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Trechos de o ser e o nada

Manual de Sobrevivência Filosófico

42 e obriga a realidade humana a fazer-se em vez de ser. […], para a realidade humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, ou tampouco de dentro, que ela possa receber ou aceitar. está inteiramente abandonada, sem qualquer ajuda de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de fazer-se ser até o mínimo detalhe. assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, ou seja, seu nada de ser. (…) sou responsável por tudo, de fato, exceto por minha responsabilidade mesmo, pois não sou o fundamento do meu ser. Portanto, tudo se passa como se eu estivesse coagido a ser responsável. sou abandonado no mundo, não no sentido de que permanecesse desamparado e passivo em um universo hostil, tal como a tábua que flutua sobre a água; mas, ao contrário, no sentido de que me deparo subitamente sozinho e sem ajuda, comprometido em um mundo pelo qual sou inteiramente responsável, sem poder, por mais que tente, livrar-me um instante sequer, desta responsabilidade, pois sou responsável até mesmo pelo meu próprio desejo de livrar-me das responsabilidades. (…)

Trechos de O Ser e o Nada

Sartre publicou esse tratado em 1943 para definir a consciência como uma coisa transcendente. Esse trabalho deu o maior impulso ao Existencialismo.

assim, não diremos que um prisioneiro é sempre livre para sair da prisão, o que seria absurdo, nem tampouco que é sempre livre para desejar sua libertação, o que seria um truísmo irrelevante, mas sim que é sempre livre para tentar

KierKeGaarD • Jean-PaUl sarTre Angústia

escapar (ou fazer-se libertar) — ou seja, qualquer que seja sua condição, ele pode projetar uma evasão e descobrir o valor de seu projeto por um começo de ação. (…) na angústia, não captamos simplesmente o fato de que os possíveis que projetamos acham-se perpetuamente corroídos pela nossa liberdade-por-vir, mas também apreendemos nossa escolha, ou seja, nós mesmos, enquanto injustificável, isto é, captamos nossa escolha como algo não derivado de qualquer realidade anterior. (…) […] é na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade, ou, se se prefere, a angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesma em questão. (…) [...] nossa liberdade posterior, na medida em que não é nossa liberdade atual, mas sim o fundamento de possibilidades que ainda não somos, constitui como que uma opacidade em plena translucidez, algo como […] ‘o mistério em plena luz’. Daí nossa necessidade de esperar por nós mesmos. (…) o despertador que toca de manhã remete à possibilidade de ir ao trabalho, minha possibilidade. Mas captar o chamado do despertador é levantar-se. assim, o ato de levantar da cama é tranquilizador, porque evita a pergunta: “será que o trabalho é minha possibilidade?” — e, em consequência, não me deixa em condições de captar a possibilidade do quietismo, da recusa ao trabalho e, em última instância, da morte e da negação do mundo. […] tal apreensão me protege contra a angustiante intuição de que sou eu — eu

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44 e mais ninguém — quem confere ao despertador seu poder de exigir meu despertar. (…)

Descobrimo-nos, pois, em um mundo povoado de exigências, no seio de projetos ‘em curso de realização’: escrevo, vou fumar, tenho encontro com Pierre esta noite, não devo esquecer de responder a simon, não tenho direito de esconder a verdade de claud por mais tempo. Todas essas pequenas esperas passivas pelo real, todos esses valores banais e cotidianos tiram seu sentido, na verdade, de um projeto inicial meu, espécie de eleição que faço de mim mesmo no mundo. Mas, precisamente, esse projeto meu para uma possibilidade inicial, que faz com que haja valores, chamados, expectativas e, em geral, um mundo, só me aparece para-além do mundo, como sentido e significação abstratos de minhas empresas. no mais, há despertadores, formulários de impostos, agentes de polícia, ou seja, tantos e tantos parapeitos de proteção contra a angústia. Porém, basta que a empresa a realizar se distancie de mim e eu seja remetido a mim mesmo porque devo me aguardar no futuro, descubro-me de repente como aquele que dá ao despertador seu sentido, que se proíbe, a partir de um cartaz, de andar por um canteiro ou gramado, aquele que confere poder à ordem do chefe, decide sobre o interesse do livro que está escrevendo — enfim, aquele que faz com que existam os valores, cujas exigências irão determinar sua ação. vou emergindo sozinho, e, na angústia frente ao projeto único e inicial que constitui meu próprio ser, todas as barreiras, todos os parapeitos desabam, nadificados pela consciência de minha liberdade; não tenho, nem posso ter, qualquer valor a recorrer contra o fato de que sou eu quem mantém os valores no ser; nada me protege de mim mesmo;