Perguntas e Respostas

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Palavras introdutórias do Jornalista Quando se fala de deontologia do jornalista, podemos destacar algumas ideias que me parecem importantes: a honestidade, a integridade e a verdade. A honestidade em notícia prende-se com as intenções da notícia, ie qual o interesse desta? O interesse pode ser público ou privado. Se é privado, não deve ser objeto de jornalismo. Para vos dar um exemplo: o Pedro Rosa Mendes não vai escrever uma notícia sobre si, sobre a sua família, sobre o seu partido político, sobre um livro que escreveu. A verdade em jornalismo prende-se com a ideia de que para o jornalismo ser bem feito há que confirmar com as pessoas as informações, há que dar a hipótese de outra versão. Tem ainda de haver boa fé, ie as duas partes que fazem a informação devem acreditar uma na outra. Há um slogan da BBC de que gosto bastante e que me parece definir bem a atitude a ter em jornalismo: Never stop asking! Nunca parem de perguntar, com educação podemos perguntar tudo.

Alunos: Por que não terminou os estudos? Pedro Rosa Mendes: Fui para Direito porque admirava um tio meu que era advogado. Entrei na faculdade de Direito de Coimbra e percebi que não era aquilo que eu queria realmente estudar. Senti que tinha sido um erro. Atualmente voltei a estudar pois sinto os estudos uma necessidade. A: Onde é que nasceu? PRM: Nasci em Cernache do Bonjardim, perto da Sertã, que ninguém conhece mas onde nasceu uma figura ilustre e conhecida da História de Portugal, Nuno Álvares Pereira. A: Como se sente quando vê a guerra em direto? PRM: É lamentável que haja guerras, não há guerras boas, as guerras podem ter uma boa causa, mas nunca não são boas. A: Tem medo quando deve ir fazer uma reportagem em plena guerra? PRM: Tenho medo e isso protege-me. O medo é bom quando nos obriga a pensar, a evitar cometer erros. É preciso ter medo para nos protegermos. A: Como vive com a sua família, tendo de andar de um lado para o outro como correspondente? PRM: Pois a família tem de ter paciência, porque os imprevistos do jornalismo levam o jornalista a não ter horários e isso não é sempre fácil de gerir. A: Quem é o Enmanuel Jhesus que dá título ao seu último livro? PRM: Estive três anos em Timor-Leste e conheci de perto a cultura desse país e da vizinha Indonésia. Este livro que foi publicado em 2010 é a história de um personagem fictício, oriundo de Java, Enmanuel Jhesus, através do qual tento responder a uma questão que é: este tipo de jovens sentem-se mais timorenses ou mais indonésios? A: Gostava das aulas de português? PRM: Gostar das aulas dependia do professor. Por exemplo nos dois primeiros anos em que comecei a aprender o francês, nas coisas não correram bem, mas no terceiro ano tive um professor que me fez gostar dessa língua que hoje falo. 2


A: Quantas línguas sabe falar? PRM: Sei falar bem português, francês, inglês e espanhol. Também aprendi alemão, servo-croata, crioulo cabo-verdiano e guineense, mas já não falo tão bem essas línguas. A: O seu trabalho requer muito tempo? PRM: O trabalho de jornalista não tem horários, é um trabalho que nunca para, exige muito tempo, é muito exigente. A: Sempre desejou ser jornalista? Quem é que lhe deu vontade de ser jornalista? PRM: Ser jornalista aconteceu por acaso, comecei por fazer rádio e depois fui trabalhar para o Jornal de Coimbra. As coisas seguiram depois um curso que não foi inicialmente planeado. A: Com que idade começou a gostar de escrever? Sempre gostei de ler, o gosto pela escrita surgiu mais tarde. A: Quais são os seus livros/autores preferidos? PRM: Muitos dos escritores de que gosto são franceses, por exemplo a Marguerite Yourcenar. Gosto muito de um escritor polaco que emigrou para a Grã-Bretanha e publicou em inglês livros de que gosto muito, refiro-me a Joseph Conrad. Gosto de Sophia de Mello Breyner, de Fernando Pessoa. A: Em que se inspirou para escrever as suas obras? PRM: Parto da observação direta para escrever. O último romance que publiquei e que referi há pouco, Peregrinação de Enmanuel Jhesus, escrevi-o porque estive em Timor-Leste. A: Quando faz uma reportagem, de que forma seleciona a informação com a sua equipa? PRM: Eu costumo estar só e não em equipa. Quando estive recentemente na Líbia só estava com um fotógrafo. Escolho sempre o que é novo, o que é importante. O tempo de atenção do leitor, o nosso tempo de atenção é curto e por isso damos o mais importante logo no início da notícia. A: Qual é a sensação de ser um jornalista conhecido? PRM: Eu não sou um jornalista conhecido, um jornalista conhecido é o José Eduardo dos Santos. A: Se vir duas pessoas a lutar, o que faz? Filma e tenta entrevistar ou intervém para as separar? PRM: Penso que tentaria separar, mas será que é a escolha certa? Ao tentar separar estou a escolher um dos lados em confronto: o jornalista não deve escolher lado nenhum. A: Quando vai para um país, prepara as perguntas sobre o assunto que vai cobrir ou trabalha em função do que acontece no lugar? PRM: Depende, mas geralmente trabalho em função do que acontece no lugar. A: Quando está em missão, quanto tempo tem para dormir? PRM: Tenho de facto pouco tempo para dormir pois quando estamos em missão queremos arranjar o máximo de informação. Quando se está em trabalho, tenta-se rentabilizar o tempo ao máximo e dorme-se menos. Para dar um exemplo: os repórteres fotográficos gostam de se levantar cedo, porque pouco depois do sol nascer é a boa hora para fotografar. O dia da reportagem é sempre um dia longo: depois de termos passado o dia a arranjar histórias, há o envio do material, ao fim do dia. 3


A: Quando escreve um livro, utiliza as entrevistas que fez como jornalista? PRM: Não, separo sempre as minhas duas atividades e não as misturo. O livro A Baía dos Tigres, publicado em 1999, foi feito a partir de uma viagem de quatro meses em Angola e não da minha atividade de jornalista. A: O que pensa do jornalismo hoje com a invenção da Internet? PRM: Com a Internet é mais fácil ter informação e isso é uma coisa boa pois permite-nos seguir em tempo real o que se passa no mundo. A: A que distância se coloca para filmar uma cena de guerra? PRM: O mais perto possível, mas normalmente não filmo, eu escrevo. A: Quais são os seus instrumentos de trabalho? PRM: Um bloco-notas, uma esferográfica, um gravador, uma câmara de vídeo são o que geralmente uso no meu trabalho. A: Quantas pessoas trabalham consigo? PRM: Já respondi há pouco, posso estar só ou então com um colega. A: Você já esteve em perigo de morte? Já foi atacado enquanto trabalhava? Já foi ferido? PRM: Nunca foi ferido, nunca ninguém me bateu, claro que há sempre situações de perigo, mas nunca passaram disso mesmo. A: Onde é que se aloja quando vai em missão para um país em guerra? PRM: Alojo-me onde calha: em hotéis, no carro… depende do sítio onde se está. Mas não se fica em hotéis confortáveis. A: Quando entrevista pessoas na guerra, elas não se enervam? PRM: Depende. As pessoas em ambiente de guerra são mais susceptíveis e isso sente-se por vezes nas entrevistas. A: Como escolhe as pessoas que entrevista? PRM: Escolho as pessoas pelo interesse que podem ter, se têm algo importante a dizer. A: Trabalha mais em direto ou em diferido? PRM: Como sou um jornalista da escrita, trabalho mais em diferido. Só trabalho em direto quando faço um trabalho para a televisão. Na época em que vivemos tudo acontece por vezes demasiado rápido e nem nos apercebemos sempre de como é precioso o tempo em que tudo acontece e o tempo em que se dá a notícia, esse é o tempo necessário para pensar que por vezes não existe no direto. A: Prefere o trabalho de escritor ou de jornalista? Qual deles precisa de mais atenção e de mais tempo? PRM: Gosto de ambos e ambos necessitam de atenção e de tempo.

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A: Algum colega seu já morreu em trabalho? PRM: Conhecia um colega fotógrafo que morreu em trabalho. Na altura em que isso aconteceu, não estavam juntos. Há muitos jornalistas, repórteres que morrem em trabalho, mesmo se isso não é notícia e acaba por ser um número reduzido quando comparado com as vítimas civis das guerras. A: Numa guerra, quem prefere: o exército ou os civis? PRM: Um jornalista deve estar distante, prefiro talvez os civis, mas os militares têm uma missão importante nos conflitos. A: Já alguma vez fez uma reportagem falsa para o dia 1 de abril? PRM: Não, nunca o fiz. A: Gosta de ir trabalhar para um país em guerra? PRM: Não é uma questão de gostar de ir trabalhar para um país em guerra, gosto de dar informação e na guerra temos as pessoas mais autênticas, mais transparentes. A: Já viu alguém matar outra pessoa? PRM: Já e não pude fazer nada. Por vezes há mortes porque há gente a filmar. A: Já foi feito refém? PRM: Não, nunca. Já fiquei detido, retido uma semana em Angola. A: Como é que faz para estar sempre informado sobre tudo o que se passa no mundo? PRM: É impossível estar informado sobre tudo o que se passa no mundo. A: Já foi expulso de algum país em guerra que não queria jornalistas no seu território? PRM: Já, em África, em 1996, na República Democrática do Congo, ex-Zaire. Todos os jornalistas foram postos na fronteira.

março de 2011 perguntas elaboradas pelos alunos da Secção Portuguesa do Collège International sob a orientação da professora Isabel Costa

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