CARNAVAL EM RAUL SOARES

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fome, não a simples fome de encher o estômago com a refeição, mas a realização em estar oferecendo ao paladar comida que não se come todos os dias na cidade grande, feita com panelas antigas e colheres de madeira, num fogão de lenha. Há sempre aqueles que quando acordam ficam no bar tomando cachaça e batendo papo. Contando as últimas novidades ou algum “causo” que ficaram sabendo em alguma andança. Algumas construções são muito antigas, chegam a ser um mistério da história! Lembro que perto da ponte, uma das duas saídas da vila, há uma construção que parece ter sido uma empresa, uma fábrica, porém pelo abandono é possível até mesmo sentir as almas dos que trabalhavam lá, mexendo nas máquinas. As janelas destruídas e a carência de tijolos no teto evidenciam um coliseu romano em pleno interior. Ruínas de tempos antigos, da história desse lugar. As janelas da maioria das casas não possuem grades de proteção, e não há muro ou cerca delimitando o espaço da calçada. A cultura local é esta, onde imagino que dê prazer ficar à janela observando a vila, sem a interferência de quintal ou muro. Pássaros silvestres são comuns por aqui. É belo acordar de manhã com o canto natural do corrupião ou dos canários-da-terra! Talvez se nas grandes cidades não houvesse tanto dano ao meio ambiente seria possível desfrutarmos dessa magia da natureza, e não no canto fúnebre de pássaros presos em gaiolas pelo bel-prazer alheio, pela vaidade delinqüente que priva da liberdade quem nasceu para voar e construir seu ninho nas árvores mais altas, protegidas do predador e dos pingos da chuva. Hoje por lá só se ouve o bem-te-vi, e mesmo assim, antes cantava alegre o bem, o te, e o vi...mas hoje só canta o vi e vai embora voando pra outro canto, no meio dos prédios. Todos os dias à tarde um casal de siri emas desce o morro fazendo grande festa! Depois se aconchegam numa árvore bem alta perto de um pasto e por lá descansam. Dizem que o dono do pasto coloca comida para elas todos os dias, e por isso elas gostam daquele pasto que fica na encosta do morro. Elas fazem muito barulho em todas as tardes e isso quebra a rotina de silêncio e quietude. Já é parte de um cenário que se repete a cada entardecer. As pessoas se conhecem tanto que quando uma pessoa de fora chega à vila logo surgem comentários sobre quem seria, de onde vem e pra onde vai o estranho. Quando cheguei me senti assim, mas logo todos sabiam quem eu era e onde estava hospedado. As pessoas são curiosas e perguntam muito sobre a cidade grande, sobre o modo de vida. Parecem esperar por uma novidade, um caso novo. São pessoas muito simples e

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