Hoje Macau 13 MAI 2014 #3087

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opinião 19

hoje macau terça-feira 13.5.2014

CARLOS MORAIS JOSÉ

biental e da paisagem urbana da RAEM, sobre o descontrolo na entrada e saída de turistas e o que esse descontrolo afecta a qualidade de vida de quem cá vive e trabalha, bem como para as dificuldades que a ausência de um política e de uma estratégia locais para o desenvolvimento imobiliário provocam em constrangimentos ao mercado habitacional. Impõe-se que a oportunidade seja aproveitada para sublinhá-lo sob pena de se permitir o desvirtuamento do sentido dos compromissos assumidos entre os dois Estados e de se entregar o respeito integral pelos seus princípios às “contingências do mercado”. A defesa da Declaração Conjunta na letra e no espírito não é uma defesa dos interesses nacionais. Bem pelo contrário, essa é uma obrigação de Portugal e da RPC assumida reciprocamente para com os residentes de Macau. E estes são todos os que aqui vivem e pagam os seus impostos, qualquer que seja a sua nacionalidade, a etnia ou a cor da pele. Se para além do que fica for possível reforçar o compromisso das autoridades chinesas para com a língua portuguesa e lançar as bases para uma política mais consistente para sua preservação, ultrapassada diariamente em todos os serviços públicos locais pela comunicação em língua inglesa, já não seria mau. Do nosso cônsul-geral espero que consiga transmitir aos responsáveis nacionais a necessidade de se encontrar uma solução aceitável que ponha cobro à patente indigência de meios humanos e económicos da nossa representação, incompatíveis com as responsabilidades nacionais e a necessidade de um reforço da nossa presença na Ásia no momento actual. É inaceitável que a legalização de um simples documento – reconhecimento de uma assinatura - leve uma semana e implique a quem não está cá a fazer turismo, pelo menos, três deslocações aos serviços consulares e longas espera, ou que aos contratados locais que prestam serviço no Consulado sejam pagos salários ridículos para o nível de vida da cidade e aquilo que se lhes quer exigir. De igual modo, o que aconteceu com as obras de renovação da residência consular ou do novo auditório, por muito agradecidos que estejamos, e estamos, aos cidadãos nacionais e empresas que as financiaram e executaram, até pelo seu valor irrisório relativamente ao que estava em causa, ou por comparação com os juros que o país paga aos seus agiotas ou foi retirado aos bolsos dos reformados, não pode repetir-se e seria um mau princípio se a excepção se tornasse a regra. Enquanto português e homem livre, condição que faço questão de diariamente sublinhar onde quer que esteja, resta-me desejar os maiores sucessos à viagem do Presidente da República à China, desde já me penitenciando pelo facto de não me predispor a levantar o convite que o Consulado colocou à disposição dos nacionais que queiram confraternizar com o visitante. O facto de não confundir a instituição com o seu titular não me obriga a fazer de hipócrita. Outros, mais dados ao lustre, estou certo que abrilhantarão os salamaleques, cumprindo esse papel com o habitual empenho e a sua inexcedível subserviência a quem transitoriamente manda e distribui comendas curriculares para seu próprio deleite e afirmação histórica.

a outra face

Uma viagem e um quarto

ou as Alices no País das Maravilhas Escrito, no jornal Ponto Final nos anos 90, a propósito da visita de António Barreto no tempo do Governador Rocha Vieira

bom que os portugueses que vão deixar Macau pela santa terra tenham muitas cautelas. Pois tudo indica por aqui que por lá está mesmo mau. E um dos indicadores mais preocupantes são os ilustres visitantes que, sazonalmente, por aqui arribam com casa, cama, comida e roupa lavada. O fenómeno não é novo mas agora assume proporções surpreendentes. Já não interessa o quadrante político ou empresarial, ético ou religioso. As opiniões e as atitudes são unânimes: Macau é o País das Maravilhas. Quais Alices caídas no buraco da árvore (leia-se carreira da TAP), desembarcam no território dispostos a tudo: crescer, diminuir, dar-se com coelhos malucos ou gatos endiabrados. Não têm o mesmo estilo, mas garantem a mesma coisa: muitos jantares, muitos almoços, provavelmente à base de cogumelos alucinogéneos porque vêem aquilo que ninguém vê e são cegos ao que salta à vista. Depois regressam e escrevem coisas lindas, politicamente correctas, pois então, num gesto de franco agradecimento à rainha de copas. Ou de copos. Poder-se-ia dizer que são enganados, hipnotizados, obnubilados pela humidade e pelo calor. Mas não. Trata-se de gente inteligente, capazes de destruir qualquer Cavaco e desfazer qualquer Soares. Com capacidade reconhecida para chefiar ministérios ou ser vedeta de programa de televisão com bonecas mais

ou menos virtuais. Nos jornais da república escrevem crónicas demolidoras contra a EXPO ou a Europa, contra fascistas ou comunistas, rebentam com Guterres ou Marcelos. Mas – alvíssaras! ‑ salva-se, no fim de tudo, um paraíso chamado Macau. Alguns não gostam de Hong Kong porque não tiveram acesso à suite do Península. Outros cascam, mas na Escola Portuguesa, responsabilidade dos rapazes que por lá os governam. Talvez seja exactamente por isso: por lá são governados, por cá governam-se, à grande e à chinesa. Críticas para quê? São artistas portugueses. Só que substituíram a pasta medicinal Couto pelo OMO lava mais branco. Nós por cá compreendemos, mas entre o compreender e não gozar vai ainda alguma distância. É certo que a vida é difícil e custa a todos, e para quê criar problemas a tantos milhares de quilómetros de distância, quando ainda falta a viagenzinha do arraial da passagem de soberania em Dezembro de 1999? Será a atracção fatal do momento histórico? De facto, é espantoso. Sejam da esquerda ou da direita, jovens alinhados, trintões reciclados ou gerontes acabados, a opinião é unânime: Macau é o paraíso terreal onde se realiza Portugal. Por cá somos prósperos e vamos ao Mandarim, que é hotel de cinco estrelas, a abarrotar de vedetas e gentes de mui poder. Incrivelmente, acham que tudo isto é a valer. Pessoas acima de qualquer suspeita, gente de inteligência acima da média, conseguem reproduzir nos jornais ou na televisão os dislates mais pomposos, os elogios mais bacocos e as opiniões mais ajustadas. Uns evitam os temas, outros têm mesmo sentenças, juízos de muito valor. Uma semana é quanto basta. Passeiam vigiados pelos guardas da rainha, em percursos de turista apressado. Basta!: está tudo esclarecido, está tudo branqueado!

Escrevem em todos os jornais, debitam em qualquer televisão. Neste País das Maravilhas tudo corre bem e para todos, tudo é bem feito, sem defeito de maior. Tecem loas, cantam fados e sempre em dó menor. Imagino-os no Kosovo a dizer: é tudo para bem do povo. Por aqui existe uma escola de sinologia portuguesa, as lusas empresas prosperam com trabalho real, lançam as bases para uma presença portuguesa depois de 99. Todos os chineses sabem dizer obligado e têm consciência dos seus direitos cívicos. Macau é mesmo uma coisa muito bonita, comovente, rtpi e etc.. Os macaenses têm assegurada a nacionalidade e os chineses admiram às lágrimas a dança dos pauliteiros. Temos livrarias de fazer inveja à FNAC, teatro a dar com pau, museus que enrubescem de raiva qualquer Gulbenkian. Centros de investigação da realidade e da história macaense crescem em todas as esquinas. Os portugueses são fluentes em cantonense. As patacas, como todos sabem, nascem de uma árvore. É certo que ultimamente o dono do canteiro anda com pouca mão na propriedade e alguns aventureiros são abatidos com a mão na fruta. Mas isso é coisa que não é da nossa conta. A responsabilidade é dos outros meninos. Vistas bem as coisas, a culpa até que nem é do governo cá da terra. Afinal limita-se a querer ficar bem na fotografia. Um desejo aceitável e – quem sabe? – louvável. Aliás, recebem como poucos. Só falta pegá-los ao colo e embalá-los até ao sono dos justos. E, como diz a vox populi, as insónias não estão na moda, porque rareiam as consciências. Estas, lá num reino esquecido que deve ser a Dinamarca, parecem estar a bom preço: uma viagem e um quarto. De lá para cá pouco mudou, afinal. Ele aí está. Outra viagem e outro quarto: a mesma e conveniente miopia...

Propriedade Fábrica de Notícias, Lda Director Carlos Morais José Redacção Joana Freitas (Coordenadora); Andreia Sofia Silva; Cecilia Lin; José C. Mendes; Leonor Sá Machado Colaboradores António Falcão; António Graça de Abreu; Hugo Pinto; José Simões Morais; Marco Carvalho; Maria João Belchior (Pequim); Michel Reis; Rui Cascais; Sérgio Fonseca; Tiago Quadros Colunistas Agnes Lam; Arnaldo Gonçalves; Correia Marques; David Chan; Fernando Eloy ; Fernando Vinhais Guedes; Isabel Castro; Jorge Rodrigues Simão; Leocardo; Paul Chan Wai Chi; Paula Bicho Cartoonista Steph Grafismo Catarina Lau Pineda; Paulo Borges Ilustração Rui Rasquinho Agências Lusa; Xinhua Fotografia Hoje Macau; Lusa; GCS; Xinhua Secretária de redacção e Publicidade Madalena da Silva (publicidade@hojemacau.com.mo) Assistente de marketing Vincent Vong Impressão Tipografia Welfare Morada Calçada de Santo Agostinho, n.º 19, Centro Comercial Nam Yue, 6.º andar A, Macau Telefone 28752401 Fax 28752405 e-mail info@hojemacau.com. mo Sítio www.hojemacau.com.mo


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