Especial Privataria Tucana

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junho de 2012

especial privataria tucana

A ofensiva neoliberal e o desmonte do Estado brasileiro PRIVATARIA Para o jurista Fábio Konder Comparato, a submissão do país ao estrangeiro é um crime de consequências incalculáveis. É indispensável que todos estes homens sejam processados perante um tribunal popular e condenados à indignidade nacional Renato Godoy de Toledo de São Paulo (SP) A PARTIR DA DÉCADA de 1990, o Brasil iniciou o processo de diminuição do papel do Estado na economia. O plano de privatizações foi a principal marca do período, inspirado fortemente nas ações da dupla Ronald Reagan (presidente dos EUA entre 1984 e 1988) e Margareth Tatcher (primeira-ministra da Inglaterra entre 1979 e 1990). Com o predomínio de governos conservadores na América Latina, alinhados às políticas do Fundo Monetário Interna-

cional (FMI), Fernando Collor iniciou o processo de desestatização. Porém, o auge da política privatista se deu sob o comando de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Os anos de governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) foram marcados por vendas de empresas estatais a preços abaixo do mercado. Logo no início do governo, FHC nomeou o seu ministro, José Serra (PSDB), para a função de chefe do Programa Nacional de Desestatização, que comandou a venda de empresas estatais ao capital privado estrangeiro. Ao todo, dez empresas brasileiras foram vendidas. Somadas as empresas privatizadas em parceria com governos estaduais pró-FHC, foram mais de 25 desestatizações. A Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, foi vendida em 1997 por 3,3 bilhões de dólares, em um leilão marcado por obscuridades e questionamentos na Justiça. Os compradores ainda contaram com empréstimos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os movimentos sociais denunciam que a venda da mineradora foi feita por um valor muito abaixo do que o mercado estima. Atualmente, calcula-se que o valor da empresa seja de quase 200 bilhões de dólares. O governo FHC também sinalizou que pretendia privatizar a Petrobras. O então ministro das Comunicações e homem forte do governo, Sérgio Motta,

Políticos também exigem apuração

afirmou que a gestão tucana planejava desmontar a petroleira “osso por osso”. O nome da empresa chegou a ser mudado para “Petrobrax”, para tornar a marca mais atrativa para uma possível venda. Após as críticas dos petroleiros e da sociedade, o governo voltou atrás.

Os anos de governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) foram marcados por vendas de empresas estatais a preços abaixo do mercado

Sou totalmente a favor de uma CPI que investigue, escarafunche, destrinche todo o vergonhoso processo das privatizações em nosso país. Hoje, temos aí mais uma CPI, a do Cachoeira. É mais uma CPI para divertir (desviar do que interessa) o Congresso, a mídia e a opinião pública. Afinal, nada mais corrupto Wilson Dias/Abr que as privatizações que desmantelaram parte importante do Estado Brasileiro. Mas, sinceramente, quem quer a CPI da Privataria? Ou vocês acham que exista uma diferença essencial entre privatizar a Vale e entregar, através de leilões, reservas fantásticas do petróleo brasileiro?

Roberto Requião, senador do Paraná (PMDB).

Para o jurista e professor da Universidade de São Paulo, Fábio Konder Comparato, os tucanos deveriam responder judicialmente pelas privatizações que realizaram. “A grande responsabilidade do governo FHC não é ter levado a uma piora da situação econômica e social do país. Outros governos, no passado, também fizeram isso. O que é imperdoável é a entrega do país ao estrangeiro, de pés e mãos atados. Esta é uma ação infinitamente mais danosa do que todas as corrupções. A alienação, a submissão do país ao estrangeiro é um crime de consequências incalculáveis. É indispensável que todos estes homens sejam processados perante um tribunal popular e condenados à indignidade nacional”, disse o jurista em entrevista ao jornalista Nilton Viana, na época do governo FHC.

Leonel Brizola classificou o processo das privatizações como o maior crime de lesa pátria da história brasileira. Agora, a gente pode concluir que além de um crime de lesa pátria, que alienou o patrimônio público, esse também foi o maior Fabio Rodrigues Pozzebom/Abr crime de corrupção. O livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr. vem amplamente documentado. À Camara dos Deputados, cabe apurar as denúncias. Assinei o pedido de CPI e convoco todos os deputados a apoiar, para ir a fundo nas investigações e desvendar o processo de privatização da era tucana.

Brizola Neto, atual ministro do Trabalho (PDT), em discurso no plenário da Câmara dos Deputados quando era deputado federal, em dezembro de 2011.

“O caminho foi investigar o percurso do dinheiro” Maringoni

ENTREVISTA O jornalista e escritor Amaury Ribeiro Jr., autor do livro A Privataria Tucana, afirma que resolveu investigar para comprovar as denúncias de que havia corrupção em todo o processo de privatizações de FHC

A privatização no setor estratégico, a privataria que foi feita Beto Oliveira/Agência Câmara no sistema Telebrás foi um crime contra o interesse público e nacional. Na era Fernando Henrique Cardoso entregaram setores importantíssimos, como a Vale do Rio Doce, para a iniciativa privada; isso representou um retrocesso para nosso país.

E como se deu esse processo de investigação? Foi basicamente levantamento de documentos em cartórios, juntas comerciais e em paraísos fiscais. O caminho foi investigar o percurso do dinheiro. Investigar como as pessoas e empresas envolvidas se enriqueceram dentro do processo das privatizações. O que esse livro representa? Quando lancei o livro achava que não representava muita coisa. Só depois é que fui ver a força. Virou uma bandeira

Ivan Valente, deputado federal (PSOL).

A privataria tucana, símbolo das privatizações no Brasil na época do governo neoliberal do PSDB, causou um grande prejuízo à nação e levou o país a essa esteira de corrupção e de desmando e fragilidade dos poderes da República. Temos sentimento de que fomos enganados no passado. Nossa resposta a isso, a essa José Cruz/Abr trama, tem que ser dada tratando esse assunto no Congresso Nacional, em uma profunda investigação para identificar os culpados e, sobretudo, recuperação do dinheiro público desviado em razão da venda das nossas riquezas naturais e bem e serviços.

APÓS A PUBLICAÇÃO, Amaury Ribeiro Jr. percorreu todo o país ao ser convidado a participar de debates, fóruns e palestras para compartilhar todo o processo que resultou no livro A Privataria Tucana. Em entrevista ao Brasil de Fato, o autor fala sobre o significado do livro, como se deram as investigações, e a repercussão que teve.

“Tem setores da imprensa que se beneficiaram desse processo e que até hoje sonham com o retorno desse modelo neoliberal dos tucanos”

Rui Falcão, deputado estadual e presidente nacional do PT.

Luiz Felipe Albuquerque de São Paulo (SP)

Brasil de Fato – Por que você resolveu escrever o livro? Amaury Ribeiro Jr. – Quando começou a surgir na imprensa na década de 2000, tinha-se a suspeita de que havia propina nos processos de privatização e que foram bancados pela corrupção. Sempre apontou isso. Era uma coisa que era errada desde o início e resolvi investigar para comprovar as primeiras denúncias de que existia propina, corrupção dentro de todo esse processo.

As privatizações da era Fernando Henrique Cardoso significaram as dilapidações do patrimônio público, transferindo para as mãos Marcello Casal Jr/Abr do capital privado empresas estatais estratégicas. Por pouco não entregaram o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras. Esse programa neoliberal levou o estado brasileiro a perder o papel de indutor do desenvolvimento, recuperado por Lula e agora por Dilma Rousseff.

Protógenes Queiroz, deputado federal (PCdoB).

das pessoas que sofreram com todo esse processo de privatização. Muita gente enlouqueceu, ficou doida. Muitas pessoas – funcionários dessas empresas estatais – que eram obrigadas a entrar nesses planos de demissão voluntária. Em cada história, em cada estado que viajei de norte a sul, via uma história de tragédia e o tanto que essas privatizações fizeram mal para a elas. Tenho visto que o livro tem se tornado um consolo, uma bandeira para essas pessoas. Como você vê o significado político do conteúdo do livro? Politicamente demonstra que o modelo deles, o neoliberal, que ocorreu em toda a América Latina é errado. É um modelo que nasceu falido e que só serviu para enriquecer gente. Vejam só: eles queriam privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás. Hoje esses dois bancos fazem um papel importante, demonstram a importância de se ter um banco estatal forte, baixando as taxas de juros. E como foi esse processo de divulgação do livro? Conheci muito mais o livro depois da publicação, porque em cada estado víamos uma situação, uma história de sofrimento dessas pessoas vítimas da privatização. O que me chamou atenção foi

ouvir histórias de quem sofreu com isso. Quando se fala sobre um assunto desses parece que é questão só de macroeconomia, mas não é. Não é só uma política de governo, afetou a vida das pessoas, é uma coisa muito mais ampla que tem a ver com o dia a dia das pessoas. E o que se espera com o livro? Esperamos que os mesmo erros não se repitam. Que sirva de lição para que o país caminhe para frente e não se inspire nesse modelo. Tem setores da imprensa que se beneficiaram desse processo e que até hoje sonham com o retorno desse modelo neoliberal dos tucanos. Mas acho que o livro serviu para enterrar de vez esse projeto e mostrar o que era a verdadeira política econômica do PSDB. Fale um pouco sobre o próximo livro que está escrevendo, A Privataria Tucana II. Ainda estamos olhando os documentos, temos que analisá-los para concluir, mas chegaremos lá. Estamos trabalhando outros meios também, como que a imprensa e outros setores também se beneficiaram disso. Por que a imprensa toda apoia esse modelo? Porque se beneficiou. Mas estamos na busca de documentos, porque precisa estar muito embasado para escrever um livro desses.

O processo de privatização na era FHC só não foi mais profundo em razão da resistência das forças progressistas. Mas a hegemonia UJC-Curitiba neoliberal dos anos de 1990 não nos permitiu impedir a vergonhosa privatização da Vale, comprada a preço de banana. Estamos de acordo com uma CPI sobre este escândalo, mas não podemos abandonar a luta contra a privatização, que agora se dá de forma mais sutil e mitigada. E a CPI é uma luta num espaço majoritariamente burguês; precisamos trazer de volta esta luta para as ruas!

Ivan Pinheiro, secretário-geral do PCB.

É fundamental investigarmos com profundidade as falcatruas que foram praticadas no PSTU processo de privatização na era Fernando Henrique Cardoso. Também é importante continuarmos a luta contra a privatização do patrimônio público do nosso país que lamentavelmente segue acontecendo nesse governo, como no caso dos aeroportos.

Zé Maria, dirigente do PSTU.


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