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Formação de líderes e discipulado

A partir daí, constrói-se a declaração de visão e missão, vinculando-a às ações da comunidade na busca pelo desenvolvimento de cada um desses propósitos. Veja o exemplo a seguir:

Visão: ser uma Igreja Viva que leva seus frequentadores a Adorar ao Deus Vivo, crescendo em número por meio do Evangelismo; em maturidade por meio do Discipulado e do Ministério; na Comunhão com os irmãos por meio dos Grupos Pequenos.

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Missão: tornar pessoas descrentes em verdadeiros e frutíferos discípulos de Cristo.

Os propósitos podem ainda ajudar a definir os valores da organização que vão dirigir suas escolhas metodológicas, descrever seus critérios de avaliação e estabelecer as normativas de ação e relacionamento dentro das equipes.

Embora este assunto pareça ser técnico demais e firmado apenas em conhecimento de gestão acadêmica, ele faz eco às prerrogativas bíblicas, como em Provérbios 11,14 (BÍBLIA ONLINE, [s.d.]), que diz: “sem diretrizes a nação cai; o que a salva é ter muitos conselheiros”.

A formação de novos líderes é tarefa de quem está liderando. Maxwell (1999) afirma que, em sua experiência como palestrante na área de liderança, ele pôde realizar uma pesquisa informal para descobrir como os seus ouvintes haviam se tornado líderes e o resultado aponta que 85% deles são fruto da influência de outro líder.

No mundo corporativo, torna-se cada vez maior a demanda sobre os atuais gestores para a formação de sucessores. Há casos em que o pagamento de bônus financeiros pelos resultados alcançados por diretores está atrelado à apresentação de relatórios que atestem o investimento feito em outros líderes abaixo destes no organograma.

Muitas ferramentas têm sido utilizadas para o apoio no desenvolvimento de novas lideranças, como o coaching, em que um instrutor (coach) ajuda alguém (coachee) na busca de aprimoramento de seus talentos ou na superação de alguma limitação visando à maximização de seu desempenho profissional, familiar e pessoal.

Na Bíblia, esse processo de investir em alguém para o seu desenvolvimento é chamado de discipulado: um mestre se dispõe a transmitir não apenas um conhecimento teórico a respeito de doutrinas ou um conjunto de informações sobre um credo específico, mas a própria vida para colaborar no amadurecimento de seu discípulo, numa caminhada lado a lado em que se vivencia as verdades da fé.

Ogden (2010, p. 23) define assim o discipulado: discipulado é um relacionamento intencional no qual caminhamos ao lado de outros discípulos com a finalidade de encorajar, equipar e desafiar uns aos outros em amor, para adquirirmos a maturidade em Cristo. Esse relacionamento inclui preparar o discípulo para fazer outros discípulos.

Mais uma vez, Jesus é o maior modelo de mestre discipulador para nós. O resultado do seu investimento em doze homens num período de convivência de cerca de três anos atravessou a história e permanece até hoje.

Mas na Bíblia nós temos outros casos de relacionamentos discipuladores em que líderes geraram outros líderes. Vamos considerar alguns deles a seguir.

MOISÉS E JOSUÉ

A primeira citação ao nome de Josué na Bíblia já o coloca em um relacionamento de confiança com Moisés. Em Êxodo 17, 8-15, o povo hebreu enfrenta seu primeiro inimigo militar após deixar o Egito. Moisés delega a Josué a formação e o comando de um exército para lutarem contra os amalequitas, contra os quais

saem vencedores. Depois, no capítulo 24, dos versos 12 a 18, temos novamente Josué próximo a Moisés quando este sobe ao Monte Sinai para receber as Tábuas da Lei. E assim vemos Josué servindo a Moisés com fidelidade em outras circunstâncias (Êxodo 33,11) e ficamos sabendo que era assim desde a sua juventude (Números 11, 28). Isso forjou não apenas as habilidades de Josué, mas principalmente seu caráter. Sem dúvida, o momento crítico desta formação se dá em Números 13 e 14, quando Moisés delega a um grupo de doze homens a tarefa de espiar a terra de Canaã em função da proximidade em que se encontravam e a necessidade de se prepararem para sua tomada. O relatório frio dos espiões, falando das virtudes do lugar, mas destacando a força dos inimigos dali, teve um efeito negativo sobre o povo, colocando-o contra Moisés (Números 14,1). Apenas Josué e Calebe incentivaram uma perspectiva de encorajamento e fé, que acabou por dar-lhes a garantia de herança nesta nova terra. Tal postura legitimou Josué diante de Deus. Em Números 27,12-23, Moisés pede a Deus que designe um líder para o povo e a indicação de Deus é Josué, a quem Moisés deveria compartilhar de sua autoridade e que viria a sucedê-lo efetivamente na etapa final da chegada e conquista de Canaã, como narrado em todo o livro de Josué.

A escola que transformou Josué num grande e leal líder militar de Moisés foi a convivência com este, a partilha cotidiana dos desafios e a manutenção de uma postura de servo em todo o tempo. O testemunho bíblico é de que Josué manteve-se íntegro em sua relação com Deus (Números 32, 12) enquanto seus compatriotas duvidavam que Deus poderia cumprir sua promessa de entregar-lhes a terra prometida.

O relacionamento intencional de Moisés com Josué moldou seu caráter e o habilitou para a liderança. Em Deuteronômio 34, 9, nós lemos que, após a morte de Moisés, o povo seguiu a Josué o obedecendo, pois ele estava cheio de sabedoria ao receber de Moisés a delegação para a liderança.

ELIAS E ELISEU

Elias foi um grande profeta, um homem usado por Deus sobrenaturalmente em várias circunstâncias, com especial destaque para o confronto com os sacerdotes do deus pagão Baal em 1Reis 18,16-45. O resultado deste confronto é ambíguo, pois, embora ele tivesse vencido tal confronto dando grande testemunho do poder de Deus, ao mesmo tempo Elias teve sua alma abatida por medo diante das ameaças recebidas de Jezabel (1Reis 19,1-4), fugindo e considerando até a possibilidade de morrer como solução para sua angústia. Deus intervém na situação cuidando de Elias, mas pedindo a ele que preparasse um sucessor, Eliseu, a quem ele toma como um auxiliar (1Reis 19,16).

Seguindo a narrativa bíblica, nós só vamos reencontrar estes personagens em 2Reis, nos capítulos 1 e 2, que falam do arrebatamento de Elias e da sucessão de seu posto profético por Eliseu. O que aconteceu neste intervalo impreciso de tempo foi o estabelecimento de um relacionamento entre ambos. Este relacionamento teve impacto sobre Eliseu, que chamou Elias de pai quando este foi sobrenaturalmente arrebatado aos céus enquanto caminhavam juntos próximo ao rio Jordão (2Reis 2,11-12).

O desejo de Eliseu era suceder Elias com o mesmo poder que este tinha, e assim acontece ao vermos quando este reproduz o milagre de abrir as águas do rio Jordão como antes fizera Elias (2Reis 2,13-14), o que lhe respaldou ante o grupo dos demais discípulos que o reconhecem como líder e se submetem à sua liderança (2Reis 2,15-16).

O relacionamento intencional de Elias com Eliseu, em obediência a uma ordem de Deus, produziu um novo líder que realizou um ministério igualmente poderoso diante de Deus.

PAULO E TIMÓTEO

Paulo havia sido alvo do cuidado discipulador de Barnabé, que o introduziu na comunidade cristã (Atos 9, 27) e também no ministério missionário quando ambos estavam já servindo à igreja em Antioquia (Atos 13, 2). Tal estímulo recebido fez dele um reprodutor do modelo, passando a usar suas competências para, de igual modo, influenciar outros na jornada da liderança.

Foi assim que ele investiu em Timóteo, um jovem que ele conhece em Listra e de quem ouve um bom testemunho o qual decide levar consigo na sequência de sua viagem (Atos 16, 1-5).

O discipulado de Paulo com Timóteo é prático; dá-se entre as lidas do trabalho missionário. Assim, Timóteo observa Paulo em suas tomadas de decisão e resolução de conflitos. Aprende a pregar e ensinar, a cuidar de aspectos administrativos do trabalho missionário, a fazer contatos estratégicos. Participa com Paulo da escrita de cartas, orientando as igrejas de Filipos, Colossos e Tessalônica. Aprende a suportar as dificuldades mantendo um espírito servil.

Esse relacionamento gerou empatia. Paulo refere-se a Timóteo como seu filho amado e fiel (1Coríntios 4, 17), cuidando, instruindo e exortando-o de modo muito especial por intermédio das duas cartas que escreveu para ele e que temos registradas nas páginas da Bíblia: 1 e 2Timóteo.

Mais uma vez, vemos um relacionamento intencional desenvolvendo um novo líder. E, assim como coube a Josué e Eliseu darem continuidade ao processo de formação de novos líderes, Paulo instrui a Timóteo em 2Timóteo 2,2: “e as coisas que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar a outros”.

A ORDEM DE JESUS

Embora já tenhamos considerado que desde o Antigo Testamento um modelo de relacionamento discipulador já podia ser observado, é em Jesus que este relacionamento é maximizado pelo seu exemplo e também ordenado pelas suas palavras, principalmente no texto de Mateus 28,18-20:

então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos (BÍBLIA ONLINE, [s.d.]).

Mais do que juntar uma multidão de seguidores, a preocupação central de Jesus para com aqueles a quem ele mesmo discipulou era de que eles reproduzissem o modelo por meio de relacionamentos intencionais. Fazer novos discípulos demandava acolher pessoas para uma caminhada instrutiva. São dois os elementos que efetivam o discipulado orientado por Jesus: ■ O batismo – para além de nossa compreensão eclesiológica de que o batismo constitui uma das ordenanças de Cristo que deve ser obedecida pelos novos convertidos à fé cristã, o batismo é um agente agregador. Por meio dele e do testemunho que ele dá, a pessoa comunica que agora faz parte de uma nova comunidade, que partilha de novos propósitos, que vive para novas realizações. Este é um elemento fundamental na formação de um novo líder – fazer com que ele se sinta organicamente relacionado com a causa que abraçou. Por intermédio do batismo, o discipulado abraça o indivíduo e passa a considerá-lo como irmão, como parte do corpo.

■ O ensino – a partir da inclusão, o discipulado efetivo caminha para a instrução. Como já vimos, este é um processo de vivência e não apenas de transmissão formal de conteúdo. Aprende-se enquanto caminhamos juntos. Mas Jesus é categórico: é preciso ensinar a guardar todas as coisas! Ou seja, é necessário que o conhecimento não seja apenas aprendido, mas, acima de tudo, apreendido. E a extensão desse conhecimento e a complexidade de suas aplicações nos mostram que a escola do discipulado não tem formatura, é para a vida toda!

UM MODELO DE TRABALHO

A partir das considerações já feitas, podemos encerrar este tópico avaliando um modelo de formação de discípulos para aplicação na igreja. O quadro a seguir apresenta um esquema de orientação para levar pessoas de um contato inicial com a fé em Cristo até o serviço ativo na igreja, passando pelo estabelecimento de relacionamentos intencionais.

DESPERTAMENTO

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UGTXKT ENVOLVIMENTO

Encontros e Reuniões Regulares

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Figura 1 - Modelo de formação de discípulos Fonte: o autor.

Vamos tratar muito brevemente sobre esses três estágios: despertamento, envolvimento e desenvolvimento.

Despertamento

O ambiente mais externo do círculo é o do despertamento, no qual criamos atividades e eventos que possam atrair a atenção das pessoas e trazê-las para um primeiro contato com a igreja. Tais eventos são esporádicos e estrategicamente pensados para gerar atratividade, quebrando as resistências daqueles que são refratários à igreja. São eventos facilitadores de contato e comunicam aspectos de nossa fé que normalmente não ficam evidentes nos cultos e demais programas com maior formalidade.

Envolvimento

A partir deste primeiro contato, podemos convidar a pessoa para um nível mais profundo de relacionamento, denominado envolvimento em nosso quadro. Aqui, temos atividades mais regulares, propostas para grupos de afinidade (casais, jovens, adolescentes, empresários, etc).

Neste nível de atividades, o foco é possibilitar a construção de relacionamentos mais efetivos. A pessoa veio a um retiro que acontece uma vez por ano e teve seu interesse despertado. Agora, ela é convidada para participar de encontros mensais, nos quais ela começa a estabelecer relacionamentos e criar um envolvimento com aquele grupo.

Desenvolvimento

O centro de nosso esquema é o discipulado, pois é ali que acontece o desenvolvimento efetivo da pessoa. Uma vez que ela já está envolvida e com relacionamentos mais estruturados, ela pode ser incluída num processo formal de discipulado, que não anula o aspecto relacional, mas instrumentaliza o conhecimento necessário e as competências pessoais para que a pessoa reproduza o que recebeu.

Lembre-se, este é um modelo de programa para a igreja. É possível realizar o discipulado fora de um esquema formal como esse e ser plenamente efetivo também.

No esquema apresentado, a pessoa caminha em direção ao centro, nutrindo-se de relacionamento e conhecimento, aprimorando seu caráter e capacidades. A partir do centro, ela caminha de volta para o nível mais externo, do despertamento, para servir no ministério, colocando-se à disposição das novas pessoas que vão chegar para dar sequência a esse processo.