Vítor Mizael: [ entre ]
como cultural (vestimentas e palavras). Revelar a parte da existência que se transfigura para além de qualquer
entre ossos e vestes – o corpo entre o Mundo e o corpo – o Ser entre o Ser e o Mundo – as palavras entre o corpo e o Mundo – as vestes entre os ossos e a carne – o Ser
imagem particular – se identificar, no se auto-retratar, como ser natural e ser cultural, e, nos dois casos, se dissolver na caracterização de estados da alma (tristeza, solidão, angústia) e na ausência de caracteres físicos singulares – evidencia o desejo de se encontrar no coletivo, de se reconhecer no outro. Para tratar do Ser, suas dores e angústias, o artista se apresenta como ser encarnado em forma de corpo, porém, apenas expondo os aspectos internos e outros
Os trabalhos de Vitor Mizael tratam do ser e do estar no Mundo. Para tanto, o artista trama um discurso em que funde verbo e densidade imagética. Em seus desenhos, colagens, gravuras e outros meios, utiliza um
externos a este, ou seja, ossos e vestimentas. Articular o palpável (materialidade do ser) com o intangível (a existência do ser pelo verbo), eis aí um dos desafios ao se elaborar cada trabalho.
repertório de imagens – peças de roupas e ossos – e de palavras escritas – solidão,
Como cada indivíduo se apresenta singularizado em um corpo, é quase
tristeza, angústia – que se tornam recorrentes. Entretanto, estes elementos não
indispensável tomar este como referência do ser. Contudo, não observamos, na obra do
aparentam ser o alvo central de sua atenção. Parecem eles se disporem a apontar o que
artista, o corpo - evidência da existência enquanto matéria - representado em suas carnes,
não se disse diretamente, o que ficou velado. Mais do que se deter nas figuras e
mas pelos ossos que o estruturam. Por outro lado, as roupas vazias, soltas no negro do
palavras, o artista suscita um entendimento para o que se configura entre elas. E, então,
plano, funcionam como índice da corporalidade, da existência física do ser. O corpo, neste
entre ossos, roupas e palavras, o ser.
caso, é evocado pela sua ausência.
Necessário faz-se, para se constituir como um ser, o amálgama dos
E, as palavras - códigos assim como gestos e vestimentas - revelam o ser
elementos naturais com os espirituais (ou da cultura). E, o reconhecimento de si por si e
ao Mundo e estabelecem a relação entre o espírito e todas as outras coisas. Sentimentos e
pelos outros se dá pela combinação singular de características corpóreas e
sensações são, também por estes canais, expressos. E a existência do ser, seu estar no
fisionômicas, traços de personalidade, valores e comportamentos.
Mundo, assim se pronuncia.
Tomando este pressuposto como referência, observamos que, em
Pelos caminhos que fogem do entredito, evitando o explícito, o imediato
muitos de seus trabalhos, Mizael apresenta-se em auto-retratos. O auto-retrato - idéia
reconhecível, Mizael busca, por meio da representação do individual que se encontra no
de se observar e representar-se - trabalha com a compreensão do reconhecimento do
universal, aquilo que não está nas coisas, mas o que liga as camadas da matéria à essência,
eu e do seu papel diante do Mundo e diante do outro. Todavia, neste processo, não
o que não se traduz por formas, o que fica entre.
identificamos, nas obras do artista, um ser individualizado por aspectos corpóreos
Paulo Trevisan
físicos, nem por palavras que os descrevam. O que temos é o reconhecimento de si
Professor e pesquisador de História da Arte, mestre em Artes Visuais pela Escola de Comunicação e
como criatura universal, representada tanto em sua constituição orgânica (os ossos)
Arte da Universidade de São Paulo