Revista Corifeu N. 03

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NÚMERO 3 – JULHO DE 2014

Revista

CORIFEU

CORIFEU:

Uma Perspectiva do Direito Desenvolvimento: Núcleo de Ética Jurídica (NEJ) revistacorifeu.nej@gmail.com

Distribuição gratuita

Arché José Manuel de Sacadura Rocha – NEJ

http://profsacadura.blogspot.com.br

A Luta pelo Amor A partir do século XIX os sistemas industriais de mercado exigiram das ciências humanas que o homem fosse desvendado dimensões.

Escrutinado,

em o

todas

as

homem

pode

suas ser

submetido, dominado, explorado, objetivado, quer dizer, extrair dele sua energia física e psíquica no ‘trabalho’, como o suco espremido de uma laranja. No final apenas o ‘bagaço’, seco, palha. Só que neste caso, o trabalho é a superfície de uma ‘máquina desejante’ tecnicamente disposta a esgotar-se em produção e consumo. Instituída

a

logística

perversa

do

fluxo

produtivo de capitais, o homem é um número leiloado no pavilhão indecifrável de coisas úteis, quer dizer, transacionado, financiado, etiquetado, uma cifra, um ponto, uma tira, uma legenda ínfima, uma barra-espaço branco-negra na etiqueta do perfume que compra com seu sangue, seu sêmen. Força perdida, energia requintada de tão reusada, azedado, rançoso, o ‘homem oco’ fede a carniça e atiça mais e mais as hienas e os urubus de paletó e gravata que desfilam de carros importados, impassíveis

pelos

shoppings,

pelas

alamedas

sofisticadas e pelos restaurantes gourmets. Eles são, temporariamente, os que precisam do perfume que compram. Logo o saberão, mas será tarde! No iluminismo anterior a civilização aparece como

redentora

da

ética

(Kant),

pois

como

suprassumo da racionalidade coletiva - objetiva, ela poderia educar os homens e os fazer encontra-la, a ética, em seus espíritos. Paradoxo que não comoveu (Schopenhauer e Nietzsche); a ética deontológica não pode ser resgatada por um ser-agente (deôntico) que é, ele mesmo, a coisa-objeto, o “coiso”, dessa ‘civilização’. Para fugir do redemoinho, ele precisa ser único e rebelde, precisa se subjetivar, cultivar e aprender a apreciar descobrir o que ele é, foi, pode ser, para lá da logística, do planejamento, dos roteiros, das estatísticas dos números, dos rótulos. Das regras e das leis, que não as suas próprias.

Mas estas, as que escolheu, pelas quais ele se responsabiliza estão doravante impregnadas de uma pseudoliberdade: relaciono-me com quem assim é, não porque almejo a liberdade – conceito ecumênico do discurso burguês -, mas, antes de tudo,

porque

não

sou

“coiso”

e

respeito

condignamente os que não são “coisos”, ou amo os que têm altivez e coragem para escolher. Na filosofia da antiguidade não é por acaso que o Amor seja tão reincidente, tão discutido, tão acalentado. Ele é a energia que pertence ao homem e que o torna único, superior, ‘proprietário de si mesmo’, a energia e o gozo que se expele (do redemoinho

devastador

maquinarias

biopolíticas

e

vampiresco

modernas

das

(Foucault)).

Gozar (como em Epicuro) é constituir-me a mim mesmo. Mas dificilmente isto pode ser realizado, consistente e dilatadamente, sozinho. Daí que ser livre não é ser só, solidão não é um modo de existir, mas de ultrapassar essa existência, ou seja, viver. Viver é amar e amar é uma arte emancipatória conjunta. Motivo pelo qual a filosofia na antiguidade, se via o amor como a potência de opostos a serem harmonizados, não via esta harmonia diante da lei, mas sim da arte, uma arte de ser-aproximar, de cuidar-de-si-junto, onde o prazer sexual é parte de uma ‘medicina’ do corpo e da alma. Esta medicinaarte (Erixímaco) propõe a aculturação de uma ‘estética de existência’ diluviana, uma ação mixis (mistura), uma copula (migein) contra o sistema de máquinas inumanas.


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