Conselheiros Sérgio Caldieri, Carlos Rodrigues, Ilma Martins, Lênin Novaes e Leda Acquarone.

“A renovação da legitimidade da democracia.” Integrante da chapa, Tarcísio Holanda (foto), Vice-Presidente da ABI, falou sobre a importância do processo eleitoral na entidade: “Esta eleição representa a renovação da legitimidade da democracia e do respeito ao Presidente Maurício Azêdo, um homem público importante, com quem eu tive a honra de participar da Assembléia-Geral realizada na Sala Belisário de Souza, na ABI, no dia do anúncio do golpe militar em 1964”. Maurício também comentou este episódio: “Após a reunião na ABI, eu, Tarcísio Holanda, Fichel Davit Chargel, Sérgio Cabral e Ivo Cardoso seguimos em direção à Rua Miguel Couto. Quando chegamos na esquina com a Rua Ouvidor, apedrejamos uma vitrina de propaganda de Carlos Lacerda. Militares perceberam a ação e foram atrás de nós. Na correria, Sérgio Cabral caiu. Costumamos dizer que aquele dia foi marcado por duas quedas: a do Presidente João Goulart e a do Sérgio Cabral (risos). Conseguimos nos esconder dos militares dentro do Sindicato dos Gráficos, na Avenida Presidente Vargas”.

Modesto da Silveira, grande nome da advocacia na defesa de presos políticos e nas causas relacionadas com os direitos humanos, ressaltou a participação da ABI na luta pelas liberdades: “A ABI é um órgão centenário que sempre esteve ao lado das boas causas neste prédio histórico arquitetonicamente tombado, fundamental para os jornalistas. Hoje eu sinto falta de muitos deles aqui, desde jovens estudantes a grandes nomes da comunicação”. Ana Arruda, primeira mulher a exercer a função de chefe de reportagem no Brasil e a vencer o Prêmio Esso, aplaudiu a nova fase da Associação: “A ABI está em um momento de reerguimento, porque aqui era um lugar onde todas as personalidades e pessoas importantes que vinham ao Rio de Janeiro passavam obrigatoriamente. As entrevistas coletivas de pessoas importantes eram aqui. E agora a gente vê novamente a ABI assumindo seu lugar, e essa eleição é um momento básico para isto”. A jornalista e bailarina Ruth Lima reforçou o compromisso com a atual gestão da ABI: FRANCISCO UCHA

subi para redigir uma mensagem ao Governador do Estado e para enviá-la por e-mail.” Maurício detalhou as providências da ABI em relação à postura da PM: “Companheiro Mário Augusto Jakobskind, que é membro da Comissão de Liberdade de Imprensa e Defesa dos Direitos da Pessoa Humana da ABI, ficou lá embaixo em contato com os policiais, e já a esta altura o grupo estava sendo comandado por um major, o qual revelou que, diante do constrangimento e da ilegalidade que a ABI denunciava, eles poderiam botar os carros da Polícia do outro lado da rua, na outra calçada. O nosso Mário Augusto, que é um lutador muito vivido nas lutas populares e democráticas, repeliu a idéia do major, recusou adesão à sua proposição, sublinhando também que, na verdade, apenas se disfarçaria a natureza do constrangimento, a intimidação: em vez de ser direta, junto ao prédio da ABI, seria do outro lado da rua.” “Neste intervalo, eu dirigi uma mensagem ao Governador do Estado, que é nosso sócio, é jornalista profissional, denunciando esse episódio e pedindo a intervenção de Sua Excelência. Não sei se por casualidade, ou se já por alguma iniciativa de Sua Excelência, pelo menos uma das viaturas deixou as proximidades da ABI, e se pôs ao largo em busca de objetivos de segurança mais nobres e menos totalitários. É essa a comunicação que nós queremos fazer, ressaltando esse aspecto da ameaça em curso de criminalização dos movimentos sociais, de que o companheiro Cyro Garcia citou mais de um exemplo, como o caso dos integrantes do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro e outras manifestações de setores da sociedade em defesa de direitos legítimos que são sonegados pelo Poder Público. Quero convidar a assumir a representação da ABI, com muita honra para mim e para a Casa, o nosso companheiro Mário Augusto Jakobskind, que, como disse, é um antigo lutador de todos os procedimentos em defesa do Estado de direito e do progresso social do Brasil. Tenho que me afastar, como expliquei ao nosso Cyro Garcia, em razão de outro compromisso. Mas o meu coração, o meu sentimento e a minha consciência estão ao lado de vocês e daqueles que lutaram contra a ingerência indevida do Governo dos Estados Unidos na vida nacional.”


“É necessário colaborar com a nossa presença em um lugar como a ABI e dar apoio ao Presidente Maurício Azêdo. Digo isto em meu nome e de meu marido, o jornalista Mario Andrioli, associado da ABI, que está radicado em Buenos Aires, Argentina”. As iniciativas da ABI em torno da adesão de quadros jovens foi sublinhada pela Diretora de Jornalismo da ABI, professora e pesquisadora Sylvia Morehtzsohn: “É importante a participação das pessoas no processo democrático para continuar a desenvolver os nossos projetos na ABI, de tentar atrair os jovens, estudantes e os novos jornalistas para a Casa”. Participar da eleição na ABI, nas palavras de Kepler Alves Borges, um dos mais antigos associados da Casa, é um importante ato democrático e prazeroso: “Tenho 70 anos de ABI, e se eu estou aqui é porque estou satisfeitíssimo. Gosto de vir aqui, gosto muito da ABI e do Presidente Maurício Azêdo”. O Desembargador Fernando Foch, Conselheiro da ABI, Presidente do Fórum Permanente de Direito à Informação e de Política de Comunicação Social do Poder Judiciário, falou sobre o viés democrático que caracteriza a ABI e o Judiciário: “Sou sócio da ABI há 40 anos, e realizo um trabalho com o Maurício Azêdo na

Emerj, no Fórum Permanente de Direito à Informação e Política de Comunicação Social do Poder Judiciário, que luta pela liberdade de imprensa e de informação, que é muito importante, já que a nossa Constituição não permite a censura. E a ABI é uma das vozes abalizadas da nossa sociedade civil, que fala pela sociedade, como uma instituição civil e como instituição democrática, disse o Desembargador. Raul Quadros, um dos grandes nomes do jornalismo esportivo, destacou os anos de experiência profissional ao lado de Maurício Azêdo e saudou o atual momento da Associação: “Sou sócio da ABI desde 1970, quando era do Estado de S. Paulo. Me orgulho muito de ser amigo do Maurício Azêdo, meu companheiro desde 1965, quando entrei no Jornal dos Sports, onde ele já era secretário de Redação, e depois no Estadão, sucursal do Rio de Janeiro, quando cheguei como repórter e ele também já era secretário de Redação. Em 1973, fui para a revista Placar com o Maurício, fiz matérias com ele, e hoje me orgulho de ser sócio da ABI tendo-o como Presidente. A ABI é uma Casa fantástica, com gente da melhor estirpe. Vim aqui a convite do Maurício para votar, e com uma chapa dessa qualidade só poderia ser chapa única, não tem como ser de outro jeito”, afirmou Raul Quadros.

“Vemos a ABI assumindo cada vez mais seu papel de representação da opinião pública.” nalistas conhecidos e que muito farão pela nossa Associação”. O associado Luiz Carlos de Souza disse que as eleições na ABI são sempre um evento importante, porque se trata de uma entidade que representa a imprensa brasileira. Para ele, a eleição confere à própria continuidade da ABI como organismo combativo da representatividade da classe jornalística. O jornalista e ex-Deputado Carlos Alberto de Oliveira, o Caó, elogiou a Chapa Prudente de Moraes, neto dizendo que esta representa a manutenção de uma das principais características permanentes da ABI que é de estar “no contexto e nas circunstâncias” das demandas que enfrenta: “E há de manter e conduzir com eficácia a luta pela liberdade de informação e da ampla preservação dos direitos humanos em nosso País”, disse Caó. Na forma do Estatuto, a posse dos eleitos será no dia 13 de maio, em sessão em que também serão eleitas as Comissões auxiliares do Conselho Deliberativo: Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, Ética dos Meios de Comunicação, Comissão Diretora da Diretoria de Assistência Social e Sindicância, à qual compete opinar sobre as propostas de filiação à ABI. FRANCISCO UCHA

Um dos associados da ABI que está sempre presente nas eleições da Casa é o jornalista e exMinistro da Justiça Bernardo Cabral (foto). Ele falou sobre a importância da continuidade do trabalho que vem sendo realizado pelos integrantes da Chapa Prudente de Moraes, neto: “Sobre essa eleição, o que posso dizer é que a alternância do poder é uma viga do processo democrático. Todavia a permanência do Maurício Azêdo à frente da chapa única Prudente de Moraes, neto configura o prestígio que esse velho companheiro goza no meio não só da imprensa, como de toda a sociedade brasileira”, declarou o ex-Ministro. O Deputado Federal Miro Teixeira (PDTRJ) é outra personalidade que acompanha de perto os trabalhos da Diretoria da ABI. Ele disse que o seu apoio à atual Direção da ABI está vinculado à representatividade da Associação junto à sociedade: “Essa eleição deixa claro um compromisso que é um prazer, porque vemos a ABI assumindo cada vez mais seu papel de representação da opinião pública”, afirmou. Gerdal dos Santos, jornalista e ator de radioteatro das Rádios MEC e Nacional, elogiou Maurício Azêdo, a quem considera um dos jornalistas mais brilhantes que ele conhece. Disse Gerdal que dava o seu voto à Chapa Prudente de Moraes, neto porque esta “congrega um número de jor-

Colaborou Renan Castro, estudante de Comunicação e estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI

Eles atenderam a este nosso apelo “É com grande prazer que a ABI vem convidá-los a participar de uma grande confraternização com os companheiros de profissão entre 10 horas da manhã e 8 da noite do dia 29 de abril, sexta-feira, na votação para escolha de um terço do Conselho Deliberativo (15 efetivos e 15 suplentes) e dos sete membros do Conselho Fiscal da Casa. Na véspera, a partir das 10 horas da manhã, será realizada a Assembléia-Geral Ordinária de 2011, para apreciação do relatório da Diretoria relativo ao exercício social 2010-2011 e das Contas de Gestão do ano civil 2010. Como a nossa profissão é contraditória, pois tem o condão de aglutinar os in-

tegrantes da comunidade jornalística e também de dispersá-los, mantê-los afastados uns dos outros, até no mesmo espaço de trabalho, esta será a oportunidade de um encontro afetivo e, também, de fecunda troca de idéias e de proposições sobre as questões instigantes do meio profissional, como a emergência de formas eletrônicas de produção e difusão de informações, o estado dos direitos sociais dos jornalistas, as ameaças ao exercício de liberdade de expressão e opinião, os caminhos do jornalismo nos anos próximos. Venham a este encontro: muitos companheiros ficarão felizes em revê-los e abraçá-los.”

Presentes na votação Participaram da votação os associados relacionados a seguir.

A Achylles Armando Jalul Peret Adail José de Paula Alcyr Mesquita Cavalcanti Alice de Oliveira Vila Real e Olivo Ana Arruda Callado André Luiz Fernando Andries Antônio Carlos Ferreira Gabriel Antônio Idaló Neto Antônio Modesto da Silveira Antônio Mota Carneiro Arnaldo Luiz Fontes Arthur José Poerner

João Carlos Silva Cardoso João Di Paola João Luiz Rodrigues Ney Joé Baptista de Souza Jorge Ribeiro Silva Jorge Saldanha de Araújo José Alves Pinheiro Júnior José Andrade de Araújo José Bernardo Cabral José Cristino da Costa Ferreira José Freires Filho José Pereira da Silva José Reinaldo Belisário Marques José Tarcisio Saboya Holanda Juliano de Rezende C. Carmo

Confete) Ruth Pereira Lima

K

Waldemar Dalloz de Paula

B

Kepler Alves Borges

Bernardino Capell Ferreira Bernardo Cabral Bruno Torres Paraíso

L

Carlos Alberto Caó de Oliveira Santos Carlos Alberto Marques Rodrigues Carlos da Silveira Ruas Carlos Felipe Meiga Santiago Carlos João Di Paola Celso Balthazar Clóvis Assunção de Melo

Laís Honor de Oliveira Santos Lauro Affonso Faria Leda Acquarone de Sá Ledy Mendes Gonzáles Lóris Baena Cunha Luiz Carlos Chesther de Oliveira Luiz Carlos de Souza Luiz Carlos Fernandes Barbosa Luiz Eduardo Souto Aguiar Luiz Fernando Taranto Martins Luiz Sérgio Caldieri

D

M

Dácio Gomes Malta Domingos João Meirelles

Manolo Epelbaum Manuel Roberto Felix Márcia da Silva Guimarães Marcos Alexandre de Souza Gomes Marcos Antônio Mendes de Miranda Marcos Lopes Firmo Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli Maria Helena Modesto Vieira Maria Ignez Duque Estrada Bastos Maria Lúcia Lima Puty Mário Augusto Jakobskind Mauro Rodrigues Rocha Filho Messias Marques de Souza Milton Ximenes Lima Miro Teixeira Moacir Andrade Moacyr Bahia Lacerda

C

E Edgard Lisboa Edimilson Francisco da Silva Eleonora Grazina Monteiro Eliane Guedes Pereira Ely Moreira da Silva Esther Caldas Guimarães Bertoleti Evaldo Alves de Carvalho Everaldo Lima D’Alverea

F Fernando Figueiredo Milfont Fernando Foch Lemos Arigony da Silva Francisco de Assis Oliveira da Cruz Francisco Paula Freitas Francisco Pedro do Coutto

G Genésio Pereira dos Santos Geraldo Caetano Geraldo Pereira dos Santos Gerdal Renner dos Santos Germando de Oliveira Gonçalves Getúlio Gama

N Nacif Elias Hidd Sobrinho Natanael Gonçalves Vieira Nivaldo Pereira

O

Homero Norberto Alimandro

Odete Ferreira Orion de Oliveira Marinho Orpheu Santos Salles Oscar Maurício de Lima Azêdo Osmar Leite

I

P

Ilma Martins da Silva Israel Manoel da Paixão Itamar Guerreiro

Paulo Gerônimo de Souza Paulo Rodrigues de Paula Freitas

J

Ralph Anzolin Lichote Raul Rodrigues Azêdo Raul Romeu Ewerton Quadros Ronaldo David Aguinaga Rubem dos Santos (Rubem

H

Jarbas Domingos Vaz Jesus Chediak Jesus Edgar Mendes Catoira Jesus Soares Antunes

R

S Sérgio Pinto da Motta Lima Sylvia Moretzsohn

T Teresa Cristina Fazolo Freire Thales José Maciel Bento

U Ubirajara Moura Roulien Ulysses Cláudio Lonzetti

V Valtair de Jesus Almeida Venilton Pereira dos Santos

W

Os eleitos CONSELHO DELIBERATIVO EFETIVOS Alberto Dines Antonio Carlos Austregésilo de Athayde Arthur José Poerner Dácio Malta Ely Moreira Hélio Alonso Leda Acquarone Maurício Azêdo Milton Coelho da Graça Modesto da Silveira Pinheiro Júnior Rodolfo Konder Sylvia Moretzshon Tarcísio Holanda Villas-Bôas Corrêa

CONSELHO DELIBERATIVO SUPLENTES Alcyr Cavalcânti Carlos Felipe Meiga Santiago Carlos João Di Paola Edgard Mendes Catoira Francisco Paula Freitas Francisco Pedro do Couto Itamar Guerreiro Jarbas Domingos José Pereira da Silva Maria Perpétuo Socorro Vitarelli Ponce de Leon Salete Lisboa Sidney Rezende Silvio Paixão Wilson S.J. Magalhães

CONSELHO FISCAL Adail José de Paula Geraldo Pereira dos Santos Jarbas Domingos Jorge Saldanha de Araújo Lóris Baena Cunha Luiz Carlos Chester de Oliveira Manolo Epelbaum

Jornal da ABI 366 Maio de 2011

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Aconteceu na ABI

Pery Cotta reeleito Presidente do Conselho Sua nova recondução foi aprovada por aclamação. Também foi reeleito o Primeiro Secretário Sérgio Caldieri.

Orgulho Em seguida, o Presidente da ABI falou sobre a importância da chegada de novos membros ao Conselho Deliberativo: “Queremos saudar, portanto, a chegada do Professor Hélio Alonso a este cenáculo que é o Conselho Deliberativo da ABI, assim como saudar com ênfase um companheiro antigo das lides jornalísticas, um dos ases da reportagem esportiva, o nosso querido companheiro Carlos Felipe Santiago, que se incorpora a este núcleo de novos integrantes do Conselho Deliberativo”, disse Maurício Azêdo. O Professor Hélio Alonso falou sobre seu orgulho de participar do Conselho Deliberativo da ABI: “A ABI é uma instituição centenária, grandes nomes do jornalismo passaram aqui. Fiquei contente quando o Maurício me convidou, e aceitei imediatamente. Fico vaidoso de participar com nomes hoje que eu via no meu tempo de profes12

Jornal da ABI 366 Maio de 2011

FRANCISCO UCHA

O jornalista Pery Cotta foi reeleito por aclamação Presidente da Mesa Diretora do Conselho Deliberativo da ABI, na sessão especial realizada na tarde de 13 de maio. Com o mesmo entusiasmo foi saudada a reeleição do Conselheiro Sérgio Caldieri para Primeiro Secretário da Mesa e a eleição do associado Marcus Miranda como Segundo Secretário. Durante o ato foi realizada a posse dos membros das Comissões auxiliares da Diretoria. A Mesa que conduziu os trabalhos foi composta pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, e pelo então Presidente do Conselho Deliberativo da Casa, Pery Cotta, auxiliado pelo 1º Secretário Sérgio Caldieri. A proposta de recondução de Pery partiu do Presidente da ABI, que exaltou o trabalho por ele desenvolvido à frente do órgão. O Presidente saudou com especial ênfase a presença entre os empossados do Professor Hélio Alonso, eleito membro efetivo do Conselho Deliberativo na votação realizada em 29 de abril. “Em nome da Diretoria da ABI queremos saudar os companheiros eleitos, especialmente aqueles que se integram ao núcleo anterior do Conselho Deliberativo, como o querido Professor Hélio Alonso, que é o pioneiro do ensino de comunicação social privado do Rio de Janeiro.” Destacou o Presidente que Hélio Alonso é um educador excepcional na formação de gerações de advogados: “Criador e mestre fundador de um curso famoso, o Curso Hélio Alonso, que aprovava 90% dos candidatos nas Faculdades Nacional de Direito do Rio de Janeiro, ele formou não só uma geração inumerável de profissionais e operadores do Direito, mas também de amigos que o têm desde então na mais alta consideração”, afirmou.

Com apoio do Conselho Deliberativo, a ABI manterá a defesa das liberdades, disse Pery.

sor, quando eu estava começando”, afirmou Hélio Alonso. Na abertura da sessão, Pery Cotta agradeceu a indicação do Presidente Maurício Azêdo e completou elogiando-o “por seu carisma, carinho e capacidade de realização”. Disse Pery que quando assumiu o cargo pela primeira vez sua preocupação era a de “trazer a ABI de volta às suas origens, aos seus pilares da defesa da liberdade de imprensa e do direito do trabalho dos jornalistas”. Em seguida, foi aclamada, também por unanimidade, a recondução dos membros das quatro Comissões, com novas adesões a algumas delas, como a dos jornalistas Antônio Carlos Rumba Gabriel, Luiz Carlos Azêdo e Sérgio Caldieri à Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos. Reencontro Novo membro da Comissão de Sindicância, Carlos Felipe Santiago comentou sobre sua satisfação de voltar a fazer parte ativamente da ABI: “Vejo aqui pessoas que conviveram comigo por muito tempo, alguns foram meus professores, como Maurício Azêdo, e Pery Cotta no Correio da Manhã. Na nossa época, o jornalismo era a melhor forma de se conquistar amigos. A gente era “inimigo” na hora de dar a notícia e era amigo na hora de dividir um sanduíche ou um chope”, disse Carlos Felipe. Histórias Carlos Felipe relembrou também histórias do passado, quando era revisor iniciante do Jornal do Brasil e enfrentou figuras já consagradas do jornalismo na época, como Ferreira Gullar e Reynaldo Jardim, por conta da colocação de um pronome: “Gullar escreveu “faz se” sem hífen e eu mandei colocar. Eu tinha sido aluno

de Aurélio Buarque de Holanda no Colégio Pedro II. O Doutor João Ribas,chefe da Revisão na época, me chamou a um canto e disse assim: “Você precisa entrar para a ABI”. Isso em 1959. Estou na ABI desde aquele época”, contou. Ao ser questionado por Maurício Azêdo sobre o desfecho da história, Carlos Felipe contou: “Eufaleiumafrase:domato baixo é que pula o coelho, da toca rasa é que sai o tatu. E eles se assustaram quando eu disse que era aluno do Colégio Pedro II, o que na época era mais ou menos como trabalhar no Correio da Manhã, o principal jornal da época.”

Compromissos da ABI No encerramento da sessão, Maurício Azêdo destacou a importância da continuidade do trabalho realizado pela chapa reeleita: “Nós iniciamos sempre um novo momento da ABI, um momento em que cada terço que se renova significa a continuidade de um trabalho e a renovação do entusiasmo por esse trabalho, com

um ânimo muito forte, um ânimo redobrado de manter o empenho diante da complexidade das questões, sobretudo administrativas e fiscais, em que a ABI se vê envolvida, como decorrência de uma seqüela de atos omissivos ou comissivos de antigas Diretorias e que até hoje constituem um gravame muito forte para o desempenho das atividades da ABI”, disse o Presidente. Ele reafirmou o compromisso da ABI com as causas importantes para o jornalismo e para a sociedade: “Ao mesmo tempo, queremos registrar, como o companheiro Pery Cotta já assinalou, que a Casa, graças ao trabalho de seus inúmeros setores, inclusive da equipe que conduz o Jornal da ABI e que responde pela produção de publicidade para o jornal, como o nosso companheiro Chico Paula Freitas, tem um prestígio crescente, alicerçado exatamente na visão que o jornal oferece sobre as suas atividades e sobre o nosso meio profissional. Esse é o compromisso da nossa Diretoria e nos sentimos muito estimulados ao ver que nesta nova etapa contamos com a colaboração de figuras extraordinárias, como o nosso Professor Hélio Alonso, e também com a figura desse grande batalhador do jornalismo e da convivência profissional, como o nosso companheiro Carlos Felipe Santiago.”

Os eleitos e empossados Os integrantes da Chapa Prudente de Morais, neto eleitos e empossados são os seguintes associados:

CONSELHO DELIBERATIVO Efetivos Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, Dácio Malta, Ely Moreira, Hélio Alonso, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Modesto da Silveira, Pinheiro Júnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Suplentes Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, Edgard Mendes Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Couto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos, José Pereira da Silva, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S..J. Magalhães.

CONSELHO FISCAL Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chester de Oliveira e Manolo Epelbaum.

COMISSÕES AUXILIARES DO CONSELHO Comissão de Sindicância Carlos João Di Paola, José Pereira Filho(Pereirinha), Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Carlos Felipe Santiago. Comissão de Ética dos Meios de Comunicação Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos Alcyr Cavalcânti, Antônio Carlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira dos Santos, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Lucy Mary Carneiro, Luís Carlos Azêdo, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho e Yacy Nunes. Comissão Diretora da Diretoria de Assistência Social Ilma Martins da Silva, PRESIDENTE; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad, Moacyr Lacerda e Paulo Jerônimo de Souza.


REPERCUSSÃO

EXEMPLOS

Ancelmo e Niskier, paradigmas de Cidadania Numa votação que recolheu 5.718 manifestações de representantes de diferentes segmentos da sociedade, eles foram incluídos entre as dez Personalidades que constituem exemplos de dedicação ao bem comum. Dois destacados membros do quadro social da ABI foram incluídos este ano entre as dez Personalidades Cidadania escolhidas numa votação que recolheu 5.718 manifestações de representantes de diferentes segmentos da sociedade: o jornalista Ancelmo Gois, membro do Conselho Consultivo da Casa, e o jornalista, professor e acadêmico Arnaldo Niskier, que foi membro do Conselho Deliberativo da ABI por mais de um mandato. Emocionados e felizes, Ancelmo e Niskier receberam a honraria numa noite de gala realizada em 12 de maio na sede social do Jockey Clube Brasileiro, no Centro do Rio. Para a entrega da placa relativa ao prêmio, Ancelmo escolheu como padrinho o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, enquanto Niskier indicou para fazê-lo sua esposa, Ruth Niskier. Promovido pelo jornal Folha Dirigida, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-Unesco e pela ABI, o Personalidade Cidadania prestou homenagem a outros oito escolhidos pelo numeroso segmento que participou da votação: Carlos Lupi, Ministro do Trabalho e Emprego; Dom Orani Tempesta, Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro; Eduardo Paes, Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro; Humberto Mota, empresário e Diretor da Associação Comercial do Rio de Janeiro; Israel Klabin, empresário e ex-Prefeito do Rio; José Mariano Beltrame, Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro; Sérgio Besserman Vianna, sociólogo, e Vik Muniz, artista plástico. Foram também agraciadas três instituições que se destacaram em ações em favor da cidadania: o Clube de Engenharia, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o Rotary Clube do Rio de Janeiro. Seus prêmios foram recebidos por Francis Bogossian, Presidente do Clube de Engenharia; pelo ProcuradorGeral de Justiça Cláudio Soares Lopes, Chefe do Ministério Público do Estado, e Alice Cavalieri Lorentz, Presidente do Rotary Clube. Ancelmo: A educação é tudo para a cidadania

Favorecido pela ordem alfabética na chamada para a entrega do prêmio, Ancelmo Gois foi o primeiro a receber a placa Personalidade Cidadania e não escondeu a emoção de que estava tomado: era a primeira vez que o agraciavam. Com 48 anos de imprensa, ele lembrou sua iniciação no jornalismo do Rio como free lancer de uma revista técnica da Editora Abril, por indicação de Maurício Azêdo, ao qual se declarou grato até hoje. Nascido em Frei Paulo, pequeno Município de Sergipe, Ancel-

FOTOS: HENRIQUE HUBER/FOLHA DIRIGIDA

Embora a ocasião fosse festiva, Niskier (à esquerda) fez postulação reivindicadora ao receber o seu prêmio. Ancelmo apontou a educação como essencial para a cidadania.

mo estudou política e economia na extinta União Soviética, como membro do antigo Partido Comunista BrasileiroPCB. Atualmente é titular da coluna com seu nome publicada diariamente por O Globo e apresentador do programa De lá para cá, da TV Brasil. Modesto, ele dedicou o prêmio aos seus companheiros da coluna de O Globo: Marceu Vieira, Ana Cláudia Guimarães, Aydano André Mota e Daniel Brunet. Ao agradecer a distinção, Ancelmo salientou a importância da educação para o exercício efetivo da cidadania, porque “educar é tudo para a cidadania”, e fez uma exaltação poética da educação: “Educar é um gesto de manhã, um beijo ao meio-dia, um olhar e um ensinamento à noite, é a mãe de todas as tarefas. E para você formar uma sociedade civilizada, generosa, humana, a educação é fundamental. Mas é preciso também colocar os gestos, não deixar cair um papel no chão, não jogar no chão um saco de pipoca. A educação é importante inclusive nas escolas, que são apenas um pedaço dela e muito mais do que esse espaço”. Ancelmo destacou igualmente o trabalho como fundamental para a construção de um país mais igual e democrático. “Trabalho é uma coisa incorporada ao ser humano e rigorosamente se integra no cotidiano de todos nós. É uma atividade que, quando exercida com ética e equilíbrio, é muito bonita, além de essencial”. Niskier: O CIEE treinou 11 milhões de jovens

Também indicado pela primeira vez agora em 2011 para o Personalidade Cidadania, o jornalista, professor e acadêmico Arnaldo Niskier declarou com

modéstia que não se considerava com méritos para a premiação e preferiu pôr em relevo a atividade do Centro de Integração Empresa-Escola-CIEE do Rio de Janeiro, de que é Presidente. Em seu agradecimento, disse: “Tenho conseguido cooperar, como se diz na Matemática, com uma correspondência biunívoca, tanto como educador (tenho 55 anos de ação na área e já comandei algumas vezes a Secretaria de Estado) como um homem de cidadania com o Centro de Integração EmpresaEscola, que já treinou no Brasil 11 milhões de jovens, entre estagiários e aprendizes, e já distribuiu bolsas-auxílio de mais de R$ 6,6 bilhões. É um organismo filantrópico e benemerente que quer continuar assim. Essa é a razão pela qual entendo que a maior homenagem que possa prestar é para a equipe do CIEE. São 250 pessoas que trabalham no CIEE do Rio para dar andamento ao destino de 30 mil pessoas, tanto em relação ao estágio quanto em relação ao aprendiz legal. É um número bastante expressivo e queremos cada vez merecer outros prêmios pelas ações que estamos desenvolvendo.” Apesar do caráter festivo e solene da sessão de entrega do prêmio, Niskier fez uma reivindicação: “O Governo lançou o Programa de Apoio ao Ensino Técnico e fez uma série de parcerias, mas esqueceu do CIEE, que talvez pudesse ser o maior parceiro, já que temos um programa de treinamento sério, consolidado e tradicional. O Ministro Carlos Lupi prometeu que levaria esta nossa reivindicação à Presidente Dilma Rousseff. Nós queremos ajudar o Governo a tornar realidade o ensino técnico profissional, que até hoje não passou de ficção”.

8.500 lêem entrevista de Juca Kfouri em seu blog Ao elogiar publicamente a Edição nº 364 do Jornal da ABI no dia 5 de maio em seu concorrido blog, o jornalista Juca Kfouri gerou um tráfego de leitores para a versão digital da publicação de mais de 8.500 leitores, alguns dos quais deixaram mensagens de cumprimento. O recado de Juca aos seus leitores eletrônicos teve o objetivo de divulgar a longa entrevista que ele concedeu e que foi publicada naquela edição. O texto diz o seguinte: “O Jornal da ABI, da Associação Brasileira de Imprensa, fez uma longuíssima entrevista com este blogueiro. Quem tiver paciência para suportar 10 páginas com o dito cujo é só clicar aqui. De quebra, pode ler o jornal inteiro, que é muito bom e, nesta edição, como usual, com temas bastante interessantes.” Foram pouco mais de quatro linhas publicadas com palavras de elogio à publicação da ABI, mas a resposta de seus leitores foi imediata. “Elas passam numa velocidade que quando se termina, fica aquele gostinho de quero mais, que pena que acabou”, escreveu Adriano Lopes, um dos internautas que se manifestou. “Não hesitei em nenhum momento em ler cada uma das 10 páginas e achar cada linha muito interessante”, escreveu o leitor que assina Matheus. A versão digital do Jornal da ABI pode ser encontrada em dois sites especializados em publicações virtuais. São o Issuu.com (ow.ly/4W2a7) e o ReadOz.com (ow.ly/4W01c). Errata

Em e-mail à ABI, Kfouri se disse impressionado com a repercussão da publicação da Casa e apontou alguns erros registrados em sua entrevista. Eis a mensagem: “Impressionado com a excelente repercussão da entrevista ao nosso Jornal da ABI, peço a gentileza de algumas correções. – Em vez de mestre Jânio de Freitas, ajudei a tirar Jane Capozzi do País, perseguida pela ditadura. – “João Carlos Kfouri Moraes” é João Carlos Kfouri Quartim de Moraes, mais conhecido como João Quartim. – O Milton que ajudei a fazer jornal alternativo é o Coelho, não Pena. – Não publiquei nenhuma entrevista do Jô Soares em Playboy depois da revelação da identidade de Carlos Zéfiro. Ele, Alcides Caminha, o Zéfiro, foi quem deu uma entrevista ao Jô em seguida. – Finalmente, o ditado espanhol diz que “redacciones aburridas hacen periódicos aburridos” não “aciones” como saiu.” A versão digital já está corrigida.

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FURADA CONSAGRAÇÃO

SAIU COMO NOTÍCIA, E ERA UMA PIADA. E NÃO TEM GRAÇA ALGUMA

Eraldo Leite reeleito na Acerj A criação de um centro de memória do jornalismo esportivo será uma das primeiras metas da nova gestão da entidade.

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História falsa, publicada em site de humor, é reproduzida por diversos veículos como notícia verdadeira. E expõe a fragilidade da apuração no jornalismo atual. POR P AULO C HICO A ‘notícia’ era a seguinte.Ana Catarina Bezerra Silvares, 36 anos, divorciada, mãe de três filhos e analista contábil, sofre de uma doença chamada ‘compulsão orgástica’, que a leva à constante busca por orgasmos que aliviem sua ansiedade. No auge da crise, procurou ajuda depois de masturbar-se nada menos que 47 vezes num só dia. Após batalha judicial, finalmente a moça foi autorizada, por um juiz do Trabalho de Vila Velha, ES, a satisfazer-se sexualmente no ambiente de trabalho. E mais do que isso: para regozijo próprio, e Fábio Flores, autor da notícia inventada: Comecei no humor por brincadeira.

DIVULGAÇÃO

A preservação da memória do esporte é um dos principais projetos anunciados pelo jornalista Eraldo Leite, reeleito Presidente da Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro-Acerj para o triênio 20112014, em votação realizada no dia 18 de abril na Associação de Imprensa Campista-AIC, em Campos, e no Estádio General Sylvio Raulino de Oliveira, em Volta Redonda, e no dia 19, na sede da entidade no Centro do Rio. O pleito contou com a forte participação dos jornalistas esportivos do interior, principalmente na cidade de Campos, de associados ilustres e de grandes nomes do jornalismo esportivo, como José Carlos Araújo, Gérson Canhotinha de Ouro, José Rezende, Gílson Ricardo, Wellington Campos, Fábio Azevedo, Waldir Luiz, Francisco Aiello, Carlos Ramiro, Tadeu de Aguiar, Carlos Silva, Mitre José, Elso Venâncio, Luís Carlos Silva, Sebastião Pereira, Carlos de Souza. Os trabalhos da Assembléia-Geral foram conduzidos por Carlos Felipe Meiga Santiago e Geraldo Pedroza. Ao final da apuração das quatro urnas – Campos, Volta Redonda, Capital e itinerante –, Eraldo Leite recebeu 116 do total de 118 votos, sendo dois em branco, como cabeça da Chapa João Saldanha – Novos Desafios, a única inscrita. “A nossa primeira ação será a criação do Centro de Memória, com o objetivo de disponibilizar no site da Acerj áudios históricos, como gols narrados por antigos locutores, entre os quais Oduvaldo Cozzi, Waldir Amaral e Jorge Cúri, além de entrevistas que serão produzidas com os grandes nomes da crônica esportiva. José Rezende e Waldir Luiz vão pilotar o projeto”, afirmou Eraldo. A Associação dos Cronistas Desportivos-ACD foi fundada em 5 de março de 1917. Em 22 de agosto de 1967, o quadro social da ACD passou a incorporar também os associados do Departamento de Imprensa Esportiva da ABI, o prestigiado DIE, dando origem à Associação de Cronistas Esportivos da Guanabara-Aceg. Com a fusão dos Estados do Rio e da Guanabara, em abril de 1975, a entidade passou a se chamar Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro, que luta pelo melhoramento da cobertura esportiva e a valorização do espírito de competição no futebol. O lendário jornalista e dirigente esportivo Canôr Simões Coelho, que foi membro da ABI e dirigiu o DIE por muitos anos, foi um dos fundadores da entidade. (Cláudia Souza)

alegria de toda a seção, para fazê-lo ela pode, sem qualquer constrangimento, utilizar o computador da empresa para acessar imagens eróticas. A história, totalmente absurda e sem nexo, é, evidentemente, um trote. Trata-se de uma situação de humor. Contudo, há uma piada dentro da piada. Apesar do evidente tom de ‘farsa’ do texto, e de sua publicação original ter ocorrido num site chamado Tramado por Mulheres e – vejam só! – na categoria Blablablá, Jornalismo Mentira, nem todos se deram conta disso. A julgar pelos comentários deixados na página, os internautas logo perceberam que aquilo era uma simples gozação – com o perdão do trocadilho. Porém, houve quem levasse a história a sério. Pior do que isso, houve quem a reproduzisse como verdadeira. E essa parte da piada, ao menos para a prática do jornalismo, não tem graça alguma. Beira o trágico. O primeiro veículo a conferir credibilidade à galhofa humorística foi a IstoÉ. Em sua edição de 27 abril, a revista reproduziu todo o caso, como se fosse notícia real e – esperava-se – apurada. A nota saiu na coluna Semana, assinada pelo Editor-Executivo Antônio Carlos Prado e pela repórter Juliana Dal Piva. A partir daí, é claro, o incidente ganhou maior repercussão. A saga masturbatória de Ana Carolina pelos consultórios médicos e tribunais ganhou espaço em blogs, sites, salas de aula e até em emissoras de televisão. “Soube da reprodu-

ção do meu texto na IstoÉ por meio de meus seguidores no Twitter. Na segunda-feira recebi várias vezes o link da matéria. Daí pedi a eles que elogiassem a suposta conquista trabalhista para dar mais credibilidade à nota publicada na revista. Minha primeira reação foi rir muito, pois dois jornalistas assinavam a minha matéria como deles, e como sendo verdade! Em momento algum eles deixaram alguma pista de que poderia ser uma mentira”, conta Fábio Flores, autor do texto original. No rastro da IstoÉ, Xico Sá também deixou-se seduzir pela anedota erótica e, justo no 1º de maio – coincidência ou não, Dia do Trabalho – comentou em seu blog a notícia que prometia a revolução dos hábitos e costumes nos escritórios de todo o País. O estilo de redação do jornalista, contudo, deixava dúvidas sobre o quanto ele próprio acreditava na história. “E a repercussão foi crescendo. Um seguidor que estuda numa faculdade privada do Espírito Santo me contou que um professor virou motivo de piada entre os alunos, quando mostrou a nota e, após uma rápida pesquisa no Google, os alunos descobriram o óbvio. Nem o tribunal nem o juiz citados na matéria existiam. Ainda assim, a decisão inédita do tal magistrado chegou a ser discutida seriamente em aulas de Direito Penal”, surpreende-se Fábio. O autor da falsa reportagem é geógrafo especializado em formação docente, professor e também atua como humorista. “Comecei no humor de brincadeira, minha meta era ser apenas o produtor do primeiro grupo de humor capixaba. Ele era composto por três alunos meus. Um deles disse que não poderia ir à estréia porque assistiria a um jogo do Fluminense. Criei um texto só para substituí-lo nesta oportunidade, mas o texto funcionou e decidi ficar no grupo para sempre”, recorda ele, que, nos últimos anos, intensificou sua atuação no campo do humor. Jornalismo mentira “Comecei a escrever os textos de humor em 2008, exclusivamente para shows de stand up comedy. Em 2010 passei a escrever para o blog Tramado por Mulheres e a desenvolver o Jornalismo Mentira. Tudo começou bem de brincadeira. Mas, por mais absurdas que fossem as notícias inventadas por mim, o pessoal passou a repercuti-las nos comentários. Daí decidi profissionalizar a coisa. Comecei a escrever o texto num linguajar mais jornalístico e simulando fontes que nunca existiram. Isso fez toda a diferença. Hoje algumas postagens ultrapassam 100 mil visualizações.” E o episódio da ‘compulsão orgástica’ não foi a primeira brincadeira de Flávio a ter repercussão na grande mídia. “Muitas histórias ganharam ampla reprodução. A que mais gerou desdobramentos como verdadeira foi uma lista de participantes do programa A Fazenda 4, da TV Record. Esta lista chegou no Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, O Dia, Terra e


Sergio Groisman (à direita) pergunta a Laura Muller no Altas Horas: “Essa doença existe mesmo?” E ela responde: “Os médicos que estavam avaliando o quadro disseram que era uma questão cerebral“.

do risos da platéia de adolescentes. A sexóloga, então, disse. “Pois é, esse é um caso meio inédito. Os médicos que estavam avaliando o quadro disseram que era uma questão cerebral. Ela precisava se masturbar para dar alívio ao desconforto. Há casos de compulsão por sexo. Ela é orgástica, quer ter orgasmos o tempo todo. Isso requer tratamento mesmo. Essa moça está sendo tratada com medicamentos e, talvez, com um pouco de terapia”, respondeu, em tom professoral. Quanta desinformação para os garotos e garotas do Altas Horas! E logo para eles, mergulhados que estão em plena ebulição hormonal. Vale lembrar que uma simples conta, somada a uma dose mínima de bom senso, bastaria para desmentir a fantástica mentira de Fábio Flores. Ainda que a moça inventada por ele passasse 24 horas acordada, sem dormir um minuto sequer, e masturbando-se 47 vezes naquele dia, essa fissura exigiria, em média, uma sessão de sexo solitário a cada meia hora. Um pouco demais, não? Sinais de preocupação Apesar de divertir-se com o ocorrido, Fábio Flores mostra-se preocupado sobre o que o fato revela a respeito do jornalismo atual. “Eu penso que atualmente o jornalista vive uma pressão bem maior em função das redações multimídias. Cada vez precisa fazer mais coisas em menos tempo. Este é o cenário perfeito para que eu possa disseminar meu jornalismo mentira. Quando um veículo de comunicação tradicional cai na ‘pegadinha’, minha notícia ganha mais credibilidade. Uma parte desse sucesso é preciso ser creditada à habilidade de quem cria os roteiros. Criamos as histórias de forma que, no mínimo, deixemos o leitor em dúvida. Outra parte deve ser creditada à ausência de tempo para apurar as matérias. Esse é um alerta de que o desejo de chegar na frente com a melhor notícia pode levar o jornalista a cair em ciladas.” Fábio também trabalha com humor no rádio. Em 2009, recebeu o prêmio de melhor programa de rádio do Espírito Santo ancorando o Esculacho, na Rádio Cidade FM. Agora, desenvolve o projeto de um novo programa de rádio, na mesma linha do ‘Jornalismo Mentira’.

A idéia de escrever a história da mulher autorizada a masturbar-se no trabalho, devido a uma doença rara, surgiu da necessidade de criar uma postagem semanal. Em busca de audiência certeira, ele reuniu os ingredientes mais eficazes na construção de uma boa notícia: sexo, justiça e sonho. “Falar sobre sexo rende audiência por ser o assunto que as pessoas mais buscam na internet. Sempre que se fala de conquistas trabalhistas isso ganha vida por meio de correntes nos e-mails. E falar de algo que as pessoas sonham em

poder conquistar faz que, por mais absurdo que possa ser, elas aceitem o fato como verdade, pois é a projeção do desejo. Essa confusão toda vem também provar que a internet é terra de ninguém. As pessoas copiam e nunca dão o crédito. Eu sempre assino as matérias. Pois um sonho meu é me tornar um redator de humor, e isto daria visibilidade ao meu trabalho. Uma vez publiquei que o ‘sêmen humano poderia ser eficaz no clareamento dental’. Acredite: um dentista publicou como dele a matéria e acabou virando o autor reconhecido, pois o blog de um dentista possui mais credibilidade que o de um humorista.”

revista. Queríamos nada demais. Apenas respostas objetivas para perguntas simples. Como a IstoÉ soube daquela ‘notícia’? Como a equipe não percebeu tratarse de uma piada? Qual a reação dos leitores – e da própria direção da revista? Houve – ou haverá – algum desmentido, informando sobre o grave equívoco? Após sucessivos e-mails não respondidos, conseguimos contato direto com Antônio Carlos, por telefone. Falamos com ele, que apenas nos disse estar numa reunião e ocupado com a produção da próxima edição. Faz todo sentido. Fechamentos, quase sempre, exigem muito cuidado na apuração.

A “notícia” publicada na Semana, da IstoÉ de 27 de abril: como acreditar nas outras notas publicadas nessa seção?

RODRIGO CAPOTE/ FOLHAPRESS

FABIO BRAGA/FOLHAPRESS

RedeTV!. Agora, esse caso da autorização judicial para masturbar-se no ambiente de trabalho já foi reproduzida, como sendo real e verossímel, pelo Jornal da Band e pelo Serginho Groisman, em seu programa Altas Horas, no quadro sobre sexo, feito pela Laura Muller.” O descolado apresentador da TV Globo apresentou a questão como uma notícia inusitada. “Esses dias saiu num jornal e na internet um caso de uma mulher que sofre de ‘compulsão orgástica’. Ela teria conseguido na Justiça autorização de intervalos de 15 minutos a cada duas horas para se masturbar no horário de trabalho. Essa doença existe mesmo?”, questionou Groisman, arrancan-

Fábio afirma que, apesar de toda a repercussão do erro da IstoÉ, especialmente na internet, não houve qualquer contato por parte da equipe da revista. Nem mesmo uma retratação, relatando o equívoco aos leitores. “Não houve contato antes nem depois. Não soube do desfecho da história. Só sei que eles tiraram a página do ar depois de uma semana. Ainda bem que comprei a revista impressa. Vou guardála como troféu”, conta ele, que faz mais uma observação. Alô, alô leitores! Reparem no tom de brincadeira, tá? Não custa nada avisar... Vai que algum desavisado acredita no que ele diz: “Veja bem, entendo a confusão na cabeça dos jornalistas. Não há nada de absurdo em uma mulher masturbar-se e atingir o orgasmo 47 vezes por dia. A minha, por exemplo, consegue. Ela é uma profissional...”, garante Fábio Flores, casado há 11 anos. “Não possuo filhos biológicos. Apenas um schnauzer que está me humanizando cada dia mais”, completa. Para encerrar, o humorista volta a falar sério, quando perguntado se acredita em tudo aquilo que lê, ouve ou a que assiste na mídia. “Quem já trabalhou num veículo de comunicação tem tudo para duvidar de tudo”, decreta. Em respeito às regras do bom jornalismo, o Jornal da ABI buscou contato com Antônio Carlos Prado, Editor-Executivo da IstoÉ e, em última análise, responsável pela seleção do conteúdo publicado na

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Liberdade de imprensa

Violência matou 500 jornalistas em uma década No mundo todo, apenas 16 em cada 100 pessoas vivem em países com imprensa livre. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES O alto índice de violência que atinge jornalistas em todo o mundo ameaça os esforços que vêm sendo empregados em várias regiões para garantir a liberdade de imprensa e de expressão. No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, 3 de maio, a organização não-governamental Freedom House divulgou um relatório em que mostra que a liberdade de imprensa no mundo está seriamente ameaçada. De acordo com o relatório, somente 16% dos cidadãos do mundo vivem em países com imprensa livre. De 196 países observados, 68 (35%) foram classificados como livres, 65 (33%) como parcialmente livres, e 63 (32%) como não livres, segundo a Organização. Outro dado preocupante são os assassinatos de jornalistas. Um levantamento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-Unesco aponta que na última década 500 profissionais foram assassinados no mundo todo, 60 somente em 2010. Ao fim do comunicado em seu site, a entidade reafirma seu compromisso: “Passados vinte anos desde a Declaração de Windhoek, os eventos mostram a cada dia que promover a liberdade de expressão continua a ser tão importante quanto antes. Neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa de 2011, exortamos todos os governos a unir esforços com as Nações Unidas para garantir e promover a liberdade de expressão na

mídia escrita, nas transmissões por ondas e on-line.” A Federação Internacional dos Jornalistas também produziu um relatório, no qual mostra que 94 profissionais (45 a menos que em 2009) foram mortos por atos violentos em pleno exercício da profissão, em todo o mundo, no ano de 2010. Entre 1990 e 2010 foram mortos 2.271 profissionais de imprensa no exercício da atividade profissional, conforme dados divulgados pela entidade em relatórios anuais. A Federação divulgou também uma lista dos assassinatos de jornalistas em 2010. Nela constam as mortes de profissionais brasileiros, como a do repórter esportivo Clóvis Silva Aguiar, da Rede TV, ocorrida no dia 24 de junho daquele ano; e de Francisco Gomes de Medeiros, da Rádio Caicó (AM), assassinado em 18 de outubro de 2010. Violência no Brasil No Brasil, segundo dados levantados pela Federação Nacional de JornalistasFenaj, foram registrados 55 casos de violência em 2009. Desse total, 40% dos casos são de agressões físicas e verbais; 27% de censura e processos; e 15% são ameaças. Dois assassinatos foram registrados no Estado de Pernambuco. O levantamento da Fenaj apurou também casos de detenção e tortura (5%); atentados (5%); e atos de violência contra sindicalistas (4%). Segundo o relatório, na maioria dos registros de

violência contra jornalistas há o envolvimento de agentes do Estado. Com base no registro de 16 mortes, o Paquistão aparece nos relatórios internacionais como o país com o pior índice de segurança para os trabalhadores de comunicação em 2010. Em seguida vêm México e Honduras, com dez casos de

assassinatos de jornalistas cada um. Em comparação com 2009, a Fij detectou uma redução no número de mortes de profissionais de mídia, mas mesmo assim a entidade considera que o índice de atos violentos cometidos contra jornalistas, em algumas regiões, continua alto.

A ABI lamenta tantas mortes Ao assinalar a passagem do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a ABI lamentou que os jornalistas enfrentem no mundo inteiro violências e ameaças que causaram a morte de 18 profissionais somente nos quatro primeiros meses de 2011. A ABI solidariza-se com as famílias desses profissionais e manifesta sua esperança de que cessem tantas violências contra os profissionais da comunicação. Diz a mensagem da ABI: “Neste 3 de maio celebrado como o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, instituído pela Organização de Educação, Ciência e Cultura das Nações Unidas-Unesco, a Associação Brasileira de Imprensa lamenta registrar que tão importante data seja marcada neste ano de 2011 por graves lesões aos jornalistas no mundo inteiro, com a repetição de mortes, ameaças, censura e

outras práticas que violam a liberdade e punem com a perda da vida os profissionais da comunicação. Informações divulgadas pela organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras dão conta de que nos primeiros quatro meses de 2011 perderam a vida no exercício da profissão nada menos de 18 jornalistas e auxiliares dos serviços de comunicação, numa escalada que gera apreensão na comunidade jornalística de todos os países. A ABI solidariza-se com as famílias desses profissionais e com seus companheiros nos veículos para os quais trabalhavam e manifesta sua esperança de que cessem tantas violências contra os profissionais da comunicação. Rio de Janeiro, 3 de maio de 2011, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (a) Maurício Azêdo, Presidente.”

ELZA FIÚZA/ABR

Ministro quer uma agência para regular a radiodifusão O novo órgão assumiria funções que são atualmente da Anatel.

Paulo Bernardo: Convênio com a Anatel para uma fiscalização efetiva contra os “laranjas”.

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O Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, anunciou que vai propor a criação de uma agência reguladora para o setor de radiodifusão, função que atualmente é da responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações-Anatel. No entanto, segundo o Ministro, a proposta só será levada adiante se tiver o aval da Presidente Dilma Rousseff. O anúncio foi feito em Brasília no dia 28 de abril durante a audiência na Câmara dos Deputados com membros da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular. De acordo com a Agência Câmara, Paulo Bernardo disse que o novo marco regulatório das comunicações poderá provocar alterações na Lei Geral de Tele-

comunicações (Lei nº 9.472/97). Segundo o Ministro, o projeto apresentado pelo Governo Lula não previa essa revisão: “Nós vamos propor modificações, porque mudou muita coisa na realidade brasileira, e a previsão é mudar muito mais com a convergência das mídias”, declarou Paulo Bernardo. O Ministro disse também que fará um convênio com a Anatel para que o órgão possa fazer a fiscalização técnica da área de radiodifusão. Este seria, segundo Paulo Bernardo, mais um mecanismo para evitar que verdadeiros donos de empresas de comunicação usem “laranjas” para adquirir novas concessões de rádio e televisão. Em um debate realizado no Senado um dia antes do anúncio, o Superinten-

dente do Serviço de Comunicações de Massa da Anatel, Ara Apkar Minassian, ressaltou que atualmente a Agência não tem poderes legais para fazer certas intervenções de fiscalização, como, por exemplo, atuar contra as irregularidades nos processos de licitações públicas de outorgas de concessões de rádio e tv. No encontro promovido pela Frente, o Deputado Fernando Ferro (PT-PE) defendeu a realização urgente de um amplo debate sobre o novo marco regulatório das comunicações. Ele destacou que há muitas divergências sobre temas como “conteúdo ofensivo” e “controle do setor de radiodifusão”, e propôs um amplo debate sobre “o poder dos barões da comunicação brasileira”. (José Reinaldo Marques)


mentares do Plenário que também recebe [pensão]”. E afirmou que a imprensa muitas vezes trata questões como esta de maneira “absolutamente provocadora e irresponsável”. Ele acrescentou que a crítica ao recebimento da pensão constrangeu o também Senador Pedro Simon “até o desespero, por receber R$ 11 mil quando funcionários do seu gabinete recebiam duas ou três vezes mais”.

Jornalistas exigem a punição da truculência de Requião Desvairado, o ex-governador arrebatou o gravador da mão do repórter da Rádio Bandeirantes, ameaçou bater nele e apagou a gravação feita pelo jornalista. Comitês de Imprensa do Senado e da Câmara querem que sua violência seja punida.

Os Presidentes do Comitê de Imprensa do Senado, Fábio Marçal, e do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Lincoln Macário, e o advogado Klaus de Melo, da OAB-DF, protocolaram uma representação junto à Mesa Diretora do Senado, na Secretaria-Geral da Casa, contra o parlamentar Roberto Requião (PMDB-PR), que arrancou o gravador das mãos do repórter Victor Boyadjian, da Rádio Bandeirantes, ao ser questionado se abriria mão do pagamento da aposentadoria de R$ 24 mil que recebe como ex-Governador do Paraná. “Já pensou em apanhar, rapaz? Já pensou em apanhar? Me dá isso aqui. Não vai desligar mais p... nenhuma. Vou ficar com isso aqui”, disse Requião ao pegar o gravador. “As medidas disciplinares previstas no regimento do Senado são a advertência e a censura oral ou escrita. As duas que nós acreditamos que têm mais relação com o caso. Ainda está prevista no regimento a perda de mandato, mas quem tem que fazer este juízo é o Conselho de Ética para onde [a representação] será encaminhada. O Presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), poderia também advertir ou censurar o parlamentar”, disse Lincoln Macário. Porém Sarney considerou uma “questão de temperamento” a atitude do colega de partido e Presidente da Comissão de Educação do Senado: “Não há qualquer conotação de que se trate de uma agressão à liberdade de imprensa ou de trabalho. Essas coisas às vezes acontecem independente até

JOSÉCRUZ/AGÊNCIASENADO

POR C LÁUDIA S OUZA

Requião no Twitter: “Deletei entrevista dada a repórter agressivo e a categoria se alvoroça”

mesmo da vontade das pessoas. Não posso emitir conceito de valor contra um colega por quem eu tenho o maior respeito e que tem uma vida pública grande neste País.” Para Macário, a melhor solução seria um pedido de desculpas de Requião: “Acreditamos que o Senador ainda não se deu conta da dimensão de seu ato, é um péssimo exemplo que ele passa para a sociedade e para milhares de pessoas que o têm como referência e que votaram nele. É a sociedade que vai estar prejudicada a partir do momento que as autoridades se acharem no direito de cassar os gravadores. Agora, depois de dar uma entrevista, arrancar o gravador de um jornalista é uma demonstração clara de censura que, esperamos, permaneça naquele período sombrio que esperávamos ter ultrapassado.”

“Senador deveria ter mais comedimento” A ABI reprovou as reações do parlamentar, que “deveria ser respeitoso com os profissionais de imprensa”. A ABI manifestou sua repulsa ao comportamento do Senador Roberto Requião (PMDB-PR) de arrebatar o gravador do repórter Victor Boyadjin, da Rádio Bandeirantes, e só devolvêlo, após intervenção de um diretor da emissora, depois de apagar o chip da memória do aparelho em nota divulgada no dia 26 de abril. “Esse incidente é recebido com extremo desagrado pela ABI, sobretudo porque partido de um político com denso currículo, como o Senador Re-

quião, que foi governador de Estado, prefeito de capital e senador e que deveria, portanto, ter mais comedimento e ser respeitoso em seu relacionamento com os profissionais de imprensa”, disse a ABI em declaração firmada por seu Presidente, Maurício Azêdo. Diz ainda a nota: “A ABI apresenta a sua solidariedade ao jornalista Victor Boyadjin e aos seus companheiros da Rádio Bandeirantes pela dignidade com que atuaram no episódio.”

“Indignação santa” O Senador Roberto Requião (PMDBPR) afirmou no Plenário no dia 26 de abril que o episódio está sendo contado de forma equivocada pela imprensa. Rebateu as afirmações de que teria tomado o gravador numa atitude de censura ao repórter, e lembrou que postou a íntegra da entrevista em seu site pessoal: “Eu apenas retirei o gravador para evitar que ele editasse o conteúdo.” Segundo Requião, o repórter questionava com o intuito de acuá-lo, “no estilo de programas como Pânico e CQC”. Ele reconheceu que perdeu a paciência com o repórter, que, segundo seu relato, insistia em repetir a pergunta que já teria sido respondida por ele. Comparando o fato àquele em que Jesus Cristo perde a paciência com os mercadores às portas do Templo, ele disse que “muitas vezes a indignação é santa”. Ainda de acordo com o Senador, a entrevista do repórter inicialmente tinha objetivo de arrancar dele críticas ao Governo de Dilma Rousseff e sua política econômica. No decorrer da conversa, a pergunta sobre a pensão de ex-governador do Paraná teria aparecido. “A Bandeirantes veio com uma encomenda para me irritar. Fui alvo de uma provocação programada e reagi com indignação.” Requião contou que, quando era Governador ficou sete anos e três meses sem dar entrevistas ao vivo porque era pressionado, “num regime de chantagem” pela imprensa a abrir os cofres do Governo em contratos de publicidade para não receber críticas dos meios de comunicação. Requião citou ex-governadores do seu Estado “e mais uma boa dúzia de parla-

“Numa boa, vou deletá-lo” Requião devolveu o cartão de memória do gravador, mas apagou o conteúdo da gravação. Maurício Tadeu, filho do parlamentar, fez a entrega ao repórter, e, quando questionado por que o pai não fizera a devolução, disse que Requião não estava no Gabinete. No Twitter, Requião confirmou que apagaria a entrevista: “Acabo de ficar com o gravador de um provocador engraçadinho. Numa boa, vou deletá-lo”. “Deletei entrevista dada a repórter agressivo e a categoria se alvoroça”. “Sou dono da minha entrevista e da minha opinião”, escreveu logo depois. O Senador disse ainda pelo microblog que estava sendo alvo de “agressão e provocação e tentativa de linchamento”. “Minha história e meu currículo suportam com facilidade. Boa discussão”.

“Sempre fui contra as pensões” Quase duas semanas depois de arrancar o gravador da mão do repórter Victor Boyadjin, da Rádio Bandeirantes, o Senador Roberto Requião (PMDB-PR) divulgou um vídeo em seu site dizendo que é contra o pagamento. “Sobre as pensões, sempre fui contra. Quando fui prefeito, eu acabei com as pensões para ex-prefeitos. Quando fui deputado encabecei a liquidação da pensão dos deputados estaduais, sem contribuição”, disse Roberto Requião no vídeo. No entanto, conforme foi veiculado pela Folha Online, o Senador Roberto Requião justifica o recebimento da pensão como um benefício legítimo “em defesa do patrimônio da sua família”. Com base na Constituição do Paraná, atualmente nove ex-governadores recebem aposentadoria no valor de R$ 24,1 mil, mas no final de março quatro deles tiveram as suas pensões revogadas pelo Governador Beto Richa (PSDB), mas continuam recebendo por que recorreram da decisão. Para retirar o pagamento das superaponsentadorias o atual Governo do Paraná alega que nem a Constituição Federal prevê benefício semelhante para ex-Presidentes da República.

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Liberdade de imprensa

“Sem jornalismo investigativo a democracia fica em perigo” O recado foi dado durante o 2º Fórum Democracia e Liberdade, que reuniu em São Paulo personalidades nacionais e estrangeiras para debater a situação dos direitos humanos no Brasil e em outros países. FOTOS: DIVULGAÇÃO

P OR M ARCOS S TEFANO O jornalismo investigativo, tão necessário ao controle do poder, corre sérios riscos no Brasil. Essa foi uma das conclusões do 2º Fórum Democracia e Liberdade, promovido em 3 de maio pelo Instituto Millenium no Centro de Convenções da Fundação Armando Álvares Penteado-Faap, em São Paulo, o qual reuniu centenas de intelectuais, acadêmicos, jornalistas e ativistas para discutir temas como direitos humanos, perseguição religiosa, o papel dos governos e a contribuição da imprensa livre para a construção de uma sociedade democrática. Entre os convidados estavam destacadas personalidades nacionais e estrangeiras, como a ativista iraniana Mina Ahadi, que recentemente coordenou a campanha mundial em defesa de Sakineh Ashtiani, evitando seu apedrejamento, e Javier El-Hage, Diretor-Geral da organização Human Rights Foundation. Apesar da ênfase nos aspectos internacionais dos temas, as questões mais debatidas foram as relacionadas com a situação brasileira, especialmente diante dos riscos para a prática jornalística, denunciados justamente no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que então se comemorava. “Em todo o mundo, são realizadas discussões e debates com o intuito de conscientizar as pessoas sobre a importância da liberdade em todos os sentidos. É uma oportunidade para aprofundarmos o debate sobre o papel do Estado e as distorções que ocorrem quando há desvios para privilegiar interesses privados ou partidários. Nesse cenário, o jornalismo investigativo é essencial para aperfeiçoar as instituições públicas e impedir o uso indevido do poder público. Também é a forma para revertermos o processo de infantilização do cidadão brasileiro e evitar as ameaças à democracia”, disse Paulo Uebel, Diretor-Executivo do Instituto Millenium. Ahadi e El-Hage foram os primeiros a falar, logo após a abertura do evento pelo jornalista Roberto Civita, Presidente do Conselho Editorial do Grupo Abril. No caso da iraniana, radicada na 20

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Mediado por Hélio Beltrão (ao centro), o painel Jornalismo Investigativo e Democracia teve a presença dos jornalistas Eugênio Bucci (esquerda) e Roberto Gazzi, que disse que a pressão da sociedade é necessária “para que a liberdade de imprensa seja preservada”.

Paulo Uebel disse que o jornalismo investigativo é essencial para aperfeiçoar as instituições públicas e impedir o uso indevido do poder público. Ao seu lado, a ativista iraniana Mina Ahadi.

Alemanha, sua exposição foi totalmente reformulada, já que logo que colocou os pés na capital paulista ela ficou sabendo da morte de Bin Laden. “Foi algo emblemático, mas Bin Laden não é o único problema”, disse Mina Ahadi no painel sobre Democracia, Liberdade e Direitos Humanos. “Existe um movimento, inimigo das mulheres e das liberdades. Temos regimes islâmicos que usam a religião para controlar o povo no Afeganistão, Paquistão, Nigéria, Arábia Saudita, Síria e tantos outros lugares”, denunciou Ahadi, que elogiou a Presidente Dilma Rousseff por sua posição diante da ameaça de ape-

drejamento de Ashtiani. A intervenção da iraniana recebeu apoio do dirigente da Human Rights Foundation, que fez um balanço do panorama político latinoamericano e cravou: “Não existe democracia de verdade sem direitos humanos, nem direitos humanos sem democracia. Infelizmente, para os regimes totalitários, essa é uma verdade inegável”. Caciques e transparência Outros quatro painéis, todos reunindo debatedores brasileiros, completaram a jornada. Entre os convidados estavam o sociólogo Demétrio Magnoli, o antropólogo Roberto DaMatta, o econo-

mista Alexandre Schwartsman, o cientista político Paulo Kramer, a advogada Taís Gasparian e o diplomata Paulo Roberto de Almeida. Entre os temas em questão, o Capitalismo de Estado X Liberdade, painel mediado pelo jornalista André Lahoz, Redator-Chefe da revista Exame, e O Brasil na encruzilhada: qual modelo de País queremos?, com mediação de outro jornalista, Helio Gurovitz, Diretor de Redação da revista Época. A atuação da imprensa foi discutida mais a fundo no painel Accountability, Jornalismo Investigativo e Democracia, mediado por Hélio Beltrão, Presidente do Instituto Mises Brasil, e que teve como debatedores os jornalistas Cláudio Weber Abramo e Eugênio Bucci, além de Roberto Gazzi, Diretor de Desenvolvimento Editorial do jornal O Estado de S. Paulo. Gazzi falou sobre o caso de censura ao Estadão, imposta pela Justiça em uma ação movida pelo empresário Fernando Sarney. Disse ele que esse é um caso emblemático, que mostra como é difícil fazer jornalismo investigativo atualmente no Brasil. “Por causa da internet e das redes sociais, os jornais nunca foram tão lidos como hoje. Mas é necessária a pressão da sociedade para que a liberdade de imprensa seja preservada. Vivemos num cenário de amplas liberdades, como há muito não existia. Mas interesses políticos, dependência financeira das mídias e o mau uso do poder público podem ameaçá-lo.” Abramo, que é Diretor-Executivo da organização não-governamental Transparência Brasil, foi ainda menos otimista e expôs dados preocupantes. “Cerca de 80% dos 820 jornais diários brasileiros são de cidades pequenas e dependem de dinheiro público. A imprensa acaba ficando refém de caciques de cada região. São os Sarney, os Collor, os Barbalho, os Alves, os Maia, os Jereisatti, e tantos outros”, denunciou. Bucci retomou o tema da morte de Bin Laden para questionar a transparência das informações. “Como saber em que condições tudo aquilo ocorreu? Tudo foi dito por fontes oficiais”, criticou ele, trazendo o problema, em seguida, para o contexto brasileiro. “A transparência deve partir das próprias empresas jornalísticas, principalmente no tocante a suas fontes de receita. Boa parte da publicidade de muitos veículos é de empresas estatais. Com essa dependência, como teremos jornalismo investigativo de qualidade?”


RICARDO STUCKERT/PR

LANÇAMENTO

Abdias é inspiração de prêmio Sindicato dos Jornalistas do Rio quer estimular a cobertura jornalística de questões relacionadas com a população negra.

Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro lançou em 10 de maio a primeira edição do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento, que visa a estimular anualmente a cobertura jornalística qualificada sobre temas relacionados à população negra. Criado pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial-Cojira-Rio, o prêmio é uma das atividades da agenda carioca de eventos 2011, declarado Ano Internacional dos Afrodescendentes pela Organização das Nações Unidas-Onu. O lançamento foi realizado no auditório do Sindicato, no Centro do Rio,em ato que contou com a presença da Ministra Luiza Barrios, Chefe da Secretaria de

O

Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, Ana Toni, representante da Fundação Ford; Elisa Larkin, mulher de Abdias, doutora em psicologia, professora e diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afrobrasileiros-Ipeafro; Suzana Blass, Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro; e Angélica Bahsti, coordenadora do Prêmio e da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio. Angélica Bahsti informou que um dos objetivos da Comissão e da Premiação é “provocar os jornalistas a repensar qual é o seu papel enquanto profissional de imprensa, e qual o papel que a mídia tem no combate ao racismo”. Elisa Lar-

kin reafirmou o compromisso da premiação e criticou também o papel assumido atualmente pelo negro na mídia: “Há uma grande resistência e um grande quadro de desigualdade e de invisibilização, não de invisibilidade, é o processo de se tornar invisível o negro na mídia brasileira. Porque este mesmo negro é muito visível na sociedade brasileira, se alguém quiser enxergar. O problema é que a imprensa brasileira, a mídia brasileira em geral tende a não enxergá-lo.” Após a mesa de abertura, Abdias foi laureado com uma placa em homenagem à sua filiação ao Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, em 1941, recebida por seu filho, Henrique Abdias e por Elisa, das mãos do ex-

Deputado e ex-Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio e membro da ABI, Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos. Em seguida, foi exibido um filme sobre a sua vida, no qual foi mostrada a sua trajetória na militância pelos direitos dos negros, como político e jornalista. Ao término da exibição, todos os presentes homenagearam e desejaram melhoras a Abdias (que se encontrava internado e não pôde comparecer à homenagem) com um minuto de silêncio.

As categorias, os prazos de inscrição, o valor das premiações O Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento contempla sete categorias: Mídia impressa; Televisão; Rádio; Mídia alternativa ou comunitária; Fotografia; Internet; e categoria especial de gênero, com destaque para as reportagens com foco nas demandas femininas. A melhor reportagem de cada categoria receberá o prêmio de R$ 5.000,00. Os vencedores serão anunciados em uma grande festa que ocorrerá em novembro, mês de comemoração da Consciência Negra. As inscrições para o Prêmio estarão abertas de 11 de maio a 19 de agosto de 2011. Estão aptos a participar do Prêmio jornalistas profissionais em todo o País. As reportagens inscritas devem ter sido veiculadas ou publicadas entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de abril de 2011. Entre os temas sugeridos para concorrer ao Prêmio, estão: saúde da população negra, intolerância religiosa, juventude negra, ações afirmativas, empreendedorismo, desigualdades, direitos humanos, relações raciais, políticas públicas, populações e comunidades tradicionais e discriminação racial.

Miriam e Muniz Sodré defendem uma mídia plural

Abdias: pintor, poeta, dramaturgo, escritor, político

direitos humanos, o Prêmio destacará a produção de conteúdos jornalísticos que contribuam para a prevenção, o combate às desigualdades raciais e a eliminação de todas as formas de manifestação do racismo. De acordo com o Sindicato dos Jornalistas, o principal objetivo da premiação é “estimular a prática de um jornalismo plural com foco na promoção da igualdade racial”. Para Miriam Leitão, o Prêmio “vai incentivar o País a falar de um assunto que é sempre tratado como não existente: o racismo. Quanto mais falarmos das nossas desigualdades, mais conheceremos o problema. Quanto mais o conhecermos, mais perto estaremos da sua solução”, aposta a jornalista. Já Muniz Sodré acredita que o recorte não é racial, mas sim axial: “O negro é o eixo novo de uma mudança nas relações sociais, porque, como o proletário em Marx,

O ex-Senador Abdias Nascimento é um ícone do combate ao racismo no País. Nascido em 1914, desenvolveu vasta produção intelectual como ativista, político, pintor, escritor, poeta, dramaturgo. Natural de São Paulo, participou dos primeiros congressos de negros realizados no Brasil. No Rio de Janeiro, criou o Teatro Experimental do Negro-TEN na década de 1940. Como jornalista, fundou o Jornal Quilombo e atuou como repórter do Jornal Diário, além de ter trabalhado em vários periódicos. Desde 1947 é filiado ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. Pressionado pela ditadura implantada pelo golpe militar de 1964, exilou-se nos Estados Unidos durante 13 anos. De volta ao Brasil, ocupou os cargos de Deputado federal e Senador. Atualmente, aos 97 anos, é professor emérito da Universidade de Nova York e Doutor Honoris Causa por várias instituições de ensino superior, entre elas, a Universidade de Brasília e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Os integrantes da segunda mesa do ato, jornalista Miriam Leitão e professor de Comunicação da UFRJ e sociólogo Muniz Sodré, discutiram a presença do negro na mídia. Miriam fez uma síntese histórica e criticou a abordagem de alguns meios de comunicação a temas como as cotas nas universidades. Ela considera que muito já foi feito pelos negros, mas que ainda há um longo caminho a percorrer. Já Muniz Sodré acredita que a situação atual da representação do negro nos veículos de comunicação, salvo raras exceções, ainda está longe do ideal. Ele criticou a “visão colonizada” de muitos jornalistas, que costumam esconder o racismo que existe no Brasil, para que não se combata, e frisou que “não é preciso existir raça para existir racismo”. Batizado em homenagem a este ativista histórico pela igualdade racial e dos

tornou-se classe histórica no País”, disse o professor. Na opinião de Miriam e Muniz, a homenagem a Abdias Nascimento contribui para a construção de uma mídia mais plural e igualitária, o que ajuda, segundo Miriam Leitão, a ampliar o debate sobre democracia racial no Brasil: “Abdias Nascimento tem uma vida inteira de coerência na mesma luta, da qual é precursor no Brasil, de apontar a desigualdade racial como uma das chagas nunca curadas, afirma a jornalista.” Muniz Sodré complementa, afirmando que homenagear Abdias Nascimento com um prêmio de jornalismo é restituir ao jornalismo de hoje, tão empenhado em serviços de consumo: “Algo da pública voz cívica que ele tinha no passado. A exemplo da imprensa abolicionista e republicana, Abdias é voz de pulmão cheio”, disse.

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Direitos humanos

A Casa dos Horrores da repressão em SP agora mostra quem resistiu às ditaduras Instalado no edifício onde funcionou durante sete décadas o temível Deops, o Memorial da Resistência é um lembrete de que um futuro livre se constrói sem se esquecer das agruras do passado. FOTOS: FRANCISCO UCHA

P OR M ARCOS S TEFANO Não é somente por tratar de uma personalidade singular que a exposição Não tens Epitáfio pois és Bandeira – Rubens Paiva, desaparecido desde 1971 é tão emblemática. Também por causa do local onde ela é realizada, único no Brasil, o histórico prédio do Largo General Osório, número 66, na região da Luz, em São Paulo, onde, pode-se dizer, as pedras clamam. Construído originalmente para ser armazém de uma estrada de ferro, durante a maior parte de sua existência o edifício foi sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo, o temido Deops/SP, instituição símbolo do controle do cidadão pelo Estado brasileiro. Especialmente nos tempos da ditadura militar, transformou-se em testemunha silenciosa de milhares de histórias de prisões, torturas, mortes e resistência, um símbolo antagônico de luta pela liberdade e falta dela. Desde 2009, no entanto, seu papel é outro. Remodelado e convertido no Memorial da Resistência, passou a ser um tributo à justiça, à democracia e à luta contra a opressão. Apesar de os anos de chumbo serem dos momentos mais significativos da trajetória recente da Nação, a imagem do prédio extrapola as dimensões de “porão” da ditadura militar. Seu objetivo é falar sobre todo o período republicano nacional, que vai de 1889 até os dias atuais e passa por duas ditaduras, épocas mais significativas e de maior embate, tensão e controle. Para tanto, suas dependências foram totalmente remodeladas e o pavimento térreo, onde funciona o Memorial, passou a abrigar recepção, café e dois espaços distintos: um para sediar as exposições temporárias e outro para a mostra permanente ou, usando um termo mais correto, de longa duração. Logo na entrada, o visitante – que não precisa pagar ingresso – é recepcionado por uma apresentação multimídia da história do edifício, seus diferentes usos e apropriações, além do funcionamento e da trajetória do mais famoso órgão que ali funcionou, o Deops. Justiça seja feita, se for possível usar tal expressão, mesmo com tal apresentação “institucional”, não são as palavras das autoridades que serão ouvidas a partir dali, mas daqueles que as enfrentaram. “A vocação deste espaço foi revelada a partir das memórias dos que resistiram. As novas gerações encontrarão aqui não somente informações sobre atrocidades da repressão, mas uma profunda reflexão sobre os rumos do País e inspiração para a valorização da solidariedade, dos princípios democráticos e do respeito à diferença”, 22

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Um visitante solitário observa a linha do tempo no salão onde uma maquete reproduz o espaço entre os anos 1969 a 1971. Abaixo, o corredor utilizado pelos prisioneiros para o banho de sol.

explica a museóloga Kátia Regina Felipini Neves, Coordenadora do Memorial. A criação do espaço é mais uma tentativa de romper com a História oficial e acabar com os silêncios propositais em um de seus principais palcos. Projetado pelo escritório de Ramos de Azevedo, o prédio de cinco andares onde hoje está o Memorial foi inaugurado em 1914 e por mais de duas décadas funcionou como escritório e armazém central da Estrada de Ferro Sorocabana. Criado em 1924 para combater a subversão política, o Deops ocupava outros endereços no Centro da capital paulista, como a Rua 7 de Abril, número 81; a Rua dos Gusmões, 86; e a Rua Visconde de Rio Branco, 280. Em 1940, os rumos de ambos começaram a se cruzar quando a Delegacia Especializada de Explosivos, Armas e Munições, vinculada ao Deops, foi transferida para o endereço. No ano seguinte, o mesmo aconteceu com as demais repartições

do órgão. A Polícia Política de São Paulo tinha uma sede definitiva e ali funcionaria até 1983, ano em que a ditadura encontrou seu ocaso e o departamento foi fechado. A vocação policial se manteria em tempos posteriores com a Delegacia de Defesa do Consumidor-Decon, que ocupou o imóvel até 1997, e só mudaria com a transferência de sua propriedade para a Secretaria de Estado da Cultura. Esses, no entanto, já eram outros tempos. Cotidiano vigiado

Desde que o prédio foi tombado, em 1999, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São PauloCondephaat, devido à sua importância histórica e arquitetônica, não faltaram propostas para usar o espaço. Cogitou-se instalar ali uma escola superior ou uma universidade livre de música. Quem sabe montar uma escola de teatro, voltada para

ópera, artes cênicas e circo. Mas prevaleceu a idéia de que o antigo espaço carcerário tinha mais a cara de um memorial, ainda que em 2004 o edifício tenha sido rebatizado como Estação Pinacoteca e ficado à disposição dessa instituição. De fato, em uma área revitalizada onde funcionam a nova Estação da Luz, a Sala São Paulo, a Pinacoteca e o Museu da Língua Portuguesa, a cultura dominaria também o edifício do Largo General Osório. Após uma ampla reforma, o segundo, o terceiro e o quarto andar foram reservados para mostras e exposições especiais e temporárias. O quinto andar foi transformado em um auditório com capacidade para 160 pessoas. Ao Memorial ficaram reservados o pavimento térreo, que dividiria com um café, e o primeiro andar, também dividido com uma biblioteca sobre artes e sobre a resistência política, além de um Centro de Documentação da Pinacoteca. A memória da resistência deixaria o campo abstrato para ganhar contornos sólidos ainda em 1999, com a exposição Anistia 20 Anos, composta por 50 painéis, com textos e reproduções de fotografias, documentos policiais, cartazes, revistas e jornais. Ao mesmo tempo, no ainda abandonado espaço carcerário, a peça teatral Lembrar é Resistir, de Analy Alvarez, representava o passado de repressão vivido por milhões de brasileiros. Vencida a primeira etapa de reformas, em 2002, era inaugurado oficialmente o Museu do Imaginário do Povo Brasileiro e o Memorial da Liberdade. Tudo sob gestão do Arquivo Público, o guardião da papelada do Deops, com seus 182 mil prontuários e mais de 1,1 milhão de dossiês produzidos pelo órgão em 69 anos de existência. Sem contar muito material que simplesmente “sumiu” do acervo. A reinauguração do espaço foi marcada por uma instalação do artista Siron Franco, pela mostra Cotidiano Vigiado – Repressão, Resistência e Liberdade nos Arquivos do Dops 1924 – 1983, com documentos e fotos de prontuários de presos políticos, e pela exposição Cidadania – 200 Anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Mesmo com outras exposições que se seguiram, como Vozes Silenciadas e Vlado, 30 Anos, apenas o Memorial da Liberdade vingou. Mas nem ele era consenso. A dúvida pairava sobre o uso do termo “liberdade” em uma prisão. “Também faltava um projeto museológico que pudesse ampliar a ação preservacionista e seu potencial educativo. Apenas realizar eventos não era o suficiente. Com a ajuda de uma comissão multidisciplinar, montada pela Pinacoteca e composta por especialistas e por representan-


tes da sociedade civil organizada, como o Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos, pudemos preencher essas lacunas”, conta Kátia Neves. Finalmente, em janeiro de 2009, nas comemorações do aniversário de São Paulo, a cidade ganhava como presente um espaço retrabalhado, agora conhecido como Memorial da Resistência. Viagem no tempo

No centro da quarta cela, em destaque, o símbolo da solidariedade entre os prisioneiros políticos: o cravo vermelho.

No espaço do Memorial o visitante vê-se diante de uma linha do tempo que percorre quase uma sala inteira articulando acontecimentos no Brasil e no mundo com presidentes, autoridades e suas políticas mais ou menos repressivas. Mas serão necessários mais alguns passos para encontrar aquele que talvez seja o ambiente mais marcante do local: celas restauradas que proporcionam uma autêntica viagem para um tempo de humilhação, desespero, fraternidade e tantas atitudes de resistência.

As celas, refeitas como no período 1969-1971 Embora a prisão do Deops exista desde a ditadura Vargas (1937-1945), os idealizadores do Memorial optaram por reconstituir o espaço de acordo com um período mais recente. Isso pode ser visto na maquete postada na entrada, que compara a prisão no momento atual com a que era utilizada entre os anos de 1969 a 1971. Daquele tempo foram restauradas quatro celas, ligadas por um corredor principal e pelo corredor para o banho de sol. Ao passar por cada uma delas, é impossível não sentir arrepios e ser inundado pelas mais diversas emoções. A primeira cela mostra os trabalhos do processo de implantação do Memorial. A segunda presta uma homenagem aos milhares de presos políticos, desaparecidos e mortos durante os períodos ditatoriais. A terceira cela foi reconstruída segundo as lembranças de ex-presos políticos. Cada uma delas tinha de 16 a 18 colchonetes, de acordo com o número de ocupantes. Hoje, para recordar aquela época, foram deixados apenas dois. Próximos de um varal com toalhas estendidas, banheiro e lavatório. Nas paredes, muitos escritos. Lembranças de um grupo de ex-presos convidado para voltar ao local e registrar o que viram quando estiveram lá pela primeira vez ou o que eles mesmos escreveram. Finalmente, a quarta cela oferece ao visitante a possibilidade de ouvir testemunhos gravados pelos ex-presos. Sentadas junto às paredes, as pessoas podem observar no centro do espaço um cravo vermelho, símbolo da solidariedade que permitiu a muitos dos que estiveram ali a chance de sobreviver. Ao puxar a tranca da pesada porta com pequenas grades e sair desta última cela, dá-se de cara com uma plotagem, referência à missa celebrada pelos frades dominicanos em 1969, quando estiveram presos por apoiarem o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacio-

nal-ALN, de Carlos Marighella. A cena foi produzida a partir do filme Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton, baseado no livro homônimo de Frei Betto. Os ecos do passado são completados ao se passar da carceragem para o Centro de Referência. Entre móveis antigos, fichários usados nos tempos do Deops, objetos, documentos considerados subversivos e fotos que mostram academia de ginástica, escritórios, barbearia e salas de reuniões – um verdadeiro raio-X do órgão –, o visitante tem a oportunidade de se aprofundar em diversos temas, pesquisando em modernos computadores um banco de dados formado por fichas, prontuários e materiais digitalizados pela instituição. Permanente construção

Os ruídos de trens de quase um século, as conversas de trabalhadores apenas de passagem, os irretocáveis sotaques de imigrantes e, depois, os sussurros dos encarcerados já não podem ser mais ouvidos. Entretanto, mais de 90 mil visitantes passaram pelo Memorial da Resistência somente no ano passado em busca dos vestígios daqueles tempos. Grande parte é atraída pela exposição de longa duração e pelas mostras temporárias. Até agora e desde 2009, já foram realizadas sete grandes exposições. Círculo Fechado retratou os japoneses sob o olhar vigilante do Deops; Artistas Nipo-Brasileiros Durante a Segunda Guerra Mundial trouxe obras de cinco artistas e a reprodução de documentos que atestam como foram perseguidos; A Luta pela Anistia: 1964 - ? listou importantes documentos relativos aos 30 anos da Lei da Anistia; Marighella relembrou os 40 anos do assassinato do guerrilheiro; As Cores da Resistência trouxe ao público uma parte importante da trajetória das artes gráficas no Brasil com a obra de Elifas Andreato; um ensaio fo-

Esta cela foi restaurada segundo as lembranças dos prisioneiros, com colchonetes, varal com toalhas, banheiro e lavatório. Nas paredes eles puderam deixar as suas marcas (no alto).

tográfico de Marcelo Brodsky, Buena Memória, apresentou aos brasileiros as consequências de outra sangrenta ditadura militar, a argentina, estabelecendo com os brasileiros um diálogo que pretende ser expandido para toda a América Latina; e a atual Não tens Epitáfio pois és Bandeira, sobre Rubens Paiva, que está aberta à visitação até o dia 10 de julho. O trabalho do Memorial, porém, não se resume às exposições. Para viabilizar cerca de 12 mil visitas educativas realizadas também em 2010, a instituição promoveu seminários, debates e eventos, produziu materiais pedagógicos, lançou livros e filmes e patrocinou cursos para educadores. Entre as atrações mais concorridas estiveram os Sábados Resistentes, seminários realizados uma ou duas vezes por mês, em que as experiências do passado são contrastadas com as situações vividas no presente graças à presença de ex-presos políticos, estudiosos, especialistas e personalidades. Gente preparada para debater assuntos que vão dos papéis dos trabalhadores e da mídia na ditadura aos bastidores de misteriosas engrenagens da Polícia Política, como os interrogatórios da chamada Operação Bandeirante e do Doi-Codi paulista. “Nosso objetivo é conscientizar um número cada vez maior de pessoas sobre a questão dos desaparecidos, dos presos, dos torturados e dos mortos. E estamos conseguindo. Museus são as instituições mais democráticas que existem. Não confinam as pesquisas aos livros e trazem informação extensa de forma mais palatável”, defende a Coordenadora do Memorial Kátia Neves.

Memorial não é museu, é para algo vivo, próximo É bem verdade que museus e memoriais não são a mesma coisa. Diferentemente do museu, o memorial é um espaço e um programa consagrados à memória viva de uma época ainda próxima; um esforço de interpretação da História e do lugar que precisa constantemente ser aperfeiçoado. Perto de tantas histórias de quase sete décadas do Deops, o que já foi sistematizado pelo Memorial da Resistência ainda é tímido. Por isso, suas propostas para o futuro são tão significativas e passam pela ampliação das fontes documentais e bibliográficas do Centro de Referência, pela coleta de mais testemunhos de expresos políticos e de familiares de mortos e desaparecidos e, talvez a mais audaciosa, ser o primeiro de uma rede de lugares significativos para a memória política e para a resistência em São Paulo e Brasil afora. Só com investimentos para alcançar esses alvos é que certas sentenças terão sentido. Uma delas, dita pelo judeu Eli Wiesel, sobrevivente dos campos de concentração nazista na Segunda Grande Guerra e presente na entrada e na saída da exposição de longa duração, expressa os pensamentos de milhões que experimentaram a luta contra o totalitarismo, mas ainda aguardam por serem ouvidos. Não por vingança, mas por um futuro melhor: “Enquanto lembramos, tudo é possível”. Jornal da ABI 366 Maio de 2011

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Direitos humanos Com paciência e profissionalismo, os repórteres Chico Otávio e Alessandra Duarte descobriram o que as investigações militares esconderam.

REPRODUÇÃO

REVELAÇÕES DOS BASTIDORES DE UMA NOITE EXPLOSIVA Ao publicar detalhes da agenda do Sargento Guilherme Pereira do Rosário, O Globo lança luzes sobre o atentado no Riocentro. Uma das autoras da matéria, Alessandra Duarte conta detalhes da reportagem, cuja repercussão comprova que ainda há muito o que se investigar sobre aquela noite. P OR P AULO C HICO

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ANIBAL PHILOT/AGÊNCIA O GLOBO

Ela explodiu na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro, durante um show de música popular em homenagem ao Dia do Trabalho. Portanto, há exatos 30 anos. Passadas três décadas, o Brasil conserva muitas de suas mazelas, mas superou o regime de exceção, reconquistou o direito ao voto direto e ao exercício democrático. Porém, estilhaços daquela bomba que, acidentalmente, explodiu no colo do Sargento Guilherme Pereira do Rosário, ainda estão espalhados por aí. Na indignação que persiste em se manifestar diante de atos de terror. E, sobretudo, em forma de perguntas. Muitas perguntas, que ainda aguardam respostas. Graças ao trabalho da imprensa, e menos por iniciativa dos governos ou de órgãos militares, algumas dessas questões de vez em quando são respondidas. Foi o que ocorreu no dia 24 de abril, quando O Globo abriu espaço para a matéria A Rede Secreta do Sargento, Linha Direta com o Terror. Nela, os repórteres Chico Otávio e Alessandra Duarte esmiuçaram detalhes daquela noite e revelaram nomes da agenda pessoal do militar, que morreu com a explosão do artefato em seu colo, ainda no interior do Puma, antes de conseguir plantá-lo nas proximidades do público e dos artistas que se apresentavam no evento. “Deixar que a bomba explodisse em seu colo não foi o único erro do Sargento Guilherme Pereira do Rosário na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro. O ‘agente Wagner’ do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI I), principal centro de tortura do regime militar no Rio, também levava no bolso uma pequena agenda telefônica, contendo nomes reais, e não codinomes, e respectivos telefones, de militares e civis envolvidos com tortura e espionagem”, começava o texto da reportagem que, publicada a partir da página 3 , mereceu chama-

O Puma dirigido pelo então Capitão Wilson Lopes Machado, no qual morreu o Sargento Guilherme Rosário, tornou-se um símbolo do terrorismo de Estado que dominou o País.

da principal de capa daquela edição dominical, além de desdobramentos na edição de segunda-feira, 25 de abril. Em nome da verdade, dos esclarecimentos do fato, e para que atos extremos como aquele nunca mais se repitam, a existência da agenda, enfim, chegou ao conhecimento dos brasileiros. “O Globo teve acesso à agenda do Sargento Guilherme por meio de uma requisição oficial de acesso aos dois IPMs que foram abertos sobre o caso. Autorizado o acesso, Chico Otávio foi a Brasília, ao Superior Tribunal Militar, consultar todo o material dos inquéritos. Eram três anexos e, num deles, dentro de um envelope, estava a agenda”, revela Alessandra Duarte ao Jornal da ABI. A repórter afirma que, apesar da natural surpresa diante da descoberta, não houve, em qualquer momento, dúvida quanto à autenticidade da agenda. “Ela já tinha sido periciada pelos IPMs que constataram a sua autenticidade. A agenda esteve lá, num dos três anexos dos IPMs, durante todo esse tempo. Só que os inquéritos apenas a periciaram, e não

analisaram seu conteúdo. E, claro, no momento em que fui chamada para participar dessa matéria, ajudando o Chico Otávio na apuração, vi que era uma grande história, daquelas que todo jornalista tem vontade de contar”. O primeiro impulso, é óbvio, foi buscar contato com as pessoas relacionadas na agenda do militar. Estariam vivas ou mortas? Se lembrariam de Guilherme Pereira? Que relação teriam com ele? Teriam algo a dizer, hoje, sobre o episódio ocorrido há 30 anos? “O assunto sempre causava apreensão em quem a gente procurava. Boa parte das pessoas disse que não se lembrava de ter conhecido o Sargento Rosário, mas alguns – bem poucos, é verdade – disseram ter conhecido, sim. No caso daqueles que disseram não se lembrar, ou não saber por que o nome estava na agenda dele, em alguns casos a gente percebia uma demora ao responder, uma escolha de palavras cuidadosa demais, como se a pessoa quisesse pensar bem no que estava falando. Em outros casos, houve surpresa mesmo.

Uma pessoa chegou a dar um pulo na cadeira quando eu disse que o nome dela estava na agenda”, descreve Alessandra. Alguns fatos, em especial, chamaram a atenção dos repórteres de O Globo. Era impossível não se surpreender com a grande quantidade não só de nomes de sargentos como Rosário, de integrantes do meio militar ou policial de escalão mais baixo, mas também com a presença de nomes de alto escalão, como generais. O fato de que os nomes eram registrados sem segredos – isto é, nomes reais e não pseudônimos ou apelidos – comprova o grau de confiança dos militares que atuavam como agentes de repressão. “Essa opção, no caso da agenda do Sargento Rosário, parecia indicar que ele achava que não seria pego, que não erraria, ou que não tinha o que esconder ou motivo para se esconder, pois estaria agindo da forma que ele achava correta”, aponta a jornalista. Repercussão imediata A reportagem publicada pelo O Globo ainda situa, no contexto histórico, a ação fria e, ao mesmo tempo, tresloucada, executada pelos militares no Riocentro. Atos de terror como aquele – que se repetiram em outros locais, como em bancas de jornais e nas sedes da Ordem dos Advogados do Brasil e da própria ABI – foram alimentados e ganharam força a partir do momento em que o Presidente Ernesto Geisel determinou a desmobilização da máquina de torturar e matar nos porões do regime, que mudou de direção, indo da brutalidade para ações de inteligência, com a reestruturação dos DOIs. Os autores dos atentados eram, sobretudo, militares insatisfeitos com o processo de abertura e abrandamento das atrocidades cometidas pelo regime. “Descontentes com as mudanças, sargentos como Rosário, sobretudo os para-


quedistas arregimentados anos antes pela repressão, transformaram-se em braços operacionais de grupos terroristas de extrema direita. Trinta anos depois do atentado que vitimou o próprio autor do atentado e feriu gravemente o então Capitão Wilson Machado, O Globo localizou a agenda e identificou metade dos 107 nomes e telefones anotados pelo sargento. De oficiais graduados a soldados, de delegados a detetives, Rosário tinha contatos em setores estratégicos, como o Estado-Maior da PM e a Chefia de Gabinete da Secretaria de Segurança, além de amigos ligados a setores operacionais, como fábrica de armamento e cadastros de trânsito”, afirma a matéria, em outro trecho. A grande e imediata repercussão da reportagem de Chico Otávio e Alessandra Duarte é prova de como o assunto ainda mexe com as pessoas. De que ainda há o que ser revelado sobre os tristes acontecimentos daquela noite. E do quanto é importante que a imprensa não abra mão

de seu papel de investigar o passado – até mesmo para ajudar o País a sarar feridas e a planejar o seu futuro. “De fato, o impacto da matéria foi muito grande. Não só dentro do jornal, mas junto a outros jornalistas e entidades do setor, como o professor Nilson Lage e o Observatório da Imprensa, que comentaram a matéria. Sem falar nos comentários dos leitores, pelo site do jornal ou então nos mandando e-mails e telefonando para nós. Alguns ligaram para passar mais informações”, destaca ela. O jornal O Globo, adianta Alessandra Duarte, seguirá na investigação da pauta. “Esse é um assunto ainda com bastante coisas a se explicar. Como aconteceu há muito tempo, chegar a essa explicação fica mais difícil. E, como aconteceu num período de repressão, chegar aos esclarecimentos fica ainda mais difícil pelo fator medo. Porque, mesmo depois de tanto tempo, cheguei a falar com gente – que atuava na época no meio militar ou po-

licial – que não quis falar, usando o argumento de que se tratava de uma questão de segurança nacional.” Informações desencontradas, ou falseadas, são outro entrave histórico para a elucidação dos fatos ocorridos naquela noite, como aponta a reportagem de O Globo. “Relatório confidencial da Aeronáutica mostra que o serviço secreto da instituição criou uma versão para tentar inocentar os militares envolvidos no atentado ao Riocentro. O documento confidencial – escrito no IIIº Comando Aéreo Regional (Comar) em 7 de maio de 1981, uma semana após o atentado – desqualifica a informação, divulgada pelos jornais da época, de que a explosão foi resultado de uma fracassada tentativa de militares de extrema direita de cometer um atentado e, com isso, forçar um retrocesso na incipiente abertura política no País. O inquérito, concluído em 2000, responsabilizou o Capitão Wilson Machado e o Sargento Guilherme

Pereira do Rosário pela fracassada manobra”, diz o texto. Na linha de especulações, peço a Alessandra Duarte que arrisque prever quais teriam sido as conseqüências políticas daquela noite, caso o artefato não tivesse explodido no colo do militar e – pior dos cenários – feito centenas de vítimas junto ao público dos shows. “É difícil responder a esse tipo de pergunta sobre realidades paralelas... Será que isso afetaria o ritmo da abertura política? Será que os responsáveis pela bomba jogariam a responsabilidade em outro colo? Não sei, prefiro me ater ao que houve de fato”. Ok, aceito a resposta, mas não resisto. E, de repórter para repórter, faço mais uma provocação. Supondo que Guilherme Pereira do Rosário tivesse se ferido, e não morrido na explosão. Que pergunta faria a ele? “‘Então, quer dizer que era o fio vermelho, em vez do verde?”, devolve Alessandra, rápida no gatilho. Pois é. Aí está mais uma pergunta sem reposta.

A Comissão da Verdade, cada vez mais necessária Pesquisador nascido num presídio político de Brasília nos anos 1970 denuncia que dois funcionários da Agência Brasileira de Inteligência-Abin participaram de torturas. MÁRIO A UGUSTO JAKOBSKIND A questão da votação no Congresso da Comissão da Verdade continua a provocar polêmica, e a cada dia surgem novas denúncias sobre participação de agentes do Estado brasileiro que torturaram e mesmo assassinaram opositores durante o regime ditatorial instaurado no Brasil a partir da derrubada do Presidente constitucional João Goulart. O Deputado Brizola Neto, do PDT do Rio de Janeiro, requereu urgência para a votação da matéria, a fim de que os brasileiros possam virar uma página de sua História e consolidar a democracia. É possível que o pronunciamento do parlamentar — neto do falecido Governador do Rio por duas vezes, Leonel Brizola, um dos políticos mais perseguidos pelos militares que tomaram o poder pós-abril de 64 — se deva a uma das mais graves denúncias surgidas nos últimos tempos sobre a questão da violação dos direitos humanos. A denúncia foi feita por Paulo Fonteles Filho em longa entrevista na rádio Brasil Atual e incrimina dois atuais agentes da Agência Brasileira de Inteligência-Abin no Estado do Pará: o ViceSuperintendente do órgão, Magno José Borges, e Armando Souza Dias. Segundo Fonteles Filho, os dois agentes participaram diretamente de torturas e assassinatos de militantes da guerrilha do Araguaia nos anos 70. Na ocasião, centenas de integrantes do foco guerrilheiro na região, que atualmente

integra o Estado de Tocantins, foram presos e mortos em circunstâncias até hoje oficialmente mantidas ocultas pelos militares responsáveis pela repressão. Há denúncias de fuzilamentos sumários e até mesmo de esquartejamentos de guerrilheiros por oficiais do Exército. Um dos poucos que conseguiram sobreviver nesse período foi o ex-Deputado José Genoíno, do Partido dos Trabalhadores (PT), atualmente assessor do Ministro da Defesa, Nélson Jobim. Fonteles Filho não se resume em acusar os dois agentes que hoje servem à Abin. Ele garante que o recentemente falecido Senador Romeu Tuma, do PTB de São Paulo, participou diretamente das atrocidades no Araguaia e na época se apresentava na região como “Doutor Silva”. Falecido em outubro do ano passado, Tuma chefiou por longo tempo durante a ditadura o Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo-Deops e a Polícia Federal no mesmo Estado, tornando-se Diretor-Geral do órgão no Governo Collor de Mello. Ele já tinha sido acusado por vários opositores de participar diretamente de sessões de tortura. De acordo com o livro Habeas corpus, lançado em janeiro deste ano pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Tuma participou diretamente na ocultação de cadáveres de militantes políticos assassinados sob tortura e no falseamento de informações que poderiam levar à localização dos corpos dos desaparecidos políticos. Ao ingressar na política em l994, tornou-se

senador por dois mandatos de oito anos cada. Em 2010, não conseguiu se reeleger obtendo a quarta colocação e poucos dias depois do término da eleição morreu por problemas cardíacos. Fonteles Filho nasceu num presídio político de Brasília no início dos anos 70, porque sua mãe e o pai se encontravam presos por serem opositores do regime ditatorial. Há 15 anos ele pesquisa os acontecimentos do período em que o Exército reprimiu o movimento armado organizado pelo PCdoB e que nem chegou a ser deflagrado. Os familiares dos mortos até hoje procuram localizar os restos mortais das vítimas e a maioria não obteve êxito. Recentemente, a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos deu ganho de causa a uma petição dos familiares e exigiu que o Estado brasileiro esclareça, até o final deste ano, onde estão os restos dos mortos daquele período. Exortou também o Estado a apurar em que circunstâncias os opositores foram mortos e reclamou a punição dos responsáveis. O Estado brasileiro apelou no julgamento, mas não obteve êxito e até respondeu que recentemente o Supremo Tribunal Federal, a instância máxima da Justiça do País, considerou que anistia instituída ainda nos estertores do regime militar segue em vigor. Por essa legislação, questionada pela OEA, torturadores e assassinos também foram considerados anistiados, mesmo que todos os acusados nunca tenham sido submetidos a qualquer julgamento. Paulo Fonteles Filho – que acusa o Estado brasileiro de ter sido o responsável pela morte do seu pai em 1987, quando era advogado de camponeses e familiares de vítimas da repressão ao movi-

mento armado do Araguaia – assegurou que vai até o fim em suas investigações para de uma vez por todas esclarecer os fatos da época, mesmo que volta e meia sofra ameaças de morte. Nestes dias, por exemplo, chegou a circular na internet uma falsa informação segundo a qual ele teria morrido em um acidente. Como prova de que não teme ameaças, o pesquisador também denuncia a participação de grupos empresariais no apoio à repressão militar no Araguaia. Fonteles Filho acusa diretamente a empreiteira Camargo Correa e garante que atualmente o Estado brasileiro ainda infiltra agentes nos movimentos sociais com o objetivo de fiscalizá-los. Por estas e outras denúncias, a cada dia cresce a expectativa de que seja criada a Comissão da Verdade, que no Brasil, em princípio, não terá a função de punir agentes do Estado, civis ou militares, responsáveis por torturas e assassinatos, mas apenas esclarecer fatos relacionados com a violação dos direitos humanos do período em que o País esteve governado por generais impostos pela corporação militar, com o apoio de grupos empresariais. Os mesmos que atualmente financiam milionárias campanhas eleitorais. Alguns analistas acreditam que em face das implicações que podem resultar das investigações a Comissão da Verdade a ser criada terá limites e para entrar de fato em vigor será necessário algum tipo de acordo para o seu funcionamento. Outros analistas, no entanto, entendem que a mobilização da sociedade, sobretudo dos movimentos sociais, terá grande peso no sentido de se chegar de fato à verdade. Mário Augusto Jakobskind é Conselheiro da ABI e membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Casa .

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PIONEIRISMO FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

Professora de desenho e programadora visual, Gladys Ribeiro criou na antiga TV Tupi o primeiro programa de televisão do Brasil dedicado exclusivamente às crianças. P OR JOSÉ ROBERTO G RAÚNA

Em 1955, quando a televisão brasileira ainda dava seus primeiros passos, a professora de desenho, programadora visual e decoradora Gladys Mesquita Ribeiro teve uma idéia, aparentemente interessante, que poderia ser usada num programa de tv. Ela imaginou o quanto seria curioso para os telespectadores conhecerem mais sobre as personalidades que dão nomes às ruas do País e criou o projeto do programa Você Sabe Onde Pisa?, no qual a artista desenharia as paisagens dessas ruas e contaria histórias e curiosidades sobre as tais personalidades. Na verdade, nada disso foi à frente. David Cohen, o diretor artístico da TV Tupi, não se interessou pela idéia de Gladys, mas percebeu que poderia utilizar a desenhista num programa voltado para as crianças, aproveitando justamente as habilidades da jovem para o desenho à mão livre. “Cohen me perguntou se eu sabia desenhar bichos e me pediu para desenvolver alguma coisa nessa linha”, conta Gladys. “Então, me vesti de fada e, com a ajuda de alguns amigos, fiz um filmezinho. Com minha imaginação fértil de jovem inexperiente, eu queria fumaça e gente fantasiada. Vesti como formigas um grupo de crianças e posicionei as pobrezinhas atrás de uma grande folha de papel. Na frente, eu desenhava formiguinhas com fuzain e tocava-as com uma varinha mágica; as crianças atravessavam a folha de papel e dançavam balé. Uma coisa horrorosa! Obviamente que, naquela época, eu achava lindo”, lembra Gladys dando muita risada enquanto se lembra de seu início. “É claro que Cohen detestou e achou tudo uma droga, e me disse que se quisesse gente dançando balé chamaria sua es26

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posa, Madeleine Rosay, que era a primeira-bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Quase morri de vergonha. Cohen mandou tirar todo aquele carnaval e me disse: ‘É você com a sua cara, sem fantasia, sem nada. Pega, desenha e pronto!’ Gladys seguiu as orientações do diretor e criou um programa no qual desenhava e contava histórias para entreter a gurizada. Numa grande folha de papel branco Tia Gladys – como ficou mais conhecida pela petizada – contava divertidas histórias, ao mesmo tempo que ia desenhando as cenas narradas. Nascia então o programa Gladys e Seus Bichinhos, o primeiro na tv brasileira dedicado exclusivamente às crianças, e surgia também uma nova profissão muito comum nos dias de hoje: a de contador de histórias. A criatividade de Gladys Ribeiro chegou a inventar uma forma diferente de ensinar História do Brasil, na qual ela substituía personagens marcantes por simpáticos bichinhos. Numa ocasião, Pedro Álvares Cabral chegou a ser apresentado como um cãozinho. “As crianças adoravam”, diz Tia Gladys. No início de tudo o programa durava apenas quinze minutos. Gladys afirma que era fácil contar histórias e desenhar em tão pouco tempo. “Se hoje eu falo rápido, imagina naquela época”, lembra Gladys. O programa era simples. A desenhista contava histórias e ilustrava com desenvoltura. E foi justamente essa simplicidade que conquistou seu público e manteve a atração no ar por bastante tempo. Quem teve oportunidade de assistir a Gladys desenhando na TV jamais esqueceu os famosos bichinhos de jardim. Os personagens mais freqüentes

eram a formiguinha Gilda, a gata Clarinha (uma homenagem à sua filha), a peixinha Marci, a abelha Domi, a cadelinha Lelete (inspirada num pequinês, presente do humorista Chico Anysio) e o sapo Godô. O programa era produzido e transmitido em cidades diferentes em cada dia da semana. Na segunda-feira, no Rio de Janeiro; terça, em São Paulo; quarta, no Paraná; quinta, em Belo Horizonte, entre outras localidades. A atração esteve presente na televisão brasileira por dez anos consecutivos.

Um tatuzinho invade o jardim Depois de um início de muito sucesso na TV Tupi, Gladys, assim como muitos artistas da época, transferiu-se para a TV Excelsior, emissora que oferecia melhores condições salariais. Ia tudo seguindo seu curso normal, até que num certo dia, Tia Gladys, que não tinha o hábito de olhar para a televisão enquanto estava apresentando seu programa, nem mesmo durante os intervalos, deu uma espiada e percebeu a interseção de um estranho anúncio. Tratava-se do comercial da caninha Tatuzinho, cujo jingle, de autoria de Hélio Sindô, era bastante famoso na época e dizia “Ai Tatu, Tatuzinho, me abre a garrafa e me dá um pouquinho”. A musiquinha fácil de gravar na memória poderia, com certeza, invadir a cabeça de qualquer incauto, inclusive das crianças. Gladys então procurou Wilton Franco, que na época era o Diretor Comercial da TV Excelsior, deixando claro que não concordava com a inclusão do anúncio nos intervalos de sua atração, e praticamente exigiu que este fosse substituído por alguma coisa mais apropriada. Dias depois, percebeu que o anúncio fora de fato trocado por outro, no caso pelo Whisky Lord. Com certa dose de ironia, o Diretor Comercial comentou: “Viu só? Trocamos a cachaça por um produto mais sofisticado”. Num tempo onde muitas normas éticas ainda não eram sequer discutidas na sociedade, Gladys percebeu que era hora de pegar seus fusains e ir para casa. E em 1965, exatamente dez anos depois de sua estréia na TV Tupi, Tia Gladys se despede de seu programa diário. Apesar desse fato, a desenhista e contadora de histórias ainda teve rápidas passagens pelas TVs Educativa e Bandeirantes, mas sentiu-se desmotivada e afastou-se por considerar que seu trabalho

Gladys Ribeiro também era garota-propaganda do guaraná Brahma, que veiculava anúncios durante os intervalos de seu programa infantil na TV Tupi.


A Voz do Brasil, um espaço democrático que não pode acabar nem ser reduzido POR P EREIRA DA SILVA (P EREIRINHA ) Gladys: Vi poucas coisas boas para nossas crianças na televisão.

continuava exatamente igual como quando de seu início em 1955. Perguntada se gosta do que vê atualmente na televisão comercial na linha infanto-juvenil, a pioneira responde: “Depois de mim, vi poucas coisas realmente boas para nossas crianças na televisão. A loirinha Eliana, quando trabalhava para as crianças, mesmo cercada de todo aquele merchandising, manteve alguma dignidade, mas acredito mesmo que quem mais se aproximou de minha proposta foi o Daniel Azulay. De resto, o que se vê por aí é motivo apenas para vender bugigangas pros pequenos”, encerra Gladys. Falabela, um admirador Miguel Falabella foi um de seus telespectadores mais assíduos. Quando criança reunia-se com sua família em frente à imponente TV preto e branco, para admirar a loura que os encantava com suas histórias e desenhos. Certa vez, já adulto e consagrado artista de televisão, Falabella acompanhou a atriz Regina Casé a uma palestra do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, que explicava seu plano para a construção do Museu do Amanhã, dentro do projeto de revitalização da área portuária do Rio de Janeiro. No evento, o arquiteto usava um aparelho retroprojetor e croquis para esclarecer detalhes de suas idéias. Isso acabou despertando a memória dos atores, que ao verem os desenhos surgirem na tela de luz, recordaram de como as mãos de Gladys bailavam como mágica sobre uma grande folha branca de papel. Pouco depois o ator e diretor escreveu em sua coluna na Revista IstoÉ uma emocionada crônica que traduz toda paixão do artista à Gladys Ribeiro: “Ela nos mostrou janelas que se abriam para janelas, como se profetizasse o futuro na sua maneira de contar histórias. A nós foi oferecida uma tela branca que é o começo de tudo, ou um quarto escuro em que se acenda a luz para encontrar a personagem. Não importa. Tia Gladys nos oferecia não só a origem, mas a semente da criação e da possibilidade. Nunca poderemos lhe agradecer o bastante”. Prestes a completar 80 anos no dia 3 de julho de 1931, Gladys Mesquita Ribeiro nasceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, e vive atualmente em Embu das Artes, famoso município com vocação para o artesanato, no Estado de São Paulo.

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esde sua criação, em 22 de julho de 1935, e sua inserção no sistema radiofônico nacional, com transmissão simultânea em todas as emissoras de rádio, de Norte a Sul, de Leste a Oeste do País, A Voz do Brasil serve primordialmente para tornar público, de maneira abrangente e clara, o que pensam e o que fazem todos os agentes sociais e políticos que estão dentro ou fora do Governo, do Congresso Nacional e também do Judiciário. É um espaço democrático da política e da informação. Embora tenha como matriz geradora uma emissora pública, o uso desse espaço não é um privilégio de quem está no Governo. O mais importante é que o maior beneficiário desse espaço é o cidadão. Não o cidadão urbano. Não é o ricaço, endinheirado, que dispõe de outros meios para se manter informado. O maior beneficiário desse espaço democrático da informação é o cidadão comum, o homem do campo, da roça, da Vila dos Confins, de Mário Palmério, de Os Sertões, de Euclides da Cunha, de A Bagaceira e Boqueirão, de José Américo de Almeida, de Canaã, de Graça Aranha, de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, de Menino de Engenho e Bangüê, de José Lins do Rego, de O Mulo, de Darcy Ribeiro, e até mesmo de O Cortiço e O Mulato de Aluísio de Azevedo, do Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, e de O Quinze, de Rachel de Queirós. Esses homens comuns, simples, humildes, sofridos, e que ainda existem nos dias atuais, dependem do radinho de pilha para se manterem informados. Muitos deles não têm televisão e quando a têm em casa é para diversão da família. Ver um filme, acompanhar uma novela, com a mulher e os filhos. É através do radinho de pilha que essa legião de trabalhadores, que carrega o radinho a tiracolo, pendurado no pescoço, se insere na sociedade ou aldeia global, no mundo, e se sente, com imensa alegria ou imensa tristeza, parte desse mundo. O homem do campo é

sério e muito responsável, meticuloso à sua maneira e afeito à habitualidade. Ele sabe que das 19h às 20h A Voz do Brasil está no ar. Liga o radinho, sentado na varanda da casa, na porta do casebre ou debaixo da mangueira, do oitizeiro ou da jaqueira, para ouvir as novidades e as brigas de suas excelências por cargos e posições no Governo. Portanto, é muito oportuna a advertência feita pelo nosso Mário Augusto Jakobskind, quando diz, em artigo publicado no Jornal da ABI, que “querem sufocar A Voz do Brasil”. Não querem sufocar. Querem acabar mesmo. Varrer do mapa radiofônico um dos mais tradicionais programas noticiosos do rádio brasileiro, com uma abrangência e valores excepcionais, onde não há qualquer tipo de discriminação, nem de política partidária nem ideológica.

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or isso, é um crime que se pretende consumar com a tal da flexibilização do horário d’A Voz do Brasil. Essa tal de flexibilização, conforme chama a atenção esse Conselheiro da ABI, é muito grave, pois trata-se de criar obstáculos a um inalienável direito do povo, o de ser informado. Um outro problema grave é o do acompanhamento e fiscalização da transmissão do programa. Há várias questões a serem observadas, tanto econômicas quanto políticas, mas uma sobressai das demais que é a do horário de transmissão d’A Voz do Brasil. Com a flexibilização o horário de transmissão perderia a referência, ou seja, o cara que está trabalhando de sol a sol vai ouvir A Voz do Brasil como? Não tem como. É bem provável que o aspecto econômico tenha um peso específico nessa estripulia do Congresso Nacional, mas acredito que o peso maior seja o político. É sabido que no interior deste imenso Brasil o horário da matina, das 6h às 8h, e o noturno, das 18 às 20h, são sagrados para o homem do campo. No primeiro, ele está arribando pra roça, vai

amainar a terra, preparar o terreno e semear; no segundo, ele está chegando em casa, quando não estacionado na bodega do “Seu” Zé. Em qualquer hipótese, ele sempre ouve A Voz do Brasil.

É

importante frisar que, também é sabido, tanto na cidade quanto no interior, um considerável número de emissoras de rádio está na posse de vereadores, prefeitos, deputados, senadores e governadores. O próprio Senador José Sarney, hoje Presidente do Senado Federal, lembra em sua biografia autorizada, da jornalista Regina Echeverria, que quando no exercício do cargo de Presidente da República encarregou o então Ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães de negociar a concessão de emissoras de rádio com os políticos com mandato e foram distribuídas emissoras em todo o território nacional. E a esses políticos não interessa ver os seus adversários falando nas suas emissoras. Falar até pode, mas o problema é ser ouvido. Com a flexibilização, cada proprietário de rádio vai colocar no ar, se colocar, no horário mais conveniente para seu grupo político. Esta é uma questão. No Estado do Rio, por exemplo, é grande o número de políticos, dos grandes e dos menos graduados, que aparecem ligados ou com influência junto aos proprietários de emissoras de rádio, das quais se utilizam para autopromoção e promoção dos seus amigos e aliados. Nessas emissoras, os adversários não têm vez nem voz. O Conselheiro Mário Augusto Jakobskind sugere que a sociedade seja mobilizada para impedir a flexibilização do horário d’A Voz do Brasil. A sugestão é uma boa e deve começar pela sociedade organizada, os sindicatos de trabalhadores, rurais e urbanos, de todas as categorias. Pereira da Silva (Pereirinha) é membro do Conselho Deliberativo da ABI e Presidente da Comissão de Sindicância da Casa.

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DIVULGAÇÃO

NOVIDADE

A volta do radioteatro A Rádio Nacional e a Rádio Mec restabelecem um formato de programa que fez extraordinário sucesso nos anos 1940 e 1950 e nunca perdeu seu poder de encantamento. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES Uma das grandes atrações radiofônicas no Brasil entre as décadas de 1940 e 1950, o radioteatro voltou ao ar com a estréia em 25 de abril da série inédita Contos no Rádio, na Rádio Mec. O projeto faz parte das atividades do recém-criado Núcleo de Radiodramaturgia da Empresa Brasil de Comunicação-EBC, dirigido pela atriz Marília Martins. A série de programas – que também é transmitida pela Rádio Nacional – é uma adaptação, em linguagem contemporânea, de obras de alguns dos maiores autores da literatura brasileira, entre os quais Lima Barreto, João do Rio, Machado de Assis, Raul Pompéia e Mário de Andrade, e de autores estrangeiros, como o italiano Alberto Moravia. Os esquetes terão a duração de cerca de 30 minutos cada um. A idéia do projeto Contos no Rádio nasceu em 2008 e, segundo a diretora Marília Martins, era um desejo antigo de quem viveu, acompanhou ou conhece a História da radiodramaturgia no Brasil: “Na verdade, acho que todos os que fizeram radioteatro naquela época, como o Gerdal dos Santos e a Dayse Lúcidi, sempre mantiveram essa chama acesa. Na atual gestão da Superintendência de Rádio da EBC sempre houve esse movimento pela retomada pelo radioteatro. E agora, por meio de um convênio da EBC com a Sociedade de Amigos Ouvintes da Rádio Mec (Soarmec), a volta da radiodramaturgia se tornou uma realidade”, disse a diretora do programa. A equipe de Contos no Rádio é formada por um time de onze profissionais, que inclui um roteirista, dois sonoplastas, um operador de áudio e dois atores contratados exclusivamente para o núcleo, além dos que já atuam no elenco da Rádio Nacional, como Gerdal dos Santos, Dayse e Laio Jr. O projeto conta também com um núcleo de direção, produção e coordenação artística: “Temos convidado atores para fazer participações especiais, como a Aracy Cardoso, que já esteve aqui com a gente gravando um conto de Machado de Assis, e a atriz Tereza Amayo, além da parceria que estabelecemos as escolas de teatro para integrar novos atores ao nosso núcleo de produção. Por meio desse processo, já recebemos mais de 15 atores. Vejo a volta da radiodramaturgia como uma oportunidade para jovens atores”, afirma Marília Martins. Na estréia, Lima Barreto Até junho a série irá ao ar todas as segundas-feiras, às 20h, na Rádio Mec, e às quintas-feiras, às 10h, na Rádio Nacional. O programa será retransmitido também em todas as emissoras que fazem parte da rede radiofônica da EBC em várias regiões brasileiras.

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O primeiro conto a ir ao ar foi O Homem Que Sabia Javanês, de Lima Barreto. Depois serão apresentados três contos de João do Rio, conta Marília Martins: “Temos certeza de que os nossos ouvintes irão se deliciar com as histórias do Rio de Janeiro no início do século XX, na visão dos nossos melhores contistas. Em seguida, serão apresentados três textos de Machado de Assis, além de uma seleção de contos de Raul Pompéia. Nós estamos com um repertório de grandes autores e pretendemos trabalhar também com escritores estrangeiros.” Outra boa notícia sobre a série Contos no Rádio é que a produção acabou de conseguir os direitos da obra da Clarice Lispector para adaptação para o rádio. Essa será a novidade da segunda etapa do projeto. Informou Marilia Martins que já foram iniciadas as adaptações radiofônicas de alguns contos de Clarice Lispector, como Viagem a Petrópolis, A Língua do P e Ms. Algreen. Não há como comparar Mesmo com todas as dificuldades burocráticas enfrentadas por ser um órgão estatal, a Rádio Mec sempre foi fiel a sua característica de “protagonista e produtora de cultura”. A emissora foi criada com a missão de transmitir os programas musicais e educativos, e contava também com um elenco fixo de radioteatro. Grandes nomes da dramaturgia nacional saíram do cast da rádio, como Fernanda Montenegro, Edmundo Lys, Sadi Cabral, Sérgio Viotti, Magalhães Graça, Agnes Fontoura, Allan Lima e Ieda Oliveira, entre tantos outros. A partir de 1940, durante mais de duas décadas, incluída a chamada Era de Ouro do rádio brasileiro, foi a vez de a Nacional entreter seus ouvintes com uma programação variada, com novelas, programas de auditório, humor e musicais. Nesse período, a emissora se notabilizou também pela produção de noticiário, a exemplo do famoso Repórter Esso, e conquistou muitos ouvintes com as transmissões esportivas. Marília Martins considera que seria leviano fazer comparações qualitativas entre as produções do passado e a série Contos no Rádio, mas considera que a exploração das duas experiências permite alcançar os melhores resultados: “É uma questão interessante porque essa percepção vai-se construindo aos poucos, porque é um processo que se desenvolve simultaneamente. Ou seja, ao mesmo tempo que estamos produzindo os novos programas, consultamos os arquivos de programas que foram ao ar até a década de 70, como o teatro de mistério. Além disso, contamos com muitos relatos sobre a época de ouro do rádio”, diz a atriz e diretora.

A turma do radioteatro: Nely Coelho, Luiz Octávio Moraes, Laio Jr., Joice Marino, Gerdal dos Santos e Marília Martins resgatam uma antiga tradição radiofônica com a série Contos no Rádio.

A base de tudo: a palavra Marília Martins afirma que a essência é a mesma, ou seja, a palavra. E isso faz com que seja possível oferecer para o ouvinte momentos de entretenimento, reflexão, emoção, serviços e aspectos que o radioteatro sempre buscou oferecer: “O que há de diferente hoje em dia é justamente os artistas que estão envolvidos no momento presente. Então, o que dá uma identidade para o nosso trabalho, por meio dessa modernidade, é o próprio perfil desses artistas que estão atuando agora. E também uma busca de uma linguagem moderna no sentido da criação dos nossos roteiros radiofônicos, com um caráter muito forte de experimentação”, afirma. Ela destaca que a prosódia atual é diferente e toda a questão da projeção da voz. Outro detalhe se refere à formação dos atores que as escolas de teatro do Rio de Janeiro estão oferecendo: “Na essência são momentos diferentes, temos que tomar muito cuidado para não incorrer no erro de dizer que hoje o radioteatro é melhor. Vejamos o exemplo da novela. A que foi produzida na década de 50 se for comparada com a que está indo ao ar hoje em dia é totalmente diferente. O que era feito lá atrás era o melhor que se podia oferecer naquele momento.” Marília Martins não esconde que há preocupação com a qualidade do produto, e que todos os profissionais envolvidos com a produção de Contos no Rádio estão empenhados na contextualização das histórias: “Temos que contextualizar, porque precisamos marcar que o cenário das radionovelas era diferente, por isso a nossa preocupação com uma linguagem mais atual, aquela com a qual os artistas estão envolvidos no modo de produção contemporâneo, mas que não é excludente. Nós estamos trabalhando com o Gerdal dos Santos, que é um radioator de 81 anos, moderníssimo, que engrandece o

As primeiras adaptações de Contos no Rádio O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto A Amante Ideal, de João do Rio A Parada da Ilusão, de João do Rio O Homem de Cabeça de Papelão, de João do Rio Tílburi de Praça, de Raul Pompéia O Peru de Natal, de Mário de Andrade Dos Tratos de Amor, livremente inspirado em conto de Alberto Moravia D. Paula, de Machado de Assis A Carteira, de Machado de Assis O Espelho, de Machado de Assis Rádio MEC – Segundas-feiras, às 20h Rádio Nacional – Quintas-feiras, às 10h

nosso trabalho e nos ensina muito, com entusiasmo e generosidade.” “Um aprendizado fantástico” Um dos integrantes do elenco de Contos no Rádio é o ator Luiz Octavio Moraes, que disse estar tendo o privilégio de ter sido chamado para trabalhar na produção da nova série de radioteatro. Com uma trajetória ligada basicamente ao teatro, ele também já fez cinema e televisão, mas essa é a primeira vez em que participa de um projeto de radiodramaturgia: “Vejo essa experiência no rádio como única e que dá ao ator um aprendizado fantástico, com a possibilidade de trabalhar com estudos de textos de alta qualidade literária. É tudo novo para mim, pois no rádio nós trabalhamos somente com a voz dentro de um estúdio com um microfone à frente. O radioteatro exige muita concentração do ator, como em qualquer outro tipo de dramaturgia. Mas o ator tem que estar atento ao que está falando, pois nesse caso a voz é o único meio que levar o ouvinte a imaginar a cena.” Além de ator, Luiz Octavio Moraes é professor de teatro e acha que o rádio pode vir a contribuir muito com a formação de novos atores: “A radiodramaturgia exige muito estudo e cuidado do ator com a articulação das palavras e a interpretação. No Brasil o número de escolas de formação de atores é reduzido, são escassas as oportunidades para uma pessoa desenvolver um trabalho artístico de interpretação. Normalmente a pessoa faz um curso de teatro e já vira ator, e aí cai na vida para trabalhar e não estuda mais nada. Vive do improviso e do que consegue aprender com a experiência do dia-a-dia”, afirma Luiz Octavio, acrescentando que o trabalho no rádio proporciona ao ator qualificar o seu trabalho como um todo. Na opinião de Luiz Octavio Moraes o projeto Contos no Rádio, produzido pela Rádio Mec, deveria se multiplicar em outras emissoras, porque abriria mais espaços de trabalho para os atores, além de incentivar o surgimento de novos tipos de programas radiofônicos: “No momento, somente as Rádios Mec e Nacional estão investindo nisso, mas está lançada a chama para que as outras emissoras venham a aderir à idéia. Nos áureos tempos, todas as rádios tinham vários programas de novelas, folhetins, mistério, entre outros. Eu vejo que há chances de se voltar a utilizar o rádio para esse tipo de programação.” Um custo barato A produtora Nely Coelho não revela números, porque o projeto começou a ser pensado em 2008 e o custo de produção de Contos no Rádio foi alterado diversas vezes. Diz ela que é barato trabalhar com radioteatro, uma


RECONHECIMENTO

Uma fonte de descoberta de autores O radioteatro passou a fazer parte das programações das Rádios MEC e Nacional a partir da década de 1940. Esta última veiculava folhetins cubanos traduzidos e adaptados, além de seriados, até formar seu cast de autores, entre os quais Oduvaldo Viana, Dias Gomes, Janette Clair e Mário Lago. O sucesso alcançado pode ser avaliado pelos números da época: entre 1943 e 1945, foram transmitidas 116 novelas. A primeira produção de radiodramaturgia da Rádio MEC foi Radioteatro da Mocidade, em 1945, que tinha no elenco a atriz Fernanda Montenegro. Outro sucesso desse período foi o Reino da Alegria, produzido por Geni Marcondes. Houve ainda o programa Terra Brasileira, com Ieda Oliveira, Hamílton Santos, Magalhães Graça, entre outros, que transmitia histórias voltadas para o homem do campo. Novelas, seriados e os programas humorísticos foram os responsáveis pelos altos índices de audiência da Rádio Nacional. Nos anos 1930, duplas de humoristas como Alvarenga e Ranchinho e Jararaca e Ratinho destacavam-se na emissora “como legítima expressão do humor brasileiro”. Na década de 1950, durante muito tempo, o grande sucesso da radiodramaturgia foi o programa Balança, Mas Não Cai, criado por Max Nunes, cujo numeroso elenco contava com a famosa dupla formada por Paulo Gracindo e Brandão Filho, nos inesquecíveis papéis Primo Rico e Primo Pobre.

Justiça para o Padre Landell de Moura A Câmara Municipal de São Paulo impulsiona movimento que visa a reconhecê-lo como o inventor do rádio, com precedência sobre o italiano Guglielmo Marconi, que o mundo celebra como o autor da criação do brasileiro. POR CLÁUDIA S OUZA Inventor do rádio, patrono dos radioamadores, cientista pioneiro nas telecomunicações no mundo, o Padre Landell de Moura foi homenageado pela Câmara Municipal de São Paulo, em 17 de maio, com o título in memoriam de Cidadão Paulistano, que foi recebido por Zemo José Almeida de Moura, 82 anos, seu sobrinho-neto. A iniciativa, de autoria do Vereador Eliseu Gabriel (PSB), visa a fortalecer as ações pelo reconhecimento do Padre Landell de Moura como o inventor do rádio, corrigindo o erro histórico no ano em que se comemora o 150º aniversário do cientista. Outra iniciativa aconteceu em janeiro deste ano, quando a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos-ECT lançou um selo comemorativo dos 150 anos de Landell de Moura no mês em que ele faria aniversário. O Senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) apresentou projeto de lei que prevê a inclusão de Padre Landell de Moura no “Livro dos Heróis da Pátria”. Pioneirismo

O Padre Roberto Landell de Moura nasceu em Porto Alegre, em 21 de janeiro de 1861. Ele foi o primeiro cientista do mundo a transmitir a voz humana à distância sem o uso de fios, utilizando equipamentos construídos por ele e patenteados em março de 1901, no Brasil, sob o número 3279, no qual descreveu “um aparelho destinado à transmissão fonética à distância, com fio ou sem fio, através da terra, do espaço e do elemento aquoso”. As primeiras experiências de Landell de Moura foram feitas em 1892 e 1893, em Campinas e em São Paulo. Em 1899, o cientista transmitiu a voz humana a partir do Colégio das Irmãs de São José, no bairro Santana, Zona Norte da capital paulista. A primeira demonstração pública aconteceu em 3 de junho de 1900, na Avenida Paulista, em São Paulo, e foi noticiada pela imprensa. O italiano Guglielmo Marconi, notabilizado como o inventor do rádio, só realizou o feito no final de 1914. Marconi inventou o telégrafo sem fio, a transmissão de sinais em código Morse, e não o rádio.

O engenheiro e físico canadense Reginald Aubrey Fessenden conseguiu transmitir o som publicamente em dezembro de 1900, seis meses após o cientista brasileiro. Fessenden obteve patente de seu engenho em setembro de 1901, seis meses após a patente obtida por Landell de Moura. Mesmo tendo patenteado o invento no Brasil, Landell de Moura não obteve o reconhecimento. O jornal La Voz de España, editado em São Paulo, publicou matéria em 16 de dezembro de 1900 sobre o descaso das autoridades brasileiras em relação ao trabalho do cientista. O jornal norte-americano New York Herald noticiou em 12 de outubro de 1902, as experiências do brasileiro. Patentes nos EUA

Com sacrifício, Landell de Moura seguiu para os Estados Unidos, onde obteve três cartas patentes (transmissor de ondas, telefone sem fio e telégrafo sem fio) e se tornou pioneiro ao projetar aparelhos para a transmissão de imagens (tv) e textos (teletipo), na utilização das ondas curtas para aumentar a distância das comunicações e no uso da luz para o envio de mensagens, o princípio das fibras ópticas. Em 1905, três anos depois, o primeiro cientista brasileiro com registro internacional de invenção pioneira retornou ao Brasil e enviou uma carta ao então Presidente da República Rodrigues Alves pedindo apoio para demonstrar as descobertas. Além de ter o pedido negado, foi apon-

Documento da patente feita nos Estados Unidos por Landell de Moura de seu transmissor de ondas. À direita, esquema do mesmo aparelho.

REPRODUÇÃO

vez que todo o cenário se resume em um espaço com isolamento acústico, bons microfones e o grupo de atores. Há também o trabalho que é executado em computadores, como sonoplastia e edição: “Por exemplo, os sonoplastas nem se encontram, recebem tudo via computador. É um caminho muito mais rápido a um custo bem menor do que seria em qualquer outro meio. Se outras rádios quiserem abrir espaço para este tipo de programa é bom que saibam que não vai custar uma fortuna. Inclusive nem é muito diferente da produção de um programa musical. Dá mais trabalho, mas é viável financeiramente”, afirma Nely Coelho. Um aspecto interessante apontado por Nely foi a quantidade de gente que atendeu ao chamado da Rádio MEC interessada em trabalhar com radioteatro. Segundo Nely Coelho, os anúncios foram divulgados nas universidades que têm cursos de teatro, como UniRio e UFRJ, e em outras unidades acadêmicas, como Uerj e Uff, que tem um curso voltado para a formação de profissionais de rádio: “Nós tivemos essa percepção quando vimos o número de pessoas que se inscreveram para participar da oficina que estávamos oferecendo. Foi quando nos tocamos que há muita gente de novo interessada em radioteatro”, contou Nely com entusiasmo. As emissoras de rádio da EBC farão a transmissão de Contos no Rádio de acordo com este cronograma: a Nacional AM de Brasília e Nacional da Amazônia entram em rede e reprisam os Contos no Rádio, às terças-feiras, às 21h05; a Nacional AM e a FM do Alto Solimões, também às terças-feiras, 13h10 (hora local); a Rádio Nacional FM Brasília, aos domingos, a partir das 22h30.

Landell de Moura: Acusado de feitiçaria e sem apoio do Governo brasileiro.

tado como louco. Um grupo de fiéis da Igreja Católica destruiu seus equipamentos e o acusou de feitiçaria. Na trajetória religiosa, Landell de Moura foi cônego do Cabido Metropolitano de Porto Alegre; 17 de setembro de 1927 foi elevado pelo Vaticano a monsenhor e nomeado arcediago, seis meses antes de falecer aos 67 anos, em 30 de junho de 1928, com quadro de tuberculose, no Hospital da Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, no mais completo anonimato científico. “Herói Sem Glória”

Para marcar a relevância de Landell de Moura para o Brasil e o mundo, foi criado o Movimento Landell de Moura, que reúne pessoas de diferentes áreas. As atividades do grupo são divulgadas no site www.mlm. landelldemoura.qsl.br. O objetivo é coletar 1 milhão de assinaturas para que Landell seja reconhecido pelo Governo brasileiro como o precursor das telecomunicações. Um dos criadores do Movimento é o jornalista Hamilton Almeida, autor dos livros O Outro Lado das Telecomunicações: A Saga do Padre Landell (1983); Landell de Moura (1984); Pater und Wissenschaftler: Die Geschichte dês Paters Roberto Landell de Moura (2004); Padre Landell de Moura: Um Herói Sem Glória (2006).

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Vidas

Fotos como esta à esquerda, de Chris Hondros, feita no Iraque, e à direita e embaixo de Tim Hetherington, ambas feitas no Afeganistão, estão na galeria das melhores imagens do World Press Photo.

Morrem dois fotógrafos no front da Líbia O britânico Tim Hetherington concorreu ao Oscar de Melhor Documentário por seu trabalho no Afeganistão. O norte-americano Chris Hondros era detentor da Medalha de Ouro Robert Capa por fotografias de guerra. POR P AULO C HICO A cobertura de guerras segue fazendo vítimas fatais entre profissionais de imprensa. O cineasta e fotógrafo britânico Tim Hetherington morreu no dia 20 de abril na cidade líbia de Misrata, terceira maior cidade do país, atacada por tropas do Governo. O norte-americano Chris Hondros também foi morto na mesma operação. Ele estava trabalhando para a agência Getty Images e seus prêmios anteriores incluem a Medalha de Ouro Robert Capa por fotografias de guerra. Outros dois fotógrafos que faziam parte do grupo ficaram feridos, informou a imprensa americana. Especula-se que um ataque de morteiro realizado pelas tropas de Muamar Kadafi, ditador líbio, tenha causado a morte dos profissionais . O conflito na Líbia começou com uma revolta contra o Governo de Muamar Kadafi, no poder há 42 anos, e se transformou numa batalha por território. Acredita-se que Hetherington e Hondros estivessem num grupo de jornalistas que se retirava do front de batalha quando foram atingidos. A família de Hetherington diz que ele foi morto por uma granada atirada por um propulsor. No dia anterior à sua morte, o próprio Tim publicou a seguinte mensagem em sua página no microblog Twitter: “Estou encurralado na cidade líbia de Misrata. As tropas de Kadafi atiram indiscriminadamente. Nenhum sinal da Otan”. Brasileiro André Liohn viu O jornal The New York Times e a emissora ABC citaram como fonte de suas informações os relatos de outros jornalistas que acompanhavam Hetherington na zona de conflito. De acordo com os sites de ambos os veículos, o fotojornalista brasileiro André Liohn, que estava com Hetherington cobrindo os conflitos em Misrata, confirmou a morte do britânico via Facebook. No entanto, a 30

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página em que o brasileiro teria falado sobre a morte foi apagada. “Tim morreu cerca de duas horas atrás”, confirmou também Peter N. Bouckaert, da Human Rights Watch, em Genebra, um amigo do cineasta e fotógrafo, confirmando os nomes dos outros dois jornalistas atingidos no mesmo ataque: o fotógrafo Guy Martin, da Agência Panos, que está em estado muito grave, e um freelancer, Michael Brown, levemente ferido. Nascido no Reino Unido, Hetherington, de 41 anos, estava baseado em Brooklyn, tinha dupla cidadania britânica e americana, e era mais conhecido por trabalhar no Afeganistão. Em 2007, ganhou o cobiçado World Press Photo of the Year Award pela sua cobertura de soldados americanos no Vale do Korengal, um dos três prêmios World Press que ele recebeu. Essas atribuições no Afeganistão serviram como base para o filme

Restrepo, que ele dirigiu com Sebastian Junger, autor de A Tempestade Perfeita. Um bravo e amigo Hetherington era reconhecido e respeitado por seus colegas pela sua bravura e camaradagem. A abordagem artística nos assuntos fotojornalísticos levouo a receber muitas honrarias, incluindo uma bolsa da Fundação Nacional de Ciência, Tecnologia e Artes, bem como uma doação da Fundação Hasselbald. Em sua carreira, lançou outros dois filmes, Libéria: Uma Guerra Não Civil (2004) e The Devil Came on Horseback (2007). Restrepo, o filme, documenta um ano em uma base de guerra no Afeganistão, considerada o ‘lugar mais mortal do mundo’ e batizada de Restrepo em homenagem ao médico do pelotão, Juan Sebastián Restrepo, morto em combate. A obra teve grande repercussão internacional. O documentário foi premiado no Festival

de Sundance e recebeu uma indicação ao Oscar 2011, na categoria Melhor Documentário. É uma obra cinematográfica puramente empírica: as câmeras nunca saem do vale e não há entrevistas com generais ou diplomatas. O único objetivo do filme é fazer o público sentir que participou de uma mobilização militar durante seus 90 minutos de duração. Hetherington produzia material também para a revista norte-americana Vanity Fair. A Casa Branca lamentou a morte dos profissionais e pediu que a Líbia proteja os jornalistas que cobrem o conflito. O porta-voz do Presidente Barack Obama declarou-se triste pela notícia e muito preocupado com a situação dos outros jornalistas feridos. “Os jornalistas de todo o planeta arriscam suas vidas a cada dia para nos manterem informados, pedir responsabilidades aos líderes mundiais e dar voz àqueles que de outra forma jamais seri-


Oséas, o reformador de publicações Um dos mais destacados jornalistas do Brasil nos deixou neste mês de maio: no dia 17 morreu de enfisema pulmonar, aos 71 anos, o jornalista Oséas Martinho de Carvalho, que trabalhou na imprensa de Minas Gerais, seu Estado, e do Rio de Janeiro e reformou publicações em vários Estados do País. Ele era sócio da ABI, na qual ingressou em 27 de junho de 1978. Oséas de Carvalho nasceu no Município mineiro de João Monlevade e teve uma longa e fecunda trajetória profissional, que começou no semaná-

Acima, cena do documentário Restrepo, de Tim Hetherington e Sebastian Junger. Embaixo, o poster do filme.

rio Binômio, de José Maria Rabelo e Euro Arantes, lançado em 17 de fevereiro de 1952. O jornal foi fechado pela ditadura militar após o golpe de 1º de abril de 1964, violência que obrigou o jornalista a se mudar para o Rio de Janeiro. No Rio, Oséas trabalhou na Última Hora como uma das pessoas de confiança do fundador do jornal, Samuel Wainer. Nos anos 70 e 80, trabalhou em vários Estados promovendo a reforma gráfica e editorial em diários como A Crítica, de Manaus, O Liberal, de Belém,

e O Fluminense, de Niterói (RJ), entre outros. Foi editor do jornal Opinião, de Fernando Gasparian, durante cerca de quatro anos, e trabalhou também no Jornal do Brasil. Ao tomar conhecimento da morte de Oséas de Carvalho, o comentarista político da Rádio BandNews de Belo Horizonte, Luiz Carlos Bernardes, disse que Oséas era uma figura humana e um profissional “do primeiríssimo time do jornalismo”, e acrescentou que a sua morte “significa uma grande perda para a imprensa e para os amigos”.

O guerreiro que embelezava os jornais Ele deixou sua marca na imprensa de Minas, Rio de Janeiro e de vários Estados do País. POR PINHEIRO JÚNIOR

am escutados. O Governo líbio e todos os governos do mundo devem tomar medidas para proteger os jornalistas em seu trabalho vital”, disse Jay Carney em um comunicado. Um cinegrafista da Al Jazira, Ali Hassan Al Jaber, já havia sido morto e um outro jornalista da rede de televisão ficado ferido no dia 12 de março em uma emboscada perto a Benghazi, bastião da oposição no leste da Líbia. Ferido, caminhou 4 horas Hetherington também ficou famoso por produzir material para a rede ABC News justamente sobre os conflitos no Afeganistão. James Goldston, um dos executivos da emissora, apontou-o como “um dos mais corajosos fotógrafos e cineastas” que já conheceu. “Durante um dia de filmagem, ele teve uma fratura séria na perna durante um ataque a uma base de operações isolada. Mesmo ferido, teve força e ânimo para caminhar por quatro horas durante a noite com o tornozelo estilhaçado sem reclamar, debaixo de fogo cruzado, para que todo o grupo chegasse a um lugar seguro”, lembrou Goldston.

Oséas Carvalho foi possivelmente o maior embelezador de jornais do Brasil. Não um simples maquiador. Pois não imprimia apenas nova dimensão visual e cromática às primeiras páginas. Ele e sua entusiasta equipe iam fundo na reestruturação e na arquitetura do miolo, redesenhando e refundindo conteúdos, titulagens e até formatos editoriais das publicações. Criava também suplementos revolucionários. Redimensionava com romantismo as páginas e os cadernos esportivos e de lazer diário. O Dr. Alberto Torres, então Presidente de O Fluminense, que o teve na Redação de Niterói – levado pela mão sapiente de Gilson Monteiro –, venerava-o como o recriador e modernizador de seu jornal. Achava porém que Oséas Carvalho tinha mais do que o dom jornalístico da beleza gráfica inimitável: “Oséas, você tem o mais bonito sorriso do Brasil” — dizia o Dr. Alberto Torres. E completava com a jocosa e sincera autoridade de deputado à Assembléia Legislativa do antigo Estado do Rio e à Câmara dos Deputados: “Com o seu sorriso, Oséas, me elegeria senador e até presidente da República.” Como bom mineiro de Monlevade, Oséas Carvalho amava a vida com mansidão. Mas era um escorpiano de estética hiperativa e opiniática, sempre debatendo de política a futebol e literatura ou arquitetura, ele que era um fanático do Galo e do Botafogo e se impressionara tanto com Carlos Castañeda quanto com Rubem Braga, aliás companheiro de Redação na velha Última Hora e por ele convocado a inovar as páginas de O Fluminense, dando o último emprego ao velho Braga como cronista. Do misterioso e surre-

alista colombiano Castañeda lembrava um ensinamento de Don Juan mais como piada de bom/mau gosto: “O homem deve viver como um guerreiro que tem sempre a morte caminhando ao seu lado direito, à distância de um braço. De vez em quando precisa acariciar a cabeça da morte como quem acarinha a cabeça de um cão fiel...” Pois esse guerreiro chamado Oséas Carvalho rendeu-se ao cão fiel no fim da manhã da última terça-feira no leito de um hospital em Belo Horizonte depois de uma longa escaramuça transformada em guerra contra uma insidiosa agressão pulmonar. Ao ser velado, vestia a camisa do Botafogo e tinha sobre o caixão a bandeira do Atlético Mineiro. Abraçados a ele, os filhos Joana e João. Foi incinerado após silenciosa celebração numa capela mortuária da Avenida Afonso Pena, Centro de Belo Horizonte, a cidade de sua juventude. E de suas iniciações políticas, que incluíram batalhas pela liberdade e contra a ditadura militar. Foi em BH que ele começou sua militância no Binômio, semanário dirigido pelo lendário José Maria Rabelo. E que se celebrizou por enfrentar um general empastelador de jornais chamado Punaro Bley. Foi em BH que Oséas Carvalho incorporou-se à Redação do Diário de Minas. Depois ingressou na edição mineira de UH, sendo chamado por Samuel Wainer para enriquecer a nacional Última Hora do Rio/São Paulo/ Brasília/Curitiba, PortoAlegre/Recife/ Niterói. Com o massacre militar de UH, Oséas Carvalho refugiou-se no O Jornal dos Diários Associados, ingressando com outros companheiros sobreviventes de UH numa Redação dirigida por Manoel Gomes Maranhão.

Mas O Jornal também virou alvo da ditadura. E em seguida Oséas Carvalho entraria no semiclandestino Opinião. Por fim iria ajudar na edição secreta da Voz Operária, que, no entanto, cutucava a ditadura sanguinolenta com vara curta e a Voz acabou sendo silenciada pelo monstro que perseguia, torturava e matava jornalistas. Mas, como mineiro bom sabe se esconder no meio da multidão, Oséas Carvalho escapou para ver a vitória da democracia, voltando a recriar mais jornais. Jornais do quilate do Diário de Notícias, Jornal dos Sports, A Crítica de Manaus e O Povo, de Brasília. Fundou depois a revista Brasil Mais, reunindo os maiores nomes da inteligência nacional, sem distinção de credo, com artigos de Oscar Niemeyer e Delfim Neto, Darcy Ribeiro, Luis Fernando Veríssimo e Antônio Ermírio de Moraes. Por último manteve por longo período o site TemNotícias, levando à web uma plêiade de cronistas e ensaístas. Como disse seu colaborador Continentino Porto, Oséas Carvalho não sabe descansar: “Ele foi fazer jornal em outra dimensão”. O diretor da Mondrian, Jorge Sávio, editor do Brasil Mais, lembra que “a memória de suas idéias fabulosas será sempre um guia para nós”: “Oséas é imortal. Passarei para meus filhos e meus netos o compromisso de referirmo-nos a ele através de obras como o Brasil Mais. Suas idéias fabulosas serão sempre um guia para nós. Ele é imortal.” E Victor Cavagnari, o último dos copidesques de UH, completa: “O inelutável e o imprevisto não suprimem a dor”. Jose Alves Pinheiro Junior é Conselheiro da ABI, autor de livros sobre jornalismo, como Mefibosete, Bombom Ladrão e Última Hora (como ela era). Foi companheiro de Oséas Carvalho em diversas Redações.

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