A Faiança Portuguesa de Olaria na Intervenção Arqueológica no Mosteiro de São João de Tarouca

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A FAIANÇA PORTUGUESA DE OLARIA NA INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA

A FAIANCA PORTUGUESA DE OLARIA NA INTERVENCÃO ARQUEOLÓGICA

MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA Luís Sebastian

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MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA (SÉCULOS XVI-XVIII)

A FAIANCA PORTUGUESA DE OLARIA NA INTERVENCÃO ARQUEOLÓGICA MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA ÍNDICE

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A FAIANÇA PORTUGUESA DE OLARIA NA INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA

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MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA (SÉCULOS XVI-XVIII)

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A FAIANÇA PORTUGUESA DE OLARIA NA INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA

FICHA TÉCNICA Autor SEBASTIAN, Luís Título A Faiança Portuguesa de Olaria na Intervenção Arqueológica no Mosteiro de São João de Tarouca Editor Direcção Regional de Cultura do Norte / Vale do Varosa Local Lamego Ano 2015 Design Companhia das Cores, Design e comunicação Empresarial Impressão Lusoimpress Tiragem 500 Exemplares ISBN 978-989-98708-7-1

Créditos FOTOGRÁFICOS José Eduardo Mendes Figuras 5, 6, 8 Humberto Vieira Figura 8 Ana Sampaio e Castro Figura 7 António Cabeço Figuras 27, 28 Pedro Martins Figuras 31, 32 Luís Sebastian Restantes

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MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA (SÉCULOS XVI-XVIII)

A FAIANÇA PORTUGUESA DE OLARIA NA INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA NO MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA Por

Luís Sebastian

AGRADECIMENTOS Lídia Catarino (Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra) Sónia Vieira José António Severino Rodrigues José Luís Madeira (Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) Daniel Serrabulho Sara Pereira Fernandes Carlos Batata (Ozecarus, Lda.) António Cruz Maria João Neves (Dryas Arqueologia Lda.) Maria João Delgado Correia dos Santos Arez António Marques (Museu da Cidade de Lisboa); Rodrigo Banha da Silva (Museu da Cidade de Lisboa); Rafael Salinas Calado Artur Côrte-Real (Direcção Regional de Cultura do Centro – Mosteiro de Santa Clara-a-Velha) Miguel Munhóz (Direcção Regional de Cultura do Centro – Mosteiro de Santa Clara-a-Velha) Catarina Leal (Direcção Regional de Cultura do Centro – Mosteiro de Santa Clara-a-Velha) Nuno Neto (Neoépica, Lda.) Paul Brandt (Centre for Portuguese Nautical Studies – South Africa) Ingrid Jerling Valerie Esterhuizen Carlos Etchevarne (Universidade Federal da Bahia – Brasil) Beatriz Bandeira Madalena Braz Teixeira (Museu Nacional do Traje)

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A FAIANÇA PORTUGUESA DE OLARIA NA INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA

ÍNDICE

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Agradecimentos

005

I. Introdução

008

II. Contexto histórico-geográfico

018

III. Metodologia de escavação arqueológica

028

3.1. Sondagens

030

3.2. Sectores

033

3.3. Quadrícula

034

3.4. Definição estratigráfica

034

IV. Contextos de recolha

036

V. Metodologia de estudo cerâmico

042

5.1. Critérios de análise e tipificação

044

5.1.1. Grupos Gerais

046

5.1.2. Grupos de Pasta

048

5.1.3. Definição de Peças

050

5.1.4. Grupos de Fabrico

050

5.1.5. Definição de Tipos (e Peças Modelo)

052

5.1.6. Métodos de quantificação

054

5.2. Recolha, tratamento e conservação

056

5.2.1. Organização e gestão de informação de tratamento e conservação

056

5.2.2. Factores de deterioração e patologias

058

5.2.3. Procedimentos de tratamento e conservação

061

5.2.3.1. Limpeza

061

5.2.3.2. Marcação

063

5.2.3.3. Colagem

063

5.2.3.4. Consolidação de esmaltes

064

5.2.3.5. Acondicionamento

064

5.3. Organização e gestão de informação

064

5.4. Métodos e normas de registo gráfico

068

5.4.1. Métodos de execução

069

5.4.1.1. Registo

069

5.4.1.1.1. Fotogrametria

070

5.4.1.1.2. Fotocalibração

070

5.4.1.2. Traço

071

ÍNDICE


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5.4.1.3. Cor

073

5.4.1.4. Organização de layer’s

073

5.4.2. Normas de representação

073

5.4.2.1. Convenções gerais de representação

074

5.4.2.2. Resolução de problemas específicos de representação

075

VI. Estudo tipológico

084

6.1. Grupo de Pasta 1 – Grupo de Fabrico A

091

6.1.1. Quadros de Análise Tipológica

102

6.1.2. Quadros de Interpretação Tipológica

250

6.2. Grupo de Pasta 2 – Grupo de Fabrico B

270

6.2.1. Quadros de Análise Tipológica

278

6.2.2. Quadros de Interpretação Tipológica

331

6.3. Grupo de Pasta 3 – Grupo de Fabrico C

340

6.3.1. Quadros de Análise Tipológica

347

6.3.2. Quadros de Interpretação Tipológica

360

6.4. Grupo de Pasta 4 – Grupo de Fabrico D

364

6.4.1. Quadros de Análise Tipológica

368

6.4.2. Quadros de Interpretação Tipológica

373

VII. Considerações gerais

374

VIII. Bibliografia

382

ÍNDICE

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MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA (SÉCULOS XVI-XVIII)

I

INTRODUCÃO MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA

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I. INTRODUÇÃO

Figura 1

O Mosteiro de S. João de Tarouca, encontrando-se a sua igreja classificada como Monumento Nacional desde 1956, apenas em 1978 vê esta protecção ser estendida a todo o seu conjunto monástico1 (Figuras 1 e 2). Sucessivamente afecto à Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), Instituto Português do Património Cultural (IPPC), Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) e, desde 2007, à Direcção Regional de Cultura do Norte (DRCN), este imóvel viu-se inserido em 1998 num abrangente plano de recuperação e valorização de complexos monásticos cistercienses, da responsabilidade do IPPAR, instituição à qual se encontrava então afecto, resultante do Colóquio Cister: Espaços, Territórios, Paisagens, realizado no Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça em 1998 por altura da comemoração dos 900 anos da Ordem de Cister, e da qual resultou a Carta de Alcobaça, onde ficaram definidas as principais linhas orientadoras de salvaguarda, recuperação e valorização do Património Cisterciense Nacional2 (Figura3). O acentuado estado de degradação do conjunto e a reduzida informação documental disponível, perdida na sua maioria em 1841 com o incêndio do Seminário de Viseu para onde o seu cartório e biblioteca tinham sido trasladados após a extinção das Ordens Religiosas em 1834, levou a que o projecto de requalificação então delineado se baseasse em grande medida na componente arqueológica, implicando a escavação exaustiva da totalidade da área correspondente ao núcleo central das dependências monásticas medievais, que se adivinhavam algo alteradas por reformulações e ampliações posteriores, e, sobretudo, profundamente destruídas pelo reaproveitamento dos edifícios como pedreira após a extinção do mosteiro e sua venda em hasta pública. É neste contexto que em Abril de 1998 se inicia a intervenção arqueológica no Mosteiro de S. João de Tarouca3, pela mão da então Direcção Regional do Porto do IPPAR e cientificamente co-dirigida em parceria com a arqueóloga Ana Sampaio e Castro, tendo por objectivo juntar o maior conjunto possível de dados histórico-arqueológicos que servissem de linha orientadora ao projecto de recuperação patrimonial que se pretendia então levar a cabo e, simultaneamente, assistir e acompanhar todas as acções de restauro e recuperação do edificado que paralelamente foram sendo desenvolvidas (Figuras 4, 5, 6, 7, 8, 9, 20 e 21). Os trabalhos de escavação arqueológica foram realizados ininterruptamente desde Abril de 1998 até Novembro de 2007, dando-se por regra prioridade aos trabalhos de campo durante os meses de Maio a Setembro e, de Outubro a Abril, ao tratamento em gabinete dos materiais exumados. Para que tal fosse possível contámos com a instalação no local de uma completa equipa permanente, incluindo, para além dos dois arqueólogos responsáveis, três assistentes de arqueólogos, dois desenhadores técnicos de arqueologia, um técnico superior de conservação e restauro, um assistente de conservação e dois operários de arqueologia.

Figura 2

1 Classificação do edifício da igreja como Monumento Nacional pelo Decreto-Lei n.º 40 684/56 de 13 de Julho de 1956, estendida a todos os elementos subsistentes do mosteiro pelo Decreto-Lei n.º 95/78 de 12 de Setembro de 1978. Já em 1999 seria ainda atribuída ao mosteiro uma Zona Especial de Protecção, pela Portaria n.º 189/99 de 8 de Março (2ª série). Para mais informação consultar o texto Património associado, uma proposta de conceito (SEBASTIAN, 2007).

2 In Actas do Colóquio Internacional Cister - Espaços, Territórios, Paisagens. Lisboa: IPPAR - Departamento de Estudos. Vol. I. 2000, pp. 15-17.

3 A intervenção arqueológica no Mosteiro de São João de Tarouca ficou inscrita na base de dados Endovélico, da responsabilidade do ex-Instituto Português de Arqueologia e atualmente gerida pela Direção-Geral do Património Cultural, com a designação de São João de Tarouca, com o CNS 10537.

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INTRODUÇÃO


MOSTEIRO DE S. JOÃO DE TAROUCA (SÉCULOS XVI-XVIII)

Figura 3

0

500 m

Cerca exterior Cerca de clausura

Tendo sempre sofrido pequenas variações, esta equipa manteve ainda assim o seu principal núcleo durante todo o processo, facto que se revelou fundamental no bom desenrolar dos trabalhos. Por tudo isto é aqui primordial destacar a identidade daqueles que, tantas vezes anónimos na fase de divulgação final, foram determinantes na obtenção dos resultados que agora apresentamos. Os lugares de assistente de arqueólogo foram garantidos, em diferentes momentos, por Amália Conceição Martins Palma, Ana Cristina da Nova Hermínio, Sérgio Daniel Monteiro Pinheiro, Teresa Cristina Monteiro Teixeira, Filipe Ricardo de Queirós Pereira e Ivo Daniel Moreira Rocha, responsáveis quer pelos trabalhos de escavação quer pela limpeza, marcação, colagem, gestão e armazenamento de todo o espólio. Essenciais na tarefa hercúlea de realização de milhares de registos gráficos, quer de estruturas quer de espólio, os lugares de desenhador técnico de arqueologia foram garantidos por Hugo Filipe Vieira Pereira, Sílvia Marlisa da Silva Pereira, Sofia Barroso Catalão e Bruno Manuel Gonçalo Marques Figueira. A estes cabe um especial reconhecimento pelo trabalho de registo gráfico da faiança que serve de base a este trabalho, sem o qual simplesmente não teria sido possível desenvolver qualquer investigação séria. Os aspectos de conservação e restauro, particularmente sensíveis no caso das faianças aqui em estudo, foram garantidos pela técnica superior de conservação e restauro Maria Júlia Sobral da Fonseca, adjuvada pelo assistente de conservação João Pedro da Silva Rebelo.

Área adquirida (IPPAR, 1996-2007)

INTRODUÇÃO

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Figura 5

Figura 6

Figura 7

Figura 8

Figura 9

Figura 10

INTRODUÇÃO


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Em diferentes momentos esta equipa foi reforçada com a contratação de outros assistentes de arqueólogo, que ligados à equipa de trabalho por períodos de tempo mais reduzidos, não deixaram ainda assim de contribuir de forma imprescindível para o bom andamento dos trabalhos. Foram eles Miguel Frazão, Pedro Figueiredo, Liliana Gonçalves Pereira, Luís Miguel Carvalho, Hélder Henrique da Cunha Soares da Mota, João Oliveira Machado, Raul José Freitas da Costa, Bebiana Luisa Coutinho da Mota, Joana Martinha Queiroz Lemos, Manuel Filipe Frias Ferreira, Ricardo Emanuel Amorim Machado Poças, Rui Rodrigo dos Santos Aguilar Neves Dias, Vítor Constantino Martins Gomes e Rui Carlos da Silva Barros Ferreira Couto. Não menos importante para o desenvolvimento dos trabalhos foi a colaboração estabelecida com a Escola Profissional de Arqueologia do Freixo, de Marco de Canaveses. Graças a esta colaboração foi possível desenvolver anualmente, entre 1999 e 2006, diversos contextos de trabalho com alunos do curso de assistente de arqueólogo, ao abrigo dos quais, nos períodos de férias de Páscoa e Verão, se envolveram nos trabalhos mais de uma centena de alunos. Tendo os trabalhos de escavação arqueológica se estendido por uma área superior a 3.500 m2, à qual se juntaram 20 sondagens em profundidade, e tendo-se identificado e registado em campo 915 unidades estratigráficas, o espólio exumado atingiu proporções à partida inimagináveis. Como referência numérica apontamos a recolha de 393 moedas, 1.388 objectos metálicos, 1.433 elementos arquitectónicos, na sua maioria pertencentes à construção original, e 281 objectos de materiais diversos, desde madeira a couro passando por materiais compósitos. O registo fotográfico ascendeu às 2.355 fotografias, contabilizando apenas os registos fotográficos digitais, iniciados em Julho de 2002, aos quais teríamos ainda de juntar 1.533 registos fotográficos analógicos4, realizados entre Abril de 1998 e o mesmo Julho de 2002. Dos mais diferentes materiais, objectos e contextos foram ainda recolhidas 293 amostras, das quais 92 foram sujeitas a diferentes análises (Figuras 10, 11, 12 e 13). A contabilização dos registos gráficos de campo não é tarefa fácil, uma vez que muitos foram os pormenores levantados em diferentes fases da escavação, posteriormente refeitos, completados ou mesmo completamente substituídos. Destacando-se dentro dos registos gráficos finais temos no entanto o completo levantamento em planta, corte e alçado do que restou das dependências monásticas originais, exumadas com a escavação em área, num total de 11 desenhos. Já o edifício da igreja ficou completamente registado em 20 desenhos, sendo o dormitório de século XVIII apenas levantado volumetricamente em 8 desenhos. A tudo isto teríamos ainda que somar o registo gráfico individual de 163 elementos arquitectónicos, exumados nas escavações ou in situ, sobretudo quando reaproveitados na construção de casas da povoação de S. João de Tarouca5 (Figuras 14, 15, 16, 17, 18 e 19). De fora deste exercício de quantificação ficam os azulejos, recolhidos aos milhares e para os quais não foi possível proceder à contagem, colagem e estudo completo6, o mesmo se aplicando ao vidro, que não logramos fazer passar da fase de limpeza e marcação.

Figura 11

Figura 12

Figura 13 Os 1.533 registos fotográficos analógicos correspondem a 930 registos de campo aos quais se somam 603 registos da responsabilidade do fotógrafo António Cabeço, incluindo 446 registos de cerâmica, 145 de espólio diverso e 12 de painéis azulejares.

4

A metodologia empregue no registo gráfico de estruturas encontra-se desenvolvida no texto de 2004 O levantamento gráfico da igreja e área de escavação do Mosteiro de S. João de Tarouca (SEBASTIAN et al., 2010a) e correspondente actualização de 2010 A componente de desenho de estruturas na intervenção arqueológica no Mosteiro de S. João de Tarouca (SEBASTIAN, 2012).

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Apesar de o estudo dos azulejos recolhidos na escavação arqueológica não ter sido completado, cremos ainda assim que o resultado final não teria ficado muito longe das conclusões que ensaiamos em A faiança de revestimento dos séculos XVII e XVIII no Mosteiro de S. João de Tarouca (CASTRO; SEBASTIAN, 2003a).

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INTRODUÇÃO

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Figura 14

Argamassa (saibro e argila) Argamassa (saibro e cal) Argamassa (Portland) Ferro Cerâmica de construção Talha dourada Século XII - XIII Adição/subtracção de século XVII Adição/subtracção de século XVIII Adição/subtracção de c. 1834 - 1937 Adição/subtracção de c. 1937 - 1977 (DGEMN) Adição/subtracção de c. 1999 - 2000/ IPPAR)

De realçar que cronologicamente, e apesar de se tratar de um mosteiro de raiz medieval, o espólio recolhido centrou-se sobretudo nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. Tal facto explica-se pela opção de, tanto quanto possível, preservar estruturas e pisos, com vista à sua futura musealização. Naturalmente que não deixamos de abrir excepções a esta regra, rompendo pontualmente alguns dos níveis de circulação de forma a encontrar resposta para questões que, de outro modo, teriam ficado em aberto. Contudo, no geral, a estratégia seguida de preservação da ruína arqueológica condicionou determinantemente os trabalhos de escavação, sendo a cronologia tardia dos materiais exumados talvez a sua maior expressão. Ainda assim, perante tal riqueza de espólio cedo se tornou para nós claro que, independentemente dos muitos recursos então disponibilizados, seria extremamente difícil concluir o estudo pormenorizado de todos os materiais. De forma realista e assumida definiram-se prioridades de estudo que garantissem, no pior cenário, a conclusão do estudo de algumas temáticas que, discutivelmente, entendemos como primaciais. Foram elas a estratégia de implantação e transformação do território; alimentação, hábitos e patologias; materiais, técnicas de construção e reconstituição do edificado medieval; utensilagem cerâmica. Numa lógica de optimização de recursos, e perante o que se tornou imediatamente evidente em 1998, dentro destas temáticas demos ainda prioridade ao estudo da utensilagem cerâmica, e dentro desta, prioridade ao estudo da faiança. Tal opção não se deveu a uma qualquer tendência pessoal, mas simplesmente ao facto de a enorme quantidade de faiança exumada se ter imposto logo de início como principal elemento de destaque, vindo a confirmar-se como um dos maiores conjuntos de cerâmica Moderna a ser exumado em território português. Assim, não só o seu estudo implicaria obrigatoriamente um especial investimento de recursos, como a sua importância o justificaria plenamente. Infelizmente, com a extinção em Novembro de 20077 da equipa permanente de investigação arqueológica, os recursos necessários para concluir as diferentes frentes de trabalho deixaram de estar disponíveis. Perante este facto, e no que diz respeito à faiança portuguesa recolhida, optamos por fechar as conclusões do seu estudo considerando apenas o volume de fragmentos que foram sujeitos à totalidade do processo de tratamento e registo, passando pela lavagem, marcação, contagem e colagem – com definição de peças –, inventariação – segundo o critério de separação por grupos de pasta, de fabrico e tipo –, e, quando peça modelo, pelo seu registo gráfico. Em termos quantitativos, este universo atingiu os 117.359 fragmentos8 de cerâmica – num total que estimamos chegasse aos cerca de 200.000 fragmentos –, sendo 19.163 fragmentos de cerâmica preta, 6.890 de cerâmica vermelha, 2.071 de cerâmica de vidrado de chumbo, 254 de porcelana e 88.864 fragmentos de faiança. Deste manancial de fragmentos resultou a definição de 4.714 peças, distribuídas por 1.529 tipos diferentes, tendo-se desenhado 1.803 peças.

Em Março de 2007 dá-se a extinção do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), passando o Mosteiro de S. João de Tarouca a ficar afecto à então criada Direcção Regional de Cultura do Norte, que, em Abril de 2009, o inclui na candidatura “Vale do Varosa”, apresentada à linha de financiamento europeu ON.2 – O Novo Norte, Programa Operacional Regional do Norte - Turismo Douro-Infraestrutural, com o intuito de instalar na região, subsidiária do Douro Património da Humanidade, uma rede de monumentos tendo como núcleo central o Mosteiro de S. João de Tarouca, Mosteiro de Santa Maria de Salzedas e Convento de Santo António de Ferreirim, procurando desenvolver e alargar o investimento já realizado nos três primeiros imóveis desde 1996. Esta questão encontra-se desenvolvida no texto Mosteiro de S. João de Tarouca, Projecto de Requalificação: 1998-2010 (SEBASTIAN et al., 2010b).

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8 De referir que, no respeitante à marcação, este valor de 117.359 fragmentos foi sendo ultrapassado mesmo após a extinção da equipa permanente de investigação em Novembro de 2007, tendo-se desde então e até a esta data (escrevemos estas linhas em 27 de Novembro de 2014) atingido os 168.650 fragmentos, dos quais 113.031 de faiança.

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INTRODUÇÃO


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Figura 16

Figura 17

Figura 15

Figura 18

INTRODUÇÃO

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Figura 19 Área levantada graficamente

A partir dos 88.864 fragmentos de faiança completamente tratados, com que podíamos contar para a realização de qualquer estudo, foi possível definir 3.622 peças, sendo que destas se isolaram 414 peças de faiança de importação e 2.782 peças de faiança portuguesa. Dentro das restantes 426 peças de faiança permaneceram sobretudo as faianças portuguesas mais tardias, convencionalmente designadas de fabrico fabril. A opção inicial de estender o presente estudo a estas peças cedo foi colocada de parte, uma vez se ter chegado à conclusão que tais materiais necessitariam de toda uma nova abordagem, ajustada à especificidade das matérias-primas, técnicas, contextos e lógicas de produção fabris. As 414 peças de faiança de importação viriam em 2009 a suportar o trabalho de investigação Cerâmica europeia de importação no Mosteiro de S. João de Tarouca (séculos XV-XIX), entregue por Ana Sampaio e Castro como Dissertação de Mestrado à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Com vista à preparação do estudo que agora apresentamos, desenvolvemos paralelamente, entre 2007 e 2010, um estudo aprofundado sobre os centros oleiros e técnicas de fabrico de faiança em Portugal, que viríamos a apresentar como Dissertação de Doutoramento à mesma instituição universitária, sob o título A produção oleira de faiança em Portugal (séculos XVI-XVIII). Beneficiando da estratégia de divulgação permanente definida logo em 1998, levando até 2011 à publicação de 33 artigos em revistas e actas da especialidade e a 21 comunicações em encontros científicos, foi paralelamente desenvolvida o que poderíamos apelidar de reflexão aberta, com alguns dos capítulos que agora apresentamos no seu formato final a serem previamente ensaiados em forma de artigo, pelo que no que a esses capítulos diz respeito limitamo-nos aqui a um trabalho de compilação e actualização. Ainda que tal opção possa à partida parecer inusitada, levando mesmo à repetição de muita da informação publicada, revelou-se para nós essencial, não só pelo exercício de reflexão e autocrítica que constituiu, mas sobretudo por permitir expor abertamente à crítica exterior o trabalho que fomos realizando, descontinuadamente, ao longo de nove anos. Destacadamente, esta preocupação incidiu sobretudo na questão da metodologia a aplicar, uma vez que os problemas de recolha, armazenamento e gestão de informação colocados pela enorme quantidade dos materiais a estudar se impuseram como uma das principais barreiras a transpor neste estudo. Igualmente crucial por constituírem etapas prévias sem as quais a análise e interpretação não poderiam de forma alguma serem realizadas, os procedimentos de conservação e os métodos de registo gráfico aplicados a tão volumoso conjunto tiveram igualmente que ser sujeitos a uma profunda revisão, em relação àqueles que tinham até então vindo a ser os métodos clássicos9. Por fim, a culminar este esforço, tentamos agora dar conclusão ao estudo tipológico das 2.782 peças de faiança portuguesa de olaria recolhidas na intervenção arqueológica no Mosteiro de S. João de Tarouca, constituídas pela colagem de 13.411 fragmentos – num total de 226.701 kg de peso –, assumindo este conjunto como amostra de um universo mais extenso, mas que ainda assim acreditamos ficar bem ilustrado.

9 Referimo-nos nomeadamente aos textos Mosteiro de S. João de Tarouca: 700 anos de História da cerâmica (CASTRO; SEBASTIAN, 2002), A componente de desenho cerâmico na intervenção arqueológica no Mosteiro de S. João de Tarouca (CASTRO; SEBASTIAN, 2003b), A componente de conservação cerâmica na intervenção arqueológica no Mosteiro de S. João de Tarouca: 1998-2002 (CASTRO et al., 2004), Faiança dos séculos XVII e XVIII no Mosteiro de S. João de Tarouca (CASTRO; SEBASTIAN, 2008), A faiança portuguesa no Mosteiro de S. João de Tarouca: metodologia e resultados preliminares (SEBASTIAN; CASTRO, 2008) e A Faiança portuguesa no Mosteiro de S. João de Tarouca: da Restauração à Reforma Pombalina (CASTRO; SEBASTIAN, 2010b).

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INTRODUÇÃO


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Figura 20

Figura 21

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