Revista Advocatus 11ª Edição

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ARTIGO

comunidade a que se destina como verdadeiras30. O repertório e estrutura do sistema que compõem a ordem normativa, não limitada às normas e que incorporam outros modos discursivos31, são, por conseguinte, o âmbito da retórica material do direito. Exemplifica-se a retórica material pela posição firmada na doutrina e jurisprudência brasileira acerca de determinada matéria. A retórica prática ou estratégica, por seu turno, busca influenciar ou sobrepujar a retórica material (o meio ambiente) a partir da tentativa de conformação de seus pressupostos à “realidade” vigente. Nesse sentido, a tópica, a teoria da argumentação, as figuras de linguagem e de estilo e, no direito, as doutrinas dogmáticas, todas constituem o arsenal de que dispõe o emissor da linguagem, em sua retórica estratégica, para o embate com a retórica material vigente sobre determinado assunto, apesar de esses mesmos elementos permearem também a retórica material, na medida em que também são parte de um discurso previamente consolidado. No âmbito do direito, a retórica estratégica equivale, v.g., às teorias doutrinárias, as argumentações que advogados e membros do Ministério Público, bem como os magistrados desenvolvem ao tentar conformar determinada situação a uma conclusão distinta daquela usualmente extraída por outros interpretes em situação semelhantes, a exemplo dos recursos de apelação, dos votos dissidentes e da interpretação divergente da estabelecida pelo Estado que um cidadão possa obter acerca de determinada norma tributária. O terceiro e último nível da retórica seria a retórica analítica, cujo caráter descritivo centra-se na observação formada a partir dos dois níveis antecedentes visto que analítica é um processo de decomposição, cujas partes do todo analisado são separadas e especificadas, compondo-se o método analítico em um exame de discurso que distingue, classifica e sistematiza o objeto de estudo32. A tripartição da retórica e a teleologia da retórica analítica busca afastar a tradicional e reducionista análise da retórica como mero instrumento ou ornamento para esconder as fragilidades do discurso. Refuta-se, igualmente, a posição dominante entre os próprios retóricos, no sentido de que a retórica se dirige exclusivamente à persuasão. Em suma, ambas as teses reduzem metonimicamente a retórica a seu nível estratégico, que é fundamental, porém, não é a única dimensão existente33. Equivalem os resultados da observação realizada a partir do cotejo entre a retórica material e a retórica estratégica ao que se pode conceber, dados os pressupostos epistemológicos e filosóficos acima elencados, por análise científica do direito, ciente que está o retórico das limitações decorrentes da inafastabilidade absoluta da interferência do observador, bem como da necessidade de o jurista cientista formar resultados capazes de auxiliar a previsibilidade das decisões em contextos semelhantes àqueles por ele selecionados. Neste trabalho, será exposta, portanto, a retórica material, estratégica e analítica que envolvem a problemática da estratégica da (não) incidência do IPI nas importações realizadas diretamente pelos consumidores finais da mercadoria introduzida no território nacional, ou seja, quais os fundamentos para a incidência ou não do imposto, qual o status quo da jurisprudência e o que se pode esperar em futuras decisões, diante do cenário analisado. Explicitado o método de análise da problemática evidenciada no primeiro capítulo, passa-se a relatar, no capítulo seguinte, a retórica material e estratégica da questão estudada neste trabalho, ou seja, qual o arcabouço normativo e os fundamentos de ambos os posicionamentos para, no terceiro capítulo, tratar da retórica analítica, ou seja, qual o entendimento predominante e o que se pode razoavelmente esperar nos futuros julgados que se debruçarem acerca da matéria.

30  Ibid., p. 50 31  FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 140-141 32  FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 53 33  ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011, p. 104

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2.A RETÓRICA MATERIAL E ESTRATÉGICA DA (NÃO) INCIDÊNCIA DO IPI NA IMPORTAÇÃO PELO DESTINATÁRIO FINAL DA MERCADORIA: o arcabouço normativo e os fundamentos de ambas as posições É cediço que decorre de comando constitucional expresso que o IPI não será cumulativo, nos termos do art. 153, II, §3º, da CF/88, ou seja, que o imposto cobrado em operações prévias à industrialização do produto, os insumos da cadeia produtiva serão posteriormente abatidos da tributação decorrente da industrialização do produto. Lembra José Eduardo Soares de Melo que:


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