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CRISE DA HABITAÇÃO

Lei de habitação canadiana repercute em Portugal

Portugueses aplaudem a proibição da compra de casa por estrangeiros, para combater a escalada de preços. Especialistas consideram que no caso português afastar estrangeiros não é a solução

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O problema constante no ar, na cidade do Porto, em Portugal: a crise da habitação

TERESA LENCASTRE HELENA ZLICIC LJI Reporter

Na rua de Cedofeita, no Porto, em Portugal, a melancolia da música oriunda da concertina de Patrícia Pereira, que toca ao ar livre, condiz com a atmosfera sombria. Mas não é só o tempo de inverno que, por estes dias, incomoda os portuenses. Há outro problema constantemente no ar: a crise da habitação.

“É muito complicado, hoje em dia. Os jovens não têm casas para arrendar”, diz a portuense Ana Saraiva ao Correio da Manhã Canadá. A opinião é partilhada por outro portuense, José Gonçalves, que lida com o problema no seio da própria família: “Tenho um filho formado em matemática, que ainda continua a viver comigo, porque não é fácil arrendar um apartamento ou comprar casa, é dificílimo.”

Um novo relatório do Eurostat confirma o que se ouve na rua, revelando que Portugal está entre os 10 países da zona euro onde as rendas e os preços das casas mais sobem. Entre 2010 e 2022, os preços das casas no país aumentaram 80%, enquanto as rendas subiram 28%.

Já os dados mais recentes da plataforma imobiliária Idealista, referentes a dezembro de 2022, mostram que, no caso da compra, o preço do metro quadrado em Portugal situa-se nos 2.475 euros. No que toca ao arrendamento, o valor situa-se nos 12,9 euros.

Para quem vive no Canadá, pode não parecer muito, mas opoder de compra português conta uma história diferente. É que em Portugal, os preços das casas superam os salários em quase 40%. O país é o quinto da OCDE que apresenta os rendimentos familiares mais desajustados face ao custo da habitação.

“Pelo contrário, se nós tivéssemos mais investimento de estrangeiros na construção em Portugal, eventualmente teríamos mais oferta de habitação. O problema que se coloca neste momento é mesmo a oferta de habitação, que é reduzidíssima”

Cristina Gomes Gestora de ativos imobiliários

Uma outra portuense, Joana Teixeira, acredita que a “falta de escrúpulos” dos senhorios é uma das principais razões para os preços praticados: “Tenho quase a certeza que muitas das pessoas que arrendam as casas a estes preços absurdos, não têm necessidade de o fazer”, refere, sem esconder a revolta.

“Infelizmente vendemos mais casas a estrangeiros”, acrescenta oportuense Vítor Nascimento. “O turismo aumentou a procura e as pessoas, naturalmente, também vão adaptando as casas que têm para alugar de forma a rentabilizar mais. Tudo isto junto fez com que os preços aumentassem.”

Com efeito, a sociedade civil aponta frequentemente o investimento estrangeiro como uma das causas da crise da habitação. Não é por isso de espantar que uma nova lei, em vigor no Canadá, tenha conquistado muitos portugueses. Em solo canadiano, os investidores estrangeiros que não residem no país estão agora proibidos de comprar casa até 2025.

Estão previstas exceções para os refugiados ou residentes permanentes. Além disso, a lei aplica-se apenas às casas na cidade e não a estruturas turísticas como as casas de férias no campo.

A medida foi aprovada para combater a escalada de preços. De acordo com o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, os principais responsáveis pelo aumento são os multimilionários estrangeiros que investem no mercado imobiliário.

Patrícia Pereira, que toca concertina na rua, acredita que Portugal poderia beneficiar de uma medida semelhante: “Eu acho que faria sentido uma medida dessas em Portugal ou outra medida qualquer que tivesse como objetivo assegurar a qualidade mínima de vida às pessoas.”

Não é só na rua que a lei canadiana colhe elogios. Depois de a notícia ter sido amplamente divulgada em vários órgãos de comunicação social de Portugal, muitos foram os portugueses que aplaudiram a medida nas redes sociais, elogiando a coragem de Justin Trudeau.

No entanto, quem trabalha no setor imobiliário no país, como é o caso do casal Gomes, sediado no Porto, afasta a ideia de que o problema é o investimento estrangeiro.

Cristina Gomes é gestora de ativos imobiliários há mais de duas décadas. Há dois anos começou a trabalhar com o marido Paulo. Parceiros no casamento e nos negócios, ambos defendem que a raiz do problema está na escassez da oferta em Portugal e não no investimento estrangeiro.

“Eu não conheço a legislação canadiana, mas penso que o problema da habitação em Portugal não tem absolutamente nada a ver com o investimento estrangeiro”, afirma Cristina. “Pelo contrário, se nós tivéssemos mais investimento de estrangeiros na construção em Portugal, eventualmente teríamos mais oferta de habitação. O problema que se coloca neste momento é mesmo a oferta de habitação, que é reduzidíssima, e é isso que faz com que os preços de facto aumentem.”

Para Paulo Gomes, também gestor de ativos imobiliários, os impostos são o ‘calcanhar de Aquiles’ da habitação e da economia portuguesa como um todo - impostos que impedem melhores salários e levam ao empobrecimento da população, inibindo ao mesmo tempo os investidores de construírem mais casas. Considerar que os culpados são os proprietários ou os estrangeiros é, por isso, errado, diz o casal, uma vez que está nas mãos do Estado resolver o problema.

“Nunca vai haver uma solução enquanto houver escassez de habitação. E só há escassez de habitação porque o Governo, oEstado português, continua a esmagar com impostos os empresários, os investidores e os particulares”, diz Paulo. “Não podemos esquecer que a pouca capacidade [financeira] dos particulares e das famílias também tem a ver com a brutal carga fiscal que têm hoje em dia, não só [oriunda de] impostos diretos, mas também indiretos.”

Para Cristina e Paulo, a solução é dar mais poder de compra aos portugueses, reduzindo a longo prazo os impostos e a curto prazo atualizar os apoios às rendas, que ao que dizem são atualmente insuficientes.

“Eu acho que faria muito mais sentido culpar o Estado por não criar condições para que as pessoas com mais dificuldades tenham acesso a habitação condigna. Obviamente, se as coisas fossem atualizadas, seriam completamente diferentes. Se calhar os nacionais não recusariam a vinda de estrangeiros, a quem culpam, por não poderem pagar as rendas ou porque as rendas estão a aumentar”, diz Cristina.

“O problema vem de trás. Tem de ser o Estado a intervir de forma a que os jovens e as famílias que necessitam de habitação tenham condições para acederem a essa mesma habitação.”

Parece fácil, em teoria, mas os especialistas admitem que ainda há um longo caminho a percorrer. Até lá, a melancolia do Porto vai continuar a condizer com a crise da habitação em Portugal. l

UM NOVO RELATÓRIO DO EUROSTAT CONFIRMA O QUE SE OUVE NA RUA, REVELANDO QUE PORTUGAL ESTÁ ENTRE OS 10 PAÍSES DA ZONA EURO ONDE AS RENDAS E OS PREÇOS DAS CASAS MAIS SOBEM