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Sem a união de GoVerNoS, eMpreSaS e SoCieDaDe, a lacuna digital continuará

Entusiasta do letramento digital e CEO da Byte Back, Joe Paul, em sua passagem pelo Brasil, defende mais inclusão digital por meio de um esforço coletivo para trazer habilidades que confiram a toda a população, independente de idade, gênero e renda, mais conhecimento, de modo que ela usufrua das enormes possibilidades da internet.

Joe pau L é um entusiasta do letramento digital e entende que o gap digital deve ser endereçado por meio de um trabalho envolvendo governo, companhias e sociedade. Atualmente, é CEO da Byte Back, organização sem fins lucrativos dedicada a promover oportunidades econômicas e inclusão digital, focada em oferecer um caminho de treinamento técnico inclusivo que leve a carreiras em serviços profissionais administrativos e de tecnologia.

Visionário e estratégico, Paul participou do painel Tecnologias para transformação social: do combate à fome à proteção do meio ambiente , durante o 3º Congresso Brasileiro de Internet, evento realizado pela Associação Brasileira de Internet (Abranet) em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS). Antes de embarcar para o Brasil, Joe Paul concedeu uma entrevista exclusiva à Abranet

O Brasil é um país muito grande, com distintas realidades entre as regiões. Como você tem avaliado a lacuna digital, seja por idade, região, economia ou pelo aspecto social?

Pesquisei bastante para entender os problemas que o Brasil está vivendo; e podemos dividi-los com base na idade, região, educação e status socioeconômico. A boa notícia é que muitas dessas lacunas podem ser superadas. Nos Estados Unidos, estamos aprendendo a como passar por essas lacunas.

Vamos começar com a idade. Uma das maiores lacunas no Brasil são os idosos, pessoas com mais de 60 anos, que provavelmente têm menos acesso à internet. É provável que também tenham menos acesso ou nenhum acesso às ferramentas digitais. Mas entre os jovens adultos, de 18 a 24 anos, 86% usam a internet. Então, a boa notícia é que você pode aproveitar isso, fazendo com que os jovens ensinem os adultos mais velhos a como usar a internet.

Também há regiões no Brasil com menor conectividade de internet e habilidades digitais. E, quando você olha para a diferença entre áreas urbanas como Rio de Janeiro e São Paulo, lugares com alto tráfego turístico têm maior acesso à internet e habilidades digitais mais altas. Quando você olha para as áreas onde estão as faculdades e universidades, elas têm maior acesso à internet. Ao compará-las com as áreas de baixa renda, eles têm pouco ou nenhum acesso à internet de várias maneiras. O acesso é pelo celular deles, o que é problemático.

Poucas pessoas de baixa renda no Brasil têm computador. Elas não têm as habilidades digitais necessárias para aprender a usar essas ferramentas. Então, há uma lacuna muito grande. Nós olhamos também para a educação, e as pessoas com níveis de escolaridade mais altos têm mais acesso, o que normalmente faz sentido. E entre aqueles que têm níveis de escolaridade mais baixos, menos de 18% realmente têm acesso. Onde as famílias estão desempenha um papel importante na lacuna digital.

Uma das maneiras de resolver esses problemas é todos trabalhando juntos. Portanto, não cabe apenas à pessoa encontrar as habilidades, mas o governo deve estar envolvido. O setor privado tem que participar. As empresas têm que se envolver. As organizações sem fins lucrativos baseadas na comunidade devem estar envolvidas. Indivíduos com alto patrimônio líquido devem estar envolvidos.

Estamos falando de brecha digital e, indo além, há o letramento digital. Ou seja, a primeira coisa é conectar as pessoas, colocá-las online. Mas isso não basta, e estamos conectando as pessoas principalmente por meio de telefones celulares; são usuários da internet que apenas consomem conteúdo. O que você tem estudado sobre a alfabetização digital? Parece-me um problema maior em comparação com a lacuna digital.

A resposta é sim, porque o fato de haver uma lacuna não significa que você não possa fechá-la. Mas a parte difícil é quando você não tem habilidades ou letramento digital, quando não sabe como usar as ferramentas que tem. Portanto, há um problema de três pernas.

Todos merecem a oportunidade de ter acesso igualitário à internet e o pior é que pouquíssimas pessoas no Brasil têm acesso à internet de alta velocidade. Então, acima de tudo, é garantir que todos tenham acesso igualitário à internet. O segundo lado disso são os dispositivos apropriados. Todos precisam ter acesso a computadores. As pessoas que não podem pagar deveriam ter isso gratuito.

Na última parte está a alfabetização digital. Não basta ter acesso a computadores conectados à internet: isso é apenas metade da causa. É preciso aprender como aproveitar; saber como se educar online, ser capaz de acessar os médicos online, fazer telessaúde, serviços bancários online e ser capaz de se candidatar a empregos. Tudo está migrando para a internet. As pessoas que não estão conectadas vão ficar para trás. E elas merecem uma oportunidade de se beneficiar desse belo mundo da tecnologia. E não é difícil. O difícil é convencer ogoverno que eles precisam dar dinheiro para isso. O difícil é convencer as empresas que elas precisam doar dinheiro para isso. Convencer as organizações comunitárias a apoiar as áreas rurais em recursos. Isso não é exclusivo do Brasil; acontece em todo o mundo. abranet.org.br julho / agosto / setembro 2023

Qual é a sua definição de letramento digital?

O letramento digital é a capacidade de entender a ferramenta que você está usando ao aproveitar a internet. Só porque você tem um computador não significa que você sabe o que significam os diferentes termos; você pode não saber o que é rolagem ou uma tela, um mouse ou teclado. É mais fácil fazer as pessoas entenderem, por exemplo, um glossário de termos mostrando o que significam e o que se pode fazer com eles. Isso é alfabetização digital e habilidades digitais.

Como está a alfabetização digital ao redor do mundo?

Os países enfrentam os mesmos tipos de desafios?

Os problemas são boas notícias; e são os mesmos em todos os setores. A maioria das pessoas dos países subdesenvolvidos, aqueles que são pobres ou não têm acesso à riqueza, não está na internet e não possui as habilidades de letramento digital. Então, quando você combina os dois, há semelhanças. Vamos comparar o Brasil e os Estados Unidos. Neles, temos os mesmos problemas.

Nos EUA, também há um problema de infraestrutura nas áreas rurais e as pessoas não têm acesso à internet, porque estão muito longe das áreas urbanas das cidades, onde tem muito cabo de fibra óptica. Em áreas muito populosas ou áreas turísticas, há internet de fibra óptica, mas não foi dada muita prioridade ao apoio às áreas rurais e urbanas de baixa renda, porque essas, normalmente, não têm voz, ninguém está lá para falar em seu nome. Isso é igual em todos os lugares, mas, quanto mais subdesenvolvidos são os países, pior.

Quais são os principais problemas que advêm da falta de letramento digital? E como eles se agravam a longo prazo?

São muitos problemas. O alto desemprego é o maior problema, porque significa que você não pode sustentar sua família ou a si mesmo, não pode pagar suas contas, ficará sem teto, vai mendigar e também significa que você vai depender do governo. Então, os recursos governamentais serão esgotados, porque o governo não pode abandonar seu povo, especialmente, as pessoas que dependem dele. Assim será se não colocarmos as pessoas online e ensinarmos a elas a usar o computador e mostrar omundo que está disponível.

Se não fizermos algo agora, daqui a dez anos, estaremos em uma situação muito ruim. Quase 90 milhões de empregos serão perdidos nos próximos cinco, seis anos em todo o mundo por causa da inteligência artificial, aprendizado de máquina, robótica, todas essas coisas que estão chegando.

Antigamente, quando você ia a um lugar como o McDonald’s, tinha uma pessoa que dizia ‘oi, bem-vindo ao McDonald’s’; depois ia para a próxima pessoa que falava ‘como posso ajudá-lo?’, outra cozinhava, uma outra colocava os condimentos e mais uma outra pessoa ensacava. Eram sete ou oito pessoas; agora, você aperta um botão. São quase seis pessoas desempregadas.

O problema é, se não estamos capacitando essas pessoas, se não estamos ensinando-as e treinando sobre como alavancar esses computadores e essas coisas novas, elas se tornarão sem-teto. Elas gradualmente estarão fora da sociedade. Isso é um problema. A boa notícia – e eu sempre tenho – é que você pode aprender em qualquer idade. Se você apresentar informações a alguém e apresentar porque é benéfico, ela provavelmente aprenderá e compreenderá essas informações. Portanto, existe um mundo em que acredito que haverá pessoas trabalhando ao lado de robôs, não substituídas por eles.

O que poderia ser feito agora para resolver esses problemas?

Há um conceito que alguns países estão adotando que é chamado de redes de propriedade da comunidade, como se fosse propriedade e administrada por residentes locais. Não precisam ser as grandes empresas que possuem toda a internet, certo? Não é benéfico para essas grandes empresas, porque você não tem muitas pessoas nas áreas rurais.

O governo também deveria fornecer incentivos fiscais ou empréstimos a juros baixos para as empresas que levam a internet a esses locais. Isso as incentivaria a ir para essas áreas de baixa renda e áreas rurais que simplesmente não têm internet. Outra coisa é a internet via satélite, e Elon Musk tem sido realmente importante. Você não precisa necessariamente de fibra óptica. Ela é útil, claro, mas o Brasil pode pensar em fornecer acesso à internet de banda larga via satélite, especialmente, para essas áreas rurais, onde custaria mais aos ISPs construir fibra ótica, mas não lhes custaria muito ter internet via satélite.

Há também as parcerias público-privadas, em que o Brasil pode trabalhar com empresas privadas para trazer infraestrutura de internet para áreas rurais e áreas de baixa renda, com o governo oferecendo incentivos ou apoio financeiro a essas empresas. O governo pode ainda fornecer programas de letramento digital para ajudar as pessoas que não têm habilidades a melhorá-las com o computador, aprender como usar a internet, conseguir um emprego pela internet, se educar para a internet, fazer compras na internet.

E tem a tecnologia móvel. Muitas pessoas, a maioria delas, têm acesso à internet por meio do telefone, mas é limitado: você não pode fazer muitas das coisas que pode fazer em um computador. Definitivamente, muitas pessoas têm smartphones e devemos ser capazes de alavancar esses dispositivos para ensinar às pessoas. Deveria haver parcerias público-privadas patrocinadas pelo governo para treinar pessoas. Por exemplo, todo mundo está no TikTok. E se antes de cada vídeo no TikTok ou YouTube, houvesse um comercial ensinando como usar a internet, com um número de telefone ou um botão a ser pressionado caso a pessoa precise de ajuda para obter um computador?

E, por último, mas não menos importante, estamos em uma economia global e, quanto mais pessoas tiverem acesso à internet, quanto mais pessoas souberem como usá-la, mais acesso terão a empresas que estão vendendo produtos. Então, faz todo o sentido que as corporações invistam nisso. •

O Brasil caminha rumo à economia tokenizada, contando com uma infraestrutura legal e avançando com o Real Digital, a CBDC (moeda digital emitida por banco central) nacional. Nesse cenário, a privacidade é a principal preocupação dos players.