Tempo Livre Março 2010

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N.º 213 Março 2010 Mensal 2,00 euros

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Entrevista

Nuno Santos, astrónomo:

“A Astronomia responde a perguntas fundamentais”

Viagens Katmandu Paixões Luísa Pestana, Fundação Vodafone


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Sumário

Na capa Imagem da Galáxia Messier 83

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CONCURSO DE FOTOGRAFIA

ENTREVISTA

Nuno Santos, astrónomo Professor e investigador do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, Nuno Santos fala-nos do seu trabalho, dos avanços da Astronomia nos últimos vinte anos e do projecto que terá a duração de cinco anos e visa a descoberta de planetas extra-solares semelhantes à Terra. “A astronomia – salienta o jovem e conceituado cientista - responde a questões fundamentais”.

20 EDITORIAL

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CARTAS E COLUNA DO PROVEDOR

9 38

NOTÍCIAS PAIXÕES

Luísa Pestana, presidente da Fundação Vodafone

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VISITAS GUIADAS

Teatro Maria Matos

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MEMÓRIA

Beatriz Costa, a menina da franja

50 52 79

OLHO VIVO A CASA NA ÁRVORE O TEMPO E AS PALAVRAS Maria Alice Vila Fabião

80

OS CONTOS DO ZAMBUJAL

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Navio-museu Gil Eannes Resgatado do ferro-velho, onde esteve longos anos, o Navio-Hospital Gil Eannes é hoje um museu flutuante, ancorado na doca comercial de Viana do Castelo. Há dez anos que conta aos visitantes uma saga de trabalho e heroísmo nos mares do Atlântico Norte.

24 VIAGENS

Katmandu, a nova Babilónia Katmandu, a velha Xanadu, o portão místico dos Grandes Himalaias, uma vez revelada, é muito mais do que uma cidade em desvario, um amontoado frenético de gente e veículos em sobressalto.

30 INATEL 75 ANOS

CCD do BCP Criado em 2002, o Clube Millennium BCP, sócio colectivo da Inatel, tem mais de 30 mil associados, no activo e reformados, atraídos pelas propostas de lazer, cultura e desporto.

34 TRADIÇÕES

BOA VIDA

Conserveira de Lisboa Situada na Baixa pombalina, a prestigiada conserveira combina a melhor tradição da antiga mercearia portuguesa.

CLUBE TEMPO LIVRE

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CRÓNICA Fernando Dacosta

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MUSEUS

Passatempos, Novos Livros e Cartaz

PATRIMÓNIO,

António Teixeira (1707-1774) O músico de «Deus» e do «Diabo»

Revista Mensal e-mail: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Guiomar Belo Marques, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, Joaquim Durão, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lourdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, José Lattas, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, João Aguiar, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Fax: 210027061 Publicidade: Patrícia Strecht, Telef. 210027156; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 158.481 exemplares


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Editorial

V í t o r Ra m a l h o

Turismo Social

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o início do ano, o Conselho de Administração reuniu-se durante um dia inteiro com o objectivo de avaliar criticamente a acção desenvolvida desde a tomada de posse à luz da estratégia inicialmente definida. A reunião seguiu-se a uma outra na unidade da Foz do Arelho para a qual foram convocados todos os quadros da Fundação. O CA teve presente, como não podia deixar de ser, nessas duas reuniões, as consequências gerais da crise mundial existente que obviamente afectam a procura de bens e serviços em geral e em particular o domínio do turismo. Daí que em tempo oportuno, a Fundação tivesse adoptado medidas tendentes à sensibilização dos poderes públicos para o reforço dos programas governamentais e em particular para o turismo sénior, cujo contributo para o desenvolvimento da economia em geral e para a economia das regiões foi recentemente confirmado por um estudo muito aprofundado da Universidade de Aveiro. Esse estudo demonstra a importância da gestão dos programas governamentais pela Fundação Inatel que concorre significativamente para a defesa do emprego e para o aumento das próprias receitas orçamentais públicas. Daí que houvesse a preocupação de proceder à apresentação pública do estudo dando-lhe a mais ampla divulgação. É porém sabido que a actividade da Fundação Inatel no domínio da actividade turística ultrapassa de forma muito significativa a vertente dos programas governamentais. Esta situação justifica que nas citadas reuniões se tivesse priorizado o reforço do turismo social de massas e com este do turismo da natureza, procurando conciliar num mesmo pacote

as várias valências das actividades da nossa Fundação que vão da actividade turística tradicional ao desporto e à cultura. Num período de fortes constrangimentos e limitações orçamentais, é indispensável sabermos responder com ousadia aos novos desafios, entendendo que a crise pode e deve ser uma janela de oportunidade contanto que, com imaginação e sentido de eficácia, concebamos projectos adequados aos interesses dos nossos beneficiários. Neste quadro foi, também, projectado o turismo estudantil júnior que, no ano em curso, concretizar-se-á em estreita cooperação com o Ministério da Educação que reconheceu o enorme mérito da experiência levada a efeito em 2009 no Unidade de Férias da Costa de Caparica.

A

reflexão levada a efeito pelo CA no domino de actividade turística, procurando contrariar a crise que se vive e apostando em novos desafios, foi apenas uma parte dos que preencheram a reunião levada a efeito no princípio do ano, com o objectivo exclusivo de servir cada vez mais e melhor os nossos beneficiários. A circunstância de só a 3.ª fase do turismo sénior, que abrangerá o período de Março a Maio do ano em curso, envolver cerca de 40.000 beneficiários em 800 programas, dá uma ideia da dimensão da nossa Fundação e da sua relevância para a economia nacional. É por isso que é um orgulho servi-la com o contributo solidário dos seus cerca de novecentos trabalhadores do quadro a quem o país muito deve. No ano em que se comemora a passagem dos 75 anos de existência da Fundação Inatel é para eles que vai a primeira homenagem do Conselho de Administração. I

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Fotografia

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XIV Concurso “Tempo Livre”

Fotos premiadas [1]

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Regulamento 1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os membros associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e os elementos da redacção e colaboradores da revista Tempo Livre. 2. Enviar as fotos para: Revista Tempo Livre - Concurso de Fotografia, Calçada de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa.

Menções honrosas [ a ] Ricardo Santos, Bobadela Sócio n.º 475914 [ b ] António Pedro, Almada Sócio n.º 383506 [ c ] Gracília Correia, Senhora da Hora Sócio n.º 122180

3. A data limite para a recepção dos trabalhos é o dia 10 de cada mês. 4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco, sem qualquer suporte.

[a]

5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas. 6. O concurso é limitado aos beneficiários associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assinaladas no verso com o nome do autor, direcção, telefone e número de associado da Inatel.

[b]

7. A Tempo Livre publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premiadas e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto. 8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano 9. Prémios: cada uma das três fotos seleccionadas terá como prémio duas noites ou um fim de semana para duas pessoas num dos Centros de Férias do Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O premiado(a) deve contactar a redacção da «TL». [ 1 ] António da Silveira, Lisboa Sócio n.º 287367 [ 2 ] Paulo Amado, S. João da Madeira Sócio n.º 393614 [ 3 ] Verónica Rocha, Lisboa Sócio n.º 421073

[c]

10. Grande Prémio Anual: uma viagem a escolher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, com a validade de um ano, a publicar na revista Tempo Livre de Setembro de 2010, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso. 11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio.

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Cartas A correspondência para estas secções deve ser enviada para a Redacção de “Tempo Livre”, Calçada de Sant’Ana, nº. 180, 1169-062 Lisboa, ou por e-mail: tl@inatel.pt

Actividade desportiva “…Sou sócio da Inatel, desde a década de setenta do milénio passado, e fui ao longo de décadas representante de CCDs do Inatel e recordista nacional em provas de atletismo (…) A Inatel como instituição pública tem responsabilidade na promoção do desporto em geral e da actividade física e desportiva, fundamental para a melhoria da qualidade de vida e manutenção da saúde dos cidadãos (…) as alterações de designação e de estatutos, trouxeram ajustamentos e actualizações para rentabilizar recursos e meios que desde que sejam para aperfeiçoar, estamos de acordo. (…) Mas, na época transacta fundiram-se provas distritais com regionais, agruparam-se campeonatos distritais com os de outros distritos. (…) A nível nacional, as ex-delegações deixaram de realizar, promover e apoiar iniciativas e entre Outubro e Dezembro não houve qualquer actividade, ao contrário dos anos anteriores que tinha uma programação variada (…) apenas decorrem aulas de ginástica, judo e natação ou outras, por existirem contratos anteriores a Outubro (…). Chamo a atenção para este procedimento que irá agravar as lacunas nacionais em termos de actividade desportiva com reflexo na saúde e

bem-estar dos associados e da população em geral…” José Ribeiro, Braga

50 anos na INATEL Completaram, este mês, 50 anos de ligação à Fundação Inatel os membros associados: Helena Conceição Marques e Mª Augusta Santos, de Almada; Maria Paz Pedrogão, de Cascais; Manuel Agostinho Almeida, de Évora; Mª Emília Santos, Mª Fernanda Martins, António José Silva, António Craveiro Lopes, Emília Mariana Santos, Idalina Ferreira Silva, Celestino Gomes Galveias, Mª Luísa Oliveira, João Romão, Armando Caetano, Ernesto Silva, Mª Margarida Bernardo, Ludovina Palacim, Olívia Cortez Gama e José Amaral Santos, de Lisboa; Mª Virgínia Brito, de Loures; Mª Guiomar Saco e Carlos Alberto Gonçalves, de Oeiras; Alberto Jorge Abreu, de Viseu; Artur Martins, de Sintra. NR: O restaurante “Lena” mencionado na rubrica “À Mesa”, página 71 da edição de Fevereiro último, fica situado em Ortiga, concelho de Mação, e não em Belver como incorrectamente foi referido naquela rubrica.

Coluna do Provedor

Kalidás Barreto provedor@inatel.pt

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HÁ DIAS um nosso beneficiário reclamava para este Gabinete, surpreendido com algumas deficiências informativas, algumas alterações mal explicadas, concluindo que pensava que, com a mudança para Fundação “não havíamos beneficiado nada”. Admito que haja algum radicalismo na sua conclusão; todavia compreendo a razão que assiste, para quem está de fora, algumas alterações, eventualmente não explicadas atempadamente ou mal explicadas. Foi o caso de algumas tabelas de preços que por alterações de grafismo induziu alguns beneficiários a suporem aumentos de preços ou dos cartões que ainda não foram entregues porque vão ser formatados de outra forma para que possam servir para os associados beneficiarem de descontos especiais em entidades com quem a Fundação estabeleceu acordos.

Compreenderão igualmente que “Roma e Pavia não se fizeram num dia” e que a vida nos ensina que cada modificação provoca alguma reacção, dado que há métodos e ritmos diferentes. Como diz o Senhor Presidente do Conselho de Administração da Fundação INATEL, Dr. Vítor Ramalho: “… Não se pode em circunstância alguma, seguir outra via senão esta, de rigor, sob pena de corrermos sérios riscos. Este caminho reforça a qualidade, tem os olhos postos nos associados, que são a nossa razão de ser e atende o interesse dos trabalhadores do mandato dos administradores, como garantia de futuro. As transformações e as profundas reformas exigíveis já empreendidas e a empreender, não são isentas de dúvidas e interrogações sendo obrigação do conselho de administração darlhes respostas.”


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Notícias

CGTP: 40 anos No âmbito do 40º aniversário da CGTP/IN, a comemorar em Outubro próximo, o Presidente da Fundação, Vítor Ramalho, e o Secretário-Geral daquele central, Carvalho da Silva, estiveram reunidos na sede da Fundação e acordaram promover acções conjuntas, nos planos cultural e desportivo, para assinalar a histórica efeméride. Para o efeito, a Administração da Fundação nomeou dois trabalhadores da Inatel que, em conjunto com dois membros da direcção da CGTP, organizarão as acções comemorativas dos 40 anos da central sindical, membro do Conselho Consultivo da Inatel. G

Solidariedade com a Madeira Face à tragédia que se abateu recentemente sobre a região autónoma da Madeira, o conselho de administração da Fundação Inatel deliberou disponibilizar as suas instalações do Santo da Serra na ilha da Madeira para assim responder ao auxílio de emergência que se impõe aos cidadãos que careciam desse apoio e que se traduziu no alojamento e alimentação de dezenas de madeirenses.

G

Administração da Inatel prepara reestruturação do sector hoteleiro G Para fazer o balanço da acção desenvolvida até ao presente e aprofundar as linhas de orientação estratégicas da Fundação, o Conselho de Administração da Inatel esteve reunido, durante um dia, em Fevereiro, na unidade hoteleira da Costa de Caparica, onde tomou importantes deliberações em diferentes as áreas, designadamente no sector informático, na requalificação de equipamentos e nas candidaturas ao Q.R.E.N. O CA deliberou ainda

acerca dos actos comemorativos dos 75 anos da Fundação e debateu o reforço da relação da mobilidade com os CCD’s, a reestruturação do sector hoteleiro e o arranque dos programas governamentais - em particular a 3ª fase do turismo sénior. Em debate esteve, por outro lado, a politica de recursos humanos e situação salarial, incluindo o estado das negociações em curso com as estruturas sindicais da FESHAT (CGTP) e da FETESE (UGT).

Agenda do Centenário Para assinalar os 100 anos da proclamação da República e a afirmação da liberdade e da cidadania do Estado de Direito, a Imprensa Nacional - Casa da Moeda e a Comissão Nacional para as Comemorações lançaram a Agenda do Centenário para 2010, cujo conteúdo, de natureza histórica, incide sobre os momentos mais marcantes da I República Portuguesa. G

Sorteio BTL O sorteio efectuado no stand da Inatel na Bolsa de Turismo de Lisboa, em Janeiro, contemplou os seguintes associados: Maria Helena Falé – 2 Noites / 2 Pessoas – Viagem aos Açores, com estadia no Hotel das Flores (Viagens oferecidas Pelo Grupo SATA); Anatólio Dias Fale – Inatel Albufeira – 2 Noites / 2 Pessoas (Fim-de-Semana); Teresa de Jesus, Inatel Piódão – 2 Noites / 2 Pessoas (Fim-de-Semana). Os prémios são válidos até 31 de Dezembro de 2010. MAR 2010 |

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Notícias

Protocolos com o ISS e a Associação 25 de Abril

Cristina Baptista, Edmundo Martinho, presidente do ISS, e Vítor Ramalho na cerimónia de assinatura do protocolo G No âmbito do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social em 2010, a Inatel e o Instituto da Segurança Social acordaram, em Fevereiro último, no desenvolvimento e consecução do projecto “Cinema de Bairro”, traduzido na realização de cinco documentários em outros tantos bairros sociais problemáticos, com a participação de jovens entre os 16 e os 22 anos. Os documentários serão exibidos “em âmbito local, num cine

teatro ou auditório, complementados com a exibição de uma longametragem de temática social”. Foi ainda celebrado um protocolo com a Associação 25 de Abril, representada pelo seu presidente, Coronel Vasco Lourenço. O acordo prevê a mútua cooperação na divulgação das iniciativas das duas instituições. Os associados da A25A beneficiarão das tarifas aplicadas aos beneficiários não associados da Inatel.

Vítor Ramalho e Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril 10

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“Arte da Xávega” Com a chancela da Fundação INATEL o terceiro livro dedicado à Xávega da autoria de Manuel Fidalgo, intitulado “Arte Xávega – Sociedades, Comunidades, Famílias”, trata das sociedades e das comunidades de pescadores desta arte, entre Espinho e Leirosa. A obra que pretende preservar uma arte em vias de extinção vem complementar o trabalho publicado em dois livros – o primeiro dedicado à construção do Barco, de 2000, e o segundo que surge cinco anos mais tarde sobre o paradigma ecológico e as técnicas de navegação deste famoso barco. De João Lopes Filho, e também das Edições Inatel, foi lançado o livro “A Cultura Tradicional no Estado Novo V Congresso Internacional da Vinha e do Vinho” que oferece uma perspectiva cultural da história do País nos anos 30 do século XX, através da análise do V Congresso Internacional da Vinha e do Vinho e do II Congresso Médico para o Estudo Científico do Vinho e da Uva em Portugal (1938), situados no contexto politico europeu e na postura assumida pelo regime salazarista. Ambas as obras estão disponíveis na área de Documentação e Arquivo da sede da Fundação, pelo montante de 19 euros/edição. Os associados da Fundação beneficiam de desconto de 40%.


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Conferências Inatel

Sobrinho Simões “A sociedade estará disposta a tolerar a melhoria genética?” FOTOS: LUCÍLIA MONTEIRO

A religião, a cultura e a política ocuparam um lugar central na conferência de Manuel Sobrinho Simões na Casa Jorge Sena (Inatel Porto). O prestiado investigador, que falava no Ciclo de Conferências sob o tema “Novas respostas a novos desafios”, acentuou, no repleto auditório da Fundação, a necessidade da ligação das ciências exactas à sociedade. “As Ciências exactas devem – lembrou o prestigiado investigador - enquadrar-se com outras áreas”. “Tudo tem sido feito – acrescentou -. Temos robôs, capacidade de fazer medicina regenerativa, capacidade de a partir de células estaminais reproduzir organismos e as nanotecnologias são extraordinárias, pela capacidade que têm de aumentar a eficiência. Mas, como somos cada vez mais egoístas, mais mimados como G

Miguel Veiga, Mário Soares, Artur Santos Silva e Joana Lima, Presidente da Câmara da Trofa, assistiram à conferência de Manuel Sobrinho Simões

sociedade, acostumados a ter tudo, a ter bem-estar e a gastar muito. Estas respostas da ciência, por estranho que pareça, se calhar estão a acelerar os desafios que são mais globais: o da demografia, o do clima, o do esgotamento dos recursos naturais”. E advertiu: “Será que este desafio interessa à sociedade? Será que a

sociedade está disposta a tolerar a melhoria genética? O que tem graça, nas respostas da ciência, é que são muito inteligentes e eficientes, mas tem de ser enquadradas culturalmente e politicamente, senão podem contribuir para acelerar os desafios horrorosos com que a sociedade mundial se defronta hoje”.

Eduardo Agualusa “Novo acordo ortográfico não afecta variantes linguísticas” G A evolução da língua portuguesa de idioma colonial para língua nacional em Angola foi um dos temas salientes da conferência “Novas Relações da Fala em Português” proferida pelo escritor Eduardo Agualusa no Arquivo Regional da Madeira. O autor de “Nação Crioula”, natural de Angola, frisou tratar-se de “um fenómeno único, que não aconteceu em muitos outros países africanos, de uma língua transformar-se, verdadeiramente, em língua

materna de uma larga parte da população”. Na sua intervenção, no âmbito do ciclo de conferências da Fundações Inatel e Mário Soares, Agualusa manifestou-se ainda favorável ao novo acordo ortográfico, salientando nunca ter entendido a dimensão da polémica em curso face a uma “questão pouco importante, que não vai afectar a vida das pessoas”. Apelidando a polémica de “ridícula”, acrescentou que a ortografia única “tem apenas a ver, como o próprio nome indica, com a

ortografia e não com as variantes linguísticas”. Apresentado pelo presidente da Fundação, Vítor Ramalho, igualmente nascido em Angola, o conferencista foi atentamente escutado e aplaudido por uma numerosa assistência, salientando-se a presença, entre outras individualidades, do representante do Governo da República na Região Autónoma da Madeira e do Secretário Regional do Trabalho, em representação do Chefe do Governo madeirense. MAR 2010 |

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Notícias

Raid Inatel Iniciação TT regressa a Linhares G

Depois de uma primeira iniciativa em 2009 a Fundação INATEL e o Clube Escape Livre avançam, de 7 a 9 de Maio, com novo desafio. Trata-se do Raid INATEL Iniciação TT que, tal como o nome dá a entender, pretende iniciar nos prazeres do todo terreno, mas que passa pela descoberta histórica, paisagística e gastronómica e culmina num magnífico convívio. A par do programa turístico e de lazer, o novo raid - com base de operações na mais recente unidade

hoteleira da Fundação em Linhares da Beira - pretende demonstrar que a prática fora de estrada é acessível a qualquer condutor e, com uma selecção correcta dos trilhos e caminhos de terra, não só adequada aos tradicionais 4x4 mas também aos modernos SUV. Tudo em segurança e sem pôr em causa a mecânica ou a pintura dos veículos participantes. Com a colaboração da Hyundai vão estar disponíveis alguns dos seus modelos 4x2 e 4x4 para experimentar

e constatar as respectivas capacidades. As inscrições vão abrir em breve, as equipas devem ser constituídas por dois participantes, com possibilidade de inscrição de acompanhantes, e incluem duas noites de alojamento, quatro refeições, várias ofertas e visitas, troféu em porcelana SPAL e DVD do passeio. O Raid conta com o apoio Bridgestone, ValorPneu, Hyundai, SPAL e Camel Active. Também a RFM, a Todo Terreno, a Lusomotores, a Auto Hoje TT e Aventura, a Rádio Altitude e a OFF Road 4X4 dão a sua colaboração.

Pintura e Escultura na Galeria do Casino

“Memórias Vivas do Jornalismo”

Prémio SPA para Henrique Feist

“Cinco mais três” é o nome de uma exposição colectiva de arte – patente até 17 do corrente na Galeria do Casino do Estoril - em que participam cinco pintores e três escultores da geração de 90, sete dos quais foram contemporâneos na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e, que ao terminar o curso, seguiram, cada um, o seu caminho. No caso de todos, com duas componentes: Ensinar Arte e Fazer Arte. A mostra reúne os pintores, João Pires, Pedro Castanheira, Mara Costa, Vitor Pinhão e Marta Rocha e os escultores, Carlos Ramos, Jorge PéCurto e Moisés Preto Paulo.

A Livraria Barata foi palco, em Fevereiro, do lançamento de “Memórias Vivas do Jornalismo” (Ed. Caminho), dos jornalistas e professores universitários Fernando Correia e Carla Baptista. Composto por “conversas” com 17 destacados jornalistas dos anos 40, 50 e 60 do século passado o livro apresenta uma vasta e estimulante informação de um período marcante no jornalismo português, designadamente sobre os modos de recrutamento dos jornalistas, a aprendizagem de uma profissão ainda sem escolas, as tecnologias usadas, modos de escrita, posicionamento político dos media da altura face à ditadura e as mudanças significativas operadas, na época, em jornais mais inovadores como o “Diário de Lisboa” e “Diário Popular”.

O actor Henrique Feist foi um dos galardoados na recente Gala da SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) pelo seu papel de Sr. Zero no espectáculo “Máquina de Somar” produzido pela Fundação INATEL na reabertura do Teatro da Trindade, após as obras de beneficiação. A Administração da Fundação INATEL e a Direcção do Trindade homenagearão o actor no próximo dia 27 de Março, Dia Mundial do Teatro, no Trindade como reconhecimento do seu valor artístico. Foram 20 os prémios, divididos em oito áreas: cinema, rádio, dança, música, literatura, teatro, televisão e artes visuais, e dois prémios especiais.

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São Luiz estreia “Os mortos viajam de metro” G O Teatro Municipal São Luiz apresenta em Abril um vasto e diversificado programa, com destaque para a estreia da ópera “Os mortos viajam de metro” e a 8ª Festa do Jazz do São Luiz. O programa inclui, ainda, a música de Pedro Jóia, António Zambujo, Celina Pereira e

Aduf, e os projectos inseridos no Ciclo Novos x9: Concurso de Canto Lírico, o 8º Festival da ESML e Guitarra Nova Geração. A fechar o mês, celebra-se o Dia Mundial da Dança e repõe-se a peça “Foder e ir às compras” (em cena de 29 de Abril a 9 de Maio), uma reflexão sobre a “globalização, a violência e o corpo, questões que estão definitivamente instaladas nas sociedades contemporâneas e que se materializam em aberturas e rasgos no cenário de cartão e em actores que vomitam palavras..”

“O Celeiro” em digressão Grande vencedor do Concurso Nacional de Teatro 2009, promovido G

pela Inatel, com a peça “A Viagem”, o Grupo de Teatro O Celeiro, da Associação Desportiva, Cultural e Recreativa de Pereira (Montemor-oVelho), efectua, até Maio, uma digressão por vários pontos do País, com o espectáculo premiado, da autoria de Marta Filipe e Natália João Cardoso. A digressão, que é um complemento do prémio, tem início a 6 de Março, em Mondim de Basto (Festival Nacional de Teatro Amador), seguindo-se, a 20 de Março, a representação em Pias. Em Abril, haverá dois espectáculos no Trindade, em datas a definir, encerrando-se a digressão a 16 de Maio, em Torres Novas, no Teatro Virgínia.


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Entrevista

Nuno Santos Astrónomo

“A Astronomia responde a perguntas fundamentais”

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Centro de Astrofísica da Universidade do Porto fica situado na confluência da Rua do Universo com a Rua das Estrelas, topónimos que remetem para duas grandes áreas de actividade da instituição, a maior do género no país. É neste “centro de excelência” que trabalha a equipa de Nuno Santos, investigador que recentemente trouxe para Portugal uma bolsa de cerca de um milhão de euros, concedida pelo European Research Council. Nuno Santos, que é também professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, fala-nos do seu trabalho, dos avanços da Astronomia nos últimos vinte anos e do projecto que terá a duração de cinco anos e visa a descoberta de planetas extrasolares semelhantes à Terra.

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Entrevista

Em termos muito concretos, qual é a área de estudo em que está envolvido, aqui no Centro de Astrofísica? Eu trabalho na área de procura e estudo de planetas extra-solares, ou seja, planetas que orbitam em torno de outras estrelas, noutros sistemas solares. É uma área relativamente recente na astrofísica. Durante muitos anos houve muitos astrónomos que tentaram detectar a presença de planetas a orbitar outras estrelas, noutros sistemas solares, e só em 1995 é que tal foi conseguido, por uma equipa suíça, e desde aí a área começou a crescer. Hoje já são conhecidos mais de quatrocentos planetas a orbitar outras estrelas, mais ou menos parecidas com o Sol. Conhecemse planetas um pouco de todo o tipo, inclusive, já se conhecem hoje planetas que têm “apenas” duas vezes mais massa do que a Terra – quanto mais pequeno for o planeta, mais difícil é detectá-lo. Daí que os avanços tecnológicos ainda não Todos os países permitiram detectar outros planeque investiram na tas realmente parecidos com a ciência de uma forma Terra. Mas estamos no caminho séria, no longo prazo para lá chegar. É nesta área que eu transformaram-se trabalho. Não só na detecção dos em países planetas, mas também no seu desenvolvidos. estudo, nas propriedades dos planetas, nas propriedades das estrelas. É um trabalho inserido no contexto da actividade e objectivos do Centro de Astrofísica... Eu estou inserido na equipa que trabalha sobre a origem e evolução de estrelas e planetas, uma equipa que tem cerca de vinte investigadores, e, em particular, estou a trabalhar no grupo de planetas extra-solares. A actividade do Centro de Astrofísica abrange outros domínios para além dessa área específica... O centro inclui duas grandes equipas, uma é essa a que me referi, a que estuda a origem e evolução de estrelas e planetas, a outra é uma equipa que trabalha em galáxias e evolução do Universo. São duas áreas muito distintas. Uma é à escala da nossa galáxia, a outra é para lá da nossa galáxia, sobre as origens do Universo. Dentro de cada uma destas equipas existem vários grupos que fazem investigação em diferentes sub-tópicos. Não é um trabalho solitário, certamente, e a

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actividade do centro é desenvolvida em articulação com outras instituições semelhantes... Sim, o trabalho é feito em colaboração estreita com outras instituições, em Portugal e fora de Portugal. Por exemplo, na Suíça. Sou colaborador da equipa que descobriu o primeiro planeta extra-solar, no Observatório de Genebra. Existem outras equipas, em Espanha, em Itália, em França, com as quais colaboro. É nesses países que se localizam as instituições com que o centro mais coopera? O centro tem muito mais do que isto. Tem uma rede pelo globo fora. Eu, em particular, trabalho mais com instituições nestes países. Em Portugal, qual é o lugar da instituição em que trabalha... É considerado um centro de excelência... É um centro de excelência. O Centro de Astrofísica da Universidade do Porto é o maior centro de astrofísica em Portugal. E é, creio, o único que é classificado como centro de excelência na área da Astronomia. Existe, no entanto, um outro em Lisboa, ligado à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e existem pequenos núcleos em Aveiro, Coimbra, Évora, com dois ou três investigadores que trabalham na área da Astrofísica. Quanto a recursos tecnológicos, de que dispõe o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto? Na Astrofísica, e em particular na Astrofísica observacional, o que acontece hoje em dia é que os países se juntam em consórcios internacionais que permitem construir e explorar grandes telescópios em locais que são excelentes para fazer Astronomia. Em Portugal não existe nenhum local que seja muito bom para a Astronomia. Tem que ser um lugar alto, tem que ser um lugar em que a meteorologia seja boa a maior parte do tempo, em que a atmosfera seja estável, e esteja longe das luzes. Em Portugal e na Europa em geral não há sítios de grande excelência. Nesse contexto, Portugal faz parte do ESO, o Observatório Europeu do Sul, que tem uma série de telescópios e observatórios no Chile, no deserto do Atacama, onde está, aliás, um dos maiores telescópios do mundo, um dos mais avançados. E tem acesso a esses instrumentos? Nós, como qualquer investigador de qualquer país que seja membro do ESO, temos acesso a esses instrumentos para fazer Astronomia. Do


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ponto de vista tecnológico, estamos também a participar em projectos para a construção de instrumentação para a Astronomia. Por exemplo, na construção de instrumentos do ESO no Chile. É um consórcio internacional que inclui também colegas italianos, espanhóis e suíços, e esses instrumentos vão, espera-se, permitir detectar outros planetas parecidos com a Terra, a orbitar outras estrelas parecidas com o Sol. Permitir dar esse salto que falta... Relativamente à bolsa recentemente concedida pelo European Research Council, quais os contornos e os objectivos fundamentais do projecto? Este projecto tem como objectivo abrir caminho para sermos, justamente, capazes de detectar planetas parecidos com a Terra a orbitar outras estrelas. Foi construído tendo em vista a nossa participação nesse outro projecto, o da construção do ESPRESSO [Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations]. Em paralelo temos que fazer um desenvolvimento científico, para chegarmos a 2014, quando o instrumento estiver pronto, e podermos explorar o instrumento ao máximo. Essa bolsa que eu ganhei do European Research Council serve justamente para criar aqui em Portugal, no Centro de Astrofísica, uma equipa capaz de explorar o ESPRESSO do ponto de vista científico e criar uma equipa forte nessa área em Portugal. Que dimensão tem a equipa envolvida no projecto? A equipa, que nesta área é liderada por mim, tem três estudantes de doutoramento, um outro dou-

torado, e vão chegar agora mais outros três doutorados. O valor de um milhão de euros para cinco anos permite contratar pessoas para trabalhar na equipa e financiar todo o trabalho ligado à investigação. Uma questão que pode colocar-se, de uma forma simplista, é para que serve a investigação da Astronomia, que utilização prática pode ter, para além do interesse teórico da ampliação e acumulação de conhecimentos... Ou, noutros termos, para que serve a investigação fundamental. Numa linguagem acessível, como podemos responder a este tipo de questionamentos? É sempre uma questão complicada de responder... As ciências fundamentais têm esse “problema”, que não permite dizer “nós vamos fazer isto, e com isto vamos matar a fome, resolver um problema imediato”. Não, isso não acontece. Aquilo que nós sabemos é que é um investimento que nós fazemos para dar frutos a longo prazo. O cientista olha Todos os países que investiram na para as coisas e ciência de uma forma séria, no coloca-se perguntas, longo prazo transformaram-se em tenta explicar(…) A países desenvolvidos. A ciência religião tem um não é a única coisa em que um conjunto de dogmas e país tem que apostar, mas é uma não se coloca coisa fundamental para um país questões. ser um país desenvolvido... Mas na área da Astronomia há vários registos de tecnologia que foi desenvolvida apenas a pensar numa aplicação científica, porque os investigadores queriam algo para poder desenvolver a parte puramente científica, e essa tecnologia acabou por ser usada para fins práticos. Por exemplo? É o caso dos CCD (Charge Coupled Device - sensores de imagens utilizados em câmaras digitais) das máquinas fotográficas e dos telemóveis, que foram desenvolvidos pelos astrónomos. Precisavam de ir buscar a luz das estrelas, e precisavam de equipamentos muito sensíveis. Os CCD foram desenvolvidos para a Astronomia e depois começaram a ser aplicados em tudo... Qualquer telemóvel tem uma câmara dessas. Outro exemplo é a maneira de analisar as imagens de ressonância magnética nuclear, em medicina, a maneira matemática de extrair as imagens, que foi desenvolvida também para a

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Entrevista

Astronomia... E há uma outra coisa muito importante que a Astronomia traz às pessoas, que são respostas quase fundamentais. Eu fico sempre impressionado com a quantidade de pessoas interessadas nas descobertas que nós fazemos. Ou seja, mesmo que não resultasse nenhuma aplicação prática, a Astronomia faz as pessoas sonhar. De alguma maneira responde a perguntas fundamentais das pessoas. A quase toda a gente já se colocou a questão de saber se existem outros planetas com vida. A Astronomia tenta responder a esse tipo de perguntas. E nesse aspecto a Astronomia diferencia o ser humano dos animais – o ser humano é curioso, quer saber, quer aprender sobre aquilo que o rodeia. A Astronomia, como as outras ciências, está, no fundo, a responder a essa curiosidade humana, e isso é algo que não se pode quantificar, não se pode quantificar o benefício que é trazido pelas ciências nessa vertente. Por outro lado, o corpo de conhecimentos que se vai construindo ultrapassa largamente as circunstâncias temporais e espaciais da humanidade... Exactamente. Através dos estudos da Astronomia nós sabemos hoje como é que a Terra se formou, sabemos como é que o Sol se formou, sabemos que no futuro o Sol vai deixar de existir, sabemos onde é que nós estamos no universo.

Este domínio de conhecimentos da Astronomia não é susceptível de ter implicações nas crenças religiosas, nas concepções religiosas sobre o mundo e a vida, de fazer emergir conflitos com outras mundivisões? Qual é a sua percepção sobre isto? Claro que com a Biologia deve acontecer o mesmo... Era isso que eu ia dizer. Todas as ciências tocam na fronteira do conhecimento, tentam explicar as coisas de uma forma racional, pisando terrenos que eram, no fundo, dogmas religiosos. Há ao longo da história muitos exemplos, como é, justamente, o caso de Galileu. Mas eu não gosto muito de comparar ciência e religião, são coisas muito distintas, são abordagens diferentes. O cientista olha para as coisas e coloca-se perguntas, tenta explicar, e mesmo quando explica, continua a testar para ver se a explicação que tem é correcta. A religião tem um conjunto de dogmas e não se coloca questões. São abordagens muito diferentes e de certa forma não são compatíveis. Embora seja perfeitamente razoável que alguém seja religioso e, ao mesmo tempo, cientista, desde que consiga separar as duas coisas. Há muita gente que é religiosa e é capaz de fazer boa ciência. É só uma questão de saber colocar perguntas numas coisas e noutras, de certa forma, ser capaz de se abstrair. I Humberto Lopes (texto) Lucília Monteiro (fotos)

Ano Internacional da Astronomia O Centro de Astrofísica da Universidade

primeiro”. Os resultados desse trabalho

do Porto esteve também envolvido,

de Galileu foram publicados, em Março

como muitas instituições semelhantes,

de 1610, no volume “Sidereus Nuncius”,

nas iniciativas do Ano Internacional da

“um registo sólido das observações

Astronomia, através de apoio científico,

então realizadas”, lembra o responsável

por exemplo, a sessões de divulgação

do centro.

em estabelecimentos de ensino. A

É com a apresentação pública da

principal motivação para as

primeira tradução portuguesa (a par da

comemorações, como sublinha Filipe

abertura da exposição “A Astronomia no

Pires, coordenador da área de

Portugal de hoje”) que será encerrado o

divulgação do centro, “foram as

Ano Internacional da Astronomia. A

primeiras observações com telescópio,

sessão terá lugar na Fundação Calouste

que ocorreram há 400 anos, mesmo se

Gulbenkian no próximo dia 17, às

há dúvidas que tenha sido Galileu o

18h00.

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Museus

Navio-museu Gil Eannes

O Navio-Hospital Gil Eannes esteve anos a fio abandonado à ferrugem e ao esquecimento. Resgatado do ferrovelho, é hoje um museu flutuante, ancorado na doca comercial de Viana do Castelo. Há dez anos que conta aos visitantes uma saga de trabalho e heroísmo nos mares do Atlântico Norte.

lo passado” abriu as portas ao público em Agosto de 1998 e ao fim de quase uma dúzia de anos de existência conta uma média de mais de quarenta mil visitantes por ano. No total, este museu flutuante já registou cerca de 500 mil visitas. A par do núcleo museológico constituído pelo conjunto da sua estrutura e instalações, o Gil Eannes tem para mostrar aos visitantes várias salas de exposição e, ainda, um moderno simulador visual de navegação. O navio está, também, equipado com uma sala de reuniões e uma pousada, integrada na rede de pousadas da juventude.

AS ÚLTIMAS duas décadas do século passado não foram auspiciosas para o navio Gil Eannes. Depois de uma vida no activo ao serviço de várias - e diversificadas - missões, a embarcação viu-se dispensada e preterida por outras e novas tecnologias. A condenação ao ferro-velho parecia irreversível e só mesmo a persistência dos vianenses conseguiu reverter o curso dos acontecimentos. O caso é que Gil Eannes era visto como um testemunho importante da indústria de construção naval de Viana do Castelo. Muitos pescadores da terra terão sido salvos pelas equipas médicas do navio, facto que representou uma razão adicional para a vontade de conservar este património. Essa determinação em evitar o desaparecimento de que era considerado “um símbolo da tradição de qualidade da construção naval de Viana do Castelo” foi personificada colectivamente na Comissão Pró Gil Eannes, que mais tarde acabaria por se transformar na Fundação Gil Eannes, instituição responsável pela gestão do navio-museu. O Gil Eannes, que é também “o único exemplar que resta da frota oceânica nacional do sécu20

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Um navio polivalente O Navio-Hospital Gil Eannes foi construído nos estaleiros navais de Viana do Castelo em 1955 para as funções de navio de assistência médica. A nova embarcação destinava-se a substituir o seu homónimo, que se encontrava ao serviço desde 1927 no apoio à frota portuguesa da pesca do bacalhau, com algumas prolongadas interrupções em que era utilizado para o transporte de presos políticos durante o Estado Novo. O novo naviohospital, entregue nessa altura ao Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau, foi dotado de equipamentos adequados e necessários para a missão que lhe foi atribuída: as instalações incluíam enfermarias, salas de tratamentos, gabinete de radiologia e bloco operatório. Com capacidade para acolher 72 doentes, o Gil Eannes era um hospital “de vanguarda” nesse tempo, mais bem apetrechado do que o de Viana do Castelo. Durante cerca de vinte anos, até 1973, o navio Gil Eannes cumpriu as funções para as quais foi projectado e chegou mesmo a demonstrar a sua polivalência noutras atribuições suplementares: foi navio-correio, abasteceu a frota de bacalhoei-


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Museus

ros com combustível e víveres, e chegou mesmo a assumir o papel de quebra-gelo nos mares do Atlântico Norte. Distribuía, ainda, pelos lugres umas duas mil toneladas de isco por ano. E como durante cada época de faina se encontravam no Atlântico Norte cerca de 70 navios e mais de 6500 marinheiros, o Gil Eannes transformava-se também em Navio-Capitania. Levava a bordo um oficial da Marinha de Guerra, que desempenhava o cargo de “Capitão do Porto, nos Mares da Terra Nova e Gronelândia”. Calcula-se que por cada temporada de apoio à pesca do bacalhau tenham sido efectuadas no navio mais de quatro mil consultas, ficando internados a bordo cerca de quatrocentos doentes, por acidente ou doença. Para além de muitas pequenas intervenções cirúrgicas diárias, exames radiológicos, análises e extracções dentárias, era realizadas por cada época de trabalho mais de sessenta grandes cirurgias. Reza a história da embarcação que não ocorreu nenhum falecimento durante o tempo em que cumpriu as funções de navio-hospital. Também por isso, certamente, ficou conhecido entre a marinhagem da frota bacalhoeira por “Anjo branco”. Nos anos 70 o Gil Eannes ainda foi requisitado para missões urgentes, como uma viagem diplomática ao Brasil e o resgate de refugiados da guerra civil em Angola. Tendo a última viagem à Terra Nova sido realizada em 1973, a década de 22

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80 seria para o Gil Eannes uma década perdida: andou a apodrecer de cais e cais, em Lisboa, até ser vendido para sucata. Já na antecâmara do desmantelamento, em Alhos Vedros, acabou por ser resgatado do infausto desenlace que o esperava, in extremis, pela Comissão Pró Gil Eannes.

Museu e Pousada da Juventude O Gil Eannes tem quase uma centena de metros de comprimento (exactamente 98,45) e 5,49 de calado. Desloca quase cinco toneladas e pode navegar à velocidade de 12,5 nós, propulsionado por dois motores de 1400HP a 300 r.p.m. Tendo em conta as missões que lhe foram consignadas, o casco do Gil Eannes foi reforçado para os requisitos da navegação em mares com gelo. Apenas uma parte das instalações do navio está aberta aos visitantes, mantendo-se, ainda, áreas fechadas que aguardam intervenções de reabilitação. Durante o ano passado, iniciou-se a reabilitação do camarote de Ajudantes de Máquinas, para futura instalação da sede da Associação de Radioamadores do Alto Minho, assim como a enfermaria dos oficiais, destinada a ampliar os espaços expositivos. A zona recuperada da proa está afecta a uma Pousada de Juventude, integrada na respectiva rede nacional, que tem registado uma média de quatro mil dormidas por ano.


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As zonas acessíveis ao público incluem as instalações que estavam afectas às funções primordiais do Gil Eannes, designadamente as de naviohospital, exploradas agora, obviamente, numa vertente museológica. É possível observar as enfermarias, os consultórios, os equipamentos de radiologia e as salas do bloco operatório, bem no bojo da embarcação. As salas das máquinas, as cozinhas, as lavandarias e alguns dos aposentos da tripulação estão também reabilitados, assim como todas as áreas das cobertas. A Ponte de Comando, com a sua panóplia de equipamentos característicos, é outro espaço aberto à curiosidade dos visitantes. Em algumas das galerias estão instalados painéis expositivos com informação sobre as características e a história do navio e da pesca do bacalhau. Num desses painéis aparece reproduzida a primeira página do «Notícias de Portugal Boletim Semanal do Secretariado Nacional de Informação”, do dia 26 de Março de 1955. Aí se pode ler que “no passado dia 20, nos estaleiros de Viana do Castelo, foram postos a flutuar o «Gil Eannes», navio-apoio da frota bacalhoeira portuguesa, e o navio-motor «Sam Tiago». À luzida cerimónia assistiram a esposa do Chefe de Estado, membros do Governo e altas individualidades. Assim, mais duas unidades vão continuar uma tradição e o belo esforço do Estado no cumprimento do destino dos portugueses - o mar”. A retórica do texto é bem circunstanciada no tempo e reflecte as mitologias alimentadas pelos ideólogos do Estado Novo, mas espelha também, em boa verdade, as expectativas que rodearam, então, o lançamento à água do Navio Hospital Gil Eannes. Nos planos para 2010 está a exploração de outras iniciativas do navio-museu, para além das exposições (estão previstas duas, com temáticas ligadas aos bacalhoeiros e à pesca do bacalhau), como a criação de uma biblioteca, que terá o nome do Bernardo Santareno. O médico e dramaturgo fez parte da equipa clínica do navio. Quanto a actividades educativas, o programa foi ampliado, com uma formação destinada a alunos do 3º ciclo e do secundário: através do simulador de navegação, os jovens podem aprender manobrar o navio dentro e fora do porto de Viana – ou, mesmo de qualquer outro porto. I Humberto Lopes (texto e fotos)

Contactos Fundação Gil Eannes Navio Gil Eannes - Doca Comercial 4900 - 321 Viana do Castelo Tel. 258809710, fax 258809719 E-mail: geral@fundacaogileannes.pt Horário:Verão (de Abril a Setembro), das 9h00 às 19h00. Inverno (de Outubro a Março, das 9h00 às 17h30

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Katmandu A nova Babilónia

Quem se ficar pelas primeiras linhas, o mais certo será passar ao largo. Mas Katmandu, a velha Xanadu, o portão místico dos Grandes Himalaias, uma vez revelada, é muito mais do que uma cidade em desvario, um amontoado frenético de gente e veículos em sobressalto.

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A

capital nepalesa, outrora uma Babilónia budista, é hoje uma zarzuela frenética e fumegante de motas, lambretas, tuc-tucs, táxis (e tractores), de saddhus (homens santos) em transe e em trânsito, de pedintes profissionais e de toda uma horda de saqueadores de turistas incautos cuja técnica mais elaborada é mendigar um pacote de leite na mercearia mais próxima para financiar um chuto ao dobrar da esquina. De Katmandu direi que serve a função (menos funesta) de sabermos como resistem os hippies a 30 anos de terapia em altitude, ou de como se aguentam os pulmões e os rins a chagrãs de ervas e lúpulos que, segundo os entendidos, abrem o


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canal dos chacras. Há depois uma cena nocturna inesquecível, um daqueles acasos de viagem que abafam qualquer momento trágico como o de ser levado no conto do vigário por um junkie paternalista. Nessa noite senti-me um passageiro clandestino a bordo da nave dos loucos (ou a barca da fantasia). Conta-se assim. No caminho entre o bairro de Tamel, o epicentro do turismo de Katmandu, e o aeroporto, há uma fila interminável de mulheres e homens, elas à cabeça, vestidas de linhos e organdis como quem vai para uma soirée dançante. Entoam cânticos hindus, belas onomatopeias melancólicas que segundo o motorista falam de sacrifícios – há uma cabeça degolada de cabra deposta numa bandeja no topo de um

andor. A mulher da frente, de pescoço esgalgado como uma matriarca núbia, marca o compasso do verso, enquanto os demais membros da tribo repetem o refrão que ecoa lânguido pelos contornos do vale. A cantilena aumenta e decresce de tom ao ritmo de uma espécie de pandeireta, um parente do nosso adufe. Estes cavaleiros apeados, misto de mensageiros do apocalipse e acólitos de fim-de-semana, serão a nossa escolta por quilómetros, até chegarmos ao hangar dos Dorniers, os únicos aviõezinhos capazes de aterrar no inenarrável aeródromo de Lukla, destino final daquela que chamei no meu diário «A Viagem Magnífica». Chegáramos a Katmandu no plenilúnio hindu, daí depararmo-nos com cenas raras como MAR 2010 |

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Viagens

a da fila de deusas núbias (coro de mil virgens) a entoarem adágios fúnebres, e uma outra, quando entramos nos contrafortes da cidade, cujas ruas estreitas e labirínticas estão cobertas de sangue, o sangue de milhares de animais degolados. Chove nesse instante, chuva diluviana, como se o Deus Shiva quisesse lavar a insânia dos homens que fazem sacrifícios em Seu nome. Em cada porta há um nepalês de facalhão em riste (o patriarca) e aos seus pés descalços, uma cabra acabada de degolar. Têm os pés imersos no sangue derramado e mexem-nos lentamente, para cima e para baixo, como se pisassem uvas. «Lavam os pecados», diz o condutor da charanga onde viajam um grupo de maduros em estado de transe e pasmação. É um cerimonial repulsivo e fascinante ao mesmo tempo que funciona como 26

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terapia de choque para os dias alucinantes que hão-de vir. Estamos no coração dos Grandes Himalaias, na cidade gloriosa, a Xanadu caída em desgraça que há mais de dois mil anos acolheu o primeiro Buda na sua viagem iniciática de Pokhara até ao fim do mundo. Do Budismo primitivo restam hoje os ícones, as garridas bandeiras de oração desfraldadas ao vento em paus de bandeira carcomidos ou no topo das chaminés que ameaçam despenhar-se; o «terceiro olho» do Bodhisattva, o Senhor Buda, desenhado a pastel em cada parede, cortina, tábua ou barracão; os pupilos do Bodhisattva de longas vestes de açafrão por cima dos jeans; as dentaduras de caninos de ouro, o dente sagrado do Buda; os apelos ao amor livre e sem precon-


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ceito dos tratados tântricos (uma variante benigna do «sex tourism») Contudo, por sobrevivência ou as chamadas contingências da necessidade, um vendedor budista trajado com os paramentos sagrados e de sorriso esfíngico não hesitará em vender-lhe um terço de oração falsificado e acabar o negócio a trautear-lhe um mantra protector. Aceitemos o facto com bonomia cristã, virando a face para outras histórias de final feliz, como a do inglês de nome Cook, cozinheiro e marinheiro de doca seca, agora professor de crianças budistas no mosteiro de Bouddhanath (Património da Humanidade, e um lugar imperdível). Cook tinha uma carreira de consultor na bolsa de Londres, um «yes man» daqueles de fatinho risca de giz e cabelo engomado. Trocou a goma e o gel

pela cabeça rapada e o rabicho entrançado e os fundos de investimento por um turíbulo e o Baghavad Gita. De resto, os miúdos tibetanos aos 12 anos já falam 4 línguas, têm aulas de pintura e música e ainda fazem trabalho comunitário (um exemplo a seguir). Um saddhu (homem santo) de chapéu à Mao enfeitado com a estrela vermelha arregala os olhos como a estátua do leopardo de neve vizinho e estica a mão direita. A esquerda mantém-se no bolso das calças de ganga, a mão sagrada; a mão de limpar o rabo, das saudações… e dos manguitos se não houver gorjeta pela fotografia.

Pegadas de yeti Nas notas do meu «Diário da Neve Terna» escrevi: «Katmandu, caos indiano em miniatura, um MAR 2010 |

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GUIA

Katmandu a um trekking de

está situada no bairro de

acolhedores e uma

alta montanha (por exemplo,

Tamel.

localização ideal para conhecer o bairro mais

uma expedição ao Vale de COMO IR

Khumbu com ascensão ao

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famoso da cidade.

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QUANDO IR

Katmandu têm preços a partir

Tamel

autógrafos de escaladores

Se a intenção é juntar a ida a

de 40E o duplo e a sua maioria

Quartos pequenos mas

célebres como Edmund

escalada de alta montanha. As

euros e referem-se à estação baixa.

pequeno bairro de Bombaim em estado de catalepsia colectiva. A única cidade do país a que se pode chamar cidade, uma zarzuela frenética, ruidosa e colorida que se vive a dois tempos: o das culturas milenares budista e hindu, em harmonia religiosa, e o do mais voraz (e infantil) capitalismo de Estado. Um festival de cheiros, cores, buzinadelas (amistosas), livrarias (as melhores da Ásia, e com uma tradição de preços baixos, um tudo nada enganosa mas), 3767 lojas de equipamento de trekking e escalada especializadas na venda de North Fake, centros de «massagens ayurvédicas» geridos por madames de ligas e cigarro ao canto da boca, 4234 ervanárias, 3854 dentistas, 4567 barbeiros de rua, 3456 agentes de viagens vocacionados para os trekkings de altitude onde é avençado como guia de montanha o nosso ilustre alpinista João Garcia». Garcia, de 38 anos, um dos menos de 100 alpinistas de sempre a ter escalado o Evereste 28

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sem munição de oxigénio (o único português). É também o guia de serviço à agência PapaLéguas em matéria de trekkings de altitude com variante de escalada, o propósito último desta viagem com escala técnica de 4 dias em Katmandu. Trata-se do único português com direito a refeições vitalícias no Rum Doodle, o restaurante de Katmandu famoso por oferecer borlas aos que conseguirem alcançar o cume da maior montanha do mundo. O currículo de Garcia é de uma ave rara, com escaladas do Cho-Oyu (8201m), Dhaulagir (8167m), Evereste (8848m), Gasherbrum II (8036m) ou Gasherbrum I (8064m). Escreveu ainda o livro «A Mais Alta Solidão», edições D. Quixote (sobre a experiência no Evereste), e prepara o lançamento de mais um diário das suas viagens. Conta também levar avante em 2006 uma expedição ao Kanchenjunga (8598m) e tem como meta antes de arrumar as botas fazer todos


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Hillary, Rheinald Messner ou

Fica ao lado da Brezel Bakery,

Abundam os objectos North

Bhaktapur

João Garcia. 10E

lugar de eleição para comer

Fake, imitações notáveis da

G

uma tarte de maçã ou um

marca americana. Não deixe

Swayambhunath com a sua

Café Mitra

donut "home made". É um

de comprar nem que seja um

colorida fila de peregrinos e

Tamel

misto de café, bar e

par de meias, um polar ou

as vistas magníficas da

O restaurante mais sofisticado

restaurante num ambiente

uma mochila. No bairro de

cidade

da cidade, um tudo-nada

descontraído. Aos fins-de-

Tamel estão a maioria das

G

deslocado do ambiente

semana há música ao vivo

lojas.

em redor do stupa de

"backpaker" do bairro de

com "covers" e versões

Tamel. O macarrão à japonesa

originais.

e o pato fatiado com laranja

10E

15E

Peregrinação de tibetanos

Bodhnath, o maior do Nepal A NÃO PERDER G

estiveram à altura do título.

Stupa budista de

Patan´s Durbar Square e o

mundo da arquitectura Newari "Golden Gate", a porta de

G

Explorar os recantos das

aldeias Newari no vale de Katmandu, a pé, de bicicleta ou de mota

COMPRAS

G

Eis a perdição das perdições,

entrada da cidade, e a sua

G

New Orleans Café

em particular o equipamento

janela de pavão

Tibetano no popular mosteiro

Tamel

de trekking e escalada.

G

os cumes de 8 mil metros do planeta. Foi na esteira de Garcia que sentimos o pulso à cidade e sobretudo que vivemos uma janta histórica no Rum Doodle. O famoso restaurante é o equivalente nepalês da Bodeguita del Medio, de Havana, ou do Les Trois Cats, de Paris, isto é, uma referência na boémia cosmopolita, um misto de embaixada cultural e real tabernáculo. As paredes estão forradas a pegadas de yeti em cartolina rabiscadas com as façanhas (e patranhas) dos intrépidos escaladores que conseguiram alcançar o topo da montanha mais alta do mundo, não o Evereste, mas o Rum Doodle, uma montanha de 40 mil pés e ½ situada no Yogistan conquistada pela coragem e bravura de um punhado de montanhistas ingleses excêntricos com nomes igualmente excêntricos: Ridley, Prone, Constant, Jungle, Shute e Wish. A história, uma fábula descrita por W.E. Bowman no best-seller «The Ascent of Rum

Ruas labirínticas de

Aprender sobre o Budismo

de Kopan

Doodle», serviu de inspiração a este bar e restaurante, um lugar mítico no coração do bairro de Tamel, e vizinho do hotel mais recomendável da cidade. Na realidade, o RD nasceu para aquartelar os feitos dos membros do Everest Summiters Club, o clube de honra que junta os menos de 100 escaladores do Evereste, a montanha mais alta do mundo com 29.028 pés, 8848m. A prática das borlas nas refeições iniciou-se em 1982, com Sir Edmund Hillary, o pioneiro, e continuou até hoje com Rheinald Messner, Junko Tabei, Ang Rita Sherpa, Uemura Naomi, Rob Hall, Gary Ball e o nosso Garcia. Para inscrever a pegada de yeti nas paredes do RD basta escalar um cume nevado (a nossa conquista do Kalapattar revelou-se insuficiente). Aos que borregarem na subida haverá sempre a consolação de uma «dedada» do dedo gordo do yeti a juntar-se às dos fracassados políticos Jimmy Carter e Ryutaro Hashimoto. I Tiago Salazar (texto e fotos) MAR 2010 |

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CCD Clube Millennium BCP

As artes por mil partes A viagem de hoje leva-nos ao Clube Millenium BCP, criado em 2002. Ali, associados no activo e reformados encontram mil e uma propostas de lazer, de cultura e de actividades desportivas. Um Centro de Cultura e Desporto da Inatel (CCD). QUEM CONTORNA o Jardim Zoológico pela

Oficina de joalharia no Porto e Karting em Fátima

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Estrada das Laranjeiras, não terá andar muito para subir a Calçada da Palma de Baixo. Logo ao início, muito discreta, ali se encontra a sede do Clube Millennium BCP. Um espaço que se distribui por dois pisos e que contempla um Ginásio, um palco e plateia do teatro, salas de ensaios para as secções ligadas à música e à etnografia, uma biblioteca, sala de aulas de pintura, espaços vários para reuniões e ainda uma parte reservada para o secretariado e a administração. Há alegria na decoração dos corredores que ligam os vários espaços: estão forrados com imagens gigantes de torneios

desportivos e momentos culturais da vida deste clube.

Música, teatro, desporto Já movimenta 37 mil sócios de norte a sul, incluindo também os Açores e a Madeira. Um sucesso que assenta na vasta oferta de modalidades, por um lado, e na organização, por outro. Os sócios só têm de escolher o desporto onde queiram manter-se em forma ou os eventos culturais em que queiram participar. Se quiser experimentar fazer teatro, tem o grupo Mil Cenas; se preferir a pintura, pode aprender ou desenvolver técnicas nas Aulas de Arte; se é adepto do esqui, a secção promove a prática e organiza visitas a estâncias; as viagens, internas e ao estrangeiro, rondam as 20 por ano; o xadrez, o andebol, o ténis, o futsal, são apenas uma amostra das 80 actividades disponibilizadas. O Coro do Clube Millennium, que reúne meia centena de pessoas, é das mais antigas secções, contando já com 35 anos de história. E a razão desta longevidade é simples, ele já existia e com sucesso, nos grupos culturais e desportivos dos bancos Pinto & Sotto Mayor e Português do


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Atlântico, que foram objecto de fusão com o BCP na viragem do século. Curiosidade: tem o mesmo maestro desde o início e é um grupo muito solicitado por câmaras municipais e por entidades privadas. Em média dá um espectáculo por mês. Outra das secções que também recebe muitos convites para actuar fora de portas é o Mil Raízes. Apresenta uma sessão de cariz etnográfico e é vêlos levar a palco cenas da vida portuguesa dos anos 20 e 30 do século passado, onde ganha especial destaque a apresentação da Lisboa de então. Ali pontuam as cenas dos bailaricos, das zaragatas e dos pregões: desde o aguadeiro, à peixeira, passando pela vendedora da laranja. Também o Mil Cordas, que se dedica a divulgar música erudita, tem vindo a granjear público nas apresentações feitas um pouco por todo o país. O CD editado em 2005, “Fantasias”, premeia o trabalho que este agrupamento de cordas vem desenvolvendo desde o tempo do grupo desportivo e cultural do BPA. Na viagem pela história desta instituição, e por quem todos os dias a concretiza, o presidente do Clube Millennium BCP, José Manuel Miranda, refere a importância da Prova de Kayak de Mar, que ocorre em Sto. Amaro de Oeiras e já chegou a contar para a taça do mundo da modalidade. A 7ª edição ainda não tem data marcada mas sabe-se que é entre Maio e Junho próximos que se realiza. “Toda a gente quer participar porque tem os dois lados: o competitivo e o turístico. Reúne sempre duas a três centenas de participantes” a que se

juntam os amigos, os patrocinadores, a imprensa e é um evento social muito concorrido. Como organismo vivo que é, o Clube Millenium tem vindo a demonstrar disponibilidade para apoiar actividades que surjam por iniciativa dos sócios, como é o caso do recém - criado Grupo de Fados. Como sublinha o interlocutor, “é tudo feito para as pessoas, para as motivar”. E observa que há lugar para integrar diferentes públicos: grupos como o Coro, o Mil Raízes ou o Mil Cenas colhem sobretudo preferência junto dos sócios mais velhos. Já os mais novos preferem os desportos radicais como a BTT, o kayak, o karting ou o futsal. Uma pergunta impera: como se motivam 37 mil pessoas? A resposta, afirma Miranda, está nas 700 actividades promovidas em média ao longo

Prova de Tiro e viagem a Berlim

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José Manuel Miranda, presidente do Clube Millennium BCP

do ano. Mas não é tudo. “Os associados são pessoas que gostam de participar nas actividades, mas o segredo do sucesso, a parte mais importante, é a dos seccionistas que animam e desenvolvem os projectos que para aqui trazem. São a alma disto, os responsáveis de secção”. E é com humildade que reconhece que sem eles, “a direcção, por muito boa que fosse, não funcionaria, teria duas ou três secções e mais nada”. Com a sede em Lisboa uma delegação no Porto, a gestão deste clube exige rigor e uma numerosa equipa de trabalho. O orçamento anual resulta de uma verba atribuída pelo banco, a que se soma o dinheiro da quota simbólica cobrada aos sócios: de 1 Euro por mês. Por ser um clube sem fins lucrativos, quando a actividade gera receitas, como é o caso do Campeonato de Mar de Kayake, a verba é atribuída a uma instituição de beneficência.

Solidariedade Aliás, a parte solidária também é marca distintiva deste clube. Há um Grupo de Dadores de Sangue e outro de Dadores de Medula Óssea. E nas festas de Natal que todos os anos levam os associados a encher os coliseus de Lisboa e do Porto, as crianças são convidadas a darem uma quantia para ajudarem os mais necessitados. 32

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E enquanto nos faz uma visita guiada pelas amplas instalações do clube, fala com conhecimento de alguns dos muitos troféus expostos, conhece pelo nome os trabalhadores com quem nos cruzamos, chama a atenção para as fotografias de um concerto do Mil Cordas ou ainda para a qualidade das aguarelas que os alunos das aulas de arte deixaram a secar. Em todo o diálogo estabelecido, José Manuel Miranda denuncia uma atenção extrema ao projecto no seu global, sem nunca esquecer o pormenor mais pequeno. Tanto decide a atribuição de uma verba a um projecto de uma secção em desfavor de outro, como ajuda a rever todos os pormenores do jornal do clube, o Millnews ou está atento às opiniões sobre o sítio do clube, www.clubemillenniumbcp.pt. “Para as coisas funcionarem é preciso estarmos com atenção a tudo, é um problema de gestão”, justifica. Um rigor a que não será alheio o facto de ter sido durante anos director geral do próprio Millennium BCP. Presidente do Clube desde a primeira hora, está a findar o terceiro e o que afiança ser o último mandato. “Devo ir fazer outras coisas e dar lugar a outras pessoas”. Missão cumprida, assegura. I Manuel Garcia (texto) José Frade (fotos)


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Tradições

A Conserveira da baixa pombalina

Quando se entra na Conserveira de Lisboa, na esquina da Rua dos Bacalhoeiros com a Rua da Madalena, mergulha-se num mundo à parte: ali, naquele espaço acanhado, combina-se a melhor tradição da antiga mercearia portuguesa com as exigências dos clientes bem informados e curiosos da sociedade moderna.

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SE NÃO FOSSE uma loja activa, com pessoas a trabalhar e gente a entrar e a sair quase sem descanso, este seria um excelente museu das conservas de peixe com rótulos em estilo arte pop como já não se fazem e raramente se vêm. A casa comemora este ano 80 anos de actividade, um aniversário notável quando o pequeno comércio está em vias de extinção no baixa pombalina. Por trás do velho balcão de madeira, de onde sobressai o leme de um antigo navio, a empregada explica a um cliente solitário as diferenças entre uma e outra conserva. O cliente, um jovem turista japonês, ouve as explicações com atenção e fixa o olhar deslumbrado nas embalagens coloridas das latas depositadas sobre o balcão. Os tons quentes das cores e o traço original do

design enchem o olho do mais indiferente apreciador de arte. Ao início da tarde, a casa ainda está tranquila, só mais daí a pouco, após o almoço, o movimento de entrada e saída de clientes não irá dar descanso às duas funcionárias do atendimento. Na Conserveira de Lisboa, uma das lojas mais pequeninas da capital, trabalham seis pessoas: a proprietária, Regina Cabral Ferreira, o sócio-gerente, Luís Vieira, e mais quatro mulheres, duas atendem ao balcão e outras duas colocam os rótulos nas conservas, cada uma no seu cantinho ao fundo da casa. Uma destas mulheres, Manuela Neves, trabalha aqui há 25 anos, e, mesmo reformada, não desiste de aqui estar, para se distrair. Regina Cabral Ferreira cruza as mãos no regaço e esboça um sorriso de satisfação: “O segredo da MAR 2010 |

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Tradições

movimento de clientes de manhã à noite, é frequentada por turistas de todo o mundo, e já foi motivo de reportagem em canais televisivos de gastronomia na Itália e no Japão e até no New York Times, um dos mais prestigiados jornais do mundo. “Neste momento, eu tenho clientes de todo o mundo: os espanhóis, os franceses e os italianos funcionam muito com a informação boca-aboca, os amigos vão passando a palavra sobre a existência da Conserveira, os outros vêm porque aparecemos em reportagens em jornais ou revistas de turismo. A partir de 5 de Maio, data da fundação, começam as comemorações do 80º aniversário: “na loja vão ser representadas pequenas peças de teatro, durante 20 minutos”, promete a proprietária.

Variedade à vontade do cliente

Moldes para gravação dos registos originais

sobrevivência desta casa é a honestidade para com os clientes. Isto já vem do tempo do meu sogro”. A mesa ocupa quase todo o escritório, pequenino como a própria loja, mas está arrumado tão arrumado que a área até parece maior. A proprietária da Conserveira de Lisboa prossegue o seu raciocínio: “A honestidade passa por explicar ao cliente as características do produto, e se, por exemplo, ele chega a casa e não gosta da conserva, vem cá e nós trocamos”. Porque, precisa, “o cliente é um auxiliar do ajustamento da qualidade”. E conclui Regina Cabral Ferreira: “A política da casa é qualidade e honestidade, e honestidade dos próprios fornecedores”. A loja hoje designada Conserveira de Lisboa foi fundada em 1930, e tinha então o nome de Mercearia do Minho. Os sinais desta longa antiguidade estão um pouco por todo o lado: os rótulos das latas, apesar de um design refrescado, respeitam os originais, concebidos em 1942; as placas com informações que circundam a loja ainda são as originais, e dentro de um armário estão expostos os registos originais das marcas Tricana, Prata do Mar e Minor e também os gravadores dos rótulos. Quando Regina Cabral Ferreira assumiu a gestão da Conserveira de Lisboa, há quatro anos, a casa estava quase na falência, à semelhança do que acabou por acontecer a outras lojas da baixa pombalina nos últimos anos. Hoje, a Conserveira tem 36

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Na Conserveira de Lisboa há produtos para todos os gostos: sardinhas com sabor a limão, tomate, caril ou cravinho, ventresca e filestes de atum, cavalas, anchovas, lulas, mexilhão, bacalhau, ovas. Ao todo, são mais de 120 referências. O atum é todo proveniente dos Açores. “A ventresca [barriga do atum] é retirada de atuns com mais de 60 kg de peso e, quando se apanha um atum com 120 kg faz-se um lote especial de ventresca, que é enviado para nós”, diz Regina Cabral Ferreira. A qualidade das sardinhas é garantida também através de um método seguro: “nas lotas e nos barcos temos ‘olheiros’ que nos informam sobre o melhor peixe. E chegam-nos a telefonar dos barcos, para dizer que apanharam um cardume de sardinha com peixe pequenino e saber que quantidade eu quero de petinga”, frisa a proprietária. I António Sérgio Azenha (texto e fotos)


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Paixões

Luísa Pestana, líder da Fundação Vodafone

“Melhorar o dia-a-dia dos mais desprotegidos” A trabalhar no universo telecomunicações desde que saiu dos bancos da faculdade, a agora presidente da Fundação Vodafone revela-nos o percurso dentro desta empresa. Um caminho que se cruza e confunde com os últimos 18 anos da história da operadora em Portugal.

MUITO DISCRETA e de voz pausada, Luísa Pestana ao longo do almoço entrevista que encaixou na agenda muito preenchida desvendanos um percurso profissional onde investe uma energia que parece nunca mais acabar. Não é só gestora, nem responsável máxima pela comunicação da Vodafone Portugal. Ela é o interface com a administração e toma diariamente o pulso à empresa. E alguma vez imaginou um dia ocupar a cadeira de presidente da Fundação Vodafone quando se licenciou em Gestão de Empresas na Universidade Católica? “Sinceramente não, porque vim trabalhar para a área da tecnologia. Nessa altura fazia tudo o que fosse da área financeira dentro da área técnica”. Hoje dentro do universo da operadora tem uma actuação mais eclética. Não está desde a primeira hora na Fundação Vodafone, criada em 2001, mas um ano depois aceitava liderar esta mais recente área de trabalho da empresa: desenvolver soluções tecnológicas nas áreas consideradas prioritárias de intervenção - saúde, educação, segurança e protecção civil, e ainda integração de pessoas com necessidades especiais. De início, a gestora viu muito campo aberto para intervir e achou que seria rela38

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tivamente fácil por haver imensas ideias e potenciais parceiros. Mas “nem todas as instituições estão preparadas para aceitar que nós não damos donativos, queremos deixar uma marca, montar um projecto novo”. E especifica: “Com recurso às tecnologias de informação desenvolvemos os projectos desde raiz em parceria com uma outra entidade – que é no fundo quem vai beneficiar daquilo que é desenvolvido. São sempre projectos inovadores que acrescentem mais-valias e testam-se novas formas de trabalhar e que fazem sentido para ambas as partes”. São acções que em média duram três anos ou mais. E a razão é simples: “Há que especificar o que se quer desenvolver, desenvolver essas tecnologias e metodologias, implementá-las, dar formação aos parceiros e ter tempo para testar a ideia e o projecto. Depois de tudo estar pronto, há sempre um período piloto de um ano e aí a fundação deixa o projecto e essa ferramenta de trabalho”. E acrescenta: “Gosto imenso desta área, é estimulante porque vemos que aquilo que fazemos tem impacto na vida das pessoas e o nosso


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JOSÉ FRADE

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objectivo é melhorar o dia-a-dia dos que estão mais desprotegidos. Dá-me muito prazer”. Outro exemplo recente é o acordo que a operadora assinou com a Associação Portuguesa de Surdos. Os clientes Vodafone que são surdosmudos, quando quiserem ir ao médico ou chamar um canalizador para lhes fazer um arranjo, têm agora disponível o serviço vídeo-intérprete. “De um telemóvel de terceira geração e que permita a video-chamada, o surdo-mudo liga para um call center, onde conseguem entender o pedido e fazem de intermediário para pedir os serviços”. E este é um trabalho que assume fazer com gosto. “O meu percurso de quase 18 anos dentro desta empresa tem vindo a mudar de x em x anos e de área para área. Já passei por várias. Mas gostei de todas igualmente”.

Entre a empresa e a família Hoje divide o tempo entre a empresa e a família. Mãe de dois rapazes de seis e três anos, tenta estar a par dos interesses deles e das solicitações – desde os desenhos animados do momento, às brincadeiras, até aos gadgets electrónicos, “temos de estar sempre a aprender para os acompanhar”.

O que nem sempre é fácil. “Faço um grande esforço para estar presente. Porque hoje em dia o nosso trabalho é muito exigente em termos de horários. E como todas as mulheres tento estar presente”. O mais velho, que já frequenta o primeiro ano, tenta acompanhá-lo no estudo e realização dos trabalhos de casa. “É preciso criar as bases e estes primeiros anos de escolaridade são muito importantes, para ganharem método, serem rápidos a fazerem os trabalhos, saberem gerir bem o tempo.” Para descomprimir da agitação diária, faz esqui duas a três vezes por ano e reserva uma semana no Verão para a prática do mergulho em destinos tão distantes como Maldivas, Bora-Bora ou Mar Vermelho. Por ter começado a actividade mais para partilhar a prática de um desporto com o marido, “De início pensei que nunca ia tirar prazer da actividade, porque nos sentimos no meio de uma imensidão silenciosa e de numerosos animais a passarem ao pé de nós, uns maiores, outros mais pequeninos. Hoje sinto-me confortável e é interessante observar mantas gigantes, tubarões ou moreias”. E no fim de contas, quando lhe perguntamos MAR 2010 |

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Imagens de alguns projectos desenvolvidos pela Fundação Vodafone

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o segredo deste sucesso, diz apenas que é “Uma pessoa muito dedicada ao trabalho e no desempenho das funções talvez tenho ido ao encontro das expectativas dos que lideram a empresa. Mas também tive uma boa escola.” Uma característica pessoal a tem ajudado: “Sou uma pessoa versátil, tenho-me conseguido adaptar a várias funções, em vários momentos, que ao fim e ao cabo são muito diferentes”. O facto de ser mulher também nunca foi entrave na carreira que tem vindo a construir: “Acabei por ter lugares de chefia e de algum destaque logo muito nova. Entrei para a então Telecel com 23 anos e estive na área técnica quatro anos. Passei para as relações com os investidores, onde trabalhei de perto com um representante do accionista americano que veio para Portugal formar a área, durante um ano. Fiquei depois também à frente dessa área muitíssimo importante, envolvia toda a relação com a Bolsa, com a CMVM, com os investidores”. Áreas muitos sensíveis mas onde se sentia “satisfeitíssima nesse papel”. Mais tarde, a responsável pela

comunicação social saiu da empresa e foi a Luísa Pestana que foi agregado mais este pelouro. Dá-se a saída da operadora do mercado de capitais e por coincidência começa a nascer a Fundação Vodafone. “Achou-se que era uma uma área relacionada com temas institucionais e onde eu já tinha um background” e foi conduzida à presidência da mesma. Para além destas funções que tem vindo a acumular, trabalha muito de perto com o presidente da empresa, com a equipa de gestão da administração. “É muito estimulante saber tudo o que se está a passar e qual a estratégia da empresa nas várias áreas. Sou das pessoas que também está envolvida em saber e conhecer e perceber as razões de determinadas estratégias. Vou aprendendo muito com eles”. Quando se lhe pergunta se o objectivo é chegar a administradora, responde de forma serena: “Não tenho essa ambição o que eu gosto é de fazer e desenvolver projectos que eu gosto e que me motivem. Talvez um dia, porque não? Mas não é um objectivo”. I Manuela Garcia (texto)


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Visitas Guiadas

Quanto tempo o tempo tem Visita ao Teatro Maria Matos guiada por Mark Deputter

SÃO QUATRO DA TARDE. Na fachada do Teatro Municipal Maria Matos, em Lisboa, há um grande telão com a fotografia de um cronómetro de cozinha antigo. Mark Deputter está dez minutos atrasado para a visita guiada que me vai fazer do teatro que dirige desde há um ano. É irónico este atraso ocorrer num teatro cuja programação, entre Janeiro e Abril de 2010, é subordinada ao tema do Tempo. Ainda por cima trata-se de um belga que faz esperar um português. Não deveria ser ao contrário? É, afinal, um equívoco. Ingénuo, eu esperava na entrada principal, virada para a Av. de Roma. Mark Deputter estava ao virar da esquina, onde qualquer trabalhador dum teatro combina um encontro: a entrada de artistas. Mark já esperou em muitas entradas de artistas. Durante oito anos, foi responsável por uma geração inteira de artistas europeus terem atravessado pela primeira vez a entrada de artistas do STUC, centro cultural da cidade de Lovaina. Em 96, chegou a Lisboa, com os seus pertences no porta-bagagens do carro, para ajudar na organização do festival Danças na Cidade. Uma década depois, o festival passou a chamar-se Alkantara e é o mais importante evento de artes do palco em Portugal. 42

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Mark Deputter

São quatro e um quarto. “Este é o caminho que eu faço todos os dias”, diz Mark, franqueando a porta de correr antiga que sobreviveu às obras de remodelação do teatro, realizadas há quatro anos. Hoje é o dia de folga de Mark Deputter e a directora de cena do teatro, Rita Monteiro, surpreende-se de o ver entrar. “Não há propriamente um horário. É a natureza deste trabalho. Embora haja planos da autarquia para implementar o hábito de picar o ponto nos teatros municipais, o que é absurdo”, desabafa Mark, enquanto galga os três lanços de escadas que levam ao seu pequeno gabinete iluminado por luzes fluorescentes. “É aqui que passo oitenta por cento do meu tempo”. Sorri quando aponta para a mesa onde estão o computador e o telefone, as suas ferramentas de trabalho essenciais, como as de qualquer empregado de escritório. Diz que “as pessoas têm uma ideia um bocado romântica da vida dum teatro” e sorri outra vez. São quatro e meia da tarde. Mark Deputter é um homem de sorrisos. Agora é a vez do sorriso traquina. “Vou mostrar-vos um caminho secreto que só quem trabalha aqui é que conhece. Nem os artistas o podem utilizar”. Saindo do gabinete, percebo que se trata realmente de uma passagem secreta porque todas as setas que dizem “palco”, “camarins”, “sala de ensaios” ou “foyer” apontam para a direita. Nós vamos para a esquerda. Uma porta ao fundo dum corredor dá para as escadas interiores de um prédio e, aí, uma segunda porta oferece passagem para o balcão da plateia do teatro. Num instante, reencontramos o ambiente romântico do teatro. “É mágico, não é?”. Agora é um sorriso de mistura de deslumbre e orgulho. Quinze metros acima da plateia, temos uma vista panorâmica sobre o palco, onde está prestes a começar um ensaio. “Adoro este momento antes de


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começar. Este tempo de indecisão e de impasse em que parece que não se está a passar nada. Quando tudo ainda é possível”. Ficamos demoradamente a contemplar, em silêncio, as entranhas do teatro em funcionamento. O tempo tem outra medida, nesta sala escura. “Aqui tu não controlas o teu tempo, como num museu, onde podes decidir quanto tempo dura a tua visita. Num teatro, ofereces o teu tempo aos artistas e, em troca, recebes um espectáculo”. São dez para as cinco quando saímos do balcão para o bar, esse “lugar essencial de encontro entre artistas, pessoas do teatro e público” que todos os teatros deveriam ter. Descendo as escadas passamos por um painel de mosaicos de cores berrantes a fazer lembrar que “é uma pena que as obras tenham apagado a patine do tempo. Foram importantes para criar condições para os artistas, mas ficou um teatro mais frio. Literalmente mais frio porque nem sequer se aproveitou para colocar vidros duplos, o que também é pouco ecológico”. É tempo de novo sorriso quando pergunto a Mark qual é a sua relação com o tema que ele próprio lançou ao público e aos artistas. “Acho que programar um teatro é a relação entre o tempo da cidade e o tempo daquilo que se mostra no teatro. Por isso é que não me interessa o entretenimento. Eu não quero que o público venha aqui passar o tempo. Quero é ajudar as pessoas a aproveitar e intensificar o tempo”.

O Projecto Educativo do Teatro Maria Matos realiza visitas guiadas. Mais informações: 218 438 800 teatromariamatos@ egeac.pt

“Nas visitas guiadas que fazemos com o nosso Projecto Educativo, levamos sempre as pessoas ao palco, porque é o local mais impressionante. Mas como hoje estão a acontecer ensaios, vou levar-te a outro lugar”. São cinco e um quarto e vamos a caminho do sub-palco, onde estão guardados restos de cenários e material técnico. “Quase nunca venho aqui, mas é um lugar especial”. No fundo duma escada, encontramos as letras que formavam o nome Teatro Maria Matos, na fachada do teatro desde a sua inauguração, há 41 anos. A letra em melhor estado é um T. De teatro. Ou de tempo. São cinco e meia: sorriso de despedida. I Tiago Rodrigues

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Património

António Teixeira (1707-1774)

O músico de «Deus» e A 14 de Maio de 2007 passaram 300 anos sobre o baptizado (e, logo, sobre o nascimento), em Lisboa, de António Teixeira. E quem foi ele? «Apenas» um dos mais importantes compositores da história da música portuguesa – e, pode-se dizer hoje, sem qualquer dúvida, também um dos mais talentosos da Europa do seu tempo. Um tempo em que pontificaram nomes como os de Bach, Gluck, Haendel, Scarlatti, Telemann, Vivaldi.

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ANTÓNIO TEIXEIRA pertenceu a uma notável geração de músicos – que incluiu, entre outros, Carlos Seixas, Francisco António de Almeida e João Rodrigues Esteves – que beneficiaram da protecção do Rei D. João V. O «Magnânimo» patrocinou o envio de diversos artistas para Itália para aprenderem com os maiores mestres daquela época. E António Teixeira foi um dos escolhidos: com apenas nove ou dez anos de idade chegou a Roma e lá esteve praticamente uma década. Deve, de facto, ter regressado a Portugal em 1728 porque há um registo de que, a 11 de Junho desse ano, foi nomeado «examinador dos ordinandos em canto chão em todo o Patriarcado». Enquanto mestre de capela da Igreja Patriarcal distinguiu-se como compositor de música sacra, tendo escrito motetes («Per Ogni Tempo»...), responsórios, salmos («Nisi Dominus», «Surge Illuminare»...) cantatas («Gaudete Astra», «Gloria, Fama e Virtù»...) e, principalmente, um extraordinário «Te Deum» - um tipo de composição que se tornou característico no Portugal do século XVIII, e que, tocado habitualmente no último dia de cada ano, representava como que um agradecimento, uma «acção de graças» pelo que de bom acontecera durante os doze meses precedentes. O «Te Deum» de Teixeira destaca-se pela sua ambição, pela sua duração (quase uma hora e meia), e por comportar nada mais, nada menos do que uma grande orquestra, cinco coros e oito solistas. Crê-se que a sua estreia terá ocorrido na Igreja de São Roque a 31 de Dezembro de 1732. Nesse mesmo ano, mas antes, no Carnaval, estreara-se «Gli Sposi Fortunati» - uma das suas «cantatas seculares». Na verdade, se António Teixeira se afirmou inicialmente por ser um autor de música para «Deus», posteriormente a sua fama viria a ser muito aumentada por ter sido igualmente o autor de música que a Inquisição não hesitaria em considerar do «Diabo»: concretamente, as melodias


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» e do «Diabo» para peças de teatro de António José da Silva, a mais famosa das quais é sem dúvida «Guerras do Alecrim e Manjerona». «Anfitrião ou Júpiter e Alcmena», «A Vida do Grande D.Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança», «Esopaida ou Vida de Esopo», «O Labirinto de Creta», «Os Encantos de Medeia» e «Precipício de Faetonte» foram outras peças de Silva que terão sido musicadas por Teixeira. Esta inédita e insólita colaboração, e mesmo amizade, entre um cristão, católico, e um judeu não terá durado mais do que seis anos, talvez desde 1733 e de certeza até à morte do dramaturgo, a 18 de Outubro de 1739, estrangulado e queimado num auto-da-fé em Lisboa. Não é difícil imaginar Teixeira como um dos muitos espectadores impotentes dessa atroz tragédia. A vida deste compositor que balançou entre o sagrado e o profano viria a ser marcada para os séculos seguintes, e à semelhança de tantos outros compatriotas seus da primeira metade de Setecentos, pela destruição e consequente esquecimento e incerteza provocados pelo terramoto de 1755, que não só fez desaparecer inúmeras vidas mas também incontáveis instituições, obras, registos, memórias. Exemplo eloquente disto mesmo é a data da sua morte: durante muito tempo acreditou-se que teria sido em 1759, mas uma investigação da professora universitária Cristina Fernandes revelou que tal poderá ter ocorrido, afinal, em 1774. Actualmente existem partituras suas na Sé de Lisboa, na Biblioteca Nacional, também na capital, e ainda no Paço Ducal de Vila Viçosa. Mas quanto material seu não haverá ainda por descobrir e por autenticar, não só em Portugal mas também, eventualmente, em Itália e no Brasil?

Uma ópera para o Carnaval Até Novembro de 2008 só existia um álbum editado exclusivamente com composições de

António Teixeira: «Te Deum», pela The Symphony of Harmony and Invention dirigida por Harry Christophers, editado pela The Sixteen/Coro em 2002 com a assistência financeira da Fundação Calouste Gulbenkian. Alguns dos comentários da imprensa britânica a esta edição: «uma execução brilhante de uma obra-prima negligenciada» (BBC Music Magazine); «continuamente estimulante» (Financial Times); «uma verdadeira surpresa que exige ser ouvida» (Gramophone). A partir daquela data passou a haver outro: editado pela Numérica e inserido na colecção PortugalSom, «As Variedades de Proteu» é uma ópera segundo a peça de teatro com o mesmo título de António José da Silva e estreada originalmente em 1737. Stephen Bull, director musical deste duplo CD, e que neste foi também o maestro condutor da Escola de Retórica, Métrica e Harmonia, admite que toca «a música portuguesa por prazer; adoro o seu gosto ligeiramente picante e exótico! Não consigo compreender que

António Teixeira manteve uma colaboração, e mesmo amizade, com António José da Silva até à morte do dramaturgo num autoda-fé em Lisboa

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Património Uma notável geração de músicos beneficiou da protecção do Rei D. João V, o «Magnânimo», que os enviava a Itália para que aprendessem com os maiores mestres da época

ela às vezes seja vista apenas como peça de museu. Há abundância de música portuguesa ainda para apresentar, e acho que todo o mundo deve vir a conhecê-la, para tocar ou cantar e para ouvir. E gosto sempre de um projecto divertido.» Porém, gravar «As Variedades de Proteu» não foi só diversão. «A gravação é sempre um desafio, e, frequentemente, uma corrida contra o relógio. Neste caso foi bastante assim, e foi-nos indispensável manter a prioridade de captar o espírito do original, um espírito criativo, quase improvisando, confeccionando uma ópera para umas marionetas e cantores para o Carnaval.» No entanto, «a preparação da partitura, no caso d’«As Variedades...», foi relativamente simples, contrariamente às “Guerras do Alecrim...” ou ao “... Faetonte”, outras peças líricas do António Teixeira. A partitura d’«As Variedades...» encontrava-se quase completa: faltava apenas uma secção, o de um quarteto e uma fanfarra. No caso das outras óperas, estava omissa cerca de um terço do material musical, necessitando, portanto, reconstrução, e, em determinadas alturas, composição, no estilo de Teixeira, para viabilizar a peça.» É nas vocalizações idealizadas para «As Variedades de Proteu» que Stephen Bull encontra uma originalidade de António Teixeira: «É interessante que esta peça tenha três papeis para tenor. No século XVIII a voz tenor não era a mais prezada, exactamente ao contrário do que se passa na actualidade, porque então eram os “castrati” os mais famosos e celebrados dos cantores. Não tenho provas concretas, mas é possivel que fosse por razões económicas que o compositor elencou tenores!» E o estilo do compositor combina bem com o estilo do escritor: «A música de 46

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Teixeira não é de modo nenhum inferior à escrita do dramaturgo. A música e o drama funcionam lindamente juntos. Parece-me que António José da Silva encontrou o seu par no seu espírito inventivo, empatia e capacidade de representar personagens.» Alexandre Delgado, produtor musical d’«As Variedades de Proteu» e que integra ainda o conselho editorial da PortugalSom, encontrou também nesta obra elementos suficientes para a colocar entre as mais inovadoras e vanguardistas daquele período histórico: «Nem Haendel escreveu tantos conjuntos... duetos, trios, quartetos... uma complexidade pouco comum na Europa de então. Não é todos os dias que aparecem óperas barrocas desta qualidade.» E, mais do que ser «melhor do que “Guerras do Alecrim e Manjerona”», «As Variedades...», em certos aspectos da sua elaboração, antecipa «em 50 anos o que Mozart fez com “A Flauta Mágica”. Não está mal!» I Octávio dos Santos


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Memória

Barros. Foi também por essa altura que Beatriz adoptou a famosa franja. Esta vai ser uma biografia muito «à la minute» porque, desta vez, entre fotografias e excertos retirados de alguns dos seus livros, a nossa «Memória» de Beatriz Costa revive na escrita impagável desta mulher que trabalhou muito, viajou muito, amou muito e viveu muito.

Biografia breve

Beatriz Costa A menina da franja A história de Beatriz Costa está contada e recontada. Que nasceu pobre, na Charneca do Milharado, filha de um moleiro, que não foi à escola e só, muitos anos mais tarde, aprendeu a ler a escrever.

PAIS SEPARADOS, a mãe trocara o moleiro por um militar e a pequena Beatriz vai apanhar alfinetes para um atelier de costura. Ganha um tostão por dia e, de vez em quando, apanha tareia. Sem escola, vai aprendendo as letras e o seu valor. Em breve já consegue juntá-las e ler. Tinha 15 anos quando se estreou no teatro mas é dois anos depois, em 1927, que Beatriz Costa se revela na revista «Sete e Meio», de Leitão de 48

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Com a revista «O Mexilhão» (1931), que dura oito meses em cena, Beatriz Costa é, por muito tempo, a maior do teatro de revista. Lisboa inteira canta com ela “Quem é, quem é? que não prova o burrié?”. Seguem-se outros êxitos do Parque Mayer: “Há festa na Mouraria”, “Lua Cheia”, “Arreburro”, “Sempre em pé”, “Ó meu rico São João” e muitos outros. Tudo entremeado com filmes que foram outros sucessos de bilheteira (“A Canção de Lisboa”, de Cotinelli Telmo, 1933, “O Trevo de Quatro Folhas”, de Chianca de Garcia, 1936 e “Aldeia da Roupa Branca”, também de Chianca de Garcia, 1939). Precisamente neste ano de 39, Beatriz parte para o Brasil onde acaba por ficar oito anos, voltando a Lisboa, no fim da guerra, já casada com um brasileiro rico, Edmundo Gregorian de seu nome. Viaja pelo mundo inteiro e em 1949 reaparece na revista “Ela aí está!”, outro êxito. Mais reaparições no Parque Mayer e, nos anos sessenta, abandona para sempre os palcos. Dedica-se à escrita (cinco livros) e continua a viajar. Vive até morrer, aos 88 anos, no quarto 600 do Hotel Tivoli. E sempre a falar. Sem papas na língua...

Excertos de alguns livros de Beatriz Costa Quando abandonou os palcos, a actriz passou a escrever. Cinco livros atestam o seu humor, às vezes subtil, outras verrinoso e a “sem papas na língua”. ”Nos cornos da vida”, “Mulher sem fronteiras”, “Quando os Vascos eram Santanas”, “Eles e Eu” e o já famoso “Sem papas na língua”. Deles são os excertos, bem divertidos, que escolhemos. “O escudo acabava de ser desvalorizado. Eu estava em Sevilha para aplaudir o Brasil no início de «Mundial 82”. No Corte Inglês fui rodeada, beijada, apalpada e «perguntada» por dezenas de patrícios que, como eu, faziam compras. Uma senhora, “perguntadeira de profissão”, agarrou-


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me e disse perante aquela simpatia que reinava à minha volta: “A Beatrizinha é tão conhecida como o escudo!”. Respondi a rir: “Com uma diferença, é que a mim nunca houve governo que me desvalorizasse!..” “Eu tinha a mania de comprar ouro, o que hoje me agrada que tenha acontecido desde os meus 15 anos, quando um cordão pesado custava 1000 escudos. Há tempos a minha sobrinha Beatriz, que é muito sóbria na “decoração”, dizia-me: “Ó tia, não ponhas tanto ouro, pareces uma novarica! Respondi a rir: “Deixa lá, minha filha, antes quero ser nova-rica que velha-pobre!...” “Rejeitei a Ordem de Santiago, que o presidente Carmona me quis dar em 1947. Aleguei em tom galhofeiro: “Não tenho físico para comendadora... A Ordem de Santiago fica bem numa Palmira Bastos, mas numa Beatriz Costa só se for a Ordem de Santiago de Cacém...” “A Canção de Lisboa” até hoje diverte pela originalidade do diálogo, a que não foram estranhos Fernando Fragoso e José Gomes Ferreira. O realizador foi Cotinelli Telmo e Chianca estava por detrás disto tudo. António Silva era meu “pai” e Vasco Santana meu “namorado”. Eu trabalhava no teatro e levantava-me às seis horas da manhã para filmar. Ganhei cinco mil escudos que foram pagos aos soluços, mas valeu a pena.” “O ardina, espertíssimo, apregoava os jornais citando frases dos acontecimentos do dia e os nomes dos mais lidos jornalistas de “até hoje... Como Norberto Lopes, o mestre! A “Republica”! Fala o Rocha!...Olha o Século, o Diário de Noticias, olha o Diário de Lisboa! Lá vinha o grande Artur Portela! Vendia como ninguém, E chamavam-lhe “atoleimado”. Um dia, uma rapariga, Miss Cautelas fez-lhe uma proposta: ela pagava o bilhete e ele acompanhava-a ao animatógrafo para lhe ler as legendas... O rapaz aceitou. Levaram nisso uns três anos. Ela pagando a entrada e ele lendo, baixinho, a história dos amores impossíveis da filha do emigrante italiano com o filho do milionário do Texas! Até que um dia Miss Cautelas tem a maior surpresa daquela união de domingo. O ardina também não sabia ler e levou aquele tempo todo a improvisar no local do “crime”. “Na Feira do Livro de 1983, em Viana do Castelo, um senhor perguntou-me: “Que idade tinha quando fez a “Canção de Lisboa”? Respondi: “Não sei... ainda não era nascida...”

“Beatrizinha, o que é que faz para estar sempre na mesma? O que é que faço? Olhe, faço de conta que não ouço... faço de conta que não vejo...faço de conta que não sei...Vou fazendo de conta!” “Eu casava outra vez, se a lei me permitisse, em vez de um homem de setenta, ligar-me a dois de trinta e cinco... Um pràs folgas do outro...Porque um homem de setenta já está como aquelas bilhas de gás que quando chegam ao fim começa a descer a chama do fogão e a dona de casa vai a correr substituir a bilha para não ficar com as batatas encruadas... O leitor já pensou o que seria a Beatrizinha com batata encruada?” “Eu coçava a cabeça devido a uma alergia. Logo uma caridosa me pergunta: “Tem comichão na cabeça?” Respondi: “Felizmente é só na cabeça... peço a Deus que ela não alastre e desça.” “Quando em 10 de Junho de 1984, na cidade de Viseu, o presidente Ramalho Eanes condecorou o meu simpático amigo Mário Zambujal. O José de Lemos fez um “riso amarelo” (cartoon)» no Diário Popular que muito me divertiu. Ele disse e ilustrou: “Não há direito, tão bom rapaz e condecoraram-no!” “No bar do Tivoli um desconhecido muito feio e nada simpático quis ser engraçado e disse-me com olhos de goraz podre: “Se fosse há vinte anos não me escapava...” Respondi rápido: não lhe escapava a si mas escapava-me a mim com certeza...” “Eu gosto de arroz malandro, mas às vezes ele já vem regenerado... é a única malandrice que hoje me dá prazer...” I Maria João Duarte

Cartaz de Almada Negreiros para “A canção de Lisboa” que estreou no S. Luís em Novembro de 1933. Em baixo, numa cena do filme, com Vasco Santana

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Olho Vivo

Mosquitos que vêm de longe

Aviões a lixo

As novas técnicas de análise genética têm conseguido descobrir o que até há pouco era impensável, não parando de nos surpreender. Desta vez permitiram concluir que muito provavelmente um dos mais famosos faraós egípcios morreu de malária. O estudo realizou-se entre 2007 e 2009 e combinou técnicas de identificação com ADN, análises radiológicas e comparações morfológicas de onze múmias, entre as quais a do famoso Tutankamón. Os cientistas chegaram à conclusão de que o jovem faraó terá morrido vítima de uma associação entre malária e uma doença óssea, segundo expõem em trabalho publicado recentemente na revista da Associação Médica Norte-americana. Zahi Hawass, director do Conselho Supremo de Antiguidades no Cairo diz que “Tutankamón tinha várias desordens e algumas delas podem ter assumido características de síndrome inflamatória, imuno-repressivo e, portanto, debilitante. Deve ter sido um jovem mas frágil rei que necessitava de bastões para caminhar”. Tudo indica que subiu ao trono com 11 anos e muito provavelmente morreu com 19, por volta do ano 1.325 a.C.

A British Airways vai começar a produzir combustível a partir do lixo e espera abastecer a sua frota com este composto a partir de 2014. Para já, chegou a acordo com uma empresa norteamericana que irá instalar a primeira fábrica europeia destinada a produzir este combustível. A companhia britânica prevê vir a usar anualmente meio milhão de toneladas de resíduos que serão transformados em 16 milhões de galões de combustível. Ou seja, a fábrica produzirá cerca do dobro daquilo que gastam todos os voos do mais pequeno aeroporto de Londres, o City, mas apenas chegará para abastecer dois por cento dos aviões que partem do maior deles, o de Heathrow. Seja como for, e independentemente do odor que poderá emanar, não deixa de ser reconfortante pensar que dentro em breve poderemos viajar movidos pelo nosso próprio desperdício.

Água elástica O mundo está imprevisível e a ciência não pára de nos surpreender. Desta vez a notícia vem do Japão e abala verdades científicas muito antigas como é o caso de aprendermos nos bancos da escola primária que a água pode assumir os três estados existentes na natureza: sólido, líquido e gasoso. É que no país do sol nascente foi inventada uma nova versão: a água elástica. Trata-se de uma matéria que se assemelha realmente a uma pastilha elástica, mas cuja composição consiste em 95 por cento de água e cinco por cento de uma mistura de barro e substâncias orgânicas que lhe imprimem a sua textura e consistência. Os inventores são investigadores da Universidade de Tóquio e explicam o resultado do seu trabalho num texto científico publicado pela revista Nature. Não se pense, no entanto, que esta água se destina a ser mascada. O seu interesse é bem mais vasto e útil e vai da substituição de cartilagens humanas deficientes até à dos poluentes materiais plásticos. A Natureza vai certamente gostar desta invenção se ela não ficar pelo caminho, como tantas outras igualmente ecológicas. Deve ser bom ir às compras levando um saco de água. 50

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G u i o m a r B e l o M a r q u e s ( t ex t o s ) A n d r é L e t r i a ( i l u s t r a ç õ e s )

Alô Espaço, daqui Terra Em Fevereiro último, a Real Sociedade de Londres decidiu realizar uma conferência destinada a debater se é prudente o Homem enviar mensagens para o Espaço na tentativa de comunicar com extra-terrestres. Em 2008, a NASA enviou para o Cosmos a conhecida canção dos Beatles “Across the Universe”, mas os especialistas estão preocupados com a profusão de mensagens que estamos a enviar. Será inteligente anunciarmos a nossa presença a eventuais vizinhos hostis? Para já, há pelo menos meio século que as nossas emissões televisivas pairam no Espaço, uma vez que a atmosfera terrestre não as consegue reter. O que significa que, esteja a Humanidade a arranjar lenha para se queimar com ETs malévolos, ou não, o mais provável é que as imagens televisivas sejam detractoras da possibilidade de qualquer ser inteligente se interessar por nós.

Berlim das bolas e das crianças Tirando uma ou outra pessoa mais rezinga, dir-se-ia que a algazarra característica das crianças é dos sons espontaneamente emitidos pelo ser humano mais belos de se escutar. Talvez por isso não seja fácil classificá-lo de poluição sonora. E foi mesmo isso que o parlamento regional de Berlim considerou quando decidiu aprovar uma lei na qual é permitido às crianças fazerem o barulho que muito bem lhes aprouver. Primeiro somos surpreendidos pelo facto de termos chegado ao ponto de ser necessária uma lei para estabelecer que a Natureza humana na sua expressão mais genuína tenha de ser regulada. Depois concluímos que, na verdade, os alemães conhecem-se bem a si mesmos e depois de um vizinho mais zeloso ter levado a tribunal um jardim-de-infância devido ao barulho, obrigando-o a mudar de instalações, o governo berlinense decidiu abrir esta excepção à sua muito estrita lei contra a poluição sonora. Bem vistas as coisas, a cidade que inventou o bolo da infância de todos nós não poderia amordaçar as crianças. Antes assim. Agora, os berlinenses que não gostarem de parques infantis, escolas primárias ou crianças em geral nas vizinhanças que se mudem.

E por falar em gargalhadas… Um estudo desenvolvido pela equipa do Prof. Alan Reiss, da Universidade de Stanford, permitiu-lhe concluir que, apesar de rirem menos do que os homens, as mulheres fazemno muito melhor. Não é anedota. Os investigadores monitorizaram o cérebro de um grupo de homens e mulheres aos quais mostraram filmes de animação cómicos. Na avaliação das reacções, Reiss percebeu que enquanto os homens se riam de praticamente tudo, as mulheres faziam-no com uma relativa menor frequência mas com muito maior intensidade e desfrutando muito mais da piada. Segundo o estudo, as mulheres utilizaram mais zonas do cérebro para processar as piadas, enquanto os homens revelaram muito menor actividade cerebral. Além disso, o responsável pelo ensaio afirma que as mulheres tendem a ter uma atitude de menor expectativa perante as piadas, razão pela qual se divertem mais quando são surpreendidas por uma realmente boa. Não deixa de ter a sua graça. MAR 2010 |

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A Casa na árvore Susana Neves

Um prego pode dar mel No Jardim do Príncipe Real cortaram a Árvore da Moda.

E

nquanto em Paris, a venerável robínia (“Robinia Pseudoacacia L”.) do Cais Saint-Michel, plantada em 1601, sobrevive com o apoio de uma “bengala” gigante de betão e no Kew Garden, em Londres, se designa o espécime plantado em 1762 por “Old Lion” (Velho Leão), numa das mais belas colinas de Lisboa, no histórico Jardim do Príncipe Real, concebido em 1861, as obras de “requalificação” camarárias conduziram não à promoção nem ao prolongamento da longevidade das nossas robínias, algumas centenárias, mas à sua morte precoce. Desastroso e ignorante “restauro” este que manda abater (sem parecer prévio de quem de direito) as robínias antigas, propondo-se de seguida substitui-las por árvores jovens da mesma espécie, quando a sua antiguidade constituía a memória de um tempo em que Portugal se descoPormenores das flores e folhas da Robínia

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bria moderno por plantar robínias nos jardins. De facto, se a “acácia do Jorge” (filho de Camilo Castelo Branco), uma robínia plantada em frente à casa do escritor em S. Miguel de Seide, em 1871, indica a sua existência em Portugal, em 1872, no Jornal de Horticultura Prática, Jules Meil, então director dos Jardins e Passeios Públicos de Sevilha, escreve sobre a introdução de robínias ainda como uma novidade usada para corrigir «o aspecto monótono da vegetação dos nossos jardins públicos e particulares». Uns anos mais tarde, em 1886, o artigo “Robinia Pseudo-Acacia” de M. de Freitas, publicado no Jornal de Horticultura Prática, parece indicar que o conhecimento do valor ornamental desta “Papilionaceae” ainda não estava consolidado em Portugal. O articulista descreve com minúcia o «effeito encantador» da folhagem e das flores «que derramam ao longe um odor suave», semelhante ao da «flôr da Laranjeira», observado nas robínias plantadas em «bosques», «avenidas» e «jardins públicos» parisienses, para motivar os leitores a seguirem o exemplo. O seu entusiasmo ultrapassa, no entanto, a


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Fotos: Susana Neves

beleza, a qualidade melíflua das suas flores, a partir das quais se faz um «xarope para acalmar as convulsões e os vapores», destacando, sobretudo, a rentabilidade de um plantio intensivo. Na sua perspectiva, a robínia emerge como uma super-árvore, rápida a crescer, resistente à humidade, adaptável a diferentes condições climatéricas, dotada de uma madeira fácil de cortar, «mais pesada do que a do carvalho», não corrompida pelos insectos, passível de ser utilizada na construção de mobiliário, alfaias agrícolas, rodas de dobar, cadeiras, vasilhas para o vinho ou até, seguindo o exemplo dos EUA (esta espécie provinha dos Montes Apalaches), na construção naval, «em cavernas, curvas e demais peças importantes», entre as quais, embora não o mencione, se celebrizaram em 1819 os pregos de Filadélfia. A robínia parece de tal forma rentável que se no início a vê como um «recurso inapreciável para as regiões estéreis e deslocadas» vem depois em delírio defender a sua plantação por todo o lado: «O interesse dos proprietários, despertado pela certeza do lucro, não deve desprezar estas indicações úteis, e torna-se-lhe mister multiplicar por toda a parte esta árvore, hoje a mais preciosa de todas». O sonho de invadir o País com robínias não parece ter alcançado êxito talvez porque, entretanto, já se dera início à exploração do Eucalipto “Globulus” e o artigo/ propaganda “Cultura das Acacias”, de William C. Tait, publicado na anterior edição do Jornal de Horticultura Prática, sobre o sucesso do cultivo «à escala industrial» das “verdadeiras” acácias, vulgo mimosas, tenha convencido de imediato os que procuravam um investimento com resultados comprovados. Às árvores colonizadoras esta miragem de lucro fácil serve a vocação expansionista e no caso da robínia, uma verdadeira “Hidra vegetal”, qualquer ataque que se lhe faça atiça mais ainda a vontade de se propagar; lançando raízes a grandes distâncias, tece uma rede subterrânea que ajuda a fixar os solos e a faz rebentar onde menos se espera. De «árvore preciosa» a espécie proibida (Decreto Lei nº 565/99), a robínia foi, no entanto, protegida nos jardins da Capital, onde é menos

ameaçadora, retomando-se em 1941, «a prática antiga» de lhe lavar o tronco no Verão para evitar que as poeiras o queimem. Um tratamento de beleza especial que os cuidadosos, e outrora existentes, jardineiros de Lisboa lhe prodigalizavam, desconhecendo, por certo, que a História da “Robinia” estava associada à História da Moda. Jean Robin, botânico real (em sua homenagem Lineu atribuiu o nome científico à espécie), que plantou pela primeira vez esta árvore no Cais Saint-Michel, em 1601, introduzindo-a na Europa, só abria as portas do seu jardim a poucos eleitos, entre eles, ao desenhador e bordador Pierre Vallet. Os livros realizados por ambos inspiraram as novas tendências vegetalistas da moda na Corte de Marie de Médicis. I MAR 2010 |

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69 CONSUMO O custo e as despesas de manutenção de um automóvel aconselham, hoje em dia, a tomar redobrados cuidados. Pág. 56 À MESA “Pelo Entrudo, come-se tudo”, lembra DLR, que escreve sobre os rituais gastronómicos associados ao Carnaval, à Quaresma e à Páscoa. Pág. 58 LIVRO ABERTO Em destaque, a obra “Nova Tertúlia de Mentirosos” (Teorema), do francês Jean-Claude Carrière, que evidencia uma capacidade única de nos prender enquanto leitores. Pág. 60 ARTES Atenção às exposições de Eurico Gonçalves, Helena Justino e Alexandra Mesquita, em Lisboa, e de Alexandre Estrela, no Porto. Pág. 62 MÚSICAS Atenção melómanos a “The Sea”, da cantora e compositora britânica Corinne Bailey Rae, e ao “best of” de Marc Moulin, um expoente do jazz europeu. Pág. 64 NO PALCO “Cantigas de uma noite de Verão”, no Trindade, e a “Comédia Mosqueta”, em Almada, duas sugestões teatrais para Março. Pág. 66 CINEMA EM CASA No início da Primavera, e em homenagem a Eric Rhomer, falecido em Janeiro, o destaque vai para a sua notável série Contos das Quatro Estações. Pág. 68 GRANDE ECRÃ “Alice no País das Maravilhas” vem comprovar a invulgar e estimulante criatividade do realizador Tim Burton. Pág. 69 INFORMÁTICA Em tempo de poupança, Gil Montalverne dá-nos conta de dispositivos digitais de múltiplas e acessíveis soluções. Pág. 70 VOLANTE Opel Astra já chegou ao mercado português, com variada tecnologia no segmento dos automóveis familiares compactos. Pág. 71 SAÚDE O Consentimento Informado é a afirmação de uma vontade esclarecida por parte dos doentes e um marco civilizacional no exercício responsável da Medicina. Pág. 72 PALAVRAS DA LEI Entrou em vigor a Lei que regula o regime da violência doméstica e que facilita a intervenção da polícia e a protecção das vítimas. Pág. 73

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Boavida|Consumo

Automóvel: algumas d Embora o automóvel não possa ser considerado um objecto de luxo, o seu custo e as despesas de manutenção aconselham, hoje em dia, a tomar redobrados cuidados. Este mês, falámos da compra e do seguro.

do veículo) e definir o valor das mensalidades (fixas) durante o período do contrato, que varia entre os 12 e os 60 meses. Pode, inclusive, ajustar o plano de pagamentos durante o contrato, ou mesmo ceder a sua posição contratual a outra pessoa. A propriedade do veículo, até ao final do contrato, será da entidade financeira.

Carlos Barbosa de Oliveira

LEASING. Tem por base a utilização temporária do automóvel. Durante o prazo que estabelecer no contrato com a instituição financeira paga uma renda e, no final do contrato, pode exercer a opção de compra do automóvel, pagando o valor residual previamente acordado. Esta modalidade permite conseguir mensalidades mais baixas que as restantes opções de crédito, mas a propriedade do veículo, durante a vigência do contrato, será da entidade financiadora. Só no final do contrato, depois de fazer o pagamento do valor residual, se tornará proprietário. O leasing permite a obtenção de benefícios fiscais, no caso de ser empresário em nome individual, ou profissional liberal. Isenção do imposto de selo sobre os juros e sobre o empréstimo e, no caso de se tratar de um veículo comercial, recuperação do IVA.

esde a compra ao contrato de seguro, passando pela manutenção, poupança de combustível ou forma de condução, é possível poupar algumas centenas de euros por ano, se soubermos fazer as escolhas certas. Tudo deve começar no acto da...

D

...COMPRA. Nem sempre o automóvel que o encanta é o mais

aconselhável para o uso que lhe pretende dar. Antes de decidir o modelo que vai comprar, estude bem as características do veículo e certifique-se que é o mais adequado às suas necessidades. Um exemplo: encantou-se por um veículo todo terreno, que um amigo lhe disse ser muito resistente e consumir pouco combustível. Mas esse será mesmo o veículo que precisa, se o vai utilizar quase exclusivamente na cidade? Dentro do mesmo tipo de automóvel que se adequa às suas necessidades, encontrará vários modelos e marcas. Nem sempre o mais bonito é, porém, o que lhe garante economizar ao longo da vida útil do automóvel. Há que ter em atenção os prazos das revisões, o custo e a qualidade dos serviços pósvenda oferecidos pela marca, ou o consumo médio de combustível. Escolhido definitivamente o automóvel que vai comprar, tenha em atenção dois aspectos: - O preço pode variar, consoante o concessionário. Não só no preço base mas, essencialmente, na valorização que fazem do seu velho automóvel. Muitas vezes, um carro para troca é mais valorizado em concessionários da província, do que nas grandes cidades. - Se vai pedir um financiamento, estude bem qual a modalidade que melhor se adequa ao seu interesse: (Seja qual for a opção que escolher, consulte várias instituições financeiras). ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO (ALD). Nesta modalidade

pode escolher o valor da entrada inicial (até 60% do custo 56

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RENTING. Nesta modalidade, nunca será proprietário do

veículo mas, em contrapartida, não terá de se preocupar com o pagamento das revisões, mudança de pneus ou pagamento de seguros. Esta modalidade é a que apresenta maiores variações, entre as ofertas das várias instituições financeiras mas, em alguns casos, é possível associar ao contrato de Renting outros serviços, como o tratamento administrativo de multas, veículo de substituição, gestão de combustível e outros. No final do contrato não tem de se preocupar em vender o


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s dicas para poupar automóvel e pode assinar um novo contrato para outra viatura. CRÉDITO AUTOMÓVEL. É a modalidade de crédito mais usual.

O consumidor é proprietário do automóvel desde o início do contrato e, ao contrário de outros sistemas, como o renting ou o leasing, no decorrer do contrato de crédito automóvel tem a possibilidade de efectuar amortizações totais ou parciais do valor em divida, conseguindo assim diminuir o total de juros a pagar. TAEG. Informação que deve sempre pedir junto da instituição

financeira consultada é a taxa anual de encargos efectiva global (TAEG) Este valor permite comparar várias propostas, pois reflecte o custo total do crédito. Engloba, além da taxa de juro, as comissões, imposto de selo e seguros obrigatórios do financiamento. A comparação deve basear-se em parâmetros idênticos: mesmo valor, duração do empréstimo, sinal, etc. Quanto mais baixa a TAEG, mais barato o empréstimo. SEGURO. Quando sair do stand com o seu carro novo, já deve ter um seguro. É obrigatório fazer um seguro de responsabilidade civil que cubra os danos causados a terceiros, válido em todos os países da União Europeia que aderiram à Carta Verde. Tenha em atenção que este seguro obrigatório não cobre os danos do condutor culpado

ANDRÉ LETRIA

em caso de acidente, nem de terceiros ocupantes. Para isso é necessário fazer um seguro que cubra os danos dos passageiros. Se conduzir o seu automóvel sem seguro está a incorrer numa contra-ordenação grave. Fica sujeito a uma coima entre 500 e 2500 euros e à possibilidade de ver a viatura apreendida. Não esqueça, também, que em caso de acidente, será obrigado a indemnizar os lesados. Tenha sempre em dia o pagamento do seu seguro. O não pagamento dos prémios implica a desresponsabilização da seguradora e, em caso de acidente, ou fiscalização policial, incorre na mesma infracção prevista para os condutores que não tenham seguro. Há, actualmente, uma grande diversidade de ofertas de seguros. Vale por isso a pena estudar o mercado antes de se decidir. Uma boa escolha pode representar uma poupança de algumas centenas de euros anuais. Aqui ficam alguns conselhos: -Faça uma pesquisa minuciosa das propostas oferecidas no mercado e decida-se pelo modalidade de seguro que mais se adequa ao seu caso; - Comprove se a empresa com que pretende negociar está autorizada, pelo Instituto de Seguros de Portugal, a exercer a sua actividade; - Leia atentamente as condições gerais e especiais do contrato e, em caso de dúvida, exija que lhe expliquem de forma clara, quais os riscos que estão efectivamente cobertos e as condições excepcionais que implicam a desresponsabilização da seguradora; - Informe-se sobre o montante da franquia e como deve agir em caso de sinistro: - No caso de o seu seguro contemplar uma viatura de substituição, peça informação detalhada sobre as condições em que esta lhe será atribuída; Saiba, por fim, que no caso de não estar satisfeito com a sua seguradora, pode rescindir o contrato, desde que comunique o seu desejo com 30 dias de antecedência. Quando fizer a comunicação à seguradora peça um certificado de tarifação (informação da seguradora sobre a (in)existência de sinistralidade durante o período de vigência do contrato). No caso de ter pedido a resolução do contrato, antes de terminar o prazo de caducidade, terá direito a ser reembolsado da parte do prémio de seguro correspondente ao prazo que falta, até terminar o contrato. MAR 2010 |

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Boavida|À mesa

Carnaval, Quaresma, Páscoa O Carnaval, a Quaresma e a Páscoa são três períodos do nosso calendário gregoriano aos quais se encontram associados rituais gastronómicos.

David Lopes Ramos

elo Entrudo, come-se tudo”, regista o rifoneiro português. Até a designação desses dias evoca excessos: domingo, segunda e terça - feira gordos. São dias propícios “às intemperanças da gula, enfim carne”, como proclamou, no século XVII, o grande pregador e padre católico António Veira (1608-1697). E carne de Carnaval, em praticamente todo o País, é carne de porco. Da cabeça ao rabo: orelheira, focinho, faceira, chispe, entremeada, sarrabulho com todo o seu

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cortejo de delícias, entre elas os rojões, fígado e enchidos... Na terça-feira gorda, o dia maior dos festejos, em terras minhotas a orelheira é obrigatória: ou cozida com couves e batatas e fumeiro; ou guisada com feijão branco e chouriça; ou num cozido à portuguesa; ou amaciada por uma fervura e depois grelhada e temperada com alhos, azeite, vinagre e coentros; ou na companhia de bucho de porco recheado com arroz e carnes várias. Em Trás-osMontes, é obrigatório nestes dias o butelo, um enchido de carnes e ossinhos do espinhaço do porco, com cascas, feijão seco cozido dentro da vagem. Este é um tempo de “manducações sacramentais”, como lhes chamou o etnóANDRÉ LETRIA


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logo Leite de Vasconcelos (1858-1941), ou seja, imaginado para nos “tirar a barriga de misérias”. Mas o que se segue no calendário após a fartura são os dias jejuantes da Quaresma. Ainda há quem se lembre, em terras do Norte, Minho sobretudo, de as salgadeiras, onde se guardavam as carnes de porco conservadas no sal, serem pregadas na Quarta-Feira de Cinzas só voltando a abrir-se no Domingo da Aleluia ou de Páscoa, para livrar as almas mais débeis de tentações. Quais são as comidas quaresmais? Registe-se que, nas recolhas mais conhecidas sobre culinária portuguesa, não há qualquer referência a elas, com uma excepção. É ela o livro “Cozinha Tradicional da Ilha Terceira, do açoriano Augusto Gomes, no qual, sob a rubrica “Pratos do Cabido”, se alinham nove receitas que, na Quaresma, “eram levadas em grandes cestas pelos serviçais das casas ricas, para a Sacristia da Sé Catedral”. Informa Augusto Gomes que, pela Quaresma, “o Cabido da Sé Catedral, na impossibilidade de fazer uso da carne, servia-se de pratos simples, nutritivos e de fácil digestão, confeccionados à base de hortaliças, frutos e legumes”: Ou seja: “acelgas ou selgas estufadas”; “espinafres guisados com uvas passadas”; “couves guisadas”; “nabos prensados”; “tosta de batata”; “repolho guisado”; “papas com marmelada”; “papas com mel”; e “fatias gulosas”. A Quaresma termina, para os cristãos, com a festa da grande celebração da vida que vence a morte: a Páscoa da Ressurreição de Jesus Cristo. Em Portugal, regista Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990), no seu livro “Festividades Cíclicas em Portugal” (Pub. D. Quixote), é “uma época característica de presentes cerimoniais, nomeadamente de natureza alimentar, e os presentes da Páscoa levam o nome genérico de “folares”, ou “bolas”. Acrescenta o grande etnólogo que, “como bola da Páscoa, existem em Portugal, diferentes espécies de “folares”; o mais corrente e difundido é o de um bolo de massa seca, doce, e ligada, feito com farinha triga, ovos, leite, azeite, banha ou pingue, açúcar e fermento, e condimentado de canela e ervas aromáticas – uma espécie de regueifa ou fogaça – encimado, conforme o seu tamanho, por um ou vários ovos cozidos inteiros e em certos lugares tingidos, meio incrustados e visíveis sob as tiras de massa que os recobrem. Este tipo de “folares” constitui a regra quase sem excepção em todo o Sul do País, no Algarve e no Alentejo, e é corrente na Estremadura e nos arredores de Lisboa; no centro do País, é ainda frequente nas três província beiroas, especialmente na Beira Baixa; e encontra-se também mais acima, na região do rio Douro que delimita as províncias nortenhas, aparecendo

mesmo excepcionalmente no distrito do Porto”. É interessante verificar que, no Nordeste Transmontano, o folar doce desaparece para dar lugar aos folares feitos com farinha de trigo, ovos, leite, manteiga e azeite e recheado com várias carnes: vitela, frango, coelho, presunto e rodelas de salpicão. No Nordeste atlântico, Minho e região do Porto, os folares descritos são substituídos por um bolo doce, de grande finura, o pão-de-ló, cujas variantes mais conhecidas são Margaride, Ovar, Arouca e Alfeizerão. Toda a gente sabe que, na actualidade, um dos produtos mais emblemáticos da Páscoa são as amêndoas, uns confeitos doces que os padrinhos dão aos afilhados, aos familiares mais chegados e os namorados trocam entre si. São doces que ajudam as pessoas a reconciliar-se com as coisas boas da vida, após os sacrifícios quaresmais. Nos almoços de família, no dia de Páscoa, cabritos e borregos são de lei. No Alentejo, depois do ensopado ou das sopas de sarapatel do domingo, os quartos dianteiros e traseiros assam-se no forno e vão-se comer no campo, na segundafeira. Que bela tradição!


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Boavida|Livro Aberto

Humor, morte, inveja e regicídio: temas e títulos para todos os gostos Há nas narrativas tradicionais um grau de sabedoria e muitas vezes de humor que as torna intemporais e universais. Aí reside a sua magia e o seu inquestionável fascínio.

José Jorge Letria

or isso, uma colectânea como “Nova Tertúlia de Mentirosos”(Teorema), que dá sequência a anteriores recolhas do francês Jean-Claude Carrière, evidencia uma capacidade única de nos prender enquanto leitores, levando-nos a procurar a moral filosófica que mora para além do patamar do riso. Ao longo de mais de 450 páginas, o organizador da obra juntou as narrativas mais divertidas e mais iluminadoras vindas dos vários continentes, de épocas diferentes, mas tendo todas elas em comum o facto de serem anónimas e de revelarem, seja qual for a sua origem, um profundo conhecimento da natureza e da condição humanas. Um livro para ler e ir lendo como se saboreássemos o paladar de uma velha receita tornada tesouro com o passar dos séculos. Da mesma editora é o interessante “História da Morte”, do investigador e ensaísta Douglas J.Davies, que confronta o leitor com o modo como o Homem foi lidando com a ideia de morte ao longo dos milénios, aceitando-a como desfecho inevitável, mas tendendo a mitigar essa inevitabilidade com os mecanismos de protecção e compensação espiritual fornecidos pela crença e pela prática religiosa. Hoje, numa sociedade que cada vez mais tenta afastar a morte e os mortos do convívio dos vivos, tornando o fim natural da vida humana numa coisa asséptica e distante, faz sentido que revisitemos os diversos olhares e atitudes das comunidades humanas em relação ao fim da existência. O que nos torna humanos é justamente a condição

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absurda de quem sabe que vive somente com duas certezas: a de nascer e de morrer. “História da Morte” constitui uma viagem pelos diversos níveis de percepção e reacção das comunidades humanas à presença quotidiana da morte que, neste tempo de hedonismo e hipercomunicação, tanto nos é ocultada como nos é servida com verdadeira histeria mediática nos casos de catástrofes naturais ou de actos de terrorismo com carácter massivo, dado que, aí, a morte se transforma em espectáculo e o espectáculo em alavanca para fazer subir audiências. OFICIAL DO EXÉRCITO aposentado e ex-adido militar na Embaixada de França em Lisboa entre 1975 e 1979, Jean Pailler é um narrador e tradutor com obra vasta, diversificada e reconhecida. Em Portugal apaixonou-se pela obra de autores como Eça de Queirós e também pela língua portuguesa, o que lhe permitiu traduzir para francês obras de vários escritores portugueses. Autor, entre outros livros, de biografias de D. Carlos e de Maria Pia, a mulher que queria ser rainha de Portugal, Jean Pailler acaba de editar, com a chancela da Planeta, o romance “A Tragédia da Rua do Arsenal”, abordagem ficcional e de excelente fôlego narrativo do assassinato do rei D. Carlos e de seu filho Luís Filipe, no dia 1 de Fevereiro de 1908, acto que abriu as portas à implantação da República, em 5 de


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e criativa, “84 ideias práticas para dinamizar o talento”. E vale a pena acrescentar que, quando ele de facto existe, é um crime esbanjá-lo. REALCE, por outro lado, para a oportuna reedição pela

Outubro de 1910. Publicado no início do ciclo comemorativo do centenário da República, este novo romance de Jean Pailler revela um profundo conhecimento da História portuguesa, de algumas das suas personagens centrais e também uma profunda atenção aos conflitos, tensões e rupturas que marcaram a transição do século XIX para o século XX. Um livro incontornável para quem quiser saber mais sobre a agonia e morte da monarquia em Portugal. Da mesma editora é a nova edição de “Inveja”, do jornalista e escritor brasileiro Zuenir Ventura, um verdadeiro tratado sobre este veneno universal que os Portugueses tão bem conhecem e que, todos os dias, nos permite fazermos tanto mal uns aos outros, sempre inutilmente e muito mais com o desejo de destruir do que com a vontade de conquistar o que quer seja. Igualmente com a chancela da Planeta merece referência a publicação do excelente “O País do Medo”, do jovem escritor sevilhano Isaac Rosa, distinguido com o Prémio Fundação José Manuel Lara para o melhor romance de 2009, o mesmo podendo dizerse, numa perspectiva editorial diversa, da publicação de “Pensa, É Grátis”, de Joaquín Lorente, que nos propõe, de forma engenhosa

Dom Quixote de “O Mundo Alucinante”, do cubano Reinaldo Arenas, obra que permitiu ao público português descobri-lo no final dos anos sessenta, encontrando na sua escrita uma originalidade e um talento que as obras seguintes, escritas em precárias condições de liberdade, vieram amplamente confirmar. Quem quiser saber mais sobre o escritor, deverá ler a sua autobiografia intitulada “Antes Que Anoiteça”, entretanto adaptada ao cinema, com Javier Bardem no papel de Arenas. Também da Dom Quixote é a colectânea de crónicas “Estranho Quotidiano”, do psiquiatra J.L. Pio Abreu, que reflecte de forma inteligente e desafiadora sobre algumas das grandes questões, tiques e hábitos que marcam o nosso quotidiano. Por certo a pensar no Dia de São Valentim, a mesma editora lançou a colectânea “Poemas de Amor”, do chileno e Nobel da Literatura Pablo Neruda, em edição bilingue, com tradução de Nuno Júdice. Uma forma elevada e sempre oportuna de dizer aos namorados que gostam de ler que há poemas e poetas incontornáveis para ler durante o ano inteiro. EM MATÉRIA de ficção narrativa recente, o destaque vai

para “Assim se Esvai a Vida-Três Livros num Só” (D. Quixote), de Urbano Tavares Rodrigues, “Primavera Adiada” (Oficina do Livro), de Carlos Ademar, “A Falha” (Publicações Europa-América), de Luís Carmelo, para a reedição de “A Gente de Smiley”(D. Quixote), de John Le Carré, e “Caminhos de Glória” (Publicações Europa-América), de Jeffrey Archer. Realce ainda para “O Tempo do Anjo”(PEA), romance de Anne Rice, para “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens, e para “O Símbolo Perdido Descodificado”, de Sinom Cox, também com a chancela de Publicações Europa-América. Leituras para todos os gostos em tempo de crise.

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Boavida|Artes

Dadá-Zen e Gestualismo na obra de Eurico Gonçalves Paulatina mas perseverantemente, Eurico Gonçalves tem vindo a construir uma obra tão lógica como segura, da qual se pode considerar como paradigma a actual exposição que tem patente até ao próximo dia 21 no Palácio Galveias, em Lisboa.

Rodrigues Vaz

ntitulada Dadá-Zen, Pintura-Escrita (1949-2009), nela o traço de Eurico Gonçalves flui exactamente como se dissesse algo concreto num qualquer contexto linguístico, sem nunca se esquivar ao equilíbrio do conjunto estético, sem nunca trair o espaço atribuído ao fluir caligráfico nem à sua liberdade própria. E este equilíbrio é tão espantoso que se fica para ali de boca aberta a reconstruir o momento original da sua escrita. Aproximando-se já em 1950/51 do neo-figurativo, em alguns aspectos, a sua pintura foi-se pontuando essencialmente através do improviso, as suas figuras foram dando lugar a simples sinais gráficos, ágeis caligrafias abstractas, derivadas do gestualismo, com resultados extremamente depurados, manifestando-se depois claramente próximo das teorias zen e evoluindo depois para um abstraccionismo não-geométrico e gestual, que valoriza a mancha e o traço livre.

I

ALEXANDRA MESQUITA E HELENA JUSTINO

De certo modo no outro extremo dos objectivos estéticos situa-se a exposição que a jovem artista Alexandra Mesquita mostra até ao final deste mês na Galeria Arte Periférica, em Lisboa, onde, segundo a própria, recolhe algumas matizes significativas de expressões exclamativas que podem traduzir emoções bem diversas e mesmo antagónicas, que se poderão complementar. Intitulada Artigos Procurados, trata-se, de vários modos, de uma proposta que podemos denominar de ono62

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De cima para baixo, trabalhos de Eurico Gonçalves, Alexandra Mesquita e Helena Justino


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matopaica, pois é, antes de mais, um exercício em que a representação tende a ilustrar directamente o título da obra, que aparece assim como leit-motiv principal. Outro muito diferente é o registo que Helena Justino apresenta no CNAP – Clube Nacional de Artista Plásticos, em Telheiras, Lisboa, numa mostra em que um exercício sensitivo sobre as chamadas naturezas-mortas lhe serve sobretudo para recuperar os principais valores da estética denominada por alguns de Português Suave, que teve em Manuel Ribeiro de Pavia e em Cipriano Dourado os seus expoentes máximos. Servidos por uma técnica de vários modos exemplar, estes óleos da artista portuense têm o exercício da cor como objectivo principal a que acrescenta uma interpretação muito peculiar do perfil humano, que marca a sua obra desde há quase duas décadas. SUPERVISÃO, DE ALEXANDRE ESTRELA

Por sua vez, Alexandre Estrela apresenta na Culturgest Porto a exposição Supervisão, cujo título provém de uma série de desenhos sobre fotocópia, datados de 2003, que são agora mostrados pela primeira vez. Segundo o catálogo, Alexandre Estrela entrega-se nestes desenhos à exploração serial de uma mesma imagem (um corpo em queda) para abordar questões relacionadas com a gravidade, o peso e a velocidade. A exposição engloba igualmente duas obras recentes e inéditas que se inserem, de forma surpreendente, numa linhagem de peças em que o artista combina a imaterialidade da projecção de vídeo com o elemento material que produz um efeito escultórico, ao mesmo tempo que participa na construção da imagem.

Um trabalho de Alexandre Estrela, desenho sobre fotocópia,em exposição na Culturgest Porto


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Boavida|Músicas

Dor, coragem e beleza de Corinne Bailey e homenagem a Marc Moulin O novo CD – “The Sea” – surge pois como parte integrante do luto que a cantora, agora com 30 anos, ainda cumpre, designadamente ao criar e interpretar um conjunto de 11 temas intimistas, belos e carregados de compreensível melancolia.

Num texto de promoção, Corinne, com notável coragem, explica: “Tenho a noção de que não posso esconder qualquer dos meus sentimentos. Quando faço música, sinto que é o único momento em que não tenho que pensar nem inventar. Foi assim que este álbum surgiu. Nada é inventado ou imaginado. Tudo é sincero”. Corinne Bailey Rae não é dotada de uma “grande voz”, no sentido tradicional do conceito (potência, amplitude, etc.). Provavelmente por isso, Corinne esmera-se numa interpretação de apurado sentido melódico, que confere uma invulgar beleza à sua voz. É muito bom ouvir o canto de dor, coragem e beleza de Corinne Bailey Rae. RECORDAR MARC MOULIN

Vítor Ribeiro

cantora e compositora britânica Corinne Bailey Rae acaba de lançar “The Sea”, um segundo trabalho discográfico que consagra definitivamente uma das mais recentes “descobertas” da música popular anglo-saxónica. De Marc Moulin, um dos expoentes máximos do jazz europeu, foi editado um “best of”. Em ambos os casos, a não perder. Em 2007, foi editado entre nós o duplo-CD de estreia de Corinne, cujo nome completo serviu de título genérico ao trabalho então publicado. Bem recebida pela crítica especializada e por melómanos atentos (mais de 4 milhões de exemplares já vendidos), Corinne tinha assim o caminho aberto para uma carreira promissora, interrompida, porem, pela tragédia da morte inesperada do marido, o saxofonista Jason Era, em Março de 2008.

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Do músico, compositor, jornalista e produtor belga Marc Moulin acaba de ser editado “Marc Moulin bestof”, uma selecção de temas considerados mais representativos do autor. Falecido em Setembro de 2008, aos 68 anos, Moulin distinguiu-se sobretudo no estudo e composição da música electrónica e marcou de forma indelével o jazz europeu. O vanguardismo de Moulin elevou o compositor ao patamar dos grandes criadores do Século XX, cuja obra acabou por se transformar numa referência obrigatória para melómanos e, sobretudo, estudiosos e investigadores. “marc moulin bestof” é fundamental. RUA DA SAUDADE EM LISBOA E PORTO

Os coliseus de Lisboa e Porto apresentam nos dias 19 e 26 de Março, respectivamente, o espectáculo musical “Rua da Saudade ao Vivo”, na sequência do lançamento do álbum de homenagem ao poeta José Carlos Ary dos Santos, “Rua da Saudade”, no final do ano passado. Em palco, para recriar e interpretar alguns dos temas mais conhecidos do poeta, estarão Mafalda Arnauth, Susana Félix, Viviane e Luanda Cozzeti.


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Boavida|No Palco JORGE GONÇALVES

Amor de Verão no Trindade Baseada no conto de Shakespeare, “Sonho de uma noite de Verão”, a peça “Cantigas de uma noite de Verão”, do escritor escocês, David Greig, com música de Gordon McIntyre - em cena no Teatro da Trindade -, conta a história de um homem e de uma mulher que não tendo nada em comum, acabam por encontrar elos de ligação entre ambos.

Maria Mesquita

le, vendedor de carros falhado, com pouca vontade de viver o dia-a-dia, ela, advogada brilhante, rica e poderosa, mas com queda para homens casados. Acabam por dormir juntos, após um conhecimento de bar, numa noite de Verão e admitem, a partir daí, que se encontram perdidos e desavindos com a vida, com o amor, com os afectos, repisando sobretudo na ressaca das suas vidas aparentemente medíocres. Num misto de alegrias e tristezas, esta peça é uma brilhante análise da forma como duas pessoas vêem o amor e as relações humanas.

E

FICHA TÉCNICA: Autoria: David Greig e Gordon McIntyre;

Tradução: Pedro Marques (com o apoio do Scottish Arts Council) e Miguel Castro Caldas; Interpretação: Andreia Bento e Pedro Carraça; Música: Miguel Fevereiro; Cenografia e figurinos: Rita Lopes Alves; Encenação: Franzisca Aarflot Co-Produção: Fundação Inatel/Teatro da Trindade e Artistas Unidos. 66

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Comédia Mosqueta peça de Angelo Beoloco, que encerrou o Festival de Teatro de Almada em 2009, volta ao palco principal da mesma cidade, na encenação de Mário Barradas (falecido em Novembro passado), que já a tinha encenado, em 1973, para o Teatro Laboratório de Lisboa/ Os Bonecreiros. “Inventiva e inteligente, explorando com graça certos aspectos do texto”, assim classificou Lauro António este nova encenação da Comedia Mosqueta, cuja trama alia propósito de divertir à reflexão dos horrores da “guerra” de um futuro que a seus olhos é ainda muito incerto. Se por um lado, as personagens estão sedentas de liberdade, de escolha, de sobrevivência enquanto classe oprimida, por outro não se esquecem de tudo aquilo pelo qual passaram. Acima de tudo, o teatro de Ruzante (Angelo Beolco), é uma comédia social, que implica um retrato a toda uma classe ostracizada mas com vontade de viver. Em Almada, até 21 de Março.

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FICHA TÉCNICA: Comédia Mosqueta; Autor: Angelo Beolco,

dito o Ruzante Encenação: Mário Barradas; Tradução: José Oliveira Barata; Cenário: Christian Rëtz Recriação dos figurinos: Sónia Benite; Desenho de luz: José Carlos Nascimento; Intérpretes: Ivo Alexandre, José Martins, Paulo Matos, Teresa Gafeira

“O Deus da Matança” epois de várias semanas de representação no Teatro Aberto, em Lisboa, “O Deus da Matança”, texto de Yasmina Reza, chega aos palcos do Porto, no Teatro Carlos Alberto até 28 de Março. A civismo contra a falta de educação. A educação contra a rudeza das palavras. Pais contra filhos, filhos contra filhos e pais contra pais são a base do texto de Yasmina Reza. Quando dois rapazes lutam entre si e os pais são chamados para resolver o assunto, em privado, os nervos aumentam, e o que parecia ser simples - os castigos a aplicar às crianças - acabam por se tornar num combate de ideias, palavras e atitudes, pouco dignas de adultos. Por entre histerismos e indiferença a conversa que se iniciara cordial dá origem a verdades ditas à revelia dos presentes, acabando por ser atingido um limite de paciência por todas as personagens. Todos têm o seu extremo e, por detrás da capa ou máscara das aparências frágeis, doces, inteligentes, existe sempre a verdadeira essência do ser humano. Para João Lourenço, encenador, trata-se de uma peça “muito intensa e actual, uma comédia, com a qual muitas pessoas se vão identificar, uma vez que fala sobre a ditadura das crianças e das famílias que vivem em função delas”.

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FICHA TÉCNICA: Autor: Yasmina Reza; Versão: João Lourenço,

Vera San Payo de Lemos Dramaturgia: Vera San Payo de Lemos; Encenação: João Lourenço; Cenografia: António Casimiro, João Lourenço; Figurinos: Maria Gonzaga; Desenho de luz: Melim Teixeira; Interpretação: Joana Seixas, Paulo Pires, Sérgio Praia, Sofia de Portugal Produção: Novo Grupo de Teatro/Teatro Aberto; Classificação etária: Para Maiores de 16 anos MAR 2010 |

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Boavida|Cinema em casa

Rhomer na Primavera No início da Primavera, e em homenagem a Eric Rhomer, falecido em Janeiro, o nosso destaque vai para a sua notável série Contos das Quatro Estações. O leque de escolhas completa-se com três filmes de diferentess origens: O ABC da Sedução, dos EUA; o mexicano Rudo e Curs e nipónico Ponyo à Beira-Mar, de Hayao Miyazaki. Sérgio Alves salves36@sapo.pt CONTOS DAS QUATRO

inspiração cinematográfica de

COM: Katherine Heigl, Gerard

COM: Gael García Bernal, Diego

ESTAÇÕES

uma das grandes figuras do

Butler, Eric Winter, Bree Turner,

Luna, Adriana Paz, Guillermo

Professor, jornalista escritor e

cinema contemporâneo.

Nicole Eastman; EUA, 101m,

Francella e Dolores Heredia;

crítico de cinema - dirigiu a

TÍTULO ORIGINAL: Contes des

cor, 2009; EDIÇÃO: Sony Pictures

EUA/México, 103m, cor, 2008;

revista Cahiers du Cinema e

Quatre Saisons; REALIZADOR:

começou a filmar nos anos 60

Eric Rohmer; COM: Anne

RUDO E CURSI

– Rohmer era o mais velho

Teyssèdre, Hugues Quester,

Rudo e Cursi é a história de

realizador da célebre Nouvelle

Melvil Poupaud, Marie Rivière,

dois irmãos mexicanos que

Vague. Da sua obra

Charlotte Very ; França, 434m,

sonham em ter

Esta é a história de Ponyo, um

destacam-se os ci-

cor, 1991/98; EDIÇÃO: Midas

uma vida me-

pequeno peixe vermelho, en-

lhor e ajudar a

contrado dentro de um frasco e

clos de filmes –

EDIÇÃO: Castello Lopes

Multimédia PONYO Á BEIRA-MAR

como os Contos

O ABC DA SEDUÇÃO

sua família

libertado pelo jovem Sosuke.

Morais (1963/72)

Abby Richter, romântica pro-

pobre e cam-

Tornam-se grandes amigos mas

ou as Comédias e Provérbios

dutora de um programa da

pesina. Um

o pai de Ponyo obriga-o a

(1981/1987) –ou os seis filmes

manhã, sonha com o Par

certo dia, numa partida de fute-

regressar ao mar. Irreverente, o

distribuídos recentemente em

Perfeito. As audiências do pro-

bol, são observados e escolhi-

peixe traquina regressa ao

França na categoria “O Antigo

grama estão em queda e, para

dos para jogar em clubes de

convívio do

e o Moderno” que inclui, por

remediar a situação, o seu

grande dimensão passando a

amigo mas,

exemplo, a “A Marquesa de

patrão contrata

viver rodeados de bonitas mu-

sem querer,

d’O”(1976). Trabalhou quase

Mike Chadway,

lheres, dinheiro e sucesso… até

liberta uma

sempre com a mesma equipa e

uma personali-

que passam a jogar em equipas

poção mágica

manteve-se afastado da ribalta,

dade impor-

rivais, e tudo vai mudar entre

empenhado apenas na a

tante do meio

eles. Em ano de Mundial,

ameaça destruir a aldeia de

televisivo. Este

no oceano que

surgem alguns títulos ligados

Sosuke... Uma sugestiva

anos este mês.

vai mostrar-lhe de uma forma

ao universo especial do

parábola sobre a amizade, a

Durante a década de 1990,

simples e directa o estado das

Futebol: Rudo e Cursi é um

relação do homem com a

Rohmer escreveu e realizou

relações entre homens e mu-

deles e assinala o regresso do

Natureza, com uma qualidade

uma série de filmes - Conto de

lheres. Uma divertida comédia

cinema mexicano a Portugal.

visual impressionante e assente

Primavera (1990), Conto de

de Verão, com nomes de peso

Produzido por Alfonso Cuarón,

numa teia narrativa original e

Verão (1996), Conto de Outono

no elenco - uma dupla que

Alejandro González Iñarritu e

surpreendente com momentos

(1998) e Conto de Inverno

enche a tela com a sedutora

Guillermo del Toro, expoentes

de pura magia do consagrado

(1991) tendo como pano de

Katherine Heigl (Um Azar do

do novo cinema azteca, escrito

autor de “A Viagem de Chihiro”

fundo a contemporaneidade e

Caraças e Vestida para Casar)e

e realizado por Carlos Cuarón,

(Óscar para melhor filme de

o estado das relações huma-

o charmoso Gerard Butler(300,

o filme marca o novo encontro

animação em 2003) e o

nas. Geniais tratados sobre as

Rocknrolla, A Ilha de Nim)

da dupla de actores Gael García

“Castelo Andante”.

escolhas e suas consequências

dirigidos por Robert Luketic,

Bernal e Diego Luna (como em

TÍTULO ORIGINAL: Ponyo on the

nas relações afectivas (amiza-

cineasta australiano que reali-

E a Tua Mãe Também), num

Cliff by the Sea; REALIZAÇÃO:

de, amor), os Contos das Qua-

zou comédias como Legal-

filme leve e divertido que re-

Hayao Miyazaki; VOZES: Yuria

tro Estações revelam, a par de

mente Loira e Uma Sogra de

vela as duas faces da fama no

Nara, Hiroki Doi, Jôji Tokoro,

um profundo conhecimento da

fugir.

mundo do futebol.

Tomoko Yamaguchi; Japão,

natureza humana, o imenso

TÍTULO ORIGINAL: The Ugly Truth;

TÍTULO ORIGINAL: Rudo e Cursi;

100m, cor, 2009; EDIÇÃO:

talento na escrita e a invulgar

REALIZAÇÃO: Robert Luketic;

REALIZAÇÃO: Carlos Cuarón;

Castello Lopes Multimédia

rodagem dos filmes. Faria 90

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Boavida|Grande Ecrã

A reinvenção de Alice Cineasta dos mais inventivos, Tim Burton tem-se afirmado um criativo assaz brilhante na concepção de universos imaginários em ambiência fantástica, carregados de humor negro, nonsense e sátira. A comprová-lo está o seu último filme, “Alice no País das Maravilhas” - um dos mais aguardados do ano - com estreia anunciada para quatro deste mês.

Joaquim Diabinho

ão se trata, como está bem de ver, de uma adaptação “impossível”, pura e dura, da obra criada em 1865 pelo escritor e professor de matemática, Lewis Carroll (aliás, Charles Ludwing Dodgeson), mas, pelo contrário, de uma visão pessoal resultante do conjunto dos três romances - que inclui, “Alice do Outro Lado do Espelho”e “O que a Alice encontrou lá...”- que funcionaram como fonte de inspiração. Quer isto dizer que Burton, que é um talento cinematográfico raro, teve a ousadia de reinventar, outorgando-lhe um cariz de sequela, a aventura - fábula de uma menina que descobre um mundo encantado e misterioso habitado por criaturas fantásticas onde a razão e o conhecimento não têm sentido e tudo parece estar do avesso, sem pés nem cabeça. Sequela porque, a Alice que Tim Burton vai “desencantar” é já uma adolescente de dezassete anos que retorna, dez anos depois, ao país das maravilhas, um lugar de que já não se recorda em absoluto. E aqui, convém lembrar, em jeito de parêntesis, a importância que representa para Burton o papel da memória não apenas no sentido temporal psicológico das personagens mas sobretudo cinematográficamente falando... . Um dos muitos méritos de “Alice no País das Maravilhas” reside no potencial narrativo, como há muito não se via no cinema do autor de “Eduardo, Mãos de Tesoura” (sua obra maior). Repare-se, por exemplo, na espantosa unidade entre os elementos visuais e sonoros, no requinte do estilo e do ritmo, na ideia de fruição generalizada. Em suma: na capacidade de divertir inteligentemente, sem abdicar minimamente do

N

espírito surrealista que contamina todos os seus filmes e que aqui ultrapassa as expectativas. Rodado em apenas quarenta dias, “Alice...” requereu uma imensidão de recursos tecnológicos, quer para combinar animação com actores, quer na fase de pósprodução que incluiu a complexa “transcrição” do filme para o sistema tridimensional -3D- em que será projectado. De modo que, é bom que o leitor se vá preparando para (re)visitar algumas das personagens populares mais hilariantes do universo Carroll-Burton, como por exemplo: a Rainha Vermelha, o Gato de Cheshire, o Coelho Branco, a Rainha Branca e, como não podia deixar de ser, o Chapeleiro Louco e a própria Alice -ambos protagonizados por Johnny Depp e a estreante Mia Wasikowska. I

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS / ALICE IN WONDERLAND

de Tim Burton (USA, 2010 | 1h48) com Johnny Depp, Mia Wasikowska, e as vozes de Helena Bonham Carter, Michael Sheen, Alan Rickman, Christopher Lee, etc. MAR 2010 |

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Boavida|Tempo informático

Poupar mas… É tempo de poupar mas também de aproveitar algo de útil e agradável que vai aparecendo no mercado. Também necessitamos de regar o jardim do desespero e plantar algumas flores que nos alegrem o dia-a-dia.

Gil Montalverne

ajuda@gil.com.pt

assim que no tempo em que se utilizam estiletes especiais (que muitas vezes se perdem) para escrever nos PDAs, Smartphones, consolas e outros dispositivos sensíveis ao toque como os GPS, mas em que ainda não abandonámos escrita em papel, a HAMA apresenta a LP8 Laser Pointer que combina uma esferográfica convencional (recarregável) com um estilete em material não abrasivo especialmente concebido para uso nos ecrãs touchpad. Mas mais: na outra ponta colocou um apontador laser e uma lanterna com luz LED branca alimentados por pilhas botão. Quatro utilidades por 22 Euros. Acompanhando a expansão dos NetBooks que são úteis e económicos mas não podem ser especialistas em qualidade áudio, a Targus também minimizou umas óptimas colunas (67 gramas), mantendo um design inovador a que chamou livro de colunas. De facto podem fechar-se em forma de livro, protegendo as zonas mais sensíveis, são alimentadas por USB ou pilhas e utilizam a entrada de phones, pelo que podem também ser ligadas a um leitor de MP3 ou DVD, tudo em alta qualidade sonora graças à tecnologia NTX. Preço: 35 Euros.

É

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E para poupar mesmo a sério e desligar rapidamente os vários equipamentos a distâncias que, graças à transmissão via rádio, atingem até 100 metros e que, aparentemente desligados, ficam com consumo residual em standby a gastar energia, pode ir adquirindo tomadas de controlo remoto universais HAMA que servem igualmente para os ligar sempre que quiser. O kit com comando tem duas tomadas mas existem kits só de tomadas e também tomadas exteriores à prova de humidade. Podem desligar-se equipamentos em simultâneo até um total de 3680 W. São programáveis de modo a serem escolhidas as que vão ser controladas pelo respectivo comando. Conforme os kits os preços variam entre 25 e 35 Euros. E também estaremos de certo modo a poupar se contabilizarmos 199 Euros num único dispositivo onde se pode fazer muita coisa: ver um DVD, aceder à televisão analógica ou digital com memória para 999 canais, porta USB para acesso a dispositivos externos e leitura de cartões SD/MMC. Para melhor comodidade tem saída para auscultadores já incluídos, bateria recarregável ou adaptador para ligar à corrente, comando remoto, antena, bolsa e kit para o carro. É o leitor DMTECH DMPDT3290.I


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Boavida|Ao volante

Novo Opel Astra Desenhado para apresentar uma carácter dinâmico, concebido com tecnologia inovadora e equipado com uma gama alargada de motores eficientes, o novíssimo Opel Astra já chegou ao mercado português, trazendo uma nova energia ao segmento dos automóveis familiares compactos, com variada tecnologia que antes só estava disponível em segmentos superiores.

Carlos Blanco

undado na tradição da marca neste segmento, iniciada em 1936 com o primeiro Kadett, o Astra manteve-se desde então consistentemente no "top 3" do segmento dos automóveis compactos, o qual representa, actualmente, cerca de 27 por cento do mercado total europeu.O Astra é responsável por cerca de um terço das vendas da Opel/Vauxhall, com aproximadamente 500 mil unidades comercializadas anualmente. O novo Astra traz ao segmento compacto muitas das características de conforto e segurança que o Insignia estreou no segmento superior. Tecnologia de ponta com um chassis mecatrónico totalmente novo, o mais avançado sistema de iluminação, a câmara que reconhece sinais de trânsito e os bancos ergonómicos concebidos de acordo com tecnologia de última geração, estão disponíveis com o novo modelo. O equipamento de série completo é um denominador comum transversal a toda a gama. Logo na versão Enjoy, o novo Astra já integra ar condicionado, quatro vidros eléctricos, fecho centralizado de portas com comando à distância, computador de bordo, rádio-leitor de CDs com MP3, programador de velocidade e espelhos de regulação eléctrica, entre outros. A versão de topo, Cosmo, adiciona de série elementos como travão de estacionamento eléctrico, bancos forrado a couro e tecido, sistema de som, com sete altifalantes e sensores de chuva e de faróis. Para além do conforto, também o foco na segurança é extensivo a toda a gama. Airbags frontais, airbags laterais, airbags de cortina, encostos de cabeça activos, cintos de segurança com tensores e limitadores de força, sistema Isofix para cadeiras de criança e controlo electrónico de estabilidade (ESC) fazem parte do equipamento de série em todas as versões. No capítulo das motorizações, o destaque vai para uma linha de propulsores especialmente eficientes que cumpre

F

integralmente a norma de emissões Euro 5, oferecendo mais potência e menores consumos. No conjunto, os motores Astra revelam, em média, uma redução de 12 por cento no consumo de combustível e das emissões de CO2 faca à anterior geração. Na entrada da gama situa-se o 1.4, agora com 100 cv de potência, que assim se torna no motor mais eficiente no segmento dos familiares compactos a gasolina. A oferta a gasolina completa-se com o novo 1.4 Turbo (140 cv) e o 1.6 Turbo (180 cv). Nas opções turbodiesel sobressai o 1.7 CDTI de nova geração cuja potência sobe para 125 cv, em

comparação com os 110 cv do modelo anterior. A Opel propõe ainda o 2.0 CDTI de 160 cv no topo da linha a gasóleo. Os motores turbodiesel estão equipados de série com sistemas de escape com filtro de partículas DPF sem manutenção. Apesar do considerável acréscimo de conteúdo tecnológico, o posicionamento do novo Opel Astra em matéria de preços é agressivo, colocando-se na senda da anterior geração que, nos anos 2005 e 2006, se cotou como o automóvel mais vendido em Portugal. Assim, nesta nova geração, a versão Opel Astra 1.4 Enjoy apresenta um preço de 20.500 euros e a proposta turbodiesel Opel Astra 1.7 CDTI Enjoy situa-se em 25.000 euros. I MAR 2010 |

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Boavida|Saúde

Consentimento Informado O Consentimento Informado é a afirmação de uma vontade esclarecida por parte dos doentes e um marco civilizacional. A sua prática é indispensável ao exercício responsável da Medicina.

M. Augusta Drago

medicofamília@clix.pt

aseia-se no direito do doente a ser informado sobre a sua situação clínica, evolução provável da doença, os exames de diagnóstico e os tratamentos a efectuar. O médico e os outros profissionais de saúde têm o dever moral e legal de prestar toda a informação necessária para que o doente decida sobre a sua saúde e dê, em consciência, o seu consentimento para a realização dos exames e dos tratamentos que lhe são propostos. O Consentimento Informado é a afirmação do respeito pela pessoa, independentemente do género, raça, religião ou qualquer outra diferença e é obrigatório sempre que uma pessoa ou um doente é candidato a qualquer estudo clínico. A sua participação é sempre voluntária, com respeito absoluto à sua auto-determinação. O primeiro registo científico, de que há memória, sobre uma relação entre médico e doente, com características que podem configurar um consentimento informado, data de 1833 e estabeleceu-se, nos EUA, entre um investigador William Beaumont (1785-1853) e Alexis St. Martin, objecto da investigação. Este, sofrera um acidente com uma arma de fogo, ficando com um orifício no abdomem, o que permitiu ao investigador estudar o funcionamento do aparelho digestivo e assim lançar as bases da moderna gastro-enterologia. Em compensação, Alexis, recebeu uma determinada quantia em dinheiro mais casa e comida durante um ano. Posteriormente, quando o mundo tomou conhecimento dos horrores e das graves atrocidades cometidas pelos nazis sobre os prisioneiros, durante a 2ª guerra mundial, o consciente colectivo fez sentir a necessidade de se fazerem leis que protegessem as pessoas de actividades criminosas, mesmo quando feitas em nome da ciência. Assim, e logo depois da guerra, em 1947, foi divulgado o

B

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“Código de Nuremberga”, que visa salvaguardar os direitos das pessoas susceptíveis de participarem em investigações médicas. O aspecto mais importante deste documento é a obrigatoriedade do Consentimento Informado. A humanidade ganhara consciência contra a lógica desumana do “pensamento científico” vigente até então e o “Código de Nuremberga” foi desenvolvido noutro documento – “Princípios e Directivas Éticas para a protecção de Seres Humanos sujeitos a investigação”, o qual foi adoptado por Portugal em 1979. Estes documentos continuam a ser revistos e aperfeiçoados e constituem um prolongamento, específico para a saúde, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Na prática clínica, o Consentimento Informado para ser válido pressupõe uma informação detalhada ao doente, da parte dos técnicos de saúde, sobre os objectivos das práticas propostas, os seus riscos e desconfortos. Os técnicos têm que destacar se algum dos procedimentos tem carácter experimental, a duração e o tipo de procedimentos a efectuar, os benefícios esperados, alternativas (se existirem), a garantia de confidencialidade e de interrupção (sem consequências ou restrições), se e quando o doente o desejar. Outros elementos que podem fazer parte desse documento são, por exemplo, a informação sobre os riscos não previstos e que podem ocorrer, informação sobre interrupção prematura, garantia de eventuais actualizações da informação no decorrer do tratamento, etc. O processo do Consentimento Informado implica que o doente ou o seu representante legal compreendam a informação que lhe é fornecida e se considerem plenamente esclarecidos. O consentimento deve ser dado por escrito para obviar qualquer mal-entendido. Nem todos os doentes estão cientes dos seus direitos e o Consentimento Informado nem sempre faz parte da relação médico - doente. Faz todo o sentido que passe a ser uma peça indispensável em qualquer processo clínico, bem como o “Testamento Vital”, mas este fica para falar numa próxima vez.I ANDRÉ LETRIA


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Boavida|Palavras da Lei

Violência Doméstica ?

Venho pedir-lhe o seu conselho em relação a um assunto melindroso: uma vizinha minha é vítima de

agressões do marido. Ele chega a casa embriagado, discutem e ele agride-a. Isto tem sido frequente, mais a mais porque estas agressões são feitas diante dos filhinhos. A vergonha da minha vizinha é muita, mas sinto-me revoltada perante isto. Ouvi falar que há novos meios contra a violência doméstica e as agressões entre casais; que posso fazer para acabar com esta situação? Sócia devidamente identificada – Guimarães

Pedro Baptista-Bastos

ntrou em vigor a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que regula o regime da violência doméstica. Esta lei pretendeu dirimir as dificuldades que a polícia tinha em intervir nestas melindrosas questões, especialmente nos casos em que as agressões já haviam acabado – estavam fora dos casos de flagrante delito – e, por outro lado, aperfeiçoar a articulação entre as várias instituições sociais, dado os complexos aspectos deste fenómeno. Houve uma necessidade de protecção integral da vítima deste género de crime, estabelecendo-se, pela primeira vez, o Estatuto de Vítima, isto é, “a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um dano moral, ou uma perda material, directamente causada por acção ou omissão, no âmbito de crime de violência doméstica previsto no artigo 152º do Código Penal” – definição de Vítima, art. 2º, al. a) da Lei citada. Este tipo de crime público tem natureza urgente, devendo ser prioritariamente investigado (art. 28º, n.º 1) após a apresentação de Denúncia Criminal, que tanto pode ser feita na esquadra da P.S.P., ou através de queixa electrónica feita na Internet, o que garante privacidade a quem pretende tomar algum acto diante da Polícia, e evitar este género de situações (art. 29º). Note-se que, se houver perigo de continuação de actividade criminosa, ou se for imprescindível à protecção da vítima, sempre sob mandado do Juiz ou do Ministério Público, há lugar à detenção fora do flagrante delito; desde que estejam reunidas as provas e factos suficientes que o

E

agressor continuará a agredir constantemente a vítima, ou ela corra tal perigo que deva ser protegida – por ameaças de morte, posse de arma, p. ex. – há lugar a este tipo de detenções fora do flagrante delito – art. 30º, nº 2 da Lei citada. Esta norma, mesmo que possa ser polémica, permite que os agentes policiais, desde que devidamente salvaguardados por mandato legal, evitem posteriores agressões à vítima deste crime, por um princípio de paz social e protecção da vítima. Outras importantes inovações desta Lei passam, por exemplo, no acolhimento da vítima e filhos menores em casas de acolhimento (Artigo 70º) e uma mobilidade social da vítima enquanto trabalhadora, podendo ser transferida para outro estabelecimento da empresa onde trabalha (art. 42º). Mas nem tudo tem carácter punitivo; bem esteve o legislador ao promover o chamado Encontro Restaurativo – art. 39º - que é, grosso modo, uma tentativa de conciliação entre agressor e vítima, desde que haja suspensão processual ou durante o cumprimento da pena do agressor, e tenha havido consentimento expresso de ambos. É de aplaudir a promulgação desta Lei, que vem colmatar um grave aspecto social do nosso País e que por todos nós deve ser combatida: a violência doméstica. Casos há que entre marido e mulher devemos meter a colher e este é um deles, salvaguardando sempre o respeito pela vida privada dos casais. I MAR 2010 |

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ClubeTempoLivre > Passatempos Palavras Cruzadas | por José Lattas

VERTICAIS: 1-Nau; Estou; Pare (Expressão inglesa). 2Aeroportos e Navegação Aérea (sigla); Nome de um dos Santos Populares; Acolá. 3-Varas flexíveis dos vimeiros; Fantasia. 4Gostou muito; Unidade de medida agrária; Trajar. 5-Pedido de socorro, no mar; Sobrecarrega; Ovário de pei-xes. 6-Prudente. 7-Fileiras; Espreita. 8-Tragédia em três actos e em verso, de Racine; Doença dos cães. 9-Sapo do Amazonas; Executei; Rata. 10-Entrelaçam os fios. 11-Artigo definido (pl.); Substância escura com que os orientais esfregam as sobrancelhas e as pálpebras; Ilha do arquipélago de Cabo Verde; Porco. 12Conforme a lei; Anta do Brasil. 13-Panela; Ermida fora do povoado; Sairá. 14-Compartimento para receber visitas; Eia!; Justapor. 15-Armadilha; Agita.

2

3

4

5

6

7

8

9 10 11 12 13 14 15

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 SOLUÇÕES SOLUÇÕES (horizontais): 1-NAVAS; DE; TOLOSA. 2-ANIMOU; SA; SELAR. 3-VAMOS; ATRO; GALO. 4-E; EU; ALEU; CA; AL. 5-PS; OVAR; TOLO; A. 6-SE; ANIS; FEL; RE. 7-ODORES; SIC; DANO. 8-UR; ERAM; ZES; DA. 9-OS; ADIR; MATA; A. 10-S; OU; ARAR; LA; AB. 11TANSO; AIOS; PIPA. 12-OLHAVA; VI; TIROL. 13-PIARA; CA; CORARA.

HORIZONTAIS: 1-Batalha travada em 1212, que opôs os reis de Aragão, Castela, Navarra e Portu-gal aos mouros. 2-Encorajou; Apelido do 3º. Governador-geral do Brasil; Estampilhar. 3Partamos; Tenebroso; Onde os há, as galinhas não cantam. 4Pron. pess.; Descanso; Cálcio (s.q.); Art. árabe. 5-Post-scriptum; Cidade sede de concelho, do distrito de Aveiro; Ridículo. 6Pronome reflexo; Licor de erva-doce; Bílis; Popa. 7-Cheiros; Textualmente; Prejuízo. 8-Antiga cidade da Caldeia; Pertenciam; Diminutivo de Josés; Presenteia. 9-Ósmio (s.q.); Acrescentar; Bosque. 10-Alternativa; Lavrar; Nota musical; Começo da palavra "abecedário". 11-Pacóvio; Escudeiros; Vasilha bojuda de tanoaria. 12- Observava; Sexto; Província da Áustria, com capital em Innsbruck. 13-Dera pios; Aqui; Branqueara.

1

Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos

N.º 14 Preencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado

N.º 14

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SOLUÇÕES


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Cartaz > ClubeTempoLivre

Pesca:

COIMBRA

dias 14 e 28 – 1ª e 2ª Prova Folclore:

do Campeonato Distrital de

dia 6 às 21h30 – Festival de

Pesca de Mar em Figueira da

Folclore (30º Aniv.) em

Foz.

Cadima; dia 10 às 21h30 – Recreação do Serramento da

PORTO

Velha pelo Grupo Folclórico de Arzila, em Arzila; dia 13

Exposição:

às 21h30 – “Cantares das

“Caretos” Pintura de Maria

Almas Santas” pelo Grupo

Virgínia Pereira, na Galeria

Folclórico do Zagalho e Vale

da Agência Inatel.

do Conde em Zagalho; dias 14 e 21 às 21h30 – “Cantares

Atletismo:

das Almas Santas” pelo

dia 28 - Campeonato

Grupo Folclórico Tecedeiras

Nacional de Corta-Mato, no

de Moinhos, em Moinhos;

Parque da Cidade do Porto.

dia 14 - “Cantares das Almas Santas” em Cabouco,

Voleibol:

Tapada e Boiça; dia 21 – 32º

dias 5, 12, 19 e 26 - decorrem

Aniv. do Rancho Folclórico

jogos da 2ª volta da Liga de

de S. Pedro de Alva (inclui

Voleibol (Masculino).

missa, almoço e tarde cultural) em S. Pedro de

Ciclo turismo:

Alva; dia 21 às 10h00 –

dia 7 às 9h30 - 4ª Volta ao

Recriação da Feira dos

Concelho de Felgueiras em

Lázaros pelo Grupo

ciclo turismo (56 km), org.

Folclórico da Casa do

Rancho Folcl. de Macieira da

Pessoal da Univ. de Coimbra,

Lixa.

no Largo D. Dinis em Coimbra; dia 27 às 21h30 -

Caminhada:

XI Encontro de Cantares de

dia 21 às 9h30 - Caminhada

Quaresma pelo Grupo

da Poesia na Cidade da Lixa

Folclórico Cancioneiros de

(12 km), org. Rancho

Cantanhede, em

Folclórico de Macieira da Lixa.

Cantanhede; dia 28 – Reconstituição da “Missa de

VIANA DO CASTELO

Ramos e do Cantar das Almas” pelo Grupo Folclórico

TENRI no Teatro Paulo

Atletismo:

Futebol:

“As Paliteiras de Chelo” em

Quintela, em Coimbra; dia 7

dia 14 - Campeonato Distrital

dias 7, 14 e 28 às 15h00 -

Chelo e Chelinho.

às 16h00 – Orquestra de Jazz

de Atletismo (Estrada),

decorrem jogos de Futebol

da Universidade de TENRI

informações na Agência

de 11, Taça da Fundação

Música:

no Salão Nobre da C.M. de

Inatel.

Inatel, informações na

dia 4 às 21h30 – Orquestra

Arganil; dia 13 às 21h30 –

de Jazz da Universidade de

Noite de “Gala dos Anos 60 e

Voleibol:

TENRI (Osaka, Japão) na

80” em Labrengos;

dias 5, 12, 19, 26 às 22h00 –

Futsal:

Academia Musical

dia 20 às 21h30 – “ Festival

Decorrem vários jogos da

dias 5, 6, 12, 13, 20 e 27 -

Arazedense, em Arazede; dia

Etno/Musical”, encontro de

Liga de Voleibol/Fundação

decorrem vários jogos da

5 às 18h30 – Orquestra de

gaitas galegas e multi-

INATEL, informações na

Liga de Futsal, informações

Jazz da Universidade de

percussão em Prodema.

Agência de Coimbra

na Agência Inatel.

Agência Inatel.

MAR 2010 |

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ClubeTempoLivre > Novos livros

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Gestão”

fronteira da

de existência. Quase

apresenta-se

personalidade

quinhentos anos depois de

uma ideia

objectiva,

os primeiros portugueses

inovadora de

penetrando no

terem chegado às ilhas

como

mundo infinito

Molucas, o autor embarca

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sem esforço, fazendo

Brinda-nos com uma

exóticos e segue o rasto dos

duplicar ou triplicar o seu

perspectiva única sobre a

nossos antepassados no

rendimento enquanto se

forma de dominar os vários

arquipélago indonésio. O

diverte. O autor revela como

elementos do nosso ser — o

resultado da investigação é

usou o seu tempo livre para

ego, o karma e o Eu para

um reencontro

transformar algumas

além do próprio eu..

surpreendente de culturas.

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A maioria das pessoas têm

os últimos desenvolvimentos

quer para o estrangeiro quer

actualidade,

consciência

no campo da renovação das

para Lisboa. Da fixação na

incontornável

que gasta

formas literárias.

Universitária” apresentam-se

Capital narram-se factos

para compreender o espaço

mais do que

Quais são as características

relacionados com a procura

europeu e todos os aspectos

devia, mas

específicas que nos

de emprego e descreve-se a

da sua articulação e

não consegue

permitem identificar os

tendência para a

protagonismo mundial. O

mudar a

três grandes géneros, o

especialização de profissões

processo de integração

situação, principalmente

consoante a localidade de

europeia é analisado em

porque poupar significa

Alguns

proveniência e o sucesso

grande profundidade desde

privar-se de algumas coisas.

estudiosos

que alcançaram nos diversos

longínquos antecedentes

Richard Templar mostra

contestam em

campos profissionais. Inclui

históricos até aos mais

como é possível ter ideias

nome da

um belíssimo conjunto de

recentes, já no século XX, a

engenhosas para poupar

liberdade do

fotografias da autoria de

partir do pós-guerra. As

dinheiro, sem perder a

Jorge Barros.

várias fases do processo de

qualidade de vida. Com

noção de género e muitos

integração são aqui

inteligência e sabedoria é

outros a reivindicam

perspectivadas até à efectiva

possível ter uma vida mais

enquanto instrumento de

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romance, o teatro e a poesia?

criador a

existência da União

feliz e sem preocupações

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SINÓNIMOS E PALAVRAS

que por ali passaram e os

Correia de Luanda e teve a

AFINS

momentos mais marcantes

colaboração da Associação

Carmen Gutiérrez e Ana

da sua existência, em

dos Antigos Alunos do Liceu

Cristina López 192 pg. | 19,50 (PVP)

especial, o espírito que

Salvador Correia - Portugal

envolvia aquela instituição

(AAALSC-P).

Entra no mundo das palavras

de ensino.

Glória Lambelho


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ClubeTempoLivre > Cupões e Passatempo NOTA: os cupões para aquisição de Livros são válidos até ao final do ano de 2010

DESCONTO Este cupão só é válido na compra de 1 livro constante da nossa secção “ Novos livros ”, onde está incluído o preço de venda ao público (PVP) e respectiva Editora

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Remeter para Fundação INATEL – Clube Tempo Livre (Livros), Calçada de Sant’Ana nº 180 – 1169-062 Lisboa, o seguinte: G Pedido, referenciando a editora e o título da obra pretendida; G Cheque ou Vale dos Correios, correspondente ao valor (PVP) do livro, deduzindo 2,74 euros de desconto do cupão. G Portes dos Correios referente ao envio da encomenda, com excepção do estrangeiro, serão suportados pelo Clube Tempo Livre. Em caso de devolução da encomenda, os custos de reenvio deverão ser suportados pelo associado.


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O Tempo e as palavras M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o

“O esquecimento está cheio de memória” Depois do nevão, entre a neve, / talvez se abra uma rosa, de improviso, / como milagre súbito de amor ou de beleza / que sobrevoe o ar de inverno / deste nosso viver carenciado. / Quando já todo o ardor nos tiver abandonado / e o rio nos impuser os seus perfis azuis, / a rosa há-de acender a fogueira última, / e erguer a chama do seu aroma / como mão agitada em despedida. / A rosa e a sua dor - o seu espinho aleivoso - / prenderão o sorriso da vida, / desdobrando o seu rasto luminoso / no próprio instante do adeus. Paz Díez Taboadai, De Improviso, in: Caída Libre, 2003. Trad- MAVF

poucos dias do 8 de Dezembro, diz-se depressiva, em busca do esquecimento de uma realidade monstruosa que, estranha e insuportável, se abate sobre ela, e que mais não é do que ela própria com todo o seu passado de mulher oriunda de um país polígamo, onde é lei dos homens a mutilação genital feminina. Afinal, diz, somos aquilo que ainda não esquecemos. Todos devíamos ter o direito de apagar da memória, pelo menos, as lembranças importunas. Como no computador, diz. Basta, com dedos cautelosos, um gesto virtual num teclado imaginário: disco C: Delete… Delete… Teclar, teclar, apagar da memória os ficheiros do passado. Esquecer… Só assim o presente e o futuro seriam suportáveis, diz, porque só o esquecimento traz consigo a liberdade para escrever um novo texto - para renascer. Ou para deixar o espaço em branco. Não obstante o brilho febril que lhe ilumina o olhar, o discurso flui-lhe em cascata, impetuoso e límpido como o canto dos rios antes da era dos grandes crimes ecológicos. Não pára para pensar, nem sabemos se realmente pensa o que diz. As suas palavras são para ela a única verdade reconhecível. Imersas nesse lago imenso da linguagem, as ideias vagabundas nada mais parecem ser do que peixinhos luminosos que, de desconhecidas fossas abissais, viessem à superfície para por ela serem recolhidos e por ela devorados. Longamente silenciada na língua materna, expõe-se agora livremente, usando com fluência o sistema linguístico do paísrefúgio. Os seus enunciados impõem-se pela espantosa ausência de atentados à sua língua de adopção, tão familiares, porém, aos ouvidos de quem, no país, vê e ouve telejornais ou alguns cidadãos e políticos pretensamente bem falantes: nem um só “haviam” ou “houveram”; nem um só “procurar por”, ou “aguardar por”, ou algumas dezenas de outras originalidades linguísticas de lesa-língua pátria. Sucedendo-se em associação livre, os signos compõem, no seu enunciado, frases, de que nascem as imagens terríveis, que vão passando no nosso campo visual interior, das profundas chagas, jamais cicatrizáveis, abertas na carne e no espírito de uma criança, em

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nome de uma bárbara tradição androcêntrica, que ignora o que é ser mulher. Um semi-silêncio quase religioso dá testemunho da compreensão dos circunstantes. Quem não sentiu já, como Nietzsche, que nenhuma felicidade ou esperança podem existir sem a capacidade de esquecimento? Quem não sabe do carácter intrinsecamente maniqueísta de cada um dos elementos dessa indissociável dupla, omnipresente na existência do ser humano, constituída pelo esquecimento e pela memória? Quem, desejando o esquecimento, não teme a perda da memória? Abrandando, de súbito, o fluxo da sua afirmação de direitos, parece, por momentos, ter tomado angustiosamente consciência da irrefutabilidade dos argumentos daqueles que afirmam que o esquecimento não depende da vontade, que não existe esquecimento capaz de eliminar definitivamente o passado. Como esquecer então o inesquecível, se na memória dos mortais não existe o esquecimento, porque “o esquecimento está cheio de memória”ii, porque, “no fundo, é um grande simulacro repleto de fantasmas”iii?, interroga-se, num quase murmúrio, para logo erguer de novo a cabeça e a voz. Agora, não quero recordar nada “daquilo”, diz. Todos devíamos ter o direito de apagar da memória, pelo menos, as lembranças importunas. Como no computador, diz. Disco C: Delete, Delete… Teclar, teclar, apagar da memória os ficheiros do passado. Esquecer… Deleted, diz. Apagado. Hoje também tem de ser “o primeiro dia do futuro do meu passado”iv. Para que a minha filha não chore pelo facto de ser mulher! I i Paz Díez Taboada poeta espanhola, professora Universitária de literatura. ii Expressão escolhida pelo poeta Mário Benedetti para título de um dos seus livros de poemas. iii Do poema de Mário Benedetti: Ese gran simulacro. iv Expressão escolhida por alguns escritores para título das suas obras. MAR 2010 |

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Os contos do

Piela e confidências

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á três horas que Bernardo e Bento Luís estão sentados à mesa do bar emborcando sucessivas doses de uísqui: Bento prefere o irlandês e Bernardo inclina-se para o Escocês. – Que raio de gosto o teu – diz Bernardo com a voz entaramelada. – Uísqui é escocês, o resto são imitações. Bento discorda: – Não és um verdadeiro apreciador. Paciência. Vou tomar outro, em balão, com duas pedras de gelo. É a vez de Bernardo contrariar: – Uísqui em balão, seja o da Escócia seja o irlandês, bebe-se puro. Com gelo é copo, baixo e largo. – É a tua opinião – reage Bento. – Por mim, o importante é não lhe deitar água. – Também era o que faltava. Descarregam um exagero de riso e Bernardo, inclinando-se sobre a mesa, baixa a voz: – Vou confiar-te um segredo. Fica entre nós. – Claro, conta-me. – Estou com uma piela que te vejo a dobrar. – E a minha? Piela, bebedeira, pifo, carraspana, nem sei dizer. Mas olho para ti e é como se visse dois irmãos gémeos. Apertaram-se as mãos redobrando as risadas e Bento acrescenta: – Ainda bem que as nossas santas mulheres levaram os carros. Imagina que nos dava para conduzir e aparecia a Polícia com o balão – Estoirava o balão! – Pum! Mas temos de reconhecer, elas foram queridas e despegaram para virmos aqui tomar o nosso copo. Dobraram-se em gargalhadas. A noite começou com ameno jantar que reuniu os dois casais. Mafalda e o marido, Bernardo, convidaram Clara e Bento Luís para um restaurante de nouvelle couisine e na conversa dominou a culinária. Bento troçou da

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enormidade dos pratos e da exiguidade da comida, contrapondo o sustento de um bacalhau com todos e o cabrito à padeiro na tasca da Gurmezinda, onde os dois amigos almoçavam com frequência. Os reparos de Bernardo visaram a carestia dos vinhos e Mafalda defendeu a escolha do restaurante enaltecendo o requinte de louças e vidros, a qualidade do serviço, o toque artístico na apresentação dos alimentos. Corroborou Clara, censurando ao marido a tendência para as comezainas fartas servidas sem elegância. Elegantes estavam as duas mulheres, Mafalda de vestido longo e preto, Clara num conjunto verde azeitona. Encontravam-se ambas na estimável casa dos trinta e são belíssimas. A essa qualidade juntam a compreensão. Aceitaram regressar a suas casas libertando os cônjuges para um mentiroso serão do grupo com quem formam tertúlia. Bernardo e Bento, porém, só pretendiam rédea solta para se enfrascarem no bar do costume. – Eu é que tenho um segredo, mas calo-me bem calado. Pschiu! - manifestou-se Bento Luís. – Vá lá – incita Bernardo. Descose-te. –Nem pensar. Este segredo é muito pessoal. – São os melhores. Desabafa, Bento, abrir a alma é uma libertação. – Queres mesmo? Então aí vai: ando louco pela tua mulher. – A Mafalda? – Tens outra? A Mafalda, sim, senhor. Acho-a um deslumbrante. Pronto está dito. – De verdade, Bento? Gostas mais da minha que da tua? – Exactamente. A Mafalda é fogo, pá. Espera aí: senhor empregado temos os copos vazios, – É como te digo, Bernardo, não leves a mal, mas olho para a Mafalda e fico vidrado. Aquele olhar, a boca, o pernão, toda, todinha. – Não me faças rir – diz Bernardo rindo-se - Se não estivesse tão bêbedo como tu revelava o meu segredo. ANDRÉ LETRIA


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– Tens um? Avança, não faças caixinha. – Bento, talvez tu não gostes de ouvir mas perco-me pela Clara. – A minha? – A tua. Adormeço e acordo com ela no pensamento. – E eu sonho com a Mafalda. Quem sabe se o destino se enganou e não devia ter eu casado com a Mafalda e tu com a Clara. – Isso é que era bom, Bento. – Agora é tarde, Bernardo. – Sei lá, a vida dá tantas voltas, quem nos garante que tu e a Mafalda não se cansam um do outro? – E que tu e a Clara não dizem já chega? Um momento, o que é isto? O homem nunca mais traz os uísquis que pedimos. – Suponho que os bebemos. Senhor empregado, mais dois por favor. – Pois muito me contas. Se pudéssemos trocar, trocavas? – O escocês e o irlandês? – As nossas mulheres. Bernardo, imagina-te marido da Clara e eu casado com a Mafalda. – E talvez elas preferissem. Mas atenção,

Bento, a Mafalda é fixe, ficavas bem servido. – Também tu. Sou o primeiro a reconhecer que a Clara é uma mulher e peras. – São óptimas as duas, mas, para mim, a tua é mais óptima. – Tiraste-me as palavras da boca. E não é possível trocar? – Ninguém sabe o dia de amanhã. Hoje, sei que me espera. Quando a Mafalda sentir o cheiro a uísqui manda-me tomar um duche e dormir no sofá. – Ai a Mafalda é assim? Desculpa, Bernardo, mas já não troco. – Por favor, Bento, não voltes com a palavra atrás. – Volto, volto. Ao menos a Clara estará à minha espera com o melhor sorriso e pronta a fazer amor, como acontece todas as noites. – Ai ela é assim? Todas as noites? Desculpa, amigo Bento, mas já não troco. – Exaustos, deixaram tombar as cabeças sobre a mesa e adormeceram, ressonando. Só despertaram ao som da voz imperativa do empregado: –Vamos meus senhores já chamei dois táxis.I MAR 2010 |

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Crónica

E não se passou nada Fe r n a n d o Dacosta

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tolerância tornou-se uma máscara para ocultar discriminações que, obliquamente, fracturam as nossas democracias. Retóricas persuasivas tentam, na verdade, induzir os por elas tolerados a satisfazer-se com o paternalismo (não com o respeito), com a unilateralidade (não com a igualdade) que lhes cabem por cidadania. Minorias que cada vez o são menos multiplicam-se, entretanto, e avançam. Étnicas e religiosas, culturais e sexuais, a sua afirmação impõe-se, interliga-se, ganha espaços, sufrágios, poder, futuro. Perspicazes se tornam os que se abrem à irreversibilidade do tempo e a positivam nas suas inovações, como têm feito, em vários temas, os nossos partidos de esquerda – com relevância, sublinhese, do PS. Portugal ousou-o, aliás, algumas vezes, e nisso foi (sempre que privilegiou as razões do afecto às do Estado) grandioso. A abolição da escravatura e da pena de morte tornou-o mesmo pioneiro na Europa Agora encontramo-nos ante novos (inadiáveis) desafios que, pelas rupturas perfiladas, irão pôrnos à prova. De entre eles salientam-se (generalizada a despenalização do aborto), o do combate à discriminação laboral da mulher, o da formalização do casamento de homossexuais, o do reconhecimento de licença aos trabalhadores para acompanharem a agonia de familiares, o do auxílio ao suicídio, o do redesenho da prostituição e o da imputabilidade dos adolescentes criminosos. Grupos de cidadãos, de partidos, de instituições estão a movimentar-se nesse sentido, ganhando presentemente especial visibilidade (por já aprovado no Parlamento) o referente ao casamento civil de pessoas do mesmo sexo – legalizado em seis países da Comunidade Europeia e em algumas zonas dos EUA. A resposta final que os responsáveis lhe derem constituirá uma oportunidade (única) de projectar Portugal no grupo dos países que engrandecem a História – ou a ignominiam. Em transformação velocíssima, as sociedades

vêem o futuro pôr-lhes à porta novos paradigmas (não tão novos como isso, afinal) de comportamentos a que urge dar resposta decente. A concepção coelheira do casamento só predomina, aliás, nas religiões monoteístas (islamismo, cristianismo, judaísmo), não nas das de outras estruturas, como a do budismo e a do confucionismo. Os cientistas estão, entretanto, a levantar uma questão decisiva para essa concepção: cada vez mais «o sexo se associa ao amor, à curiosidade, ao divertimento, não à reprodução que», sublinha Carl Djerassi, «generalizar-se-á sem ele (sexo)». Até porque, e ao contrário do que se propala, a população mundial continua a crescer descontrolada e desniveladamente.

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baixa natalidade observada nos países desenvolvidos não é, por outro lado, só cultural, é também (é sobretudo) biológica. A reprodução não depende «da intensidade da religião dos seres, mas da quantidade da sua alimentação», anotava Almerindo Lessa. Ela depende mais da mesa do que da cama. O caminho a seguir torna-se, assim, simples: ou estreita-se o casamento a elites fogosamente reprodutoras, ou alarga-se-o a todos os que o necessitam como guarda-chuva legal. Os melodramas levantados à volta da segunda hipótese não provocaram até agora crispação referenciável. Ninguém nos países de uniões e matrimónios gays se incomodou (veja-se a Espanha, observe-se a Inglaterra) com eles. Não se passou nada à sua volta depois da sua instituição. Tornaram-se uma banalidade, não fazem sequer notícia. É mais que tempo de deixar os cidadãos viver, conviver em liberdade, em diversidade. Ao invés do que continua a urdir, a Igreja (e os seus prolongamentos nos poderes) precisa, para sobreviver, de se reconciliar (não faze-lo torna-la-á até suspeita) com a homossexualidade. Jesus Cristo nunca discriminou, aliás, os que a assumiam – quer no seu tempo, quer no seu grupo. I


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