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MILTINHO CANTA, COMPÕE, TOCA E... ASSOVIA

Fotos: Marco Vieira

UM DOS NOTÓRIOS MULTI-INSTRUMENTISTAS DA MÚSICA BRASILEIRA, MILTON GUEDES, APÓS TRÊS DÉCADAS COMPONDO PARA OUTROS MÚSICOS E EM TURNÊS DE GRANDES ASTROS, LANÇA SEU NOVO DISCO SOLO POR MORILLO CARVALHO

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Brasília era um emaranhado de poeira, céu amplo, ruas vazias e descobertas ao dispor de qualquer jovem nascido na década de 60. E o pequeno Milton Guedes aproveitava tudo isso. Na 710 Sul, onde vivia, dividia a vida entre andar de skate e ir ao colégio. Uma vida sossegada, mas divertida. Que se transformaria repentinamente. E o transformaria no Milton Guedes, cantor e multi-instrumentista que acompanharia Lulu Santos, Sandy & Júnior e que, agora, após um hiato de 24 anos, acaba de lançar um disco solo.

Nenhum jovem em 1998 passou alheio à música Sonho de uma Noite de Verão, hit do primeiro disco do músico. Se é o seu caso, nem preciso seguir adiante na letra: canção pop e de refrão fácil, com as batidas típicas do fim da década de 90 e usadas por artistas como Vinny e Maurício Manieri. Mas a carreira de cantor ficou interrompida por uma intervenção em sua gravadora à época.

De lá pra cá, porém, não parou. Ao contrário: foram sete canções em trilhas sonoras de novelas, mesmo sem lançar discos, e uma intensa atividade como instrumentista: esteve nos acústicos do Roupa Nova, fez turnês como instrumentista… Aliás, a história do candango – que não vive em Brasília desde 1986, mas sempre retorna porque é onde a família fixou raízes – merece ser contada do começo...

SKATE E CORAIS

“A vida era ir a pé para a escola pública, assoviando – o que viria a se transformar num instrumento pra mim, depois – e participar dos campeonatos de skate da 115 e da 710 Sul”, conta Milton, que hoje é considerado um dos melhores assobiadores do País. Ele tinha 14 anos quando a semente da música começou a germinar. “Minha irmã, cantora dos corais do Sesi, me incentivava. E o meu irmão era baterista de bandas de rock dos anos 80”, lembra. Pouco mais tarde, Milton Guedes formou a banda Pôr do Sol. “Que eles (os roqueiros) odiavam porque era mais fofinha (risos). E Brasília era a cidade do rock, então quem fazia pop era execrado. Ao mesmo tempo, nos festivais de Brasília, o Renato era massacrado – e cantando o que faria dele o Renato Russo”, diverte-se.

SAX, CLARINETE E FLAUTA

Milton trabalhava no Banco do Brasil, fazia cursinho, e toda vez que se aproximava de casa, o som do saxofone do maestro vizinho dominava a 710 Sul. Foi quando decidiu, num rompante, bater à porta dele. “E foi arrebatador. Ele viu esse arrebatamento nos meus olhos e falou que me daria aula de graça. Na primeira aula, saí tocando”, diz. Então começou a tocar no Gilberto Salomão, e uma ilustre presença transformaria a vida do jovem músico para sempre.

OSWALDO MONTENEGRO

Barril 2000 era o nome do point. Numa sexta à noite, Oswaldo Montenegro acompanhou sua apresentação. Ficou impressionado com a versatilidade do jovem que já tocava sax, flauta e gaita. E o convidou para almoçar no dia seguinte em sua casa, pois o queria na próxima peça de teatro. “Ele já falava como se eu já estivesse na peça. Ele me disse: `tem ensaio segunda`, no Rio. O pai dele puxou o livretinho, com a passagem aérea para o dia seguinte, e disse pra eu não dizer Não”, recorda. Domingo estava no Rio de Janeiro, segunda começou os ensaios e nunca mais voltou a morar

em Brasília. Após a temporada da segunda peça de Oswaldo, Milton entrou em sua banda. Ao mesmo tempo, começou a tocar na noite do Rio. Foi quando conheceu um grupo de reggae...

LULU SANTOS

Gravava com este grupo no estúdio de uma gravadora grande, e quem estava no estúdio ao lado? Lulu. “Lulu ficou impressionado. Me chamou, elogiou e convidou para uma audição”. Passou, então, seu telefone. Lulu prometeu ligar, mas mais de um mês se passou e nada. Então tornou a tocar na Gig Saladas – uma casa no Leblon. O local era frequentado por nomes como Cássia Eller, Eduardo Rangel e Tom Capone. “Terminei um apresentação e veio um cabeludão: ‘pô, você é o Milton Guedes! Sou guitarrista do Lulu, ele perdeu o seu telefone, tá atrás de você!’”, conta. Um mês depois, estreava a turnê no Canecão. Era junho de 1988. Foi o início de uma parceria de mais de trinta anos.

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

Quando Milton tentou um primeiro disco solo, em 1994, quem o produziu foi Lulu Santos. Mas esse disco acabou “não acontecendo”, como o próprio artista define. Só voltou a gravar depois de conhecer o produtor musical e compositor Guto Graça Mello. O hit que seria a única música de trabalho do segundo foi uma brincadeira inspirada no som do Skank. “O Guto falou que precisávamos de um popzão, e Garota Nacional estava estouradaça. Resolvi pegar esse beat, e fui viajando na ideia de o Samuel Rosa cantando ‘é o ouro, é o bicho, é uma onda de calor, é dez! Afrodite, deusa do amor’”, rememora. A música explodiu. Tudo se encaminhava para que o disco fosse sucesso absoluto. Mas a EMI Odeon internacional resolveu fazer uma intervenção na gravadora brasileira. E todos os projetos seriam congelados. “Foi a maior decepção da minha vida, porque a gente dependia muito das gravadoras nessa época. Elas ganhavam 70, 90 por cento do que vendíamos, mas elas faziam tudo”, conta.

SANDY & JUNIOR

A frustração durou pouco: voltou para a banda do Lulu, compôs, fez música para o Rouge – é dele o primeiro single da girlband, Não dá pra resistir, antes mesmo do estouro de Ragatanga. Para Sandy & Júnior, fez A Gente Dá Certo. E deu certo quando a dupla resolveu chamá-lo para uma canja de Sonho de uma Noite de Verão num show. Em pouco tempo, estavam amigos, seguiu com a banda em turnê e montou outra, a SoulFunk, com Junior. Foi tão marcante esse período que, em 2019, quando os irmãos resolveram fazer a turnê Nossa História, nem pestanejou em aceitar o convite de estar junto.

Foto: Marco Vieira

DISCO NOVO

Vinte e quatro anos se passaram e chegou a hora de botar fim ao jejum. Lançou o primeiro single, Se Você Aparecer, do álbum Baladas de Amores Abalados, refletindo sobre o tempo da pandemia e brincando com a música Balada do Amor Inabalável, do Skank.

“A pandemia acabou com várias relações ou as deixou confusas”, brinca. Perguntado se seria uma experiência pessoal, ele abre o jogo: “todo mundo passou por uma crise nesse período e agora estamos bem, mais do que antes”. Adriana Maciel, a esposa, é editora de livros, cantora e flautista formada pela UnB. Estão juntos há 32 anos e têm dois filhos: a designer Raíssa e o músico Rudah.

“Eu estou esperançoso e muito feliz por estar conseguindo, finalmente, relaxar com o trabalho que eu produzo e botá-lo para o mundo, porque não tem mais porque guardar”, planeja o músico de 58 anos. O Cerrado e seus habitantes o aguardam ansiosamente.