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"Brasil é uma usina de aquicultura”

"Será um ano interessante”, diz Gorjan Nikolik, analista sênior de pescado do banco holandês Rabobank - uma das principais referências em análises internacionais sobre o cenário global das proteínas animais e do agronegócio. Com coronavírus, Brexit, Acordo China-EUA e peste suína africana, dá para perceber como Nikolik pegou leve. Desde fevereiro, quando esta entrevista foi realizada, este 2020 já despontava como um dos mais desafiadores dos últimos anos, por conta dos fatores acima. Mais uma vez, o Brasil desponta como uma fonte segura de alimentos para um mundo em convulsão, inclusive no caso do pescado. Além de comentar o impacto de todas estas questões no mundo do pescado, o especialista mostra otimismo com a possibilidade de realizarmos nosso tão alegado potencial.

1) Um dos relatórios recentes do Rabobank diz que as perspectivas globais para 2020 são dominadas pelo declínio na produção de suínos, com a aquicultura e as aves domésticas liderando o crescimento. Quais são os países que liderarão esse processo e por quê?

O pescado deve ser um dos beneficiários, ao lado das aves. Para o fornecimento de peixes e frutos do mar à China, esperamos que o crescimento seja parcialmente doméstico e parcialmente estrangeiro. Os chineses têm uma grande indústria de aquicultura doméstica que agora enfrenta uma demanda maior, o que beneficia muitos exportadores. Os maiores centros de exportação do mundo são Chile, Noruega e Ilhas Faroe para salmão, além da Austrália, Rússia e Canadá para diversas espécies selvagens capturadas. Peru para farinha de peixe, Equador e Índia para camarão, Vietnã para Pangasius e se a primeira parte do acordo comercial EUA-China for implementada conforme planejado, os EUA também enviarão mais pescado selvagem para a China.

“Estamos otimistas de que o potencial [brasileiro] será realizado.”

2) O Brexit traz consigo um monte de questões relacionadas à pesca na Europa. Os pescadores franceses dizem que 30% de suas capturas são praticadas nas águas do Reino Unido, enquanto os pescadores britânicos estão obviamente comemorando. Quais são as extensões do impacto que você espera que a decisão britânica de deixar a União Europeia tenha no pescado?

No momento, ainda não está claro qual será a resolução em termos do acordo UE-Reino Unido sobre comércio de frutos do mar e direitos de pesca. A UE prometeu apoiar as empresas de pesca e garantir que elas ainda tenham acesso às águas do Reino Unido. E eles estão em uma posição de barganha, pois o Reino Unido precisa do mercado de frutos do mar da UE, do qual dependem mais de 60% de suas exportações. Mas a questão principal é que os desdobramentos na indústria de pescado farão parte de uma negociação muito maior e mais complexa envolvendo outras indústrias. Ainda não podemos prever exatamente qual será o resultado, mas o pior cenário pode ser perturbador para as empresas e comunidades de pesca, aquicultura e processamento de frutos do mar nas duas regiões.

3) Qual é o impacto inicial do acordo comercial EUA-China no comércio de frutos do mar e o que você espera da segunda fase?

A Fase 2 ainda não é conhecida, é muito cedo para especular o que poderia ser. A Fase 1 recebeu alguns sinais positivos, especialmente com a China reduzindo tarifas e assumindo grandes compromissos para comprar produtos agrícolas dos EUA. Se continuar assim, veremos um aumento na oferta de frutos do mar dos EUA para a China, no entanto, isso não se concretizará enquanto o efeito do coronavírus ainda estiver em vigor. O objetivo é aumentar o comércio agrícola em US$ 12 bilhões a partir da base de 2017. Estimamos que este ano será um desafio, já que 2017 foi um ponto alto e será ainda mais difícil devido ao vírus. Como a China planeja honrar esse acordo nós veremos ao longo de 2020.

4) O coronavírus está totalmente conectado aos frutos do mar, desde a origem do vírus (Mercado Atacadista de Frutos do Mar Huanan em Wuhan, China) até os impactos nas exportações e importações em todo o mundo. Enquanto o vírus está se espalhando, qual você acha que será o impacto exato no comércio global de frutos do mar quando fecharmos este ano?

O efeito é múltiplo. Primeiro haverá uma diminuição da demanda por frutos do mar que a China importa para consumo próprio. As principais espécies impactadas serão camarões, pangasius, lagostas e outros produtos que dependem da demanda chinesa. O outro impacto é a redução da produção e processamento da aquicultura chinesa para exportação. Isso ocorre por causa do armazenamento de mão-de-obra devido às proibições de viagem e às limitações de transporte, evitando que a matéria-prima chegue ao destino. Isso afetará aqueles que processam na China e aqueles que importam da China também. Também esperamos uma mudança de longo prazo no consumo chinês de frutos do mar, longe dos mercados úmidos e em direção ao varejo moderno e on-line, devido a sustos do vírus. A curto prazo, o vírus diminuirá toda a demanda por frutos do mar da China. Por outro lado, os benefícios da peste suína africana na demanda de importação chinesa só serão visíveis quando o coronavírus for erradicado.

5) A aquicultura brasileira está crescendo em bom ritmo, enquanto algumas de nossas pescarias (como atum e lagosta) estão em boa forma. O consumo interno se fortalecia até o coronavírus também se disseminar por aqui, mas você acha que há espaço para o Brasil desempenhar um papel importante no comércio global, seja em nichos de mercado para espécies nativas como pirarucu e tambaqui ou commodities, como tilápia, atum, lagosta e camarão?

No papel, o Brasil tem todos os ingredientes necessários para ser uma usina de aquicultura. Espécies de camarão, tilápia, espécies amazônicas ou até algumas espécies marinhas ou de água salobra podem ser produzidas em larga escala no País, beneficiando-se inicialmente de um grande mercado doméstico e posteriormente se tornando produtos exportáveis globalmente, já que poucas regiões podem fazer frente ao baixo custo da matéria-prima para rações no Brasil. Infelizmente, o País não alcançou seu potencial em frutos do mar. O pescado é uma proteína saudável, com boa demanda e baixa pegada ambiental, e cada vez mais empresas estão focadas no Brasil, por isso continuamos otimistas de que, eventualmente, o potencial será realizado.

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