Panorama Hospitalar Ed. 15 Maio/2014

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Ponto de Vista

libânia rangel

Humanização: necessidade ou termo da moda? Coordenadora do Curso de Especialização em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP)

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arafraseando o filósofo Olavo de Carvalho, todo mundo fala de humanização, mas pouca gente sabe o que é. A palavra está na moda, em congressos, eventos e palestras. Ações e treinamentos sobre o assunto vêm sendo realizados em hospitais de pequeno e grande porte, públicos e privados, primários e terciários. Querer humanizar uma área que lida diretamente com o ser humano não parece muito lógico. Aliás, há aqueles que são contra o termo, alegando que falar sobre humanização já significa que estamos lidando com outros animais ou objetos. Outros acham que a humanização é necessária porque a Saúde teria sido desumanizada. Eu, particularmente, gosto muito da definição do Professor Rubens Baptista Júnior, da FGV e do HC FM-USP: “Humanizar é colocar o ser humano acima de todos os outros elementos da ação de Saúde, como processos, regulamentos, equipamentos e custos, por exemplo”. É ser crítico ao seguir um protocolo de sondagem vesical em uma UTI porque o risco de infecção é muito grande. É não deixar um idoso de pé, sem apoio, para trocar sua roupa de cama. É, na dúvida, checar os sinais e exames de um paciente antes de enviá-lo pra casa. É deixar um segundo acompanhante entrar no pronto-socorro para entregar a documentação da operadora. A definição do professor chama a atenção para a própria humanidade do Homo sapiens sapiens, que nos diferencia dos outros animais. A humanização é a aplicação da razão a todas as ações do nosso dia a dia. Em um recente congresso sobre o tema em São Paulo, uma das mesas debateu se sensibilidade e empatia podiam ser ensinadas. Gatos e cachorros têm sensibilidade. Estudos já mostraram a empatia – e a compaixão! – em ratos e elefantes. Isso é humanidade?

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Panorama Hospitalar

Em restaurantes, não é incomum vermos casais ou grupos de amigos, de cabeça baixa, no celular. Há duas semanas, ao pedir um café em uma lanchonete, o atendente nem me olhou na cara. Pacientes reclamam que os médicos não olham na cara deles durante a anamnese. Alguns podem alegar que a Saúde tem a “obrigação” de ser humanizada, já que lida com a vida e a morte e o centro de seus serviços e produtos é o ser humano. Mas será que não estamos apenas dando o nome de humanização às falhas nas nossas relações pessoais? E não apenas entre os pacientes e profissionais de Saúde, mas entre todos os papéis que assumimos em nossas relações interpessoais? Pessoalmente, quando estou cansada, sou menos... simpática do que o normal. E quem não é? Imaginem um profissional após 12 ou até 24 horas de trabalho? Não estou justificando; apenas indicando que a cultura na área da Saúde naturalmente não colabora. Além do mais, algumas correntes “humanistas” alegam que a modernidade da Medicina afastou o profissional do paciente. Será que a culpa é das máquinas mesmo? Ou apenas falta de vocação? Uma carreira – e não só na área de Saúde, mas nas de Educação, Engenharia ou Direito – é diferente de um emprego. O médico ou professor deveria seguir sua vocação – do latim vocare –, seu chamado para se dedicar de todo o coração a uma atividade. Mas, infelizmente, nossa sociedade cada vez mais nos força a simplesmente ocupar um lugar ao sol. A humanização não deve ser só na Saúde. Ela deve vir do nosso dia a dia, de nossas vidas. Uma de nossas estratégias deve conter: ser alguém melhor para si e para os outros. E, segundo o guru de inovação Clayton Christensen, lembrar-se disso durante as “centenas de decisões diárias sobre como gastamos nossos recursos”. PH


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