Semiótica Aplicada - Lúcia Santaella

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POR UMA SEMIÓTlCA DAS EMOÇÕES...

SEMl6TICA APLICADA

reações sob o domínio da categoria da secundidade. Na maioria das vezes, a cadeia começa com algo que é sentido como um insulto, uma injúria, uma ofensa, uma provocação de que o eu é uma vítima. São Tomás de Aquino (d. Schimmel 1992: 99), baseandose em Aristóteles, descreveu os três modos através dos quais

3.2.2

alguém pode injuriar um outro: "Pode-se injuriar alguém por ignorância, por paixão ou por intenção deliberada. A maior injustiça é injuriar alguém por intenção deliberada ou esforço, com malícia consciente... Esta é a razão por que ficamos especialmente com raiva daqueles que, segundo cremos, fizeram um esforço deliberado para nos injuriar. Se pensamos que a injúria foi fruto da ignorância ou da emoção, não nos enraivecemos contra eles, ou, pelo menos, não violentamente. Nesse caso, a injúria não é tão séria... e, em certo sentido, clama pelo perdão e esquecimento. Mas aqueles que ferem deliberadamente parecem ser culpados pela injúria e é por isso que eles nos enraivecem tão intensamente". De qualquer modo, os motivos que precipitam a raiva podem variar. Algumas vezes, nós mesmos podemos não estar cientes da verdadeira causa de nossa raiva. Outras vezes, "a fonte de nossa raiva mais amarga está nas expectativas

distorcidas

em relação aos outros; ou ela pode ser precipitada por julgamento apressado (Schimmel 1992: 1ao, 106). Schimmel (1992: 93) também diz que a inveja e o orgulho, esses outros pecados capitais, e mesmo as expectativas de alta posição material e status, "podem tornar alguém particularmente suscetível à raiva visto que eles deixam bem baixo o limiar para as injúrias reais ou percebidas". O que é verdadeiro, na maior parte das vezes, entretanto, é que a raiva é um caso intersubjetivo. Mesmo quando ela é mais diretamente provocada por algo, temos sempre de encontrar alguém a quem culpar como causador da raiva. Ao ser precipitada por algo ou alguém, a cadeia de eventos é seguida por frustração e decepção mais ou menos violentas, e essas emoções são, 1 RLL

-

O OBJETO IMEDIATO

Enquanto o objeto dinâmico do legi-signo raiva é a classe de todas as coisas que condicionalmente provocarão a reação da raiva em todas as suas possíveis variações, o objeto imediato de qualquer raiva presente é aquilo que aparece a alguém como ultrajante. "O objeto de um signo que ocorre está presente àquele signo, em relação às circunstâncias de tempo e espaço. Essa apresentação relativa de um objeto, Peirce veio a chamar de objeto imediato do signo. O objeto imediato é o objeto sob uma descrição específica" (Savan 1981: 323). Por exemplo, algo que pode ser uma fonte de raiva irracional em um certo tempo e lugar, pode inspirar o riso ou o desprezo ou mesmo a admiração em outro momento. Para levar esta discussão adiante, temos de examinar os aspectos icônicos, indexicais e simbólicos do signo.

e não razoá-

veis que alimentamos

_

então, seguidas quer por uma explosão de raiva quer pela ira silenciosa e mortal. É no silêncio de um coração ferido que se aninha a serpente mais venenosa e insaciável da vingança.

3.3 A distinção de ícone, índice e símbolo De acordo com Lakoff (1987: 397-398), as metáforas e metonímias pelas quais a raiva se expressa convergem em um modelo cognitivo prototípico dessa emoção com apenas umas poucas variantes que não mudam o padrão básico. Lakoff o chama de "cenário prototípico" porque o modelo tem uma dimensão temporal e pode ser concebido como um cenário com cinco atos:

. . . . .

evento ofensivo, raiva, tentativa

de controlar

a raiva,

perda de controle, retribuição. -IR<=;-


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