CARNAVAL EM RAUL SOARES

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Os gaviões já não se preocupam em caçar, ficam na beira da estrada em galhos de árvores, e quando avistam um cervo ou um cão à beira da rodovia, simplesmente se ajuntam e apreciam a sorte. Eles aguardam que o animal tente atravessar a rodovia para apreciarem o evento da vida. Suas vidas se limitam a ficar em grupos, apreciando o movimento dos carros indo e vindo pela rodovia, se alimentando da morte que esse lugar proporciona de maneira tão farta e inesgotável a cada dia que se passa. Quando passei no trevo de João Monlevade havia muito movimento de carros. Caminhões entrando e saindo da cidade, pessoas vendendo coisas, óleo na pista já ressecado, muitos quebra-molas. A brisa que corria já não era tão fria e seca. Deu lugar ao calor do meio-dia, afinal a saudade e a proximidade da cidade de Raul Soares já estavam longe, e quanto mais se distancia do que ficou pra trás, mais próximo se aproxima da volta às nossas vidas normais, de trânsito de cidade grande, do trabalho e dos afazeres normais, da nossa rotina inabalável de metrópole. Em alguns pontos do caminho, pessoas arriscavam a vida atravessando a rodovia. Pessoas comuns, que pela pressa tentavam a sorte nesse lugar tão perigoso e onde tantas pessoas já perderam a vida, em acidentes violentos que deixaram lares vazios, mesas vazias num escritório, livros sem leitor, cadernos sem dedos que pudessem escrever. Sonhos desfeitos, planos interrompidos, vidas que se foram. Perto de Caeté novamente uma fila de carros e caminhões, dessa vez por causa de um acidente envolvendo dois carros. Quando passei pelo acidente vi que havia uma ambulância. A ausência da perícia era pelo menos um indício que ninguém havia morrido. Percebi que havia muito vidro estilhaçado à beira da rodovia, a parte da frente de um dos carros estava muito amassada e o outro carro derramava muito óleo na terra. A marca no asfalto revelava o tanto que os carros arrastaram pela pista. Curvas, projeções tão perigosas que excitam a descoberta e revelam danos irreparáveis à vida! É o destino onde se procura chegar, tendo como armadilhas o que o olho não pode ver. Elas desafiam a sorte do viajante e embora sejam inertes, assassinam muitas pessoas. Curvas, desafios à sorte e perícia que muitas vezes ganham por nocaute e não dão o direito à revanche. É a sorte lançada em frações de segundos onde somente um perde e só quem ganha é a foice. O selo ceifeiro fecha os caminhos e a mão do destino decide quem vai passar ou quem vai permanecer nesse pedaço do mundo tão carente de felicidade.

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