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FUTURO DO PRESENTE

VOTO IMPRESSO: CONTRA OU A FAVOR. AO CELEBRAR 25 ANOS, AS URNAS ELETRÔNICAS PAUTAM O ATUAL DEBATE POLÍTICO. PROPOSTA DE CÉDULA FÍSICA PARA O PLEITO DE 2022 ENFRENTA RESISTÊNCIA POR DANIEL CARDOZO

Odia era 9 de março de 2020. Em viagem aos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) surpreendeu muitos brasileiros ao dizer que havia sido eleito no primeiro turno em 2018, mas as fraudes teriam impedido a vitória antecipada. Até hoje, Bolsonaro não apresentou provas, apesar de prometê-las. Entretanto, essa fala inflamou discussões em torno da implantação do voto impresso, que, se aprovada, pode trazer mudanças para o pleito de 2022.

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Os questionamentos em relação ao futuro das urnas eletrônicas brasileiras chegam no mesmo momento em que a implantação da tecnologia completa 25 anos. O dispositivo informatizado foi usado pela primeira vez em 1996 (leia mais em História).

A Proposta de Emenda à Constituição 135/2019, de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), está sendo discutida em uma comissão especial criada na Câmara dos Deputados. Em dois meses, a comissão promoveu audiências públicas e ouviu 27 especialistas. O Tribunal Superior Eleitoral não enviou representantes.

Embora exista uma composição com maioria governista, ela foi modificada graças a um movimento protagonizado por dirigentes de 11 partidos, que se manifestaram conjuntamente a favor da continuidade do modelo atual. O relatório deve ser votado após o recesso parlamentar, que termina no início de agosto.

Foto: Antonio Augusto/ASCOM/TSE

AFINAL, O QUE DIZ A PROPOSTA?

O texto diz que “no processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e dos referendos, é obrigatória a impressão do registro do voto conferível pelo eleitor”. Dessa forma, será possível verificar se as escolhas foram registradas corretamente. Após isso, uma cédula de voto será depositada em um recipiente indevassável, sem que haja contato manual. A proposta não prevê que o cidadão possa levar um comprovante dos votos ao deixar a seção eleitoral.

De acordo com um estudo produzido pela consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, 36 países utilizam urnas eletrônicas para captação e apuração dos votos. No caso de Japão, Holanda e Alemanha, houve abandono dos sistemas automatizados por falta de transparência e confiabilidade, ainda segundo a pesquisa.

SEGURANÇA

Ainda que não tenha havido provas de fraude em larga escala, quando se trata de equipamentos eletrônicos, tudo estaria sujeito a falhas técnicas. Para Mário Gazziro, professor do MBA em segurança de dados da USP e da Universidade Federal do ABC Paulista, falhas pontuais podem ser decisivas, principalmente nas votações para cargos como vereador em cidades pequenas.

“Vamos supor que um candidato queira impedir a vitória de um adversário em uma cidade com três mil habitantes, com duas seções eleitorais. Uma delas fica em uma comunidade com ampla maioria daquele que se quer prejudicar e a outra em um local onde se tem mais votos para o candidato mal intencionado. É possível destruir essa urna com um ímã poderoso. Sem o voto impresso em papel, não há como checar os resultados”, explicou.

O especialista reconhece o esforço da Justiça Eleitoral em promover testes, mas acredita que é preciso ir além. “O TSE faz um bom trabalho. Muito da negação em adotar o voto impresso são os custos e o receio de judicialização. Eles têm medo desse tipo de problema manchar a reputação da urna, mas nós, que somos técnicos, sabemos que existe essa possibilidade”.

Gazziro relata que, no teste de 2017, hackers participantes foram capazes de mudar nomes de candidatos participantes. “O TSE não admitiu a gravidade da situação, porque não conseguiram desviar votos de um para outro candidato. É possível atacar o software sem que a Justiça Eleitoral perceba. Por outro lado, o transporte das mídias de votação é terceirizado, então é mais uma vulnerabilidade”, completou.

O Comitê de Tecnologias Eleitorais da Sociedade Brasileira de Computação, em parceria com o departamento de design do Instituto Federal de Santa Catarina, prepara um modelo de urna eletrônica que já possua a disposição para a impressão da cédula de votação.

FAKE NEWS

A professora Isabel Veloso, do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), considera inviável o cumprimento das etapas de licitação, fabricação e adaptação das mais de 500 mil urnas eletrônicas. A advogada acredita que as notícias falsas atrapalham a discussão. “A estratégia de aprovação da proposta é essencialmente pautada em teorias conspiratórias de supostas fraudes eleitorais que circulam em redes sociais e veículos de desinformação. Não há um problema real a ser endereçado”, diz.

A especialista elogia o modelo nacional, que proporciona agilidade na revelação de resultados. Para Veloso, ao longo dos 25 anos, as suspeitas foram eliminadas pela Justiça Eleitoral. “Até o presente momento, não houve qualquer impugnação de pleitos eleitorais”.

Entre os exemplos mais famosos de contestação está o pedido de auditoria do PSDB após a derrota do candidato Aécio Neves nas eleições presidenciais de 2014. À época, o partido alegou descrença quanto à infalibilidade da urna eletrônica. “Mesmo sem o respaldo de indícios concretos, a auditoria do resultado do segundo turno foi autorizada e não houve constatação de qualquer irregularidade”, exemplificou.

OS TESTES

Desde 2009 é realizado o Teste Público de Segurança (TPS), que tem o objetivo de identificar e corrigir eventuais vulnerabilidades relacionadas à violação da integridade ou do anonimato dos votos de

A urna de lona foi a última utilizada antes da urna eletrônica

uma eleição. “A Justiça Eleitoral brasileira foi a primeira em todo o mundo a abrir os sistemas eleitorais para que investigadores tentassem ‘quebrar’ as barreiras de segurança”. Até hoje, foram feitas sete edições do TPS. Entre as precauções, o TSE lista eventos públicos, como a cerimônia de assinatura digital e lacração de sistemas, realizada seis meses antes das eleições com a participação de Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e entidades da sociedade civil.

A estimativa da Justiça Eleitoral é de que a implementação do voto impresso em 100% das urnas eletrônicas demandaria um gasto extra de R$ 2 bilhões, para a aquisição do módulo impressor, urnas plásticas descartáveis para armazenamento de votos impressos, bobinas de papel, lacres de segurança, transporte e armazenamento.

HISTÓRIA

O projeto da urna eletrônica brasileira foi elaborado em 1995, por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), de São José dos Campos. A primeira vez que o sistema foi colocado em uso foi nas eleições de 1996, em municípios acima de 200 mil habitantes. Quatro anos mais tarde, o modelo foi adotado em todas as cidades brasileiras.