Nervos #1

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JUNHO2011 CAPA RITA TRINDADE

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A Nervos é uma revista de música portuguesa, nova, velha ou extinta. Sem compromissos de novidade, até porque só sai uma vez por mês.

JUNHO2011 TEXTOS GONÇALO TRINDADE RAQUEL SILVA FOTOGRAFIA & DESIGN LENHA CAPA RITA TRINDADE APOIOS

LENHA

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#MSHxC conteúdos

A margem Sul, mais do que de cornos com Lisboa, é obrigada muitas vezes a levar uma vida que a capital não aguenta. Algumas das bandas de maior renome no hardcore nacional têm lá uma costela, caso dos Hills Have Eyes ou dos More Than a Thousand, que se viram nascer em Setúbal, cidade onde se vieram a formar muitas e boas bandas, não só no hardcore. Muitas delas já decidiram um fim, mas deixaram um legado de peso. É a estes nichos que cabe manter viva uma região, e criar um motivo para falar.

Tanto em Cacilhas, como em Almada, as salas aturam o barulho a níveis inversamente proporcionais à sua preparação, e chamam de Lisboa quem já não aguenta o pop e o rock. O Sul também é pai dos Porn Sheep Hospital, dos Red Smoking Indians, dos Moe’s Implosion, dos Lydia’s Sleep, dos Ella Palmer e de muitas outras bandas, a quem dedicamos esta primeira edição da Nervos.

ÁRVORE DA VIDA PORN SHEEP HOSPITAL ENTREVISTA JOÃO MIGUEL FERNANDES LYDIA’S SLEEP CENAS QUE POUCA GENTE VÊ NOITE RUIDOSA


ร RVORE DA VIDA: Porque hรก pessoal com mais que uma banda.

PORN SHEEP HOSPITAL.


Os Porn Sheep Hospital são, para mim, uma das melhores bandas da zona centro-sul. Setúbal viu-os ser criados e viu-os morrer aos poucos. Era um math-rock do antigamente, mesmo delineado a caneta, que gradualmente se foi quase deixando envolver pela alcunha da zona - Margem Sul Hardcore -, mais através dos gritos do Chico que do instrumental em si. Olhando para eles, ninguém diria. De momento, ninguém está sem fazer nada, mas nada puxa a atitude dos Porn Sheep Hospital. Ficou por cá o Missingno, um bocado abandonado para que o mundo o descobrisse, e cada um seguiu a sua vida. Foi um final triste, mas há que lhes perceber as razões, apesar de nunca deixar de custar a quem os foi acompanhando da maneira possível. Quanto a mim, conheci-os aos poucos e de maneira pouco musical. Eu e o Chico partilhámos um abraço grátis antes de Bloc Party, amarinhei incompetentemente o Tiago na faculdade, fiz amigos em comum com o Rui e o Bernas (que saiu a meio), e só o GD (na foto) é que conheci nos concertos. Vê-los ao vivo era irremediavelmente divertido, nunca foi uma banda que não apetecesse ver, mas acontecia muitas vezes não poder, essencialmente porque Lisboa não é gentil para este tipo de bandas, e Setúbal não é gentil para comigo. Deixam pouca coisa gravada, mas deixam-se muito gravados no coração. Que nunca descansem. RS


ENTREVISTA

“Sou Qua João Miguel Fernandes é daquelas pessoas com quem dificilmente não se simpatiza, e que ainda mais dificilmente não se respeita. Vive em Setúbal, dirige o Ecos – Movimento Cultural Setubalense, e é responsável por alguns dos mais memoráveis concertos alguma vez organizados na cidade. Quem precisa de promotoras, quando se tem gente assim? “A primeira banda de Setúbal que descobri e que realmente me entusiasmou? Os More Than a Thousand, sem dúvida... em para aí 2006, quando comecei a ir a concertos em Setúbal”. Não começou antes porque “as pessoas com quem me dava não eram muito de ir a concertos, e por isso acabava por nem saber deles. Mas depois como conheci pessoal que gostava de ir a esses concertos, comecei a ir. Antes nem se conheciam as bandas de Setúbal, não se publicitava nada. Nos últimos quatro anos houve um boom”. O bichinho apareceu, foi crescendo, e agora é um dinossauro. “Acho que comecei a querer organizar concertos mais ou menos em 2009, quando fundei o Ecos, porque... oh pá, porque foi quando comecei a conhecer mais as bandas a nível pessoal e a ver o quanto trabalhavam para conseguirem dar um concerto só com vinte ou trinta pessoas e o quanto ficavam contentes com isso. Achei que havia valor nisso, e depois algumas bandas

JOÃO MIGU FERNANDE convidaram-me. E eram bandas com boas ideias, iam no bom caminho, mas precisavam de alguma ajuda, algum apoio, porque havia pouco; principalmente em Setúbal”. Foi assim que tudo começou, e agora é o que é.

O Ecos é a organização de João que trata disto, dos concertos que vão surgindo. Há um concerto de Mothership? Provavelmente foi ele que organizou. Um dos Blame the Skies? Também é capaz de ter sido ele. Encarrega-se de lançar bandas que acha que merecem ser lançadas. “O Ecos surgiu apenas porque eu e mais uns amigos achávamos que Setúbal tinha imenso por onde pegar a nível artístico e cultural, mas pouca gente apoiava isso. E o Ecos foi uma tentativa de apoiar esses projectos mais pequenos que, se calhar, não têm hipótese de crescer sozinhos”. Porquê? “Porque não há muita gente a organizar eventos em Setúbal, e logo a partir daí ou são eles próprios a fazer, o que se pode tornar complicado ou porque não têm contactos

ou porque têm demasiada coisa para gerir...”. E há, claro, a oportunidade de aproveitar sítios que merecem ser aproveitados. “Eu andava na altura na esgrima, no Clube Setubalense, e o presidente do clube andava-me sempre a chatear, a dizer que se devia fazer lá um evento e assim. E nós pensámos que... bem, já aqui temos uma sala, se calhar agora começamos a fazer coisinhas pequenas, acústicas, e vamos fazendo algumas coisas com alguns artistas. Depois começámos a estruturar melhor tudo, a tornar o projecto maior para podermos chegar também a outras salas, a trabalhar com mais bandas, técnicos de som... Começou aí, com o Clube Setubalense”. Estar do outro lado, a organizar, é algo que lhe dá uma grande satisfação. “Era o gajo que ia a concertos, que olhava para o palco e pensava que um dia fazer uma coisa daquelas. E por isso quando consegui organizar mesmo um concerto, foi um grande sentimento de alegria. O primeiro que organizei foi do


u um gajo que funciona por entusiasmo. anto maior o desafio, mais me entusiasmo�

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Azevedo Silva, e foi o meu favorito até agora”. Lançou ainda a Setúbal Mixtape, com o objectivo de “divulgar bandas de Setúbal que não fossem assim tão conhecidas e dar-lhes uma ajuda nisso. Excluí logo bandas como os The Doups ou More Than a Thousand, e tentei pegar em bandas que só meia dúzia de pessoas conhecesse fora de Setúbal. Mas com algum critério, não queria bandas que fossem completamente amadoras”. Lydia’s Sleep, Blame the Skies, Mothership, Glaswgow Murder, Red Smoking Indians, Porn Sheep Hospital e Gone in a Day. Bandas que agora estão em processo de crescimento (tirando os Porn Sheep Hospital que, infelizmente, chegaram ao fim). Está agora a trabalhar noutra, que será de música electrónica, Djs. “Há imensa gente que gosta deste género, e acho que seria interessante e uma boa forma de mostrar o que se faz por cá dentro deste género”. João estuda agora em Lisboa, na Faculdade de Letras, tendo eu a sorte de o poder chamar de colega (e amigo). Pode, portanto, viver o máximo de ambas as comunidades de música. Se a comunidade de Setúbal é mais unida que a de Lisboa? “Não é bem assim... Para aí nos inícios de 2000 surgiu a Secret Society of Friends, em Setúbal, que eram cinco bandas: os Ella Palmer, os Banshee and Something Else We Can’t Remember, os More Than a Thousand, os Hills Have Eyes e os One Hundred Steps. Eram cinco bandas que tocavam sempre juntas, e aí sim, era um núcleo muito unido, e não havia rivalidade entre as bandas. Ficaram as quatro conhecidas por Lisboa, até pelo país, e quando tiveram de sair de Setúbal avan-

çar para o resto do país começaram a crescer outras bandas, e agora em Setúbal todas as semanas o núcleo já não é tão unido. E hoje em dia há rivalidades. São estúpidas, mas existem”. A comunidade ainda é forte, claro... demasiado, até. “Em Setúbal há um problema: os concertos só enchem se forem bandas de lá. Há muito aquela cena da amizade, as bandas vão muito por aí. Como são bandas de Setúbal a tocar lá, os amigos vão, mais os fãs, mais os que viram uma vez e gostaram... Se eu puser lá uma banda de Lisboa sem uma de Setúbal a abrir, só lá chegam vinte pessoas ou assim”. Ainda assim, agora as coisas estão um pouco mais fáceis porque “agora há o hábito dos concertos, e antes não. Na altura da Secret So-

ciety of Friends não havia essa onda de bandas underground, e o boom veio mesmo com os More Than a Thousand, os Ella Palmer, e afins. Ajudaram a geração de agora, e se essas bandas agora têm público é por causa deles”. João faz o que faz pelas bandas que merecem ser divulgadas e não o são. A organização foi crescendo, e “com o Ecos a Câmara passou a ajudar e a ver que aquelas bandas eram boas para a cidade. Hoje em dia já há algum apoio”. A música não é feita só por músicos: é feita também por gente assim, que os ajudam a levar ao mundo. João faz isso, certificando-se de que as bandas que adora têm um sítio onde tocar. É o


que elas também querem, afinal de contas. “No geral, o dinheiro é secundário. Querem tocar, e depois recebem seja o que for. Mas nem todas, claro”. E não tem sequer problema em dizer qual a banda com que mais gosta de trabalhar. “Os Blame the Skies são com quem mais gosto de trabalhar. São muito, muito humildes, e facilitam sempre tudo, mesmo tendo já uma certa dimensão que podia dificultar as coisas. São mesmo uma das coisas que me dá força para continuar nisto”. Já foram várias as situações complicadas, mas João não se queixa. “Sou um gajo que funciona por entusiasmo. Quanto maior o desafio, mais me entusiasmo”. Tem projectos planeados para Lisboa, alguns para o próximo

ano e um para o final deste, e diz que encara isto “como uma escola. Estou aqui há dois anos, mas quero ganhar mais experiência, arranjar mais contactos…”. Entretanto, vai trabalhando por Setúbal, lançando as bandas que acha que merecem ser lançadas. “Estou atento e tudo. Mal sai uma banda, oiço logo. Estou sempre em cima disso”. Diz que a coisa que mais gosta de fazer é entrevistas, a segunda é organizar concertos, e a terceira é escrever (é colaborador do Arte-Factos). Actualmente, o Ecos “sou eu e a minha namorada. Há mais gente envolvida, mas a organizar sou eu e ela. É como isto está agora a funcionar”. Equipa pequena, mas que faz muito.

Conta histórias, fala das bandas como quem fala de amigos, e sabe de trás para a frente toda a história do panorama actual de Setúbal… o qual ajudou a criar. João Miguel Fernandes é um exemplo vivo do quão importante pode ser um amante de música empenhado e decidido, e das consequências que pode vir a trazer ao crescimento das bandas que adora. Quem precisa de promotoras, com gente assim? Tal como já aqui foi dito, a música não são só os músicos que a fazem. Há outros que a fazem, sem instrumentos nem pautas. João é um desses. Que nunca pare de tocar. GT


ENTREVISTA

O Zé é o que parece mais sério, mas é quem a certa altura diz que nos próximos concertos “Vamos tocar nús”; o Diogo (Sousa) anda a trautear a Rano Pano, dos Mogwai, e a dizer que não lhe sai da cabeça; o Gonçalo Duarte fez parte dos Porn Sheep

Hospital e, se não é o mais velho, parece sê-lo; o Luís senta-se no braço da cadeira, e quando pergunto se são todos de Setúbal e dizem que não, ele levanta a mão e com um sorriso tímido diz que é de Lisboa; o Diogo (Mateus) é simpático e calado, passa a maior parte da conversa atento ao que os outros dizem. São novos, fazem um post-rock “que começa a tornar-se cada vez mais diferente daquele que fazem os Mogwai ou os Explosions in the Sky”, segundo Zé, são (quase todos) de Setúbal, e são os Lydia’s Sleep. Venceram um concurso de bandas em Setúbal (e recentemente mais um nas Caldas da Rainha), e apanhámo-los na sua estreia em Lisboa, no Bacalhoeiro, na abertura dos Sugartown Cabaret. “Parece que não vão fazer

L

Tocamos todos o adaptados ao no

soundcheck, dizem que não vale a pena por a sala ser pequena”, diz Diogo Sousa enquanto transporta o material. “Mas deviam, pá”, responde Zé “é sempre diferente, convém sempre fazer”. Decisão sábia. Acabariam por tratar do som pouco antes do concerto, devido à entrevista, mas ainda assim fizeram-no. É um bicho de sete cabeças conseguir reunir o quinteto todo no mesmo sítio, sentados e prontos a responder calmamente a perguntas. Quando pergunto quem é que me faz um pequeno resumo da história da banda, gritam logo “O Zé!”, mas o Zé grita “O Diogo!”, em minoria. Apresenta-


LYDIA’S SLEEP

os estilos de música osso estilo, é isso

tocar guitarra connosco. Sabíamos que os Porn Sheep Hospital estavam a acabar, e como somos mauzinhos fomos buscá-lo. Ainda não ensaiámos muito os cinco, mas ensaiámos o suficiente”. Já estiveram quase todos em outras bandas, e isso ajuda. “A banda onde estive antes era completamente diferente, falo por mim”, conta Luís. “Acho que cada um traz um pouco a experiência que teve antes, e o que aprendeu nisso”, diz Diogo M.

-os então, contando como tudo começou com os Chaos Led to Quiet. “Foi muito giro, aprendemos muito… ok, afinal não aprendemos nada. Estivemos imenso tempo só eu e o Diogo a tocar, sem baixista nem bateria, e a banda era para ter acabado. Convidámos o Diogo S. para tocar connosco num concerto, antes de eu ir estudar para fora da cidade, e ele gostou imenso. Ficou connosco e é o nosso actual baterista… e pronto, por causa do Diogo a banda não acabou” diz, perante o riso de todos. Sousa é o mais novo e, talvez, o mais impressionante membro da banda. Vê-lo na bateria é assustador. ”Continuámos os três por mais um ano e meio, demos alguns concertos por Setúbal, e só dois fora da cidade”continua Zé. “Depois conheci o Luís e… quer dizer, eu já o conhecia, mas conheci-o melhor. Disse-lhe “Vem tocar baixo connosco!” e ele “Claro!”. Depois começámos a gravar o nosso EP, que já devia ter saído há um mês ou meio ano, e convidámos o GD para

“A maioria das estruturas das canções é o Zé que cria”, segundo o Luís, mas “isso era mais quando éramos só três”, esclarecem. “Acho que agora tocamos muito em conjunto, e nota-se à medida que vamos tocando que vamos ganhando um estilo próprio. Não nos colamos ao post-rock clássico, e isso vem também do que cada um de nós ouve”. Aliás, quando lhes pergunto se acham que a banda é realmente post-rock, respondem que “Já foi mais, já foi mais”, apesar de se confessarem ainda debaixo das saias do estilo. “Mas tentamos misturar tudo o que faz sentido. Basicamente, tocamos todos os estilos de música adaptados ao nosso estilo, é isso”, diz Zé. “É um bocado difícil rotular uma banda hoje em dia”. Gonçalo ri-se e diz que “há algumas que é muito fácil”, ao que se clarifica “mas as que entram mais pelo noise, pelo experimental… essas já são mais difíceis”. Gonçalo acena. O EP já está gravado, e vai estar disponível digitalmente (“Mas quem quiser comprar pode comprar!”, acrescenta Luís). Na altura disseram-nos que o iam buscar no fim-de-semana, ainda esperamos.

Estão todos dentro da cena musical de Setúbal, até porque “é uma cidade pequena, toda a gente se conhece”, diz Gonçalo. “Há muita entreajuda, algumas bandas tocam no mesmo bar ou partilham garagem umas com as outras”. O que querem agora é, claro, tocar. “Queremos ir tocar à América, a Bangladesh... a todo o lado!”, mas tocar no Porto está o horizonte de intenções mais realista. Quem os apanhar agora ao vivo verá em palco um quinteto jovem mas com talento, ainda com muitas arestas por limar (“Ainda temos de tocar mais juntos, dar mais concertos, só assim é que se aprende”, como bem diz Gonçalo), mas com uma energia notável e um estilo que, realmente, se afasta um pouco do clássico (veja-se a forma como usam a voz, por exemplo, “nos momentos em que ninguém espera que ela apareça”, como nos avisou o Zé). São bons músicos, deram em Lisboa um bom concerto, e tudo aquilo que lhes falta só o tempo e a experiência podem dar. Por agora, no entanto, fica uma garantia: os Lydia’s Sleep são uma grande promessa, e com tempo poderão chegar onde bem quiserem. Agora que venha o EP, e mais concertos com ou sem roupa. GT


colour is a common mistake

porn sheep hospital

hills have eyes

demo

missingno

black book

Quando se assume uma Demo como sendo isso mesmo, não há que dar culpa do estado das coisas a mais ninguém senão a quem decide pegar nela para fazer uma review. Neste caso, a culpa é toda nossa.

MissingNo é um álbum de despedida. O fim da banda foi anunciado muito pouco tempo depois de terem sido lançados estes 4 temas repletos de poderio e disciplina.

Não se deixe enganar quem pensa que a bagagem dos Hills Have Eyes é leve. Apesar do só estar editado o EP All Doves Are Dead e este Black Book, está já a sair o seu sucessor. Por isso, enquanto não o podemos ouvir, decidi-mos re-ouvir este. O peso da sua bagagem transparece em concerto essencialmente, mas é o Black Book quem sustenta a velocidade e energia que os setubalenses exibem naturalmente ao vivo.

Sabemos que não é um álbum, que as músicas não estão trabalhadas até às suas profundezas, mas desculpamos todas as imperfeições por sabermos que foi gravado no quarto dele, e que há outros projectos a roubarem-lhe dedicação, além de ter mais aspecto de uma sessão de improviso, e de um suporte para registo de ideias que outra coisa. A voz em “Dirty Leaves” é demasiado tímida e a coordenação de todos os sons em “Hearts on Time” está em estado prematuro. Não deixamos, no entanto, de reconhecer potencial debaixo desta demo solitária a que poucos parecem ter chegado, porque ser inocente também é de louvar.

Além deste registo, deixam para trás um EP e concertos demasiado energéticos. As guitarras bem encaixadas e o baixo pouco exibicionista, que se limita a ser rede de suporte a tudo, faz de “The Grand Finale”, 7 minutos literais de uma despedida triste de uma das bandas mais bonitas da margem sul, que davam uso ora às vozes metaleiras, ora aos gritos indie tornando MissingNo num misto de guerra e paz matemática. O álbum está disponível no bandcamp, não para quem quiser ouvir, mas para quem não estiver incapacitado do sistema auditivo (e para todos vocês, surdos, metam as mãos nas colunas e sintam isto).

Por entre as vozes que oscilam entre o hardcore e que caem eventualmente na acalmia em alguns refrões, como na “21.12.2012”, ouve-se uma bateria pujante e guitarradas bem arranhadas. Todo o álbum parece dedicado aos amigos, “Hey Hater!” em particular, é quase um hino de respeito entre géneros. “Heart Hit” toma-se como abastecimento, é uma balada não muito vista em álbuns dentro do estilo, mas que encaixa na lista que resta, e quase que divide o álbum ao meio, sem nunca o separar. Dos nomes da outra margem a ter mais em conta e a manter debaixo de olho.

REOUVIR


x-wife

dopo

infectious affectional

blue lands

sean riley & the slowriders it’s been a long night

Disseram que o novo disco seria mais dançável, e não estavam a brincar. Infectious Affectional, o quinto registo dos X-Wife (uma das maiores bandas nacionais actualmente, ponto), mantém um prodígio técnico que se tem vindo a desenvolver logo desde o primeiro EP e que atingiu o seu auge no grande Are You Ready For The Blackout?, mas agora num registo não tão soturno, negro e rock, com a banda a debruçar-se neste novo disco em canções mais energéticas e dançáveis. A evolução continua: João Vieira impressiona pelos seus dotes vocais logo na primeira faixa, a excelente “I Live Abroad”, e a sua guitarra encaixa na perfeição em cada faixa; Rui Maia está cada vez melhor nos sintetizadores, algo que se pode ver, por exemplo, logo no single “Keep On Dancing”. Mas o destaque tem de ir para Fernando Sousa, que assina aqui as melhores linhas de baixo alguma vez saídas dum disco dos X-Wife, e das melhores ouvidas durante todo o ano até agora. O baixo é, de facto, o instrumento em destaque neste Infections Affectional, sempre forte e energético, sempre a comandar cada canção. Mais um passo à frente da banda, que mantém o excelente nível a que sempre nos habituou.

Tudo tem um fim, e o deles chegou. Blue Lands é o quarto e, infelizmente, último disco da banda, que deixa para trás um legado de paisagens sonoras como só eles se atreviam a fazer. Ao quarto disco, tudo está extremamente apurado, desde as guitarras em modo post-rock aos efeitos por vezes a lembrar uns M83, num disco exemplarmente pensado e construído desde o seu início (com a magnífica “Blue Lands”, faixa-título do disco que acaba por ser um dos seus melhores momentos) ao seu fim (a tão épica quanto íntima “Tiny Hand on Tiny Hand”). Estilo melódico e instrumental, no chamado folk rock psicadélico, de tons experimentais e densos, constantemente etéreo (“The Crowd of Little Men”, por exemplo, com a banda a usar na perfeição, como sempre o fez, a viola tradicional) e a levar o ouvinte por paisagens e viagens. É impossível não ficar no fim com pena de que este seja o suposto último disco do grupo, que termina aqui da melhor forma possível, com um disco que os mostra no seu auge. Blue Lands é, como são os DOPO e o seu legado, único, incomparável e exemplar. Farão falta.

A primeira vez que os vimos foi na sala 3 do São Jorge, e agora vão tocar na sala 1. Os Sean Riley & the Slowriders crescem a olhos vistos, e com um disco destes esse crescimento é compreensível e merecido. Afastam-se cada vez mais da crueza do primeiro disco e dedicam-se cada vez mais a arranjos cristalinos, complexos e pensados na perfeição. A guitarra está cada vez mais potente (vejamse as últimas três faixas deste disco), o teclado cada vez melhor (vejam-se… todas as faixas?), e o baixo mantém a brilhante subtileza de sempre. Naquele que é o seu disco mais luminoso e aberto, tanto em letras como em música, a banda mostra a sua evolução enquanto músicos, fazendo um disco tecnicamente irrepreensível e todo ele pensado ao pormenor. O folk ainda lá está, claro, mas mais sensível, energético e, por vezes, alegre. Atrevem-se a experimentar (em “Lost in Time”, por exemplo), mas sempre com o controlo absoluto de alguém que sabe o que quer e faz. Um conjunto de canções bem pensadas, escritas e tocadas. Os Sean Riley estão cada vez maiores, e os seus discos também.


3 de Maio foi um dia fatídico. Juntamo-nos aos The Sound of Typewriters, ao Luís de Lydia’s Sleep e ao André, sob o nome Luís e Joana convidam André e Raphael, e fomos vê-los tocar, nem eles sabiam bem o quê, na Okupa Kyläkancra. A eles, juntaram-se os Duas Semicolcheias Invertidas e, a meio do caminho, uma banda francesa de hardcore da qual ninguém sabe o nome, e que lá foi parar por má comunicação. Chamava-se “Noite Ruidosa”, porque o podia ser, e teve o selo da Associação Terapêutica do Ruído e da Rock It! Company. Chegámos à sala depois de algum tempo perdidos em Palmela, onde ficámos a saber que o encerramento do evento ia ser feito pela festa de transe com o maior PA do mundo. Já estava a prometer.

Deu-se início à noite com uns tipos não sei de onde, que tocavam não sei bem o quê. Adiante. Os Duas Semicolcheias Invertidas deram um dos espectáculos da noite. Fizeram-se acompanhar por malabarismos e por várias lutas de cães (sem consequências, os animais estavam só a brincar), o que patrocinou um ambiente mais festivo do que o que viríamos a presenciar a seguir.

banda, de -alguns- dos amigos (quatro, na verdade) e o tipo do bar que, podendo, também se tinha ido embora. O set no entanto ainda durou mais 15 minutos. Nem os cães foram lá lutar. Absoluto e completo vazio. O que foi uma pena, porque o concerto não foi mau, mas talvez seja demasiado experimental e impossível para pessoal que só estava a contar meter os ácidos quando começasse o transe.

Luís e Joana convidam André e Raphael não sabiam o que iam tocar. A base era o improviso e o volume (afinal, era patrocinada pela Associação Terapêutica do Ruído), e criámos a teoria de que a música deles fez crescer cérebro a quem a ouvia. Ao fim de 10 minutos, a sala estava completamente vazia, à excepção da

A noite acabou tarde, ainda depois dos franceses. Como sempre, a viagem de regresso foi cansativa, mas de rir. Voltamos com os ouvidos, como diria Rui Veloso, “como se fosse uma cascata, sshhhhh”.

NOITE RUIDOSA


AGEN- DA 1 Jun Botswana - Armazém do Chá, Porto 3 Jun Men Eater - States Club, Coimbra The Parkinsons - Bafo de Baco, Loulé Norberto Lobo - Biblioteca Municipal, Barcelos

4 Jun Löbo - Passos Manuel, Porto Hardcore Benefit - Revolver Bar, Cacilhas The Parkinsons + Mata-Ratos - Caixa Económica Operária, Lisboa Tiago Sousa - Centro Cultural do Cartaxo, Cartaxo Norberto Lobo (VIBE 2011 Primavera) - IPJ, Viana do Castelo The Glockenwise + Long Way to Alaska - Fartho, Braga

5 Jun Löbo - MusicBox, Lisboa 9 Jun Dead Combo - Galeria Zé dos Bois, Lisboa Norton - Auditório do Instituto Politécnico, Beja

10 Jun E.A.K. - ADAC, Pombal Dear Telephone - Biblioteca Municipal, Barcelos

11 Jun Tó Trips (VIBE 2011 Primavera) - IPJ Viana do Castelo 15 Jun For the Glory + Death Will Come - TBA, Lisboa 17 Jun Hills Have Eyes - Metal Gate 2011, Marinha Grande 18 Jun For the Glory - Porto Rio, Porto Dead Combo - Casa das Artes, Vila Nova de Famalicão

25 Jun The Glockenwise + X-Wife - Rua Cândido dos Reis, Porto 26 Jun Devil in Me + Reality Slap - A. Musical Joaquim Xavier Pinheiro, Lisboa

30 Jun Moe’s Implosion - MusicBox, Lisboa


2011


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