Jornal Voz do Itapocu - 51ª Edição - 10/05/2014

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GERAL

Sábado, 10 de maio de 2014.

Uma mãe especial Maria Elisabete Perucci deixou o magistério para se dedicar ao filho, que tem deficiência mental. Ela contou a Voz do Itapocu as batalhas e alegrias que vive a 28 anos com o filho Henrique Em uma casa cheia de flores, no Centro de Barra Velha, um rapaz alto brincava com seu cachorro no quintal: é Henrique Perucci Errera, 28 anos, um jovem com necessidades especiais. De perto, uma mulher observa a cena com um sorriso sincero no rosto. É Maria Elisabete Perucci, sua mãe. Ela nos convidou para entrar, ofereceu um café e mostrou alguns dos trabalhos manuais que Henrique desenvolveu no ano passado na APAE da cidade. Apesar das alegrias de ver a superação diária de seu filho, Bete, como é conhecida, falou sobre as dificuldades de criar um filho especial no Brasil. “Começamos a suspeitar de que ele poderia ter alguma necessidade especial com quatro meses”, disse Bete. Nessa idade, o filho sofreu uma série de convulsões. Numa das crises mais intensas, Henrique chegou a ter uma parada respiratória e a mãe foi desenganada pelos médicos. “Graças a Deus, ele sobreviveu”, diz aliviada. O tempo foi passando e as evidências de que ele poderia ser deficiente começaram a ficar mais fortes. “Ele ficava doente com bastante freqüência, as crises convulsivas continuavam. O Henrique não engatinhava, não se sustentava sentado, demorou para

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Maria Elisabete Perucci deixou o magistério para se dedicar ao filho, que tem deficiência mental. Ela contou a Voz do Itapocu as batalhas e alegrias que vive a 28 anos com o filho Henrique

começar a falar”, conta. A mãe explica que passou por dificuldades no parto. Segundo os médicos que tratam de seu filho, erros clínicos durante o nascimento podem ter causado uma falta de oxigenação no cérebro, resultando numa paralisia cerebral leve. “Fui ao hospital seis vezes, com muitas dores. Eles me mandaram para casa, alegando que não estava na hora ainda”, explica. Anos mais tarde, Bete levou Henrique para fazer um exame genético. O resultado era claro: seu filho não tinha nenhuma doença de cunho hereditário. “Nós acabamos não processando o hospital por medo: eu não tinha dinheiro para mover um processo. Ainda me disseram que, caso perdesse a ação, poderia ter que acabar pagando para eles”, esclarece. Hoje, com mais instrução e com o apoio dos médicos que tratam seu filho, Bete disse que pensa entrar com uma ação contra o hospital. A mãe precisou abandonar a carreira de professora para se dedicar em tempo integral ao filho. “Não sei como faria se não tivesse o apoio da minha família”, declarou. Mas os anos se passaram e, com eles, os desafios foram aumentando. A mãe conta que foi atrás de educação para seu filho, mas sempre teve dificuldades em encontrar lugares adequados. Na época, não havia políticas de inclusão de deficientes nas salas de aula tradicionais, o que obrigava pessoas com deficiên-

cias mentais a freqüentarem escolas particulares ou as extintas salas especiais. “Faltavam professores qualificados, métodos de ensino eficientes. As escolas particulares, muitas vezes, eram verdadeiros depósitos: eles ficavam lá, sem ter o que fazer”, reclama. Apesar de fracas, Bete conta que as escolas especiais eram caras e tinham poucas vagas. Segundo o Censo 2010, cerca de 1,4% da população brasileira apresenta algum grau de deficiência mental. Para educar o filho, a mãe procurou a ajuda de instituições como a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) e a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de São Paulo, mas até lá encontrou dificuldades: não havia vagas suficientes para atender a todos e a fila de espera era enorme. “O lugar onde ele melhor se encaixou foi no antigo CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos), onde foi acolhido pela turma e pode ser alfabetizado”, conta. A experiência como professora também ajudou: Bete ensinou o filho a realizar tarefas domésticas e reforçou o aprendizado que ele recebia na escola. Quando se mudou para Barra Velha, no entanto, a mãe encontrou um espaço melhor para seu filho: a APAE da cidade tinha estrutura para oferecer atividades diárias para Henrique. Hoje, ele frequenta a instituição, onde desenvolve

oficinas de artesanato e convive com outros jovens especiais. Apesar da ajuda de associações como essas, Bete acha muito pouco o que é feito pela população com necessidades especiais no país. “Nunca recebi nenhum apoio concreto do governo. Os remédios são caros, não temos atividades e iniciativas destinadas aos nossos filhos e, além de tudo, precisamos pagar impostos. É um completo descaso”, desabafa. Para ela, a falta de políticas públicas destinadas aos deficientes reflete o modo como os especiais são vistos pela sociedade como um todo. Ela questiona: “Se todos temos direito à dignidade, por que os excepcionais não tem educação e atendimento médico específico”? Mesmo com todas as dificuldades e desafios, Bete conta que a alegria do filho faz sua felicidade. “Na primeira vez que ele participou de um teatro, até chorei de alegria! A gente fica até meio boba”! Ela conta que Henrique ajudou

na organização do evento e até atuou. “Foi muito emocionante! Nunca vou me esquecer”, afirma. A mãe diz que seu filho é bastante comunicativo, alegre e que adora conhecer gente nova. “O Henrique já tem muitos amigos por aqui. Em São Paulo, era conhecido por toda a vizinhança e na paróquia que frequentávamos”. Depois de falar com orgulho sobre o filho, Maria Elisabete encerrou com um desabafo: “Em nome de todas as mães de filhos especiais, posso dizer que não estamos contentes com o que o governo oferece aos portadores de necessidades especiais. É só com o carinho da família, apoio de amigos e dedicação dos pais que se consegue criar um filho especial nesse país”, finalizou. Apae Na próxima edição, dia 24, o jornal Voz do Itapocu traz uma matéria sobre a estrutura da Apae de Barra Velha.


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