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Cordel: Escrita pela igualdade social

FABIANA VIANA

Ocordel é de origem portuguesa. Veio junto com a colonização do Brasil, no fim do século XVIII. Assim foi introduzido na cultura brasileira, se popularizando precisamente no interior do Nordeste. Em Portugal, os escritores iam para bairros mais pobres e penduravam seus livros em um cordão para serem vendidos, por isso o nome de “cordel”. Chegando no Nordeste, sofreu algumas adaptações, como o diálogo com o gênero literário popular, que tem como sua principal característica a oralidade, passando a ser cantado. As pessoas declamavam de forma rimada e apresentavam seus trabalhos de cidade em cidade.

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No Ceará, a valorização desse tipo de literatura é bem maior.

Em muitos lugares, há o incentivo da escrita de cordel e projetos para levar os folhetos para vários lugares do estado, com divulgação em universidades e escolas públicas. Há, por exemplo, um espaço na Bienal do Livro que se chama “praça do cordel”, que enaltece o trabalho dos cordelistas.

“Não é fácil, tem que estudar, ter conhecimento, muita leitura”, afirma Paulo de Tarso, escritor de 59 anos, originário de Tauá, interior do Ceará, que tem mais de 90 livros de sua autoria. O escritor reflete sobre as características básicas necessárias para quem quer começar a escrever cordel. Embora muito se fale sobre a simplicidade do cordel, das rimas e das histórias, Paulo destaca que se tornar um escritor de cordel exige muito estudo e leitura. Além da observação atenta da realidade.

A vivência de Paulo de Tarso com o cordel foi iniciada em 1987, quando escreveu o primeiro folheto. Entre suas obras, destaca-se uma coletânea sobre Luiz Gonzaga, com 13 cordéis:

“E aí você vai fazendo isso de uma forma natural, os temas vão aparecendo e você vai criando. Os títulos vão nascendo, se encaixando dentro daquilo que você programou para fazer ou às vezes nem programou. A literatura de cordel, essa poesia popular, consegue levar para as pessoas a alegria, a graça, a rima, a métrica e a oração”, afirma. Segundo a pesquisadora da literatura de cordel e professora do curso de jornalismo da UFMA/ São Luís, Maria Gislene Carvalho: “é muito difícil situar o cordel com uma origem, tem muitos teóricos, principalmente folcloristas, o pessoal da antropologia dos anos 1970, que defendia o cordel com origem em Portugal, mas outros estudos mais recentes já avaliaram isso de outra forma”

O cordel que veio de Portugal tinha outras características e elementos particulares, era totalmente diferente do que se espalhou pelo Brasil, chamado de “cordel no Nordeste”. Então, a origem do cordel brasileiro é nordestina. Ele se caracteriza pelas cantorias, as poesias, as declamações que eram feitas pelos cantadores, repentistas e improvisadores que iam de cidade em cidade, de feira em feira, levando notícias e suas histórias.

Esses são os principais elementos que diferenciam o cordel do português. De acordo com a fala de Gisele, “na época que a família real portuguesa veio para

“O cordel é uma forma poética que também carrega a luta pela resistência e pela igualdade social” o Brasil, eles trouxeram os cordéis que tinham lá. E isso serve de inspiração para quando se vai imprimir o cordel, para vender essa poesia. Então, a origem do cordel brasileiro é o próprio Nordeste. E aí ele tem alguns elementos desses folhetos europeus que surgem ali enquanto tá surgindo da Imprensa, que são folhetos de um papel mais barato, de uma literatura que era mais fácil de circular essa estrutura poética, essa diversidade temática, ela surge no Nordeste mesmo. A inspiração do que vem de Portugal está muito mais relacionada a uma questão do material do físico do cordel”, argumenta.

O Cordel tem uma regra básica. Para Paulo de Tarso, o cordel só é cordel se tiver rima, métrica e oração. A rima são os versos que rimam entre si, uma sextilha, uma oitava, uma décima. A métrica é a medida do verso, o tamanho que aquele verso pode ser feito, é necessário contar as sílabas. A sétima sílaba tem que ser sempre a tônica. Dentro do verso, a oração é aquilo que completa, que dá sentido ao conjunto da estrofe. Esses são os três elementos básicos.

Para Maria Gislene, o cordel tem uma métrica específica e uma forma poética específicas.

Essas são as características fundamentais desse tipo de escrita.

“Um ritmo específico são os elementos que vão definir o cordel. Podem ser em quadra de sextilhas, setilha, décima, os versos alexandrinos podem ser variados (...) O cordel é feito de diversas formas, por exemplo, tem cordel que é feito em livros, não é apenas o folheto que define. Tem cordéis que são declamados, cantados. Então, também não é o papel, nem sempre vai ser apenas a escrita. Então, o que unifica esse universo simbólico é a dimensão poética da métrica. É uma questão de memória e performance. Existe toda uma forma de fazer cordel, um comportamento de cordelista, os autores poetas reivindicam quando fazem cordel. Quando você vê uma xilogravura é uma imagem, mas você vê as pessoas chamando de cordel, não é o cordel, não é a poesia de cordel. Mas, está dentro do universo simbólico do cordel”, finaliza.

Cordel: escrita de resistência e crítica social

FABIANA VIANA

Ocordel é uma forma poética que também carrega a luta pela resistência e pela igualdade social. É assim que a escritora maranhense Lilia Diniz descreve sua experiência com a literatura de cordel. “Quando eu escrevo alguma coisa na linha do cordel, eu trago muito a questão social. Essa questão social seja no campo de gênero, na questão agrária, ou mesmo em poemas que falam de amor eu trago essa pegada aí desse engajamento, dessa poesia mais engajada”.

Lilia é natural da cidade de Alto Alegre dos Padres, interior do Maranhão, cidade que já não existe mais. Foi lá onde teve a primeira vivência com o cordel. Foi quando ela aprendeu a ler através da leitura de cordéis. Depois, sua experiência artística enveredou pelo campo da cultura popular, do teatro popular, teatro de rua e teatro de bonecos. “Foi na vivência artística que pude conhecer grandes repentistas e violeiros, que trabalham diretamente com essa linguagem que é o cordel. É claro que nem todo cordelista é repentista e nem todo repentista é cordelista, mas essas artes se encontram e dialogam, conversam juntas”, complementa.

E para quem tem interesse em conhecer os escritos, segue a sugestão de cordel:

“Mula sem cabeça” é um folheto de cordel em que a escritora e imortal da Academia Imperatrizense de Letras, Lilia Diniz, faz uma releitura da lenda original na qual uma mulher é punida ao se envolver com um padre celibatário.

Poesia De Resist Ncia

Através do cordel histórias são contadas através de rimas que descrevem as asperezas e as bonitezas do cotidiano. Revelam a luta e a resistência de um povo