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Ficha Técnica Título: Villa da Feira - Terra de Santa Maria 4

Propriedade: LAF - Liga dos Amigos da Feira ® Director: Celestino Portela Director Adjunto: Fernando Sampaio Maia Colectivo Editorial - Fundadores LAF: Alberto Rodrigues Camboa; António Luís Carneiro; Carlos Gomes Maia; Celestino Augusto Portela; Joaquim Carneiro Processamento de Imagem e Design: Joaquim Carneiro Coordenação Científica: J. M. Costa e Silva Supervisão Editorial e Gráfica: Anthero Monteiro Colaboração do TOC, Belmiro da Silva Resende Periodicidade: Quadrimestral Assinatura anual: 30 euros Assinatura auxiliar: 50 euros Este número: 15 euros Pagamentos por: Transferência bancária NIB 007900001127152910124 Cheque à ordem de LAF - Liga dos Amigos da Feira Capa: Fogaça Partilhada, Óleo S/ Tela de Mestre António Joaquim, oferecida à Confraria da Fogaça da Feira. Fotografias: Óscar Maia, J. M. Costa e Silva, Filipe Pinto, Biblioteca Municipal, Gabinete da Comunicação Social, Arquivos particulares, LAF e Fotos Web por António Madureira. Redacção e Administração: Apartado 230 • 4524-909 Feira

Publicidade: Telef.: 965 310 162 | 256 379 604 Fax: 256 379 607 Tiragem: 500 exemplares Edição: N.º 33 - Fevereiro de 2013 Pré-impressão, Impressão e Acabamento: Empresa Gráfica Feirense, S. A. Apartado 4 - 4524-909 Santa Maria da Feira Sede Social: Edifício Clube Feirense - Associação Cultural Vila Boa - 4520-283 Santa Maria da Feira Email: villadafeira@gmail.com http://www.villadafeira.blogspot.pt/ Depósito Legal: 180748/02 ISSN: 1645-4480 Reg. ICS: 124038 Depositária: Livraria Vício das Letras Rua Dr. José Correia e Sá, 59 4520-208 Santa Maria da Feira Apoios:

Câmara Municipal Santa Maria da Feira Irmãos Cavaco, S.A. E. Leclerc Termas das Caldas de S. Jorge Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira Patrícios, S.A. Centralobão.


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PÓRTICO

Com esta edição atingimos o número 33, que pensáramos ser inatíngivel, o que nos enche de júbilo. Neste número incluímos os aniversários da Igreja de Cristo Rei da Vergada (40.º), da elevação de S. João de Ver a Vila (22.º) e da Confraria da Fogaça (10.º). Destaque também para a apresentação do livro Manuel Leão Rostos e Espaços de uma Vida, personalidade ímpar, nosso amigo e distinto colaborador, feita por Dom Carlos Moreira Azevedo, figura ímpar da Cultura, da Igreja e de POrtugal, de quem temos também a honra de incluir a intervenção que fez, na Fundação SPES, na comemoração dos 50 anos do início do II Concílio do Vaticano. E a notícia, que nos encheu de júbilo, de que Dom Carlos Azevedo assumiu a Coordenação do Sector do Património do Vaticano. E também os livros Um Certo Porto, de Helder Pacheco, e O Albergue das Letras, de Manuel de Lima Bastos, para um melhor conhecimento da capital do Norte e de valorização cultural com temas e personalidades de indiscutível interesse. E mais excelente colaboração sobre o Ensino na Feira nos Séculos XVIII e XIX, Alice Moderno e a Condição Feminina,

a evocação do Grupo Musical de Fiães, e mais trabalhos que tornam este número um belo serviço prestado à nossa causa. E não falta a poesia inspirada e trabalhos artísticos dos amigos habituais. Estamos todos de parabéns.

Liga dos Amigos da Feira


SUMÁRIO

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Pórtico Liga dos Amigos da Feira Mensagem H.Veiga Macedo Desenho com Mensagem João Rodrigues Confraria da Fogaça da Feira Joana Martins Queridos Focacianos Joana Martins António Joaquim, Meu Querido Amigo Serafim Guimarães Caras Confreiras e Confrades Alfredo Henriques Excelentíssima Mestre da Confraria da Fogaça da Feira... António Joaquim O Foral, o Culto a S.Sebastião e a Confraria da Fogaça – Uma Trilogia para a Identidade de Santa Maria da Feira Francisco Ribeiro da Silva Poesia H. Veiga de Macedo Carta do Pároco António Machado Padre Álvaro Soares da Silva Homenagem e Memorial do Pároco P. António Teixeira Machado 40º Aniversário da Paróquia de Cristo-Rei da Vergada Poesia António Madureira Construções Efectuadas na Paróquia da Vergada (lugares de Ordonhe, Ramil, Vergada e Ermilhe) Casimiro Pinto de Oliveira Desenho com Mensagem João Rodrigues Poesia H. Veiga de Macedo S. João de Ver no Tempo e no Espaço Eugénio dos Santos Livro Manuel Leão Apresentação Dom Carlos Moreira Azevedo Poesia Anaas Fundação Spes Porto, 13 De Outubro De 2012 Dom Carlos Moreira Azevedo Dom Carlos Moreira Azevedo Assumiu a coordenação do sector do Património do Vaticano, por nomeação de Bento XVI Outrora Maria do Carmo Vieira Texto do II Livro de Visitações de Pigeiros (1850-1873) (conclusão) Domingos Azevedo Moreira Poesia Maria Mar Apresentação do livro O ALBERGUE DAS LETRAS de Manuel de Lima Bastos na Biblioteca Pública de S. Paio de Oleiros Anthero Monteiro Em roda de O ALBERGUE DAS LETRAS de Manuel de Lima Bastos Miguel Veiga O Ensino na Feira nos Séculos XVIII e XIX Marco Pereira Alice Moderno e a Condição Feminina Maria da Conceição Vilhena Minha Apresentação Filomena Pinheiro Poesia Manuela Correia Medidas do Tempo Jorge Augusto Pais de Amaral Apresentação de UM CERTO PORTO de Helder Pacheco Alfredo Barbosa Poesia Anthero Monteiro Grupo Musical de Fiães Salvador S. Silva Poesia Mário Anacleto Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo Poesia Ilda Maria

5 7 8 9 23 27 31 33 35 42 43 45 51 52 53 61 62 63 69 76 77 79 81 83 104 105 113 117 125 141 146 147 149 156 157 162 163 170


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MENSAGEM H. Veiga de Macedo*

Discordância?**

* – Henrique Veiga de Macedo, depois de ter passado pela política e pelo ensino, descobriu-se poeta no Brasil, onde estreou em 1985 com o livro Ponto de Encontro, que conta várias edições, uma das quais em Castelhano. ** – Publicado em Comunidades de Língua Portuguesa, revista cultural dos países de língua portuguesa, São Paulo BRASIL Porto Alegre, II Série, nº 9, Janeiro-Junho 1996.


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CONFRARIA DA FOGAÇA DA FEIRA

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Joana Martins * Na dupla qualidade de director da Revista Villa da Feira e também confrade co-fundador e confrade mirífico da Confraria da Fogaça, de forma empenhada quis o Dr. Celestino Portela - a que de bom grado anui - que a Revista disponibilizasse aos seus leitores os momentos mais significativos das Comemorações dos 10 Anos da Confraria, que decorreram entre 15 de Abril de 2011 e 15 de Abril de 2012, e de alguns dos textos das alocuções então proferidas. Seguramente mais um sinal da acrisolada afeição que este nosso Confrade nutre pela Confraria e pela Revista que de forma tão competente dirige. Na qualidade de Mestre da Confraria assumi as tarefas da organização e sistematização desse trabalho, que se debruça sobre dois pontos fundamentais: 1. Apontamentos para a História da Confraria 2. Comemorações do seu 10º Aniversário Relativamente ao primeiro, pareceu bem integrar neste “trabalho” sobre as Comemorações a frescura destas pinceladas que, recordando os primeiros passos da nossa Confraria, constituirão também um estímulo aos focacianos * Mestre da Confraria da Fogaça da Feira.

para que a revigorem na sua caminhada. Alí estão as raízes de um procasso histórico cujo devir constitui indeclinável responsabilidade sua. Quanto às Comemorações propriamente ditas dar-se-á uma breve nota dos eventos nesse âmbito concretizados durante o ano por elas abrangidos: Abril de 2011 a Abril de 2012. E, de seguida, concentrar-nos-emos, naturalmente com alguma delonga, sobre a cerimónia do seu encerramento.

1. Apontamentos para a História da Confraria A Confraria da Fogaça da Feira foi criada para estudar, defender e divulgar a Fogaça da Feira e a sua relação com a gastronomia e o artesanato, a arte, a ciência e a literatura, quer diretamente, quer em complemento com outras atividades histórico-culturais. A primeira Assembleia Constituinte realizou-se a 15 de abril de 2002, precisamente o dia em que o saudoso jornalista Fernando Pessa, que desde sempre acompanhou as vivências e tradições de Santa Maria da Feira, completava 100 anos.


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Nesta sessão, realizada no Orfeão da Feira e transmitida em direto para o Jornal da Noite da RTP, participaram cerca de duas centenas de feirenses que, acompanhando o Coro do Orfeão, cantaram em uníssono os parabéns ao jornalista, que acabaria por falecer poucos dias depois – a 29 de abril. Para além de ser um admirador incondicional da Fogaça da Feira, Fernando Pessa foi o primeiro a sugerir a criação de uma confraria que defendesse o pão doce típico de Santa Maria da Feira. Por isso, o decano dos jornalistas foi, com mérito e justiça, o primeiro sócio fundador e o primeiro confrade com título de Mirífico, termo utilizado pela Confraria da Fogaça da Feira para designar os sócios honorários. Foi também nesta sessão de 15 de abril de 2002 que os participantes subscreveram a ata e legitimaram a constituição de uma Comissão Instaladora de sete elementos (Celestino Portela, Domingos Oliveira, Eduardo Leite, Gilda Sá, João Aires, Joaquim Pereira e Teresa Vieira), que ficaram responsáveis pela concretização de todos os procedimentos necessários à

formalização da Confraria. Três dias depois, a 18 de abril de 2002, realizava-se, na Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira, a primeira reunião da Comissão Instaladora, no decurso da qual ficou definido que a Casa dos Condes de Fijô passaria a ser a sede oficial da Confraria da Fogaça da Feira - situação que se manteve até 2010, ano em que a Confraria passou a estar sediada num espaço junto à escadaria da Igreja Matriz. Cumpridos todos os requisitos para o ato de oficialização do nome Confraria da Fogaça da Feira, o processo ficaria concluído pelo Registo Nacional de Pessoas Coletivas com a assinatura da escritura, a 27 de maio de 2002. A criação dos elementos identificadores da Confraria marca e logótipo, traje e a insígnia – implicou um exaustivo trabalho de pesquisa e todos eles acabariam por ser desenvolvidos por criativos feirenses, respetivamente Marta Bernardes (designer), Fátima Moreira (estilista) e Baltazar Oliveira (escultor).

Signatários da escritura: João Aires, Gilda Sá, Eduardo Leite, Notário Lic. António Amaral Marques, José Manuel Cardoso da Costa, Alfredo Oliveira Henriques, Rogério Portela de Almeida, Joaquim Pereira, Celestino Portela, Teresa Vieira e Domingos Oliveira.


Tendo por base a Fogaça, símbolo secular das Terras de Santa Maria, a Confraria adotou um traje solene, constituído por uma capa de inspiração quinhentista. O uso de brocado dá-lhe um toque de nobreza e distinção, concedendo-lhe, ao mesmo tempo, imponência protocolar. O gorro, inspirado nas formas da fogaça, complementa a indumentária, contendo elementos de distinção hierárquica, através do jogo cromático das cintas. A cor, elemento de grande relevo pela importância visual que produz, foi escolhida para simbolizar os tons da Fogaça. Relativamente à insígnia, apresenta a forma de escudo, com a Cruz dos Pereiras (condes da Feira), em corte vertical, na metade esquerda. No quartel inferior direito, aparece o Castelo, ex-libris da Terra de Santa Maria. No quartel superior direito, surge o forno. E, em movimento giratório, a Fogaça, que simboliza a partilha. A Confraria adotou como hino a Canção da Fogaceira, tradicionalmente conhecida por Fado das Fogaceiras, cuja letra é de Carlos Morais e música do conhecido guitarrista Paulo de Sá, ambos feirenses. Uma vez estudados e definidos os elementos identificadores da Confraria, estavam reunidas as condições para realizar a primeira cerimónia do Capítulo, ocorrida a 13 de junho de 2002, na Praça de Armas do Castelo, com entronização de 82 confrades fundadores (listagem em anexo), apadrinhados pela Confraria da Broa de Avintes. Desde então, várias personalidades ligadas à cultura portuguesa foram entronizadas aquando da sua passagem por Santa Maria

da Feira, como foi o caso do cineasta Manoel de Oliveira, entronizado a 8 de setembro de 2003, bem como inúmeros ilustres feirenses. A eleição dos primeiros corpos sociais da Confraria da Fogaça da Feira realizou-se a 26 de setembro de 2002, no decurso da primeira Távola Redonda. Alfredo de Oliveira Henriques foi eleito Mestre da Confraria, cargo que assumiu entre 2002 e 2006 (composição dos primeiros órgãos sociais em anexo). A constituição do Agrupamento de Produtores de Fogaça da Feira, a 7 de junho de 2005, foi um momento marcante no ainda curto percurso da Confraria, a quem coube o desafio de congregar os produtores de Fogaça do Concelho numa associação, com o propósito de uniformizar a receita tradicional e garantir a qualidade do produto, visando a certificação deste pão doce secular. Marco importante para a afirmação da Confraria da Fogaça da Feira foi também a organização do III Congresso da Federação Nacional das Confrarias de Gastronomia, nos dias 8 e 9 de julho de 2005, na Biblioteca Municipal, evento integrado no programa de comemorações dos 500 anos da Festa das Fogaceiras.

Órgãos Sociais 2002-2006 Távola redonda Alvazil: José Manuel Moreira Cardoso da Costa Condestabre: Celestino Oliveira Martins Portela Escriba: Domingos Gomes Oliveira Mestrança Mestre: Mordomo: Mordomo: Confidente: Confidente:

Alfredo Oliveira Henriques Eduardo Manuel Almeida Leite Luís José Marques Gilda Maria Azevedo Sá Teresa Alexandra Rodrigues Vieira

Vigilância Aristarco: Vigil: Vigil:

José Manuel Milheiro Pinho Leão Rogério Portela Almeida Manuel Santos Correia Sá

J. M. Cardoso da Costa e Alfredo Henriques descerram no CCROF a placa da Sala Fernando Pessa, Primeiro Confrade Mírifico da Confraria,

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Confrades Fundadores

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. Alcides Ferreira Araújo

. Diogo Pires de Almeida.

. José M. M. Cardoso da Costa

. Alfredo Oliveira Henriques

. Domingos da Costa Leite

. José Manuel M. P. Leão

. Amadeu Fernando Sousa Tavares

. Domingos Gomes Oliveira

. José Manuel Ribeiro Pina

. Amadeu Pereira Campos

. Eduardo Manuel de Almeida Leite

. José Miguel O. M. Ferraz.

. Américo Ferreira Amorim

. Eduardo Marques Santos Cavaco

. José Pedro P. Sá Leão

. Américo de Oliveira Tavares

. Eduardo Matias Dias Pereira

. Laura de Castro Valente

. Ana Maria Oliveira

. Eduardo de O. N. Brandão

. Luis José S. Marques

. Ângelo Ludgero da Silva Marques

. Eduardo Sebastião Vaz Oliveira

. Luis Manuel R. Caetano Matos

. António Amorim Silva Petiz

. Eleutério Ferreira Pais

. Luis Miguel Leão Silva Leite

. António Strecht Monteiro

. Elísio Costa Amorim

. Manuel Eugénio Lima Campos

. António Fernando Silva Ramos

. Estevão Gomes Araújo

. Manuel Fernando Silva

. António Gomes Silva

. Etelvina Lemos Araújo Leite

. Manuel Fernando Sousa

. António Lamoso Castro

. Eugénio Augusto Ferreira Silva

. Manuel Marques Santos Cavaco

. António Marques Santos Cavaco

. Fernando J. Albuquerque Leite Rainho

. Manuel dos Santos Correia de Sá

. António Pereira Lima

. Fernando M. B. A. C. Neves

. Manuel de Sousa Baltarejo

. António da Silva

. Fernando Marques Sousa

. Maria Carmina Brito Toscano Vaz Oliveira

. António da Silva Pinho

. Fernando Pessa

. Maria Madalena Ferreira Silva Correia

. Armindo de Castro Sousa

. Fernando Sérgio Maia Rebelo

. Maria Marcela V C Pinho

. Augusto Canedo Pinheiro

. Gaspar Sousa Moreira

. Paulo Emanuel S Portela.

. Augusto Dias Pais

. Gilda Maria Azevedo Sá

. Rogério Castro de Almeida

. Aurélio Gonçalves Pinheiro

. João Paulo V.C. S. Aires

. Rogério Portela Almeida

. Baltazar Silva Oliveira.

. Joaquim Domingos Carneiro Pereira

. Simão Pereira Santos Cavaco

. Carlos Dias de Oliveira

. Joaquim Fernandes Pinto

. Teresa A A Rodrigues Vieira

. Carlos Ferreira M. Silva

. Joaquim Ferreira Amorim

. Vital Rodrigues Almeida

. Carlos Jorge Campos Oliveira

. Joaquim Manuel M. R. Pereira

. Celestino Augusto S. Portela

. José A. Castro Almeida

. Celestino Oliveira M. Portela

. José Fernando Brochado de Morais

. César Luís Lamoso R Castro

. José Guimarães dos Santos

. Diogo Castro de Almeida

. José Luís C. S. Sotto Mayor


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Assembleia Constituinte realizada em 15 de Abril de 2002, no Orfeão da Feira.

Primeira entronização da Confraria e Ceia Medieval no Castelo.


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Missa do XI Capítulo da Confraria na Capela de Nossa Senhora da Encarnação, no Castelo. Momento do Ofertório.

2. Comemorações do 10º Aniversário 15 de Abril de 2002 é a data que assinala o nascimento da nossa Confraria. Foi o início de uma década de vida que culminou em 15 de Abril de 2012. As sementes lançadas em 2002 germinaram e ao longo de 10 anos as flores foram desabrochando e transformaram-se em frutos saborosos. Tendo a honra de presidir às Mestranças da Confraria desde início de 2007, convictamente afirmo que as anteriores trabalharam sempre no sentido de dar continuidade ao seu projeto inicial, aprofundando-o e congregando várias perspetivas ligadas ao tema da "Fogaça". Foi nessa linha de pensamento e ação que a atual Mestrança decidiu embarcar na deliciosa aventura de comemorar os 10 anos de existência da Confraria concebendo

um Plano de Atividades mais profícuo e que deixasse marcas para o futuro. Moveu-nos, mais uma vez, a paixão pela "Fogaça" e a persuasão de que o nosso plano constituiria uma corrente de diversificadas iniciativas que dariam à Confraria uma maior visibilidade concelhia e até nacional. Importava, assim, não desperdiçar todo o esforço e empenho de uma década de existência e valorizar projetos que perspetivassem o futuro. Os nossos objetivos impunham a criação de uma Comissão de Honra que contou com os confrades Alfredo Henriques, Américo Amorim, António Joaquim, Celestino Portela e Ludgero Marques. Dada a necessidade de acompanhamento permanente do plano de atividades gizado, constituiu-se também uma Comissão Executiva composta pelos confrades César Lamoso, Francisco Pinho, Gracinda Sousa e Joana Martins.


Deixamos aqui o quadro-síntese que contemplou todos os eventos das comemorações que aconteceram num determinado espaço temporal e com localização espacial diversa: Ano 2011 29 de Outubro - Visita ao Museu do Papel seguida de almoço confrádico - Paços de Bandão. 12 de Novembro - Jantar / concerto e visita guiada à Casa da Música - Porto. 26 de Novembro - Visita ao Museu de Lamas seguida de almoço confrádico - Santa Maria de Lamas. 10 de Dezembro - Edição do livrinho Dourada, a Fogaça Encantada, no Museu Convento dos Lóios-Santa Maria da Feira. Ano 2012 14 de Janeiro - XI Capítulo da Confraria - Castelo - Santa Maria da Feira 15 de Abril - Sessão solene de encerramento das comemorações no Salão Nobre do Castelo com a oferta do óleo "Fogaça" da autoria do Confrade António Joaquim, ilustre pintor feirense.

O plano que organizámos apresentou momentos imperdíveis, que irão constituir, sem dúvida alguma, um legado para os vindouros. Procurámos assegurar a identidade, mas apostando também na contemporaneidade. Acreditámos ter posto em marcha um projeto que conciliou tradição e inovação. Recusámos a passividade e corremos atrás de um sonho levados pela tenacidade e pela vontade de fazer sempre mais e melhor para a Confraria, patenteando uma Confraria criativa, aberta e cultora da divulgação do seu mirífico produto. Quisemos dar a conhecer a "Fogaça" numa dimensão participativa não só ao nível gastronómico mas também social e cultural. Procurámos mostrar a "Fogaça" como um "Pão" descomprometido e capaz de agradar a todos, inebriando-os com o seu aroma e fascinando-os no seu sabor.

A Confraria assinalou os seus dez anos com um programa arrojado, teve uma participação assinalável de confrades nos diversos eventos, membros de outras confrarias e público em geral, comungando todos os objetivos da Confraria. Todos quiseram, cada um a seu modo, felicitar a Confraria. As comemorações dos dez anos foram o nosso modo de deitar mão, com uma forte vontade de preservação de um bem que não pode ser efémero - a Fogaça. No palco das comemorações a protagonista foi sempre a "Fogaça". Que o fulgor destas comemorações inesquecíveis seja bastante para se perceber a influência das Confrarias na preservação das tradições numa perspetiva de futuro edificado no melhor do nosso património. Devemos olhar para o passado da nossa Confraria não com pura nostalgia, mas para compreender as lacunas do seu desenvolvimento, vislumbrando as potencialidades que ainda não tenham sido devidamente exploradas. Foi a busca permanente das lacunas do passado que nos conduziu ao plano de atividades apresentado, busca essa que não se deterá, pois o tempo presente necessita de constante reinvenção, de grande engenho, criatividade e partilha para superação das dificuldades da atual conjuntura. É o caminho do futuro! Parece-nos que com a empenhada organização destas Comemorações a Confraria adquiriu o "Know-how" para alargar o seu campo de ação e procurar novos horizontes Avancemos agora um olhar sobre momentos mais marcantes de alguns eventos das Comemorações que irão determinar o futuro da Confraria pelo seu significado e forte mensagem. A 10 de Dezembro de 2011, ocorreu no museu Convento dos Lóios a apresentaçõa do livrinho "Dourada, A Fogaça Encantada", da autoria da Confreira Gracinda Sousa. Bela tarde de Dezembro com muitos participantes e um programa embelezado com a presença de lindas fogaceirinhas.

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Em louvor e agradecimento registo as palavras que a autora proferiu na cerimónia: “Saúdo todos os presentes – dos mais novos aos mais velhos. Uma saudação especial à minha mãe e familiares e a todos os amigos, não esquecendo os de longa data, designadamente aos que vieram de longe e que se encontram nesta sala, partilhando comigo este feliz momento, neste maravilhoso espaço que é o Convento dos Lóios, de Santa Maria da Feira, uma jóia do nosso património cultural. Fico satisfeita por nos encontrarmos todos aqui. Agradeço a presença de um grupo de jovens, refiro-me especialmente aos escuteiros. 16

Uma saudação especial ao Sr. Presidente da Câmara, Sr. Alfredo Henriques, ao Dr. Celestino Portela e à Mestre da

confraria, Drª Joana Martins. A todos agradeço as palavras generosas hoje proferidas, na apresentação deste meu livro. Obrigada Sobre este livrinho não me compete a mim falar, ele já tem vindo a ser apresentado, apenas referirei os motivos por que o escrevi. Uma referência antes de mais à ilustradora amiga e colaboradora, Isabel Pelaez, que me tem acompanhado ao longo do meu trajecto de escrita. Este livrinho surgiu de uma conversa entre mim e a Mestre da Confraria sobre a necessidade de dar a conhecer, ensinar a gostar, valorizar e divulgar o património cultural santamariano, designadamente o gastronómico, junto dos mais jovens, tendo como ex-libris a fogaça. Por outro lado pretendeu-se dar a conhecer a Confraria da Fogaça da Feira, agremiação que promove, preserva e divulga o património cultural gastronómico santamariano, especialmente a genuína fogaça da Feira.

Confrade Celestino Portela faz a apresentação do livro “Dourada, A Fogaça Encantada”, da autoria da Confreira Gracinda Sousa.


Este é o meu 11º livro e o 1º que ofereço à Confraria da Fogaça da qual, com muito gosto, faço parte. Não me vou alongar. Sobre os motivos da minha escrita destas e doutras histórias, permitam-me que partilhe convosco este pequeno texto, que ao correr da pena, e à laia de reflexão, me saiu: Escrevo, porque gosto… Escrevo por prazer Porque gosto de contar histórias, de as ter na mão de dar asas à imaginação de semear palavras de ouvir os seus silêncios e melodias e o ritmo dos sons o toque mágico do seu movimento. Escrevo porque gosto de registar as memórias do tempo… a nossa história em movimento. Escrevo porque gosto da minha terra e das suas gentes. Porque quero preservar e valorizar identidades no caos do esquecimento, e avivar lembranças do passado no presente. Ai, como gosto de desvendar segredos, despertar sensações, desencadear emoções! Os livros, este livro são viagens ao imaginário, para que o amor pela terra, pelo património e pela nossa tradição aqueçam mais alma e nos façam vibrar como se fora paixão. Porque cada vez mais somos as nossas raízes, a nossa circunstância, a terra onde nascemos a escola que frequentámos os professores que tivemos os livros que lemos os amigos que encontramos os sonhos que alimentamos os valores que cultivamos. Somos as nossas raízes, que ainda fazem brotar a seiva da esperança e do melhor que com a luta sempre se alcança.

Agarramos com as mãos o tronco da nossa cultura, espalhando solidariamente tudo o que de bom temos no coração, com encantamento e paixão. Esta é também, de certo modo e usando a metáfora, a história de Dourada, uma fogaça encantada, um símbolo e uma marca genuína das nossas identidades. Espero e desejo que por ela sejam magicamente encantados. E agora formulo três desejos, referindo 3 personagens do livro: Que a fada Docelua vos fade com o toque mágico do entendimento da sabedoria. Que o pássaro Beijadoce vos traga mensagens de solidariedade, de fraternidade e que a crença no Amor tenha lugar no vosso coração. Que a amiga Dourada, a querida fogacinha encantada, encha as vossas vidas de saborosa e agradável doçura. E para a conhecerem melhor, nada como levá-la convosco, adquirindo o livro e dando um doce presente aos familiares e amigos, neste Natal que se aproxima. Obrigada pela partilha deste mágico momento e pela vossa presença. Momento muito emocionante para todos os Confrades foi o XI Capítulo ocorrido a 14 de Janeiro de 2012. Se o Capítulo é o momento mais importante da vida anual de uma Confraria, este ficará para sempre na memória dos presentes. Houve lugar a duas entronizações honoríficas: a título póstumo, ao Confrade co-fundador Baltazar Oliveira; e ao Confrade, também co-fundador, Celestino Portela. Não quero deixar de registar nesta evocação a Homenagem prestada ao Professor Baltazar Oliveira, Confrade Benemérito com o título de Leonis, falecido em 26 de Agosto de 2011, durante o XI Capítulo, em palavras que então proferi:

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XI Capítulo - Assembleia durante a Celebração da Missa.

O Homem, conhecido por Prof. Baltazar, foi focaciano fundador, foi um amigo, um amigo da Confraria. Assim a Confraria assume a justiça de lhe conceder, a título póstumo a categoria de Benemérito. Aos amigos não dizemos adeus, porque dos amigos a memória não se afasta e a saudade permanece. Mas o que acrescentar a uma memória tão preenchida? O Baltazar fez da sua arte a sua morada. O atelier do Baltazar tinha de tudo um pouco. Era um laboratório de experiências, onde em autentico espírito de dádiva, ele moldava e moldava-se aos nossos gostos. Ele desenhou, ele esculpiu, ele pintou. Mãos, rosto de trabalho! A sua arte encontra-se disseminada sobre tudo por autarquias e instituições sociais do nosso Concelho e Concelhos limítrofes.

Celebrou a vida em muitos das suas obras, a troco de nada, apetece dizer. Mas não foi só artista. O Baltazar foi também o homem disponível para a coletividade , o homem que se dava aos outros. Havia uma clara contaminação entre a sua vida e a sua arte. A sua ausência exige de nós um começo. Despediu-se de um modo de vida, participará noutro onde ele se sentirá mais feliz, partiu para o caminho da perfeição, porque tão simplesmente dispõe de tempo para isso. Chegou, onde ele mesmo se esperava. É esse homem, que tive o gosto de conhecer de perto, que hoje honramos e saudosamente recordamos.

A saudação ao confrade co-fundador Celestino Portela foi efectuada pelo confrade Manuel de Lima Bastos, cuja intervenção aqui se reproduz:


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Celestino Portela entronizado com o título de Confrade Mirífico.

Prezadas Confreiras e prezados Confrades Novos Confrades, Confrades Honorários Minhas Senhoras e meus Senhores

Deliberou a Confraria da Fogaça conceder o seu maior galardão ao confrade Senhor Dr. Celestino de Oliveira Martins Portela outorgando-lhe o título de Confrade Mirífico que constitui o grau mais elevado conforme dispõem os estatutos que nos regem. Cumpre-me justificar o motivo da atribuição desta suprema honraria traçando o perfil biográfico do Senhor Dr. Celestino Portela, necessariamente de forma abreviada dadas as circunstâncias, mas não deixando de salientar as suas vertentes mais relevantes. Sabemos todos que o nosso distinto confrade, casado com a Senhora Dra. Maria da Graça Leal Soares Leite, se prolonloga e perdurará para sempre nas pessoas dos seus

quatro filhos e dos seus sete netos. Que, com escritório nesta cidade, exerce profissionalmente há mais de cinquenta anos a advocacia de forma competente e exitosa. E que, como cidadão, dele também se pode dizer que participou e esteve verdadeiramente empenhado em tudo quanto de importante aconteceu durante o último meio século na vida cívica destas nossas Terras de Santa Maria da Feira. Mas permitam-me, por escolha meramente pessoal, que me detenha um pouco na faceta que nesta ocasião mais me apraz salientar no Senhor Dr. Celestino Portela, que hoje homenageamos com a imposição da venera de confrade mirífico, qual seja a do homem desde sempre ligado à cultura e que é o mesmo que dizer ligado aos trabalhos e às canseiras do espírito nos mais variados aspectos e domínios. E nestes destaco a relevantíssima condição de estudioso erudito da vida e obra de Fernando Pessoa a quem indelevelmente associou o nome desta Terra ao ser o principal obreiro da iniciativa que se concretizou em levantar ao poeta


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Manuel de Lima Bastos recebe as Insígnias de Confrade.

Os Confrades Ludgero Marques, Presidente da Direcção da Comissão de Vigilância do Castelo da Feira, e Alfredo Henriques, Presidente da Câmara Municipal da Feira, numa Ceia Medieval no Castelo.


imortal formosa estátua numa praça desta cidade. Além disso, é o nosso preclaro confrade possuidor de uma interessante colecção pessoana. Salientaria ainda, como exemplo que poderia citar entre muitos, a sua longa e permanente dedicação à Liga dos Amigos da Feira, actividade esta em que sobremaneira se enobreceu com o exercício inteligente e devotado do cargo de director da revista Villa da Feira, magnífica tanto na excelência dos conteúdos como no primor gráfico, desde a sua fundação há mais de 10 anos. Terminaria esta súmula escassíssima de tão avultados méritos do nosso cofrade que agora fizemos merecidamente ascender à condição superior de mirífico, lembrando ainda que o Senhor Dr. Celestino Portela é autor das obras Um Livro, Museu, Fernando António, o Pessoa e Baúl, que foi dando à estampa ao longo dos anos e são o repositório, a par de numerosos escritos avulsos, do intenso e estudioso trabalho intelectual versando sobre os mais diversos temas, labor este que proficuamente dedicou grande parte da sua vida e no qual empenhou todo o seu talento e toda a sua inteligência.

O terceiro momento significativo ocorreu no nosso castelo em 15 de Abril de 2012. Cerimónia muito bonita pois constituiu o encerramento das Comemorações. Além da apresentação da edição de uma coleção de postais, o momento alto da cerimónia teve lugar com a oferta do óleo "Fogaça" da autoria do Confrade António Joaquim, ao som do hino da Confraria. Foi ainda apresentada uma prova da serigrafia do óleo, a ser editada. Sobre esta oferta e o seu significado tomaram a palavra a Mestre da Confraria, e os Confrades Serafim Guimarães, Alfredo Henriques e António Joaquim. Foram momentos enternecedores e Significantes. É com grande carinho pelo Confrade António Joaquim que aqui apresentamos os respetivos discursos para que os que não estiveram presentes os possam conhecer e os que honraram a Confraria com a sua presença os possam recordar. Esperamos que a sua leitura a todos delicie.

Peço, pois, o vosso aplauso para os novos confrades, para os confrades honorários e, muito em particular homenagem e reconhecimento, para o Senhor Dr. Celestino Portela agora justamente soerguido à condição de mirífico na nossa Confraria da Fogaça. Foi também neste Capítulo que foram entronizados os confrades Focacianos, Antero Henrique Tavares Rocha Barbosa, Isabel Maria Valente de Sousa, João Manuel Jesus Correia, Teresa Maria da Costa Pais Correia, João Miguel Lei Sousa, Manuel de Lima Bastos, Nuno Filipe Ventura Martins, Graça Maria Pinto de Sá Campos Pereira, Joaquim José Rodrigo Gonçalves, Isabel Cristina Gomes de Araújo Gonçalves e Baltazar Oliveira, Confrade Benemérito e Celestino de Oliveira Martins Portela, Confrade Honorário com o título de Mirífico, conforme deliberação da Confraria em Assembleia Geral. Pormenor do óleo “Fogaça” da autoria do Confrade António Joaquim.

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XI CapĂ­tulo: Fogaceirinhas entrando no Castelo - Orquestra que abrilhantou o CapĂ­tulo - Foto de grupo das Confrarias presentes.


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No atlier de Mestre António Joaquim quando a Mestre da Confraria foi admirar a maravilha da obra criada.

Joana Martins * Queridos Focacianos Caros Confrades de outras Confrarias Senhoras e Senhores

parêntesis para referir o programa previsto para a mesma e a ordem por que se desenvolverá.

São sobejas as razões para que esta celebração do 10º aniversário da nossa Confraria constitua uma especial oportunidade de agradável convívio entre focacianos cuja presença lhe confere um ambiente de festiva solenidade.

Assim, logo após esta minha intervenção, seguir-se-á a apresentação do óleo “FOGAÇA” com que o nosso Confrade António Joaquim – que temos a subida honra de ter entre nós – se dignou presentear, nesta data, a nossa Confraria. Aquando da apresentação do quadro ocorrerá um momento musical com a voz de Mafalda Campos Leite e o piano de Otília Sá interpretando o hino da Confraria.

Fico muito feliz por terem podido corresponder a esta nossa iniciativa e por os ver aqui hoje em tão significativo numero. A todos as minhas efusivas saudações. Uma palavra muito especial para os Confrades de outras Confrarias, formulando votos de que se sintam bem entre nós.

Findo este, o nosso Confrade Serafim Guimarães, feirense ilustre, homem de ciência e de sólida cultura, senhor de diversificados talentos artísticos, usará da palavra para, como amigo de longa data do Mestre António Joaquim, dele falar enquanto Homem e Artista.

E agora, se me permitem, antes de articular uma palavras sobre o significado desta sessão, gostaria de abrir um

De seguida o Confrade António Joaquim usará também da palavra.

* Mestre da Confraria da Fogaça.


O Confrade Fundador Alfredo Henriques, digno Presidente do nosso Município fará uma intervenção que será a de encerramento, a que de imediato se seguirá o segundo apontamento musical no acompanhamento das nossas vozes, cantando com emoção e alegria, os “Parabéns a você” na celebração dos 10 aninhos da nossa Confraria, a razão maior da nossa presença aqui. A terminar, um Porto de Honra, momento agradável de convívio e descontração. Lembro aos presentes que poderão apreciar uma exposição fotográfica retrospetiva de momentos marcantes da vida da Confraria.

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Poderão também apreciar uma prova de ensaio da edição da Serigrafia do óleo “FOGAÇA” que está a ser preparada. Será uma edição limitada a 100 exemplares. Poderá ser adquirida através de uma ficha de reserva que se encontra junto do exemplar exposto. O focaciano Sérgio Araújo disponibilizará aos interessados as informações necessárias ao processo da sua aquisição. Prevê-se que as Serigrafias possam ser levantadas a partir de 7 de Maio próximo. Está também temáticos.

disponível

uma

edição

de

postais

E ainda os queria informar que ontem tive o prazer de ser, mais uma vez surpreendida pelo Mestre e por isso, quero também surpreender-vos: ao levantar o quadro em sua casa recebi, das suas mãos um significativo número de deliciosos postais reproduzindo o seu óleo, contendo no verso o Hino da Confraria (o conhecido Fado das Fogaceiras), que será oferecido aos presentes. A fechar o parêntesis cumpre-me agradecer a todos quantos, cada um a seu modo contribuíram para a plena realização desta cerimónia. Compreenderão que, que a propósito, releve particularmente quem, contornando o que, neste âmbito constitui a norma dos seus procedimentos, tenha disponibilizado a sua graciosa colaboração. A saber:

- Comissão de Vigilância do Castelo da Feira - Sr. Adão Silva - Multiponto - Professora Mafalda Campos Leite e Professora Otília Sá - Cardoso & Conceição, Lda – Instrumentos Musicais E agora, após este apontamento sobre o nosso programa de hoje, retomo o fio discursivo proferindo algumas palavras sobre o significado desta celebração e, como não podia deixar de ser, uma palavrinha muito calorosa e muito sentida devida ao nosso querido Mestre António Joaquim. Como sabem de 15 de Abril de 2002 a 15 de Abril de 2012 são decorridos 10 anos no percurso de vida da nossa Confraria. Muitos dos Confrades aqui presentes recordarão, seguramente com emoção, a 1ª cerimónia de entronização ocorrida no magnífico e belo espaço onde nos encontramos para justamente solenizar o encerramento das comemorações do seu 10º aniversário. Foi para a Mestrança, a que com gosto e honra presido, um ano particularmente empenhado, mas gratificante, durante o qual foram levadas a cabo várias iniciativas de índole recreativa e cultural, vertente esta que, aliás, tem merecido a nossa especial atenção. Os primeiros passos na vida das pessoas, singulares ou coletivas, são decisivos para o seu enraizamento e futura projeção individual e social. Daí o decidido empenho desta Mestrança na continuidade do trabalho dos Confrades que nos precederam, ajudando a nossa jovem Confraria a crescer e a desenvolver-se de forma pujante. Com essa realização plena pretende-se que ela atinja um nível de desenvolvimento e afirmação que a capacite para atingir os fins para que nasceu. Ou seja: a defesa e a promoção intransigentes deste bem simbólico da nossa terra, com uma história linda, denominada Fogaça da Feira, objeto gastronómico de sabores e aromas inconfundíveis, mas também pretexto de realizações recreativas e culturais como veículo de projeção, desenvolvimento e valorização da nossa Terra de Santa Maria.


Prosseguir tais objetivos é responsabilidade de todos os focacianos, muito especificamente de quem assume funções de Direção – espécie de responsabilidade parental – da nossa jovem Confraria. Nesta perspetiva, e com a sensação do dever cumprido, temos o sentimento de que esta sessão solene de encerramento das comemorações dos 10 anos da sua existência ficará a constituir um marco relevante na sua ainda curta história de vida. É que, com efeito, vinda do céu, sustida e guiada por angélicas mãos, sobre o bolo da nossa aniversariante, acaba de repousar a cereja que faltava. Bela e saborosa cereja… o gesto e a beleza do gesto… que exaltação! Em nome dos focacianos e no meu próprio, quero, querido Mestre, expressar-lhe o mais sentido agradecimento pelo autêntico mimo com que quis brindar a Confraria da Fogaça da Feira. E já agora, antes de terminar, permita-me a liberdade de evocar aqui, entre os nossos focacianos um ou outro significativo apontamento que registei em momentos de agradável convivência no seu ateliê e na sua própria casa. Aí, onde, com efeito, por força de circunstâncias ligadas a realização desta sua obra de arte, e do apoio que a vários títulos me foi dispensando para que esta celebração fosse bem sucedida, com tão cativante gentileza e disponibilidade a Sr.ª Dª Olga e o senhor me receberam. Por impossibilidade de ela estar presente, como tanto gostaríamos, peço ao Mestre lhe transmita o sinal do nosso carinho e afeto. Foram momentos que cimentaram de forma indelével uma amizade já existente, em que naturalmente descobrimos uma cumplicidade feita de valores e interesses comuns: a Feira, a Fogaça, a Cultura… e sobretudo o apego à terra e às suas coisas. Certa vez, já o óleo “FOGAÇA” era acabado, manifestou interesse em mostrar-mo. Ansiosa, bati à porta. O Mestre recebendo-me e com ar cabisbaixo, surpreende-me: “Joaninha hoje estou triste… olhe, já não há fogaça! Tive

visitas, acharam-na apetitosa e comeram-na”. Apercebendose da minha inicial confusão, esboçando um sorriso largo, procurando tranquilizar-me, de imediato acrescentou: não se preocupe, faz-se outra. O nosso querido Mestre para além do artista que, os feirenses e o país conhecem, é também esta delícia de Homem. Como é natural, foi necessário visitá-lo várias vezes. Mas aquele momento final em que me apresentou a sua “FOGAÇA” ainda quentinha, acabada de sair do seu forno, ficou a constituir para mim um momento de emoção e fascínio único, para sempre marcado no meu coração e na minha memória. Disse para comigo: “vou mesmo conseguir levar este tesouro para a nossa Confraria”. Por isso carrego a imagem desse momento mágico no ateliê do Mestre, registado com uma fotografia também da sua autoria. Guardá-la-ei para sempre… A vida também propicia estas lufadas de ar fresco que suavizam a alma. E quem não necessita delas… Por tudo, que é muitíssimo, todos os focacianos lhe estão muito gratos pelo preciosíssimo contributo para alindar a festinha dos 10 anos da nossa Confraria. Os focacianos têm vivo o sentimento de gratidão e não esquecerão o seu gesto. E agora, como anunciei chegou o momento encantatório da apresentação do óleo do Mestre. Poisem nele o vosso olhar e desfrutem. CARPE DIEM, como diria o poeta latino Horácio. A todos Bem Hajam.

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Missa do VIII Capítulo da Confraria na Capela de Nossa Senhora da Encarnação, no Castelo.

Bênção da Fogaça.


Serafim Guimarães* António Joaquim, meu querido Amigo Este acto, que é solene pela natureza do seu motivo, mas que é, despretensioso e simples pelo desejo das pessoas que o organizaram, tem como objectivos manifestar o grande regozijo pela celebração que comemora – o 10º aniversário da instituição da Confraria da Fogaça – e exprimir o profundíssimo obrigado pela magnífica obra de arte que nos foi oferecida e que, vinda de quem vem, de um ícone vivo do nosso concelho, mais do que uma valiosa dádiva é um delicado testemunho de amor. A oferta deste quadro é o ornamento mais valioso e feliz com que se poderia enfeitar esta celebração. Se foi grande a ideia de quem se lembrou de pedir, foi ainda maior a grandeza de quem decidiu dar. Se foi brilhante e oportuna a iniciativa da nossa Mestrança, a Senhora Doutora Joana Martins, a nossa Joaninha, foi muito grande a resposta imediata e franca do António Joaquim, generoso obreiro de mais este monumento que nos deixa com a sua assinatura. Quem olhar, a pensar, para este quadro o que é que vê? * Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Vê tudo o que uma fogaça é, e tudo o que de uma fogaça se espera: o tamanho, a forma, a cor, a frescura, e até sente o paladar único e o perfume antigo que a caracterizam e que tão expressamente perpassa naquele tom castanho que, mais do que o calor do forno, as tintas do António Joaquim torraram, para que ficasse mais apetitosa e doce. Mas, além daquilo que se vê e quase cheira, imagina-se, ainda, as quatro torres do castelo, a gratidão e a devoção de um povo crente, a solidariedade humana nos tempos terríveis das epidemias medonhas, as filas longas de meninas de vestido branco, símbolos vivos de infâncias puras. Até os regedores acompanhados pelos seus cabos armados de espingarda, com mimosas nos canos em vez de cartuchos! António Joaquim tem isto tudo dentro de si com a densidade das mais entranhadas memórias. Todos os motivos das Terras de Santa Maria lhe são tão vivos e caros que se vertem nestes gestos, como uma secreção espontânea da sua fisiologia. Se a arte exprime o seu autor, porque brota do mais íntimo, recuado, antigo, primário, que vem do mais de dentro que ele tem, a arte do António Joaquim é um livro aberto, onde até os analfabetos lêem: quem é que não a vê na segurança e precisão dos traços da sua invulgar capacidade de desenho, na minuciosa escolha das cores que usa, no rigor

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do seu critério estético, na variedade e selecção dos temas que trata, na sensibilidade erudita que a caracteriza?

prosaicas de um chefe de família. E assim tem feito o seu caminho.

Mas, mais do que mostrar aquilo que a sua arte tem de concreto, e que se vê: os objectos, as formas, as cores e tudo aquilo que ela mostra sem se ver, António Joaquim está tanto no que faz que vai, também, mostrando aquilo que é:

Nasceu no rés-do-chão do Mundo e viveu uma infância muito rente à miséria. Mas tinha força e partiu para ir mostrar a quem quisesse ver, o tesouro escondido com que tinha nascido.

Quem não lhe reconhece a delicadeza fidalga, a bondade extrema, a fidelidade exemplar, a alegria contagiante, a simplicidade comovente! António Joaquim é isso mesmo! Aquilo que a sua obra mostra!

Tive a sorte de o conhecer desde o início e de o seguir de perto até hoje. Deixei, naturalmente de o ver, por momentos, em algumas esquinas ou curvas do caminho, mas sempre o reencontrei igual, realizado, feliz como pessoa, mas sempre à procura de mais como artista.

Como homem, António Joaquim é, sem dúvida, uma pessoa previsível, tranquila, sem turbulências temperamentais, auto-confiante sem alardear, humilde sem se humilhar, grande sem se engrandecer. Senhor de um espírito amplo e aberto, no seu horizonte interior de pessoa, não há murmúrios calados, não há muros, não há trincheiras.

É comum dizer-se que os artistas vão aperfeiçoando a sua arte na perseguição que movem ao clímax das suas capacidades. Será verdade?

Mas, como artista, sempre o vi intranquilo nos juízos que faz de si mesmo e profundamente inquieto no desejo de crescer: pinta a saltar de motivo em motivo, de modelo em modelo, de técnica em técnica. Setenta anos depois, de ter começado, ainda salta: continua a começar.

É assunto sobre o qual, sempre tive as minhas dúvidas! Será que o Picasso figurativo é inferior ao Picasso do cubismo ou ao do abstracto?

Sempre a encontrar, mas sempre à procura! Peregrinar por fora foi o exercício visível do seu peregrinar por dentro. Em alguma coisa a imagem que intuiu de um mundo sempre em mudança lhe contaminou o espírito, ou o espírito artístico inquieto e saltitante lhe conformou o mundo. Na harmonia que sempre cultivou, deu consentimento a que a exigência da sua natureza intrínseca desse o braço ao esforço necessário para ultrapassar a circunstância hostil que encontrou ao nascer: Travanca, Ílhavo, Aveiro, Viana do Castelo, Sédan, Rua do Cabo Borges, Rua dos Polacos, Avenida da República foram passos dados por fora para poder acompanhar a viagem que fez por dentro, ora comandada pelo ímpeto de uma vocação primordial, ora dirigida pela impiedosa necessidade de corresponder às exigências mais

Sei que vou ser heterodoxo e, por isso, discutível, mas não pertenço ao grupo dos que assim pensam.

Será que o Júlio Resende de Goa ou da Baía é melhor do que o Resende do Alentejo? Diferentes, com certeza! Coloco esta mesma questão quando analiso o percurso do mestre António Joaquim. Creio que ele não vai concordar comigo porque tenho bem presente o entusiasmo com que vive e anuncia cada pequeno desvio de trajectória, como um degrau subido na sua realização de criador! Não! A pintura de António Joaquim foi sempre a expressão mais elevada de uma arte pura, nativa, virgem de enfeites e de influências; nasceu grande com ele, manteve-se num patamar alto de grandeza e há-de acabar como começou! O entusiasmo compreensível com que os artistas vivem as suas mudanças de estilo, de motivos, de técnica e até de objectivos, e que eu entendo como respostas vitoriosas a um turbilhão incontrolável de impulsos criativos, é um poderoso componente do ânimo do autor, mas não desagua, necessariamente, num progresso artístico.


Tenho a felicidade de poder percorrer a obra de António Joaquim ao longo dos sessenta anos do seu percurso, sem ter de sair de casa. Muitas vezes tenho olhado para os 25 quadros da sua autoria que posso ver e rever todos os dias. Mas, por mais que os mire e remire, por mais que sobre eles pense e repense, não consigo encontrar razões objectivas para preferências baseadas em progressos reais, claros, na concretização da sua arte! Do desenho simples a crayon das ruínas da casa dos Condes da Feira datado de 1953 até a um bem colorido óleo do Castelo, de 2008, e passando devagar por desenhos, aguarelas, pasteis, óleos, de pincelada mais ou menos larga ou miúda, de feição mais clássica ou impressionista, usufruo o mesmo encanto emotivo, recebo o mesmo enriquecimento cultural, sinto o mesmo consolo de espírito. Vejo diferenças, mas não detecto variações de mérito! Posso, naturalmente, preferir este àquele, encontrar, mesmo razões para diferenças de cotação no mercado, mas não me apercebo de razões para que os quadros pintados na década de 70 sejam considerados melhores ou piores do que os da década de 90, porque o que para mim vale é a capacidade de transmitir beleza assinada, fabricada pela agilidade de mãos que, manobrando lápis ou pincéis guiadas por uma fantasia generosa, me transmita a alma do pintor. As alterações que a passagem do tempo introduzem na cultura e cujo efeito se traduz naquilo a que se chama moda, pesa muito no conceito de beleza de uma época e influencia os critérios que interferem na génese do interesse criado por uma obra de arte, mas não lhe modifica o seu valor intrínseco! Mais pelo que sinto e não sei dizer do que pelo que disse, não tenho dúvidas de que temos todas as razões para nos sentirmos profundamente felizes com o enriquecimento trazido por esta dádiva que tanto acrescenta ao património desta Confraria, do nosso Concelho e do nosso País. E, para terminar, volto à pessoa concreta, ao António Joaquim. Cada uma das suas obras é uma versão resumida do seu eu, eu que, pelo que conheço e penso que conheço bem,

não poderia ter sido o que foi e é, sem o envolvimento da sua circunstância mais próxima e mais constante, circunstância a ele tão colada como a sombra que acompanha o corpo, sob a acção de uma mesma luz: seguindo o mesmo caminho, movendo-se com a mesma leveza, não se atrasando nem se adiantando, rodeando-o sempre sem nunca estorvar. Eis a Senhora D. Olga, essa sombra luminosa que sempre o envolveu, amorosamente e sem intervalos. E a seiva elaborada que ambos produziram deu frutos que falam da árvore: o António, a Olguinha, o Ângelo, o Zé e o Telmo, são espelhos que reflectem bem a fonte que os trouxe à vida e o regaço que os aqueceu!

Santa Maria da Feira (Castelo), 15 de Abril de 2012 29


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“Chamei a plenos pulmões: Avóoo, comi uma banana!“.

Momento da Celebração do X Aniversário da Confraria.

Fogaceirinha descerrando o óleo “Fogaça”.


Alfredo Oliveira Henriques* Caras Confreiras e Confrades Minhas Senhoras e Meus Senhores, Numa efeméride tão simbólica como esta que estamos aqui a assinalar (e é com grande satisfação que vejo esta sala repleta de apreciadores e amigos da Fogaça da Feira), tivemos ocasião de recordar, pelas palavras da Mestre da Confraria, Dra. Joana Martins, os princípios que presidiram à génese desta associação e que, decorridos dez anos, se mantêm inalterados. Podemos também confirmar (e o testemunho emocionado da nossa mestre é prova disso) a forma carinhosa e sentida como os feirenses e os focacianos se relacionam com a Fogaça e com esta instituição, criada para proteger, estudar e defender, dentro e fora de portas, aquele que é, indiscutivelmente, o ex-libris da nossa gastronomia e que marca a identidade do nosso território, pois é por causa da Fogaça que se realiza a festa mais identitária, com mais tradição dos Feirenses – a secular Festa das Fogaceiras. Agrada-me particularmente que esta efeméride fique perpetuada numa obra de arte. Para além de belíssimo, este quadro de António Joaquim, aqui apresentado pelo Professor Serafim Guimarães, concretiza um importante objetivo da Confraria: promover a relação da Fogaça com a Arte e com a Cultura.

António Joaquim é um grande apreciador de Fogaça e um aficionado pelo Castelo da Feira, que já pintou com inúmeros olhares. Nesta tela, o pintor congrega estes dois ex-líbris feirenses com grande mestria. Obrigado, Mestre, por nos presentar com mais uma das suas telas. Senhoras e Senhores, Tal como há dez anos, o Castelo da Feira é hoje palco de um momento marcante na vida desta Confraria. A 13 de junho de 2002, realizou-se aqui, na Praça de Armas, o primeiro Capítulo da Confraria da Fogaça, com entronização de 82 confrades fundadores, apadrinhados pela Confraria da Broa de Avintes. Mas foi a 15 de abril de 2002 - completam-se hoje precisamente dez anos - que se realizou a primeira Assembleia Constituinte, no Orfeão da Feira, na qual participaram cerca de duas centenas de feirenses, que subscreveram a ata e legitimaram a constituição de uma comissão instaladora de sete elementos, que concretizaram todos os procedimentos necessários para formalizar a criação da Confraria da Fogaça da Feira. Esta data - 15 de abril de 2002 - não foi escolhida ao acaso. Precisamente nesse dia, o jornalista da RTP Fernando Pessa, frequentador habitual do Café Castelo e admirador incondicional da Fogaça da Feira, completava 100 anos e

* Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira. Comemorações do 10º aniversário da primeira Assembleia Constituinte da Confraria da Fogaça da Feira 15 de abril de 2012

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os parabéns foram cantados em Santa Maria da Feira, pelo Coro do Orfeão, em direto para o Jornal da Noite da RTP. Uma forma singela de homenagear Fernando Pessa, o primeiro a sugerir a criação de uma confraria para defender a Fogaça da Feira – intenção partilhada por Rogério Portela e outros homens da terra. Fernando Pessa, que faria hoje 110 anos, é com justiça o primeiro sócio fundador e o primeiro confrade com o título de Mirífico. Entretanto, outras personalidades de relevo ligadas à Cultura portuguesa foram sendo entronizadas aquando da sua passagem por Santa Maria da Feira. Permito-me destacar o cineasta Manoel de Oliveira, entronizado a 8 de setembro de 2003, por ocasião do terceiro Festival Internacional de Teatro de Rua “Imaginarius”. Senhoras e Senhores, 32

Com dez anos de atividade, a Confraria da Fogaça da Feira é uma associação muito jovem, mas foi crescendo de forma saudável e consolidada, tendo sempre presentes os objetivos para os quais foi criada. 2005 foi um ano marcante no percurso desta instituição. A 7 de junho desse ano era constituído o Agrupamento de Produtores de Fogaça da Feira, que se propunha avançar com o processo de certificação do produto, através do registo europeu de Indicação Geográfica Protegida – um processo que ainda está em curso. Coube à Confraria avançar com este desafio e congregar os produtores de Fogaça da Feira numa associação, com o propósito de uniformizar a receita tradicional e garantir a qualidade do produto. Foi também em 2005, nos dias 8 e 9 de julho, que a Confraria da Fogaça da Feira organizou o terceiro congresso da Federação Nacional das Confrarias de Gastronomia, na nossa Biblioteca Municipal, integrado no programa de comemorações dos 500 anos da Festa das Fogaceiras. Este foi, sem dúvida, um momento de afirmação da Confraria da Fogaça junto das suas congéneres e um importante contributo para a promoção e divulgação do nosso património cultural e gastronómico. Ao longo dos anos, a Confraria tem participado em vários intercâmbios e convívios, como é o caso dos encontros realizados em S. Xisto, S. João da Pesqueira, em parceria com a Confraria do Rabelo. Para além destes, participa

anualmente na Festa das Fogaceiras, promove convívios com outras confrarias na Viagem Medieval e associa-se a vários eventos realizados no Concelho. Todos estes encontros, dentro e fora de portas, têm contribuído para estreitar relações entre focacianos e confrades congéneres e, indiscutivelmente, para promover a nossa Fogaça. Para onde quer que vão, os membros da Confraria, como qualquer feirense, levam sempre na bagagem uma Fogaça. A Fogaça é um elemento de ligação entre Feirenses. Minhas Senhoras e Meus Senhores, Antes de terminar, uma referência ao ano de 2010, que também marcou uma nova etapa da vida da Confraria, com a abertura da sua sede, junto à escadaria da Igreja Matriz. Tratase de um espaço pequeno, mas muito acolhedor, onde está guardado todo espólio da instituição, e que já recebeu várias exposições alusivas à Fogaça. A partir de hoje, o espaço ficará ainda mais enriquecida com o quadro de António Joaquim. Na qualidade de primeiro Mestre da Confraria da Fogaça da Feira, mas também de Presidente da Câmara Municipal e de feirense, agradeço ao Mestre António Joaquim a pintura, mas agradeço ainda mais o amor e dedicação que em todas as circunstâncias manifesta pela terra que o viu nascer. Permitam-me lembrar aqui um episódio: há anos atrás, era Presidente da República o Dr. Jorge Sampaio, que visitou Vila Nova de Gaia. Foi-lhe oferecido um jantar numa das Caves do Vinho do Porto, em que eu tive o prazer de estar. Durante o jantar, o Sr. Presidente da Câmara de Gaia ofereceu ao Sr. Presidente da República um quadro do Mestre António Joaquim, apresentando-o como de um artista de Gaia. Com a humildade que lhe é peculiar, o Mestre diz “sou de Gaia, mas nasci na Feira”. Obrigado Mestre. Felicito a atual direção da Confraria pela forma empenhada como assinalou esta efeméride e congratulo todos aqueles que, hoje ou outrora, contribuíram para a promoção e defesa deste grande património gastronómico que é a nossa Fogaça, em especial aqueles que há dez anos atrás tiveram o arrojo de avançar com a criação desta Confraria. A todos, um grande bem-haja. Obrigado.


Foto: patologista

António Joaquim* Excelentíssima Mestre da Confraria da Fogaça da Feira Dr.ª Joana Martins Confrade Professor Serafim Guimarães Confrade Aurélio Pinheiro Confrade Alfredo Henriques Caros Focacianos Caros Confrades de outras confrarias Caros convidados Recebi há tempos uma carta da mestrança da Confraria da Fogaça da Feira, assinada pela sua mestre Dr.ª Joana Martins, a perspectivar um trabalho alusivo à fogaça, a propósito do 10º aniversário da Fundação da Confraria. Acedi a pintar um quadro a óleo, por várias razões: por ser um feirense que se preza, porque gosto de fogaça e, por ser confrade - não o posso esquecer (embora ache não ter postura que baste, para o uso destas suas vestes). Faço questão de frisar o facto de pedir à mestre da Confraria da Fogaça – com insistência –, não desejar com este gesto, receber algo que viesse a marcar qualquer reconhecimento público. Gostaria de pintar a fogaça e interiorizar esse acto só para mim. Exposto a esta solenidade, só me resta agradecer, muito reconhecidamente, as palavras que me foram dirigidas pela Mestre da Confraria, Dr.ª Joana Martins, e manifestar-lhe * Mestre António Joaquim, e o seu auto-retrato.

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o meu apreço pelo fervor de uma mestrança, devotada por inteiro à causa da Confraria da Fogaça da Feira. Caro Confrade Serafim Guimarães e meu querido amigo: Agradeço-lhe, com sentida emoção, as palavras que acabou de proferir numa análise crítica à minha obra, complementada, ainda, com registos biográficos. Provavelmente ninguém, como o Professor Serafim Guimarães, poderia falar tão aprofundadamente dos meus méritos e desméritos! É um júbilo ser referenciado por uma personalidade desta estatura intelectual, de cultura tão abrangente e dotes multifacetados, nomeadamente na música, no desenho e nas letras. Caros Confrades e Caros Convidados: Só depois de peregrinar por lugares arredados de Travanca e ter regressado, para dar companhia e aconchego a meu pai, na viuvez do seu segundo matrimónio, é que vim a conhecer, na vizinha freguesia de Espargo, o jovem médico Dr.º Serafim Guimarães, acabado de cursar medicina. Esse feliz encontro, jamais olvidado, coincidiu obviamente a um sábado, dia de trato capilar, confiado nas hábeis mãos do barbeiro Senhor Felizberto, tio do Dr.º Serafim Guimarães, a quem fui apresentado.


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Mais tarde, Serafim Guimarães, partiu para o Porto para ser integrado no corpo docente da Faculdade de Medicina daquela cidade, tendo feito uma carreira brilhantíssima como professor e investigador científico, como todos sabem. Esta circunstância veio dar azo a uma nova vizinhança. Também fui viver para Vila Nova de Gaia, com o objectivo de possibilitar os estudos de meus filhos, sem visionar na pintura horizontes bem definidos. Contudo, àquela influência telúrica da minha terra, fui acrescentando hábitos citadinos dos meios culturais das grandes urbes, como: visitas às melhores exposições de arte e participações em manifestações culturais, evidentemente. Neste contexto, o empirismo e a atecnia deram lugar a uma outra expressão de arte e afastei o “fantasma” do estigma, tão redutor, que persegue o autodidatismo. A minha caminhada foi persistente e dorida. Não foi fácil, como ainda não o é. A finitude é uma barreira que nos limita e confrange.

desta efeméride louvem-se os seus promotores e obreiros que têm vindo, com significativo empenho, a dignificar esta prestigiante associação. Acabo esta modesta intervenção com um momento nostálgico. Não sei quando provei a primeira fogaça. Mas sei, isso sim, quando comi a primeira banana! Foi no dia em que fiz exame da 4ª classe, na antiga escola Conde Ferreira, com distinção tendo, no final da prova, os professores aconselhado a prosseguir os estudos, sem terem reparado na roupa que levava vestida! Um primo da Dr.ª Joana Martins de Travanca, Jaime Pinho, levou-me com o seu filho, Miltom meu colega de escola, à Pensão Ferreira a almoçar e, à sobremesa, foi servida uma banana. Quando cheguei a casa e vi ao fundo da cortinha a minha avó, chamei a plenos pulmões: Avóoo, comi uma banana! Santa Maria da Feira, 15 de Abril de 2012.

Senhora Mestre da Confraria da Fogaça da Feira Drª Joana Martins, Caros Confrades e demais presentes: Confesso ser um apreciador inveterado da fogaça. O prazer de fruir a degustação da fogaça da Feira começa a ocorrer, indubitavelmente, na cobiça dos olhos. Porque ela é linda! Loira de um amarelo gemado; laivos acastanhados e rubescentes. Numa alusão aos torreões do Castelo da Feira, a fogaça foi encimada por quatro bicos, que são, a meu ver, a característica que mais a define e a torna fascinante. A fogaça é assimétrica como o é o nosso castelo. Se numa ou noutra fornada, descambe bico ou rebordo um pouco mais bojante, de efeitos surpreendentes e inesperados, gerados pelo capricho do fogo, nem por isso perde a sua graça. A fogaça da Feira é uma princesa, e tem muitos pretendentes, e que, por ser bonita, a faz tão apetecível. Vaidosa, deixa-se passear nas festas de São Sebastião, toda ufana, a percorrer a cidade, na cabeça de meninas vestidas de branco, numa harmoniosa simbiose bicromática dos brancos vestidos e de seu loirado amarelo. Caros confrades, caros focacianos, caros confrades de outras confrarias e caros convidados: A Confraria da Fogaça conta 10 anos de vida. No decorrer

Em breves traços foi assim a celebração dos dez Anos da nossa Confraria. Dela fica a certeza de que a participação individual e colectiva dos focacianos continuará a escrever a sua curta, mas já pujante história. É o voto desta Mestrança que, feliz pelo dever cumprido, lhes passa a palavra.


O FORAL, O CULTO A S.SEBASTIÃO E A CONFRARIA DA FOGAÇA – UMA TRILOGIA PARA A IDENTIDADE DE SANTA MARIA DA FEIRA CASTELO DA FEIRA, 19.1.2013 XII CAPÍTULO DA CONFRARIA DA FOGAÇA Francisco Ribeiro da Silva* Universidade do Porto

1 - Introdução As comunidades tal como as pessoas têm identidade. E, tal como sucede com os indivíduos, nos concelhos há traços identitários, uns mais ou menos perenes e outros que resultam da evolução e de mudanças inevitáveis. Por conseguinte, entendo que, por um lado, o conceito de identidade resulta de uma amálgama de factores de diversa natureza e de diferentes raízes. Uns procedem da geografia e do meio ambiente, outros das actividades económicas desenvolvidas, outros da história, das tradições culturais e do património, outros da gastronomia e dos costumes enraizados. Entram também nesta construção simbólica a maneira de ser das gentes, o seu modo de falar, as suas crenças, as suas devoções e os seus hábitos, os seus sentimentos * Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, jubilado.

colectivos, etc. Isso explica que concelhos vizinhos, embora com afinidades naturais inegáveis, apresentem, por vezes, diferenças acentuadas entre si. Resulta do que acabo de afirmar que a identidade de uma nação, de uma cidade ou de um concelho não é um conceito estático, mas sim dinâmico. Ou seja: ao falarmos da identidade do concelho de Santa Maria da Feira nos inícios do séc. XXI certamente teremos em conta factores e ocorrências das épocas medieval e moderna que a Memória Colectiva reteve, mas também valorizaremos outros factores e ocorrências dos tempos mais recentes. Por exemplo, se considerarmos que as actividades económicas desenvolvidas contam para a questão da identidade (eu penso que contam), perceberemos facilmente que a identidade não é algo que se fixe de uma vez para todo o sempre. Não se trata apenas de apontar uma marca ou um exlibris. Todos sabemos que uma boa parte dos portugueses associará facilmente a silhueta do Castelo, elegantemente única e inconfundível, à cidade de Santa Maria da Feira e ao concelho. Mas a identidade é algo mais complicado e difícil. Não me atreverei a fazê-lo nesta curta intervenção, embora pense que uma reflexão sobre o tema pode ser útil para nos conhecermos melhor como comunidade histórica. Entretanto, se não é tarefa fácil e consensual a definição da identidade do Concelho, não é difícil isolar e apontar

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alguns traços e elementos da identidade que sobreviveram e persistiram ao longo do tempo. É o que tentarei fazer nesta comunicação para corresponder ao convite amável e aliciante que me foi dirigido pela Mestre da Confraria da Fogaça da Feira, Senhora Drª Joana Martins. Juntarei e entrelaçarei alguns traços identitários do Concelho, deixando para os ouvintes a tarefa de extrair as conclusões. 2- Traços de identidade a considerar

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São eles, a festa das fogaceiras, o culto a S. Sebastião e o foral manuelino. A tradição da bênção e partilha das fogaças remonta, segundo se crê, aos inícios do séc. XVI, sendo Conde da Feira o Senhor D. Diogo Pereira. O Foral foi concedido menos de 10 anos decorridos, confirmando o Senhorio da Terra na pessoa de D. Manuel Pereira, sucessor do anterior, a quem foi entregue um exemplar do Diploma igual ao que foi atribuído à Câmara Municipal. O culto a S. Sebastião é seguramente anterior ao século de quinhentos. De qualquer maneira, os três elementos coexistiram em boa harmonia nos tempos de outrora e vão conviver nesta charla. Vejamos. 2.1 – O Foral O foral foi concedido por D. Manuel I à «Vila da Feira e Terra de Santa Maria» em 10 de Fevereiro de 15141. Fará, portanto, 500 anos daqui a pouco mais de um ano. Pela minha voz, a Confraria da Fogaça, como uma das guardiãs das tradições de Santa Maria da Feira, evoca a proximidade da efeméride, recorda a publicação fac-similada do foral pela Câmara Municipal em 1989, mas sugere que a data e o facto sejam convenientemente lembrados. É que, embora os 589 forais dados por D. Manuel I a outras tantas Terras e concelhos portugueses coincidam em pontos comuns e a sua redacção e composição tenha obedecido a modelos préconcebidos aplicados a todos, tal não quer dizer que não haja lugar, em cada um deles, para o que, dentro das matérias foraleiras, é específico da respectiva terra. Por isso, embora tenha deixado de ter valor jurídico em 1832 (leis de Mouzinho da Silveira), entendo que o foral manuelino da Vila da Feira e 1 Ver Foral dado por D. Manuel I à Vila da Feira e Terra de Santa Maria a 10 de Fevereiro de 1514, ediç. fac-similada, introdução e estudo de Francisco Ribeiro da Silva, Santa Maria da Feira, Câmara Municipal, 1989.

Terra de Santa Maria continua a valer como padrão e factor de identidade. A questão é a seguinte: tendo em conta a brevidade a que me devo cingir, o que é que, nessa perspectiva, é de destacar no foral? 1º - Lembrarei que foi pelas normas nele contidas que foram reguladas, durante mais de 300 anos, as relações contributivas, fiscais e jurídicas dos moradores com o governo municipal e com os Donatários Condes da Feira e, através deles, com o Soberano. 2º - Enfatizarei o sentido da boa vizinhança entre freguesias preconizado senão pela letra ao menos pelo espírito do diploma e a consagração da liderança da Vila da Feira em relação às terras vizinhas. De facto, por um lado, as terras de Ovar, Pereira Jusã e de Cambra estiveram sujeitas à Casa da Feira até 1708, ano em que, por falta de sucessão genealógica, a Coroa decidiu que as quatro terras do Condado fossem integradas na Casa do Infantado. Por serem do Senhorio dos Condes da Feira, os forais manuelinos destas quatro terras foram assinados no mesmo dia. Por outro lado, algumas das freguesias dos actuais concelhos de Espinho, Ovar, Vila Nova de Gaia, Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Arouca estiveram unidas pelo foral da Vila da Feira e irmanadas pela submissão à Câmara e à governação municipal nela sediada. Se o passado comum pode e deve inspirar sentimentos de solidariedade, de partilha e até de cumplicidade, a realidade administrativa actual mostra que as fronteiras dos concelhos não são eternas e a sua imutabilidade não é dogma que a História reconheça. 3º - Sublinharei que outra atitude importante documentada no foral é que aos moradores, mesmo nos tempos da monarquia absoluta, foram reconhecidos certos direitos na relação com o Senhorio (isto é, com o Poder) não sendo o menor deles o direito de litigância na defesa desses direitos. Antes do foral, várias vezes os moradores tinham apresentado queixa na Corte e nos Tribunais contra as prepotências do Donatário e essas sentenças foram tidas em conta na redacção do texto do foral. E nas inquirições que aqui na terra precederam a feitura do diploma, de novo os moradores não tiveram medo de denunciar alguns abusos, que, aliás, o mesmo Donatário aceitou corrigir. Nesse aspecto, o rei pretendeu que o foral fosse factor de estabilização e instrumento de pacificação social, pacificação social que o voto das fogaças poderá


e a da concessão do foral (1514), não deveria este conter uma alusão à festa das Fogaceiras e ao referido voto? Não, pela simples razão de que destinandose o foral a fixar em diploma formal os encargos e isenções fiscais e tributárias, não teriam qualquer cabimento no diploma matérias como as das festas, devoções e procissões, a menos que fossem oneradas com qualquer tributo – mas não era o caso. Passemos adiante. 2.2 – O voto das Fogaças Os 500 anos da tradição do voto das fogaças comemoraram-se condignamente em 2005 (a que a Confraria da Fogaça deu o seu apoio empenhado) e, ano após ano, aqui em O Confrade Prof. Doutor Francisco Ribeiro da Silva durante a sua intervenção. Santa Maria da Feira e em vários locais do mundo onde vivem conterrâneos nossos, em cada 20 de Janeiro retornater inaugurado. No mesmo sentido, o foral reconheceu aos se às origens, reconstituindo-se e revivendo-se a tradição porventura mais emblemática e mítica do nosso Concelho. moradores o importante direito de serem ouvidos no futuro Todos nós conhecemos as circunstâncias da história2, mas sempre que se tratasse de distribuir por particulares as terras vale a pena recordá-la ainda que brevemente. maninhas do Concelho, o que efectivamente se verificou. Esta No auge de um rebate de peste que sacudiu o reino aí marca do dever e do direito à participação cívica merece, a pelos anos de 1504 e 1505 e que atingiu duramente este meu ver, ser sublinhada neste contexto. território, o Senhor da Terra, fez pública prece, em nome do 4º - As actividades económicas predominantes no povo, ao mártir São Sebastião, prometendo-lhe festa anual território, como é de esperar, situavam-se no sector primário caso estancasse a pestilência que lhe matava as gentes e e eram a agricultura, a pecuária e a pesca. Não devemos empobrecia o condado… O voto não se ficava pela festa esquecer que o Concelho dispôs outrora de uma frente religiosa e pela procissão nas ruas, mas obrigava à repartição marítima apreciável. O sector dos curtumes (curtimento de do pão: precisamente as três fogaças de alqueire. O voto peles) tinha alguma expressão na sede do concelho, mas não cumpriu-se. Consta da tradição que o milagre se deu e a peste creio que fosse suficientemente forte para ser considerado abrandou. Então, o pão, ou melhor, a fogaça, para além de uma especificidade da terra. O mesmo se pode dizer da pão enriquecido, converteu-se em pão votivo e em alimento actividade comercial, embora se deva afirmar que a classe abençoado. É esse pão sacralizado que no fim das festividades dos mercadores era tida em conta aquando da distribuição religiosas do dia 20 de Janeiro se oferece como presente às anual de cargos municipais: refiro-me ao ofício de Procurador autoridades religiosas e civis. do Concelho que chegou a andar na posse dos mercadores. Comparando com os tempos de hoje, muita coisa mudou. 5º - Uma última questão neste entrelaçar de dados : sendo tão próximas as datas do voto solene a S. Sebastião (1505)

2 Ver a versão mais recente em Anthero Monteiro, A festa das fogaceiras e o feriado municipal de Santa Maria da Feira, Santa Maria da Feira, Câmara Municipal, 2005.

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no cumprimento do voto e mais tarde no seu financiamento4 e nada custa a aceitar que o fosse também na sua formulação original5. Por outro lado, a Câmara estava presente e superintendia em todos os actos coletivos. Era assim em todo o lado. E as procissões eram uma excelente montra para a representação e exibição do Poder local. Em muitas cidades e vilas por ocasião das procissões oficiais (Corpo de Deus e outras), o Juiz de Fora, Vereadores e mais camaristas tinham direito a subsídio, que no Porto se destinava inicialmente à aquisição de indumentária nova. Não era muito diferente aqui. De facto, verifiquei pela documentação consultada no Arquivo Municipal que na Câmara da Vila da Feira, existia uma provisão régia que mandava dar a propina de 1.500 reis O Confrade Francisco Ribeiro da Silva e o Mordomo Celestino Augusto Portela. aos três Vereadores, ao Procurador do Concelho, ao Síndico e ao Escrivão da Câmara e ainda ao Juiz de Fora O facto de antigamente a procissão festiva partir do e ao Corregedor da Comarca, por ocasião de cada uma Castelo em direcção à Igreja pode apoiar a tese dos que das procissões6. A informação reporta-se a 1832, mas era apontam o Conde como autor da promessa. A partilha do pão - parte essencial da promessa - indica no mesmo sentido. 4 De notar, todavia, que na carta do Donatário da Casa do Infantado de Infante Com efeito, quem poderia e deveria distribuir o pão pelo povo D. Pedro de 1753, há notícia de que depois da morte do último Conde da senão o Senhor que dele recolhia os foros? Feira, eram as personalidades principais da terra que, cada uma no ano ditado pela sorte, se encarregavam das despesas da festa. Mas, os mecenas foram Todavia, há quem sustente que o voto foi feito pela desaparecendo, uns por falecimento, outros por ausência e, outros, julgámos Câmara e pelo Povo. Por mim, não vejo contradição insanável nós, por falta de vontade ou de dinheiro. De modo que, durante quatro anos entre as duas versões. de 1749 a 1753 o voto deixou de se cumprir e o mal indesejado reapareceu. Então a Câmara, pressionada pelo povo, dirigiu-se ao Donatário a pedir autoQuanto à Câmara, por um lado, nos concelhos senhoriais, rização para que as despesas fossem pagas pelo orçamento camarário, o que 3 como era o caso presente , ela emanava do Donatário na ele aprovou, dentro de certos limites. (Ver alguns pormenores interessantes em Pedro Vilas Boas Tavares, Os Loios em Terras de Santa Maria, Do Convento medida em que, embora eleitos por um colégio restrito de da Feira à realidade nacional da Congregação, Santa Maria da Feira, Câmara nobres e homens do arco do governo municipal, os oficiais Municipal, 2007, p.119. 5 Quem decidia a quem eram entregues as três fogaças do voto? Parece que da Câmara (dois juízes ordinários, substituídos no séc. XVIII era a Câmara. Mas sendo assim, será que a Câmara atribuía a si própria uma pelo Juiz de Fora-Presidente, três Vereadores, um Procurador das fogaças? De facto, em 1758, conforme informa a Memória Paroquial, as do Concelho, um Escrivão) eram por ele confirmados três fogaças do voto eram oferecidas assim: a primeira ao Convento de Santo Eloi, a segunda à Câmara, e a terceira ao povo. directamente ou através do seu representante maior que era 6 Numa pesquisa rápida no Arquivo Municipal foi possível verificar que na Vila da o Ouvidor. Por isso, a Câmara era forçosamente parte activa Feira (2ª metade séc. XVIII até anos trinta do XIX) havia as seguintes procissões: 3 Ver Francisco Ribeiro da Silva, Estrutura Administrativa do Condado da Feira no séc. XVII in «Revista de Ciências Históricas», IV vol., Porto, Universidade Portucalense, 1989,p. 255-271.

Santa Cruzada (13 de Janeiro), São Sebastião (20 de Janeiro), Anjo Custódio (18 de Julho), Corpo de Deus (Junho) e Patrocínio de Nossa Senhora (13 de Novembro). Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria da Feira (AHMSMF), Livro das Actas da Câmara, cota B/A 2). A adjudicação da construção em 15 de Maio de 1784 e 1785 de curro e tranqueira, palanque da Câmara, palanque


seguramente muito anterior7. Quanto ao povo, estava subentendido no voto porque este fez-se em favor dele, povo. Quem sofria mais duramente os efeitos trágicos da peste e da fome (peste, fome e guerra andavam sempre associadas) era o povo miúdo que, alimentando-se mal, dispunha de menos resistências e meios de defesa para se proteger. Se é verdade que a peste podia atingir tudo e todos, feria com maior facilidade os menos fortes… Por isso, muito justamente há autores que falam na distribuição da fogaça como meio de prevenção da peste… O pão, neste caso o pão enriquecido, era um alimento de primeira necessidade porque nesses tempos ter fome era sobretudo ter fome de pão. Por conseguinte, o povo fazia parte obrigatória do voto, senão na qualidade de subscritor da promessa, ao menos na de beneficiário dela.

39 Aspecto da Sessão Solene.

2.3 – Culto de S. Sebastião Acerca do culto a São Sebastião, não sei se ele se iniciou nesta terra apenas em 1505. Provavelmente é anterior. Mas o surto de peste que então ocorreu era um bom motivo para da nobreza com bancos de assento, mastro com bandeira para o dia do Corpo de Deus faz-me pensar que na Vila da Feira, como noutras terras do reino, nesse dia se organizava uma corrida de touros. (AHMSMF, Livro de Actas da Câmara, fl. 10/10v. e fl.83) Percebe-se ainda da documentação que o dia de São João Baptista era festejado com cortejo pelas ruas da Vila. Ver no Arquivo Municipal o Livro de acórdãos e assentos-1713 (Cota - B/A 15, fl. 16): «todas as pessoas da nobreza e governança do concelho e partidistas da Câmara e mais oficiais da justiça dela virão acompanhar a bandeira a cavalo em dia de São João Baptista desde a praça da vila no acompanhamento que se faz até que se recolha a bandeira, sob pena de mil reis a toda a pessoa que faltar». A Memória Paroquial de 1758 esclarece melhor: no dia 24 de Junho «todos os homens que servem e têm servido a republica, montados a cavalo, com a bandeira da Câmara adiante, e os vereadores com as suas insígnias, vão um ano à freguesia de São João de Ver e nesta igreja se canta uma missa, e outro à freguesia de São João da Madeira, do mesmo modo. Chama-se a esta função a Sina». (José Viriato Capela e Henrique de Matos, As freguesias dos distritos de Aveiro e Coimbra nas Memórias Paroquiais de 1758. Memorias, História e Património, Braga, 2011, p. 372). 7 AHMSMF, Livro das Conferências da Câmara de 1829 (Cota – B/A 3), fl. fl. 139v-140

a promessa condal da oferta das fogaças ao povo e para a procissão de impetração ao Santo da graça pretendida. Na verdade, as origens do culto a S. Sebastião mergulham para lá da baixa Idade Média8 e foi robustecido pelas circunstâncias dramáticas da peste negra no séc. XIV. Crê-se que ganhou grande incremento no séc. XVI devido ao reaparecimento e recrudescimento de sucessivas epidemias e pestes. O Agiológio Lusitano, obra sobre os santos portugueses, cujo I volume teve a sua primeira edição em 1652, e foi recentemente reeditado em facsimile, informa que «a piedade portuguesa não só lhe [a S. Sebastião] erigiu templos e consagrou altares, mas celebra sua festa com públicas procissões, dias de guarda, e maiores ofícios, tomando-o por patrono contra aquele rigoroso mal, que por muitas vezes afligiu este Reino, de cujas sagradas relíquias e milagrosas imagens todo ele se vê gloriosamente enriquecido»9.

8 Ver de Carlos Azevedo o magnífico Catálogo da Exposição comemorativa dos 500 anos da Festa das Fogaceiras em honra de S.Sebastião, Santa Maria da Feira, 2005. 9 Jorge Cardoso, O Agiológio Lusitano, I vol., ed. Fac-similada, Porto, FLUP; 2002, p. 198.


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Porém, pesquisando nas Memórias Paroquiais de 1758, causou-me alguma estranheza o facto de o Pároco da Vila da Feira não referir a existência de qualquer altar ou imagem do Santo nas duas Igrejas da sede do Concelho10. Provavelmente é omissão do Abade porque ao menos uma imagem de S. Sebastião teria que existir para seguir na procissão. Seja como for, o Santo Mártir era venerado em todo o Concelho. De facto, consultando as ditas Memórias, verificar-se-á que em 26 freguesias do actual Concelho havia um altar ou, ao menos, uma imagem do Santo11. (Quase 84% das freguesias). Mais: em seis freguesias tinham sido erectas e funcionavam Irmandades de S. Sebastião: Arrifana, Fornos, Milheirós de Poiares, Mosteirô, S. Paio de Oleiros e Pigeiros. Por conseguinte, se a festa das Fogaceiras se converteu num factor de coesão do Concelho e de convergência das suas freguesias para o centro, talvez antes disso e para além disso, o Santo congregara à sua volta os moradores das freguesias do Concelho, através da devoção generalizada que estes lhe consagraram e provavelmente ainda mantêm. S. Sebastião, para além de advogado contra a peste e a fome pode ser também o patrono da inclusão concelhia. Julgo ver outro sinal da vontade política de mostrar que a festa (e o voto) se pretendia de todo o concelho no facto de, ao menos no século XIX liberal (1832), as personalidades escolhidas e nomeadas pela Câmara para segurar as varas do pálio, as lanternas e as tochas eram oriundas das diversas freguesias, inclusive das mais distantes da sede do concelho.12 Curiosamente não ocorria o mesmo com as jovens fogaceiras porque tradicionalmente elas eram de nomeação dos oficiais da Câmara. Em 1758 eram cinco, bem ataviadas de luxuosos vestidos, das quais três transportavam as fogaças, a quarta levava um tabuleiro com cinco velas novas e a quinta um

10 José Viriato Capela e Henrique de Matos, As freguesias dos distritos de Aveiro e Coimbra nas Memórias Paroquiais de 1758. Memorias, História e Património, Braga, 2011, p. 795-796. 11 São elas, Argoncilhe, Arrifana, Canedo, Fiães, Fornos, Gião, Guisande, Lobão, Louredo, Lourosa, Milheirós de Poiares, Mosteirô, Moselos, Nogueira da Regedoura, Paços de Brandão, Pigeiros, Rio Meão, S.Jorge, Sanfins, Sanguedo, Sta Maria de Lamas, S. João de Ver, S. Paio de Oleiros, Travanca, Vale, Vila Maior. 12 Em 1832 foram escolhidas pessoas de Lever, Argoncilhe, Moselos, Louredo, Souto, Milheirós de Poiares e um doutor da sede do Concelho. Ver Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria da Feira, Livro das Conferências da Câmara de 1829, (Cota B/A-3), fls. 36 e fls. fl. 139v-140.

castelo adornado de numerosas bandeiras13. Em 1785 já eram dez. Sete delas eram nomeadas individualmente por cada um dos membros da Câmara. (O Ouvidor, o Juiz de Fora, os três Vereadores, o Procurador do Concelho e o Escrivão da Câmara). As três restantes eram supranumerárias14 e não se nos esclarece quem as nomeou. Provavelmente terá sido por consenso do Senado municipal. Mas sabemos o nome de cada uma e nem todas pertenciam às melhores casas ou à elite, como a qualidade dos nomeantes poderia fazer supor. Em Dezembro de 1832 o mesmo Senado elevou para 14 catorze o número das donzelas fogaceiras15. Daí para cá tem vindo a aumentar, tendo chegado às 500 em 2005, ano dos quinhentos anos. Eis, minhas senhoras e meus senhores, como os três factores – Foral, Fogaças e São Sebastião - se podem conjugar neste afã de busca da identidade de Santa Maria da Feira. 3 – Conclusão - A Confraria da Fogaça Resta-me uma última palavra sobre a Confraria da Fogaça para justificar o título que dei à minha comunicação. A Confraria conta dez anos e, por conseguinte, é muito jovem para emparelhar com referências históricas tão antigas. Mas, uma vez criada, a Confraria da Fogaça da Feira carregou sobre os seus ombros todos estes cinco séculos de tradição votiva, festiva e solidária ligada a este pão singular, único e ritualmente abençoado. Se a data de nascimento é recente, as suas raízes são, pois, seculares. E é assim que nós os confrades e confreiras nos sentimos: herdeiros e continuadores dos nossos antepassados de Quinhentos, Seiscentos, Setecentos… A Confraria da Fogaça, como confraria gastronómica que é, definiu como objectivos estudar, defender e divulgar a Fogaça e a sua relação com a gastronomia, o artesanato, a arte, a ciência e a literatura. Mercê da enorme dedicação dos seus fundadores, do entusiamo e militância dos seus Mestres e Mestranças bem como dos restantes órgãos sociais (Távola Redonda e Vigilância) tem cumprido com denodo os objectivos fixados, incentivando estudos e publicações, fomentando

13 José Viriato Capela e Henrique de Matos, As freguesias dos distritos de Aveiro e Coimbra nas Memórias Paroquiais de 1758. Memorias, História e Património, Braga, 2011, p.372. 14 AHMSMF, Livro das Conferências da Câmara(Cota – B/A 3), fl. 124. 15 AHMSMF, Livro das Conferências da Câmara(Cota – B/A 3),fl. fl. 139v-140


a criação de obras de arte, organizando exposições, estimulando a sociabilidade, o convívio e a partilha do saber e da amizade entre os confrades, promovendo a genuinidade da fogaça e divulgando o produto, comparecendo nas reuniões nacionais e internacionais de confrarias congéneres. Mercê desse dinamismo, da generosidade dos confrades, do apoio institucional do Município e da inspiração feliz do balandrau adoptado, a Confraria da Fogaça converteu-se facilmente numa marca de Santa Maria da Feira, cidade e concelho. Tal como outras Confrarias gastronómicas noutros lugares, a Confraria da Fogaça da Feira, para além do objectivo significado pelo seu nome, almeja ser como que uma emanação do Espírito da Terra e a guardiã das tradições locais.

Por essas e certamente por outras razões, a Confraria tornouse interessante para os naturais e/ou moradores. Julgo que muitos e muitas, inscrevendo-se nela, sentem que a adesão significa uma vinculação mais sensível e mais comprometida à terra, à sua história secular e aos confrades que comungam nos mesmos sentimentos. Subscrevo, pois, a afirmação do antigo Alvazil, Dr. Celestino Portela, segundo a qual «Santa Maria da Feira foi de extrema felicidade ao criar a Confraria da Fogaça». Terminarei fazendo votos para que aos órgãos sociais, sobretudo à Mestre e à Mestrança, não feneça a coragem e que não faltem os estímulos e os meios para continuar o bom trabalho já desenvolvido.

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ANTERO DE QUENTAL OU A BUSCA INACABADA H. Veiga de Macedo* Em tuas mensagens e meditações, Eu sinto a fundura e o ritmo do Oceano, Esse teu inquieto irmão açoriano, Teu irmão nas brumas e cintilações. Tento acompanhar-te nas tuas visões, Seguir teu pensar dolorido, insulano, De quem se vê só no labirinto humano, Buscando a Verdade, envolta em turbilhões. Procuraste sempre o caminho ou o norte, E tanto cantaste a noite escura e a morte, Que na morte foi que viste a quietação. Após tanta dúvida, a não-solução: - A tua tragédia e a tua desistência, Ó Poeta puro da pura consciência.

São Paulo, 25 de Outubro de 1981

* Poeta. Foi Ministro de Portugal. Faleceu em 25-01-2005


CARTA DO PÁROCO António Machado*

Caríssimos Paroquianos da Paróquia de Cristo Rei da Vergada. Está a nossa Paróquia de Cristo Rei da Vergada em vésperas de celebrar o seus 40 anos de Paróquia (Bodas de Esmeralda Paroquiais). Como datas de referência o dia 7 de Agosto de 1972 – Provisão Diocesana da Instituição da Paróquia Experimental de Cristo Rei da Vergada e o dia 15 de Agosto do mesmo ano como da entrada oficialmente ao serviço da actual Igreja Matriz. São quarenta anos da existência de uma Paróquia ao Serviço da Comunidade Eclesial Local, da Diocese do Porto e da Igreja Católica. São de referir e relevar dos anos anteriores a 1972, as Personalidades Eclesiásticas, Eclesiais e Civis que tanto trabalharam e se sacrificaram pela Paróquia, Igreja Matriz, Cemitério e Residência Paroquial. Nesta data todos(as) serão recordados(as) no propósito de ninguém ficar omisso(a) ou esquecido(a). *Pároco da Paróquia de Cristo Rei da Vergada.

Por provisão de 20 de Outubro de 2008 é nomeado “Pároco da Paróquia de Cristo Rei da Vergada da Vigararia de Santa Maria da Feira, da Zona Pastoral Sul, o Reverendo Padre António Teixeira Machado”, tendo o mesmo tomado posse no dia 22 de Novembro de 2008 nas Vésperas e Solenidade de Cristo Rei. Numa assumpção de tarefas paroquiais e pastorais dos pastores anteriores, nomeadamente, o Reverendo Padre Álvaro Soares da Silva ( de 15 de Agosto de 1972 a 31 de Dezembro de 1984 – 12 anos de Paroquialidade), o Reverendo Padre Antero Alves dos Reis (de 1 de Janeiro de 1985 a 19 de julho de 2003 – 18 anos de Paroquialidade), o Reverendo Padre Augusto Pereira Baptista (de 12 de Outubro de 2003 a 22 de Novembro de 2008 – 5 anos de Paroquialidade) tomou posse o actual Pároco acima referido que vai para 4 anos de Paroquilidade. Durante estes quatros anos, a Paróquia de Cristo Rei da Vergada tem-se esforçado por cumprir a sua Vocação e Missão de ser Paróquia na Diocese do Porto em íntima ligação com o seu Pároco, Bispo Titular D. Manuel Clemente e Auxiliar D. João Evangelista P. Lavrador, Arciprestre da Vigararia de Santa Maria da Feira, Reverendo Padre José Carlos Teixeira Ribeiro e Sacerdotes da mesma Vigararia. Com Conselho Pastoral Paroquial, Comissão Executiva da Paróquia, Scretariado da Catequese Paroquial, Catequistas,

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Leitores, Grupo de Acólitos, Cantores, Ministros Extraordinários da Comunhão, Grupo de Jovens, Zeladores dos Altares e da Igreja, Vicentinos e Vicentinas, Comissões de Festas e outros movimentos, procura a Paróquia orientar-se segundo as normas da Diocese e na Vivência da Fé recebida no Baptismo e incrementada no dia a dia da vida concedido pelo Pai do Céu. Acrescentada a mais valia dos Senhores Diáconos Joaquim Augusto da Silva Santos e António Avelino Valinho Luis, ordenados pelo Sua Exclência Reverendíssima o Senhor Bispo D. Manuel Clemente e nomeados oficialmente para o Serviço das Paróquias de Caldas de São Jorge, Cristo Rei da Vergada, Pigeiros e também prestar colaboração na Diocese do Porto e Vigararia e para onde forem solicitados no cumprimento do seu Ministério Diaconal.Seria excelente, e no cumprimento das Constituições Conciliares do Vaticano II se restaurassem os outros Ministérios da Ordem: Leitor, Acólito e também, por que não, o Exorcista? 44

Ao presbítero ficaria o que lhe é específico: Presidir à Eucaristia e Pregar, Confessar e Administrar a Unção dos Enfermos ou Santa Unção, ficando todas as outras Celebrações: Sacramentos (Baptismo, Matrimónio), Sacramentais e Devoções (Procissões, Funerais, etc.) para os Reverendos Diáconos, Leitores e Acólitos ordenados com o curso de Filosofia, Teologia, Bíblia e Pastoral. A Paróquia se tem esforçada no seguimento do Recto Caminho traçado por Cristo e animado pelo Divino Espírito Santo. Seria excelente que todos(as) os (as) crentes disso tomassem consciência numa actualização da Crença Cristã adveniente do Evangelho, da sã Doutrina da Igreja emanada das Constituições Conciliares do Concílio da Vaticano II, que já foi há cinquenta anos mas que infelizmente são desconhecidas do Povo Cristão e até Eclesiásticos. No caminho percorrido há ainda muito a aperfeiçoar sobre todos pontos de vista. Há um vasto programa para a Celebração da Festa dos 40 anos de Paróquia que já foi divulgado e do qual se dá conhecimento: dia 7 de Agosto de 1972 (data da Provisão Diocesana da Instituição da Paróquia) e a data de 15 de Agosto de 1972 (data da entrada oficial como Igreja Matriz). Para assinalar a data das Bodas de Esmeralda da criação da Paróquia (40 anos) prevêem-se as seguintes Actividades:

Exposição de fotografias; Documentação e materiais alusivos à localidade da Vergada. Esta exposição está já garantida até ao ano de 1973 e terá como título “Alicerces da Paróquia”. Será aberta a 4 de Agosto (Sábado antes da Missa Vespertina) e ficará exposta até ao dia 10 de setembro. Conferência no dia 7 de Agosto (terça-feira), às 21 horas, sobre a proto-história, história da Paróquia até ao dia 15 de Agosto pelo Sr. Doutor de História Vergadense, Hugo Silva. Estará também presente o Projectista desta Igreja Matriz e da Residência Paroquial, o Sr. Alberto Dias de Almeida. Esta Conferência será no dia 9 de Agosto (quintafeira), às 21 horas. Serão conferencistas o Sr. Pe. Casimiro Pinto de Oliveira e o Sr. Dr. Pedro Ferreira (Director dos coros da Paróquia). O Sr. Pe. Machado fará a apresentação do Sr. Pe. Casimiro e a Sr.ª Dr.ª Ermelinda Ferreira fará a apresentação do Sr. Dr. Pedro Ferreira. Bênção da Igreja, Dedicação da Igreja e Bênção do Altar na Eucaristia do dia 15 de Agosto (Quarta–feira) às 19 horas por Sua Excelência Reverendíssima, o Sr. Bispo D. João Evangelista Pimentel Lavrador. Colocação de placards ções. Convívio/partilha com os inscritos e convidados o Bolo de Aniversário e do Hino da Paróquia.

e placas alusivas às Comemoralanche/ajantarado para todos no final do qual se partilhará com o canto de Parabéns

Colabora, dá a tua ajuda para o embelezamento e concretização deste evento e iniciativa inédita e histórica.

Vergada 7 de Julho 2012


Padre Álvaro Soares da Silva Homenagem e Memorial do Pároco P. António Teixeira Machado*

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no dia 15 de Agosto de 2012 na Dedicação da Igreja Matriz a Cristo Rei

*Pároco da Paróquia de Cristo Rei da Vergada.


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Padre Ant贸nio Machado durante a homenagem.


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Padre António Machado no uso da palavra.

Diz a placa do seu busto: Homenagem dos seus conterrâneos ao Padre Álvaro Soares da Silva pelo contributo à sua terra. O povo da paróquia da Vergada, 23-12-84. Conhecida é de todos a Personalidade do Reverendo Padre Álvaro Soares da Silva. Nascido nesta localidade da Vergada a 3 de Janeiro de 1911. Ordenado sacerdote em Dezembro 1934 com 24 anos de idade. Celebrou Missa nova na Antiga Capela da Vergada. Como Missionário da Congregação do Espírito Santo partiu para as Missões de Angola, desembarcando no Lobito em 1935.

Seguiu para o Bié, Silva Porto, Missão de Cachingues,Cuchi, Andulo, Chinguai, Entre-os-Rios, Nova Sintra, Camacuco, Cuemba, Gamba, Nhareo, Andulo e Vouga, missões que ficaram no seu caminho. Foi sem dúvida a Missão da Avé Maria de Camacupa o coroar das suas tarefas de Missionário em Angola. Depois de ter dado um quarto de século da sua vida às Missões vemo-lo preocupado com a sua terra – a Vergada !!! Pelo ano de 1959 temo-lo no meio das nossas gentes. E durante todos estes anos até 22 de Setembro de 1994. Vergada foi o seu sonho, o seu campo de trabalho apostólico, pastoral e o seu destino!!!


Excelentes as palavras gravadas na sua campa bem cuidada: “Como Cristo passarei na Terra fazendo o bem e dando Glória a Deus e servindo os nossos irmãos. De pé diante dos homens De joelhos diante de Deus! O meu Coração é dos Vergadenses e dos africanos onde passei 33 anos. Mihi labor proximo utilitas. Soli Deo honor et Gloria. (Meu trabalho é a utilidade ao próximo Só a Deus a Honra e a Glória). Vaidade das vaidades tudo é vaidade Excepto amar a Deus, a Ele servir”.

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Desde 16 de Novembro de 1959 vemo-lo preocupado e entusiasmado pela Vergada e suas gentes, assumindo a Paroquialidade da mesma Paróquia de 15 de Agosto de 1972 a 23 de Dezembro de 1984 ou, mais históricamente 31 de Dezembro de 1984. Após o falecimento do Padre Cardoso a Capelania da Vergada ficou entregue aos Sacerdotes do Coração de Maria dos Carvalhos. O mesmo Padre Álvaro assumiu a Paroquialidade Provisória pelo ano de 1968, havendo de permeio a paroquialidade do Reverendo Padre Isaías Gomes de Pinho. Doze anos de pároco efectivo. Foi continuado depois pelo P. Antero Alves dos Reis, de 1 de Janeiro de 1985 a 19 de Julho de 2003. O P. Antero Alves dos Reis com 18 anos de Pároco deixou saudade no coração das suas gentes. Seguiu-se o Reverendo P. Augusto Baptista até Novembro de 2008. Desde de 22 de Novembro de 2008 que eu, Padre António Teixeira Machado, me encontro à frente desta Paróquia de Cristo Rei da Vergada. Com 83 anos de idade partiu o grande Missionário, instalador e Fundador da Paróquia e saudoso Pároco o padre Álvaro Sores da Silva. 33 de Missionário em Angola, 4 anos de Cabouqueiro da Paróquia, 12 anos de Pároco da Paróquia Experimental de Cristo Rei da Vergada, 16 anos ao Serviço da Vergada, o Pai do Céu o chamou a 22 de Setembro de 1994.

Obrigado, Padre Álvaro, A Vergada deve-lhe imenso! Podemos dizer como poeta: Valeu a Pena! (Tudo Vale a Pena … se a Alma não é Pequena!) “Ninguém é Profeta na sua terra”… e o Padre Álvaro contrariou o dito do próprio Jesus Cristo. Foi profeta na sua Terra. Em Angola deixou a sua “generosa obra” no fiel cumprimento do “IDE E ENSINAI!” Ergueu bem alto a sua Fé! “Meteu lança em África”! Fez um milagre na sua terra! Milagre de Fé que a todos tocou e abismou! Humilde, persistente, de sadia teimosia e de grandiosa generosidade a Alma deste Sacerdote! Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda. (2 Timóteo 4:7-8)

Tenho dito. Obrigado.

Busto do Padre Álvaro Soares da Silva.


40º Aniversário da Paróquia de Cristo-Rei da Vergada

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Mesa da Presidência e Conferencistas

Padre Casimiro agraciado no fim da Conferência


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Às vezes! António Madureira*

Às vezes

Às vezes

sou vento

sou colheita

vendaval despido

sou notado

brisa

e esquecido

Às vezes

Às vezes

sou conforto

sou palavras

incómodo

outras vezes

paz, caos

um lamento

Às vezes

Às vezes

sou incolor

sou anémico

frio

outras forte

outras calor

porque sou vento

Às vezes sou rotina e um órfão carente

*Nasceu em 1963, na freguesia de Massarelos, Porto. Actualmente reside e exerce a sua actividade profissional em Santa Maria da Feira.


CONSTRUÇÕES EFECTUADAS NA PARÓQUIA DA VERGADA (lugares de Ordonhe, Ramil, Vergada e Ermilhe) Após a sua criação a 07.08.1972 e entrada em funcionamento

P. Casimiro Pinto de Oliveira*

No âmbito das Celebrações dos 40 anos de existência da Paróquia de Cristo Rei da Vergada, criada por decreto episcopal de 07 de Agosto de 1972, em sessão solene presidida pelo Senhor Bispo Auxiliar do Porto, D. João Evangelista Pimentel Lavrador, tivemos no passado dia 07de Agosto de 2012, 3ª feira, o prazer de escutar uma belíssima palestra do ilustre vergadense Dr. Hugo Ribeiro da Silva. Narrou-nos a génese da Paróquia, desde a edificação da extinta capela de 1887 dedicada ao Senhor das Febres e a Nossa Senhora da Livração até ao arrancar das obras da construção da Igreja de Cristo Rei e ao decreto do senhor Bispo do Porto, Dom António Ferreira Gomes que cria a Paróquia da Vergada; e salientou a reacção de gentes de Mozelos. * Palestra Proferida na Vergada a 09 de Agosto de 2012

Hoje, 9 de Agosto de 2012, em sessão solene com a presença muito honrosa do senhor Bispo Auxiliar do Porto, D. João E.P.Lavrador, teremos duas palavras. A primeira, de que me encarregaram, tratará das construções a partir de Agosto de 1972; e a segunda, proferida pelo senhor Dr. Pedro Ferreira, apresentará a vida da paróquia de seus primórdios aos nossos dias. Para a narração do que se foi realizando servi-me, embora não exclusivamente, das actas das reuniões da Fábrica da Igreja e documentos diversos que fazem parte do arquivo paroquial. 15 de Agosto de 1972: Festa grande na Vergada – celebração de Missa Solene dando início ao funcionamento da Paróquia que havia sido criada dias antes, no dia 7, por decreto episcopal. As obras realizadas constavam de salão e corpo da igreja e respectiva torre, mas sem quaisquer acabamentos; estes seriam realizados pouco a pouco; faltavam ainda salas de catequese, sanitários, capela mortuária, residência paroquial e cemitério. Porque as dívidas já eram avultadas, as obras estiveram paradas uns dois meses, enquanto se lançavam novas

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campanhas de angariamento de fundos. O reinício das obras, para se concluir em tosco o que faltava do corpo da igreja e salas e se lançar mão a rebocos e acabamentos, dá-se a 29 de Outubro. Passados nove meses, em Acta da Comissão Fabriqueira de 07 de Agosto de 1973, lê-se que o corpo de Igreja está perfeitamente utilizável (rebocado e com alguns acabamentos), que a paróquia está dotada do minimamente indispensável para seu funcionamento, que o salão será aberto ao público no próximo dia 15 com os filmes “Uma vontade maior” e “Kilimandjaro” e será utilizado como provisório Centro Social da Vergada.

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Em 1974, após se celebrar o segundo ano da paróquia, é enviado ao senhor Bispo da Diocese do Porto a 24 de Setembro de 1974 um relatório aprovado pela Comissão Fabriqueira em que se descreve o que foram esses dois anos: a actividade religiosa desenvolvida, as dificuldades existentes, perspectivas várias e, no tocante a construções, diz-se: “Prosseguiram as obras da construção da Igreja local. Presentemente está levantado todo o edifício, faltando para a sua conclusão a realização de acabamentos; entretanto o edifício está já a ser totalmente utilizado. O edifício compõe-se de igreja, sacristia, amplo salão para festas situado na cripta, tendo anexo uma grande sala de convívio e duas salas para reuniões”. No mesmo relatório se fala da generosidade da população local e seus emigrantes, de ajudas de gentes vizinhas, de numerosas facilidades havidas (salienta-se o projecto da autoria de Alberto Dias de Almeida, a assistência técnica de 2 engenheiros de Vila Nova de Gaia e a administração: tudo gratuito). Acrescenta-se ainda que já existe terreno e alguns bens para a construção do cemitério. Hoje lamenta-se que o projecto inicial tenha sido algo modificado: nomeadamente na altura da torre e do corpo da Igreja e na entrada principal. O ritmo das obras abranda, chega mesmo a parar, pois as dívidas são avultadas. Consegue-se o seu pagamento total a 24 de Abril de 1975 e retomam-se os acabamentos e a aquisição de apetrechos diversos; embora lentamente de acordo com as receitas que vão aparecendo. É que há agora também despesas com a construção do cemitério.

Compra-se um sino grande e um relógio de torre em Abril de 1975; em Novembro do mesmo ano compra-se um duplicador e inicia-se a publicação de um simples jornal policopiado que teve uma vida efémera de poucos anos, chamado “A VOZ DA VERGADA”. Em Fevereiro de 1976 decide-se construir um poço e iniciar a construção de sanitários, concluídos em finais de Maio. Dentro da igreja prosseguem os melhoramentos: cobremse as colunas com pastilha verde-escura vidrada; o chão foi revestido; as paredes laterais tinham já recebido azulejos da fábrica de Valadares; em Novembro colocam-se os lustres. No ano seguinte (1977) fazem-se os bancos da Igreja, coloca-se uma bela Via Sacra e pensa-se no calcetamento do adro. A Câmara de Santa Maria da Feira aprova um projecto urbanístico para a envolvência da Igreja; e a 30 de Abril de 1978 em reunião da Fábrica da Igreja decide-se iniciar as obras do adro. O cansaço tomara conta das populações; por isso o ritmo de obras foi grandemente reduzido. CAPELA MORTUÁRIA Durante anos foi-se sonhando com a construção de uma casa mortuária; mas a escassez de meios foi adiando a sua concretização. Pedira-se um projecto (gratuito) ao senhor Alberto Dias de Almeida; e em sua reunião de 26 de Janeiro de 1981, a Fábrica da Igreja decide que as obras avancem em finais do ano. Lançaram-se campanhas, recolheram-se dádivas, juntou-se-lhe o rendimento do compasso de 1981 e a 28 de Junho de 1982 a capela fúnebre estava concluída e paga. Em 1988 houve necessidade de se rever a cobertura devido a infiltrações de águas. Posteriormente e por várias ocasiões aí se realizaram modificações e melhorias. A 31 de Dezembro de 1984 cessa as suas funções de pároco o senhor Padre Álvaro Soares da Silva. Foi o grande


mentor e dinamizador de quanto se fez. Mereceu plenamente a homenagem que então lhe foi prestada e o busto em bronze no adro da Igreja a perpetuar o seu dinamismo e amor à Vergada

Para o seu mobiliário muito se deve ao empenho do vergadense Padre Nuno Gentil Tavares Ferreira.

SACRISTIA NOBRE Foi pensada, assim como a Casa mortuária, em 1981; o projecto, novamente gratuito, foi do senhor Alberto Dias de Almeida. Para a sua construção era necessário remover um posto transformador de electricidade existente no local ; o processo foi demorado e a cabine só foi retirada em meados de 1984. As obras iniciaram-se no início de 1985, era já pároco o senhor Padre Antero Alves dos Reis. A Sacristia estava construída, mobilada e paga em Maio de 1986. RESIDÊNCIA PAROQUIAL A grande benfeitora D. Conceição Soares da Silva legara a sua residência e terreno anexo para casa do pároco. Em Agosto de 1989, numa reunião para a qual foi convidada toda a população, decidiu-se a construção, de raiz, de uma residência em vez da remodelação da casa existente. Não se tratava de uma prioridade pois tanto o P. Álvaro Soares da Silva como o P. Antero Alves dos Reis tinham as suas próprias casas. Mas alegava-se que, com a escassez de clero, quando o P. Antero Alves dos Reis deixasse a Vergada, dificilmente se teria um pároco se não houvesse residência paroquial. Fez o projecto, gratuitamente, o senhor José Couto, de Sandim; agradou à população, foi aprovado pela Câmara de Santa Maria da Feira e os dirigentes da Diocese do Porto aprovaram mas sem se comprometer, para o futuro, com um pároco residente. Houve facilidades.

generosos

O início da construção decidiu-se a 5 de Fevereiro de 1990. Um ano depois estava construída e praticamente paga.

donativos,

campanhas

várias,

CEMITÉRIO DA VERGADA Respondendo a uma comissão de residentes da Vergada que a 16 de Novembro de 1959 pediam a criação da Paróquia da Vergada ao senhor Administrador Apostólico da Diocese do Porto, D. Florentino de Andrade e Silva (durante o exílio de D. António Ferreira Gomes), ficou a promessa de que o assunto era de ponderar oportunamente. Esta resposta suscitou a questão de um cemitério na Vergada, pois, na mente de todos, a criação de uma paróquia era um passo importante para a criação de uma freguesia. Numa reunião de Vergadenses a 6 de Abril de 1967 foi comunicado que D. Conceição Soares da Silva se prontificava a oferecer, para um cemitério, um pinhal com 2630 m2 na zona do Engenho da Lavoura. Posteriormente pediu-se ao Delegado de Saúde da Feira, senhor Dr. Sousa, que averiguasse da aptidão do terreno para cemitério. O parecer NEGATIVO de 16 de Maio de 1970 – a escassos dois meses do início das obras da Igreja – tem como fundamento a existência de águas subterrâneas no dito pinhal. Vendeu-se por isso o terreno; a escritura efectuou-se a 18 de Dezembro de 1970 e guardou-se o dinheiro. Procurou-se um terreno “apto”e a escolha recaiu em campos da Relva; pediu-se novamente ao senhor Delegado de Saúde que fosse averiguada a aptidão para a finalidade pretendida. Estando em andamento a construção da Igreja, uma comissão de moradores deslocou-se a Aveiro a 14 de Abril de 1971 tentando a abertura de um processo oficial para a autorização de um cemitério na Vergada. De imediato nada se conseguiu.

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A 5 de Março de 1972 recebeu-se o Auto da Vistoria do terreno que o dava como APTO e se podia construir um cemitério desde que houvesse autorização legal.

projecto de capela, ruas e campas. Embora numa consciente ilegalidade, vai-se avançando, colocando as autoridades perante factos consumados.

De imediato se concretizou a compra do terreno, com a área de 4.300 m2 (havia o dinheiro da venda efectuada) e se assinou o “contracto-promessa de compra e venda” a 9 de Março de 1972. Começou a juntar-se materiais para as obras.

A 23 de Março de 1976, fez-se o primeiro enterro no pseudo-cemitério da Vergada: o de AMERICO GONÇALVES RIBEIRO. Em seu actual jazigo uma lápide faz história: “Jesus é luz e amor. Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Fui o primeiro a entrar na Ressurreição com Cristo Rei, inaugurando a Vergada dos mortos”. Passados 15 dias, a 6 de Março, enterra-se Manuel Pereira Brandão. Houve agitação nas autoridades e freguesias de Argoncilhe e Mozelos e os meios de comunicação da época deram larga cobertura ao sucedido, apontando mesmo “culpados”, a começar pelo pároco; e com boa dose de ridículo, como sugere um dos títulos jornalísticos: “prenda-se o morto”. Na Vergada todos se sentiam responsáveis e ninguém se dava como responsável; a comissão de moradores, apoiada pelo pároco P. Álvaro Soares da Silva, guiava-se pelo grande lema do momento: “o povo é quem mais ordena”. Inquéritos e ameaças deram em nada; e bem depressa a “batata quente” começou a esfriar.

Aquando da criação da Paróquia a 7 de Agosto de 1972 estava-se sem qualquer autorização quanto ao cemitério. Passados dois anos, a 07 de Agosto de 1974, constituiuse uma comissão para junto do senhor Presidente da Câmara de Santa Maria da Feira se advogar a obra; e dias depois, a 14 de Agosto, decide-se colocar uma vedação simples no terreno. A 04 de Agosto do ano seguinte (1975) opta-se por construir um bom muro para o qual a 1 de Dezembro se mandam fazer os portões definitivos. Está elaborado um


Em Agosto de 1977 já havia 20 cadáveres enterrados na Vergada e os ânimos estavam serenos. Por isso em reunião de moradores deseja-se entregar o cemitério à Junta da freguesia de Argoncilhe, mas com condições: que a Junta trate da sua legalização; que fique sendo o cemitério número dois de Argoncilhe; que as campas entretanto vendidas (126) sejam legalizadas em nome de quem as pagou, embora a preços bonificados; e que as futuras vendas revertam prioritariamente para benefício do mesmo cemitério e vias circundantes; e uma comissão prontifica-se a colaborar com a junta para a legalização desejada. Em reunião de moradores efectuada a 17 de Outubro de 1977, decide-se trabalhar para a construção de uma rua

directa da casa do Senhor Camilo até à entrada do cemitério, com o empenho dos donos dos terrenos e a ajuda financeira da Fábrica da Igreja, que foi concedida por três vezes em meses posteriores. A 1 de Agosto de 1978 decide-se como prioritário instalar água no cemitério; em Agosto de 1979 cimentamse as ruas dentro do cemitério; em Dezembro de 1979 em reunião decide-se a entrega do cemitério à Junta de freguesia; finalmente a 24 de Março de 1980 o cemitério está legalizado e ultimam-se as negociações para a sua entrega à Junta; e pouco depois, a 25 de Agosto, pretende-se a instalação da luz eléctrica. Custou mas conseguiu-se!

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Igreja de Cristo Rei da Vergada


Encerra-se aqui a época das grandes construções. Posteriormente houve beneficiações diversas, como pinturas, arranjos, modificação do piso da capela-mor e (ultimamente) do salão da Igreja, novos sistemas de som, audiovisuais, arranjo final do salão de festas, etc.

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Igreja de Cristo Rei da Vergada (interior)

Igreja de Cristo Rei da Vergada (Baptistério)

E assim chegamos aos dias de hoje. Com vontade de gritar bem alto UM MUITO E MUITO OBRIGADO a todos – e foram todos os vergadenses e amigos da Vergada – que se empenharam e puseram em pé esta obra que nos orgulha. Mencionar nomes? Todos os conhecemos e correr-se-ia o


Cimo da Torre de Cristo Rei da Vergada

Escadas para o coro da Capela Antiga 59

Igreja actual da Vergada em obras e em primeiro plano a Capela Antiga

Capela antiga da Vergada

Vista Geral da Igreja da Vergada


risco de se cair em omissões e se valorizarem as pessoas mais por aquilo que têm e puderam oferecer do que pela grandeza do coração. Devemos ter presente o elogio dado por Cristo ao óbolo da viúva que, na sua pobreza, deu tudo o que possuía. Para as grandes obras, se fazem falta carolas,

grandes benfeitores e ofertas avultadas, fazem igualmente falta os tostões dos muitíssimos que não podem dar mais. Ontem, hoje e amanhã as migalhas de muitíssimos é um GRANDE MUITÍSSIMO.

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Vista parcial da Igreja da Vergada com a casa-capela mortuária

Vista parcial da Igreja da Vergada com a Sala Nova-Secretaria


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ORAÇÃO NA MANHÃ ALGARVIA H. Veiga de Macedo*

Esta alegria inata de viver Que vive em mim e vence a própria dor; Esta vontade de existir, de ser, De dar amor e receber amor; Esta volúpia de fitar, de ver, De tentar descobrir seja o que for; Esta ânsia de agir, de me mover, De pôr no escuro alguma luz e cor; Esta fé que me abrasa, esta esperança Que me mantém, e me mantém criança, E me traz força interior e paz… - Tudo isto eu devo a QUEM fez as manhãs, Como esta, toda transparente e azul. Aqui ao Sul do meu País…ao Sul!

Praia da Falésia, Albufeira 31 de Agosto de l987

* Poeta. Foi Ministro de Portugal. Faleceu em 25-01-2005


S. JOÃO DE VER NO TEMPO E NO ESPAÇO Elementos para uma monografia (Junho de 2011) Eugénio dos Santos*

Conhecer bem a nossa terra redunda sempre numa questão de cidadania e de uma identidade mais consciente. Cada ser humano aspira sempre a saber quem é e de onde vem. A esse desígnio básico procura responder, nos planos biológico e social, o bilhete de identidade. Mas todos desejamos penetrar mais longe e mais fundo nesse universo misterioso de onde procedemos. Por isso é salutar e útil percorrermos os caminhos abertos pela memória. Faz bem a junta de freguesia de S. João de Ver, em 30 de Junho de cada ano, procurar refrescar os passos marcantes da identidade desta novel vila. As instituições a associações são como as pessoas. De vez em quando, convém revisitar as suas raízes, cuidar delas, para que se fortaleçam e se alarguem a um número cada vez maior de cidadãos. A memória, seja individual, familiar, local, regional ou nacional, seja política ou institucional, revela-se essencial para julgar o passado humano e poder projectarse conscientemente o futuro. Nenhum ser humano pode prescindir do recurso permanente à memória. É ela que guia o nosso comportamento quotidiano. Um indivíduo privado de memória comportar-se-ia como um recém-nascido: estaria *Prof. Catedrático Jubilado da Universidade do Porto.

constantemente a aprender e nunca saberia nada. Por isso mesmo a nossa vida passada só existiu na medida em que é consciente, em que dela retemos os traços essenciais. Das dezenas de anos que cada um de nós conta cronologicamente só os episódios marcantes, isto é, os que a memória reteve, fazem parte de nós próprios, ficaram retidos na nossa consciência, através do exercício da memória. Os outros desapareceram para sempre, engolidos pelo passado. Uma vida de largos anos, às vezes conta-se em poucas páginas, mormente se dela ficaram traços esbatidos. Portanto, aquilo que pode guiar o comportamento e a sensibilidade dos indivíduos provém da sua consciência, alicerçada na memória. É esta última que fornece ao entendimento de cada um os critérios de julgamento, os quais nos permitem ajuizar, momento a momento, acerca do bem e do mal, do lícito e do evitável, do que ética e moralmente deve orientar-nos. Memória confundese, pois, com identidade, com saber fazer, com guia para o nosso futuro, individual ou colectivo. Compete, pois, aos mais responsáveis hierarquicamente ir guiando as gerações mais jovens, rumo a um futuro consciente e esclarecido. Nisto parece-me relevante o papel das juntas de freguesia. Elas devem conhecer bem as populações que enquadram e ajudálas a ter uma consciência mais esclarecida da sua identidade, reflectindo sobre o seu passado, sobre erros e valores de outrora, os quais alicerçam o seu presente. Parabéns, pois, à junta de S. João de Ver por esta iniciativa anual, que pode (e

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que chamamos futuro. Porém, este só existe se o imaginarmos como fluxo, como devir permanente. Bem exprimiu tudo isto o bispo de Hipona ao confessar: o passado já não existe; o presente já é passado; o futuro ainda não existe. Por isso, o célebre filósofo francês Bergson tentou definir o tempo como uma intuição de cada um de nós. Mas que foi deixando marcas em cada indivíduo e nas sociedades. É fundamental conhecê-las para nelas apoiar o nosso senso crítico, para podermos aferir onde se encontraram os nossos erros e as nossas virtudes, para escolhermos caminhos de risco calculado. Portanto, quase poderíamos contrapor que o que verdadeiramente conta para a colectividade é o seu passado, pois daí arrancará o tal futuro que desejamos mais consciente e melhor. Em geral, os políticos conhecem mal a história dos povos que governam. E é pena. Cometem sucessivos erros por desconhecerem a sensibilidade e a psicologia daqueles que dirigem. A nós compete i-las lembrando e é isso que hoje aqui tentaremos fazer.

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Amaro Araújo, Presidente da Junta de Freguesia, Drª Dona Maria Luísa, esposa do Prof. Doutor Eugénio dos Santos, Dr. Fernando Sampaio Maia e o Ilustre Orador.

deve) agitar consciências e vontades, assumindo criticamente um presente que a todos nos convoca e interpela. Por vezes, no discurso político contemporâneo, ouve-se dizer: “o passado é passado, por isso não importa. O que deve interessar-nos é o futuro. Deixemos de olhar para trás e viremos os nossos olhares para a frente”. Este discurso, apanágio sobretudo dos políticos, mas também de empresários ou gestores, parece profundamente errado e falacioso. É que o futuro de cada um começou ontem. Ele (o futuro) só existe na nossa mente, pois ninguém poderá assegurar, com absoluta certeza, que chegará a amanhã. Como magistralmente observou Santo Agostinho, nós só poderemos ajuizar sobre aquilo que já foi, pois é disso (e apenas disso) que temos consciência. O que verdadeiramente nos marca e identifica é o passado e não o presente, como cada um de nós presume. Na verdade, o que será o presente, filosoficamente falando, a não ser a consciência de uma continuidade, que, a qualquer momento, pode quebrar-se? Percebemos o nosso presente como uma fonte entre o que já foi e aquilo que ainda não é, a

Dr. Emídio Sousa, Vice-Presidente da Câmara Municipal, Drª Dona Maria Luísa, a representante da Assembleia de Freguesia, Dr. Fernando Sampaio Maia e o Prof. Doutor Eugénio dos Santos.


Não foi meu objectivo vir falar-vos das grandezas da vossa terra, materializadas no património deixado pelas sucessivas gerações dos que nos precederam. Basta circular pelas ruas e caminhos, olhar a herança de outrora e mirar o que se executou nas últimas décadas, para avaliar a vitalidade da vossa gente. Esse passado conhecem-no bem os sanjoaninos. Ele se alonga desde a época romana até aos nossos dias: igrejas, capelas, solares, quintas, caminhos e veredas, fábricas e residências, campos e jardins, traduzem a actividade de pessoas laboriosas e bairristas. Felizmente há documentos bem antigos que nos permitem conservar uma memória bem documentada da vossa vila, alargando-se desde o século X (com o famoso Livro Preto), passando pelas memórias paroquiais setecentistas, atravessando os séculos XIX e XX, com muito material de estudo disponível. Algum dia surgirá uma monografia, larga e solidamente documentada, que a terra bem merece. Aquilo que hoje me proponho abordar constitui uma página modesta, se bem que importante, do passado de S. João de Ver, visto à luz de documentos Ínicio da Sessão Solene. expressivos da vida e dos comportamentos das suas gentes. Gostaria, desde já, de vo-lo anunciar, em termos muito genéricos. Falarei da emigração para o Brasil, nos finais do século XIX e nos dois primeiros anos do século XX. E, desde logo, prevenirei quem me ouve de que assumirei um discurso completamente inusitado e de contra-corrente. Na verdade, quase sempre, ao falar-se de emigrantes portugueses que escolheram o Brasil como destino, se dirigem os focos da luz para aqueles que singraram, que foram bem sucedidos e que, de qualquer forma, depois projectaram a sua influência sobre a sua terra de nascimento. Fizeram-no de muitíssimas formas.

Umas, as mais públicas e notórias, devem-se à construção de palacetes vistosos e imponentes, a que vulgarmente chamamos casas de brasileiro e que se encontram espalhadas por todo o país. Outras, também de impacto público, corporizam-se em obras de beneficência a desfavorecidos, em hospitais, em investimentos públicos em escolas, estradas, igrejas, capelas, irmandades e afins e outras, ainda mais discretamente, em empreendimentos fabris, em compra de terrenos ou casas para os próprios ou para familiares, em assistência regular a pais velhos ou irmãos carenciados e, por último, em

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investimentos que muitos deles fizeram sobre filhos ou outros jovens, mandando-os estudar para as universidades, a fim de obterem um diploma de ensino superior e, desse modo, assegurarem um futuro social desafogado. Conhecem-se dezenas destes casos, os quais honram a memória de quem investiu na inteligência nacional e claramente percebeu a evolução das sociedades modernas. A todos esses e a muitos outros que permaneceram para sempre no Brasil, em situação familiar estável e economicamente desafogada e bastantes até endinheirados, nós costumamos designar por brasileiros


bem sucedidos. Lembram-se deles a literatura, a despeito do seu exotismo comportamental e do sotaque estranho, mas igualmente as memórias locais, as lendas, as histórias picantes. Desses sempre se ouviu falar e muitos provocavam inveja e espanto aos nossos antepassados. Deles, desculpese-me a expressão, reza a história. Pois bem, em contra-ciclo, a minha abordagem de hoje assume uma perspectiva bem mais modesta e, quiçá, mais pessimista: falarei dos que se perderam, dos que emudeceram e de si quase não deixaram rasto. Apesar disso, julgo que merecem o nosso respeito. E eu curvo-me perante a sua memória.

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As condições de vida dos nossos antepassados, sobretudo das zonas rurais, desde a região das Beiras, a Trás-os-Montes, Douro e Minho foram marcadas por enormíssimas dificuldades, que hoje quase nem conseguimos imaginar, em toda a sua dimensão. A habitação, a alimentação, o vestuário, a instrução, os transportes, a saúde e a segurança mantinham-se num limiar de primitivismo e de carências quase indescritíveis. E isso arrastou-se durante todo o século XIX e prolongouse até cerca de meados do século XX. Aliás, as duas grandes guerras mundiais, de 1914/18 e de 1939/45, provocaram uma vaga ainda mais acirrada de miséria que se arrastava desde o século anterior. Muita gente passava fome e os ranchos de pedintes pelas portas, sobretudo nas aldeias feirenses, sucediam-se todos os dias da semana. Os pobres aceitavam tudo, desde pão, sopa, bebida, e qualquer trapo de roupa aproveitável, sobretudo nos meses de frio. A sociedade portuguesa rural, salvo as excepções sempre verificáveis, raiava a miséria, tanto alimentar, como habitacional ou de vestuário, e isto em grande escala. E, apesar disso, o número de bocas e de corpos continuava sempre a crescer, designadamente entre os menos bafejados pela sorte. Daí o recurso à emigração, ao menos para os rapazes ou homens novos, com saúde e força. Muitos deles, ao nascerem, quase carregavam consigo a marca e o ferrete de atravessarem o mar, fugindo à fome e à escassez de horizontes. A sociedade assumia sobre a emigração uma atitude de conformismo, de inevitabilidade, uma vez que a conhecera desde sempre. Diga-se, aliás, que emigrar não se tornara apanágio apenas dos portugueses, dos espanhóis, dos italianos ou dos gregos. Não. Desde 1850 os navios a vapor que sulcavam o Atlântico carregavam no seu bojo levas de jovens, sobretudo homens, que foram construir as Américas. Os italianos, que, a partir de

certo momento, começaram a deslocar-se em famílias inteiras, designavam o movimento como “fare l’America”, fosse ela norte, centro ou sul (Brasil e Argentina, especialmente). Do nordeste de Portugal e da Espanha saía tanta juventude que um autor desse tempo chamou ao Norte de Portugal e à Galiza “a terra dos adeuses”. As autoridades lusitanas bem sabiam que empurrar os braços dos seus jovens para fora equivalia a ir empobrecendo o país. Mas … havia uma contrapartida: as divisas que muitos deles depois mandavam permitiam ao Estado ir equilibrando o seu orçamento. Portanto, teoricamente estava-se contra essa prática (caso de Oliveira Martins, por exemplo) mas, na prática, algum progresso e modernização da sociedade ficavam a dever-se aos “brasileiros”. E o que se afirma acerca de todo o Portugal também é extensível às nossas aldeias e vilas e, portanto, a S. João de Ver. Mantenho uma pesquisa em curso desde há alguns meses, a qual pretende inventariar todos os dados possíveis sobre os emigrantes que partiram das terras da Feira. Recolhi cuidadosamente tudo o que se relaciona com a vossa terra. Disso vou dar-vos conta. À partida, contudo, convém lembrar alguns aspectos. Primeiramente, só apurei aqueles que emigraram legalmente, através do passaporte passado pelo governo civil de Aveiro. Tenho consciência que muitas outras saídas houve e das quais não ficaram registos em Portugal (fuga à incorporação militar, a situações familiares insustentáveis, às autoridades). Em segundo lugar, direi que os meus dados apenas cobrem os anos de 1883 (não há anteriores) a 1888 e de 1900 a 1902, uma vez que a pesquisa continuará. São mais de 10 anos em análise, o que fornece indicadores, como é óbvio. Fixemo-nos nos elementos recolhidos. Em média, abandonaram a freguesia 10 emigrantes por ano. Se bem que este número não seja extraordinário, ele constituía uma verdadeira sangria demográfica, tendo em conta que a população de outrora se encontrava rarefeita e que estes só se contam entre os que partiam legalmente. Haverá que juntarlhes os ilegais, o que, no mínimo, faria duplicar os números. Assim sendo, assistia-se a uma verdadeira hemorragia no tecido orgânico da aldeia. Quem partia? Essencialmente, homens jovens. Mas igualmente varões de meia idade (40 anos ou mais) e até alguns velhos. Presume-se que estes fossem chamados por familiares, os quais lhes ofereciam lá melhores condições de vida. O mesmo sucede com mulheres, tanto casadas, como solteiras, ou viúvas, com ou sem filhos.


Aspeto da sala onde decorreu a Sessão Solene.

Quanto às profissões declaradas haverá algumas surpresas. S. João de Ver era uma terra de serradores, assim como as aldeias vizinhas de Riomeão e de Nogueira da Regedoura. Muitos deles rumaram a Manaus, sobretudo na virada do século, mas a maioria dirigia-se ao Rio de Janeiro. As demais habilitações profissionais ora são explícitas, como pedreiro, serralheiro, carpinteiro, caixeiro, ora mais genéricas, como lavradores, trabalhadores, negociantes, artistas. Aliás, lavrador constituía uma designação equívoca, sendo alguém que trabalhava na agricultura e afins. Mas …, em que condições? Como pequeno proprietário, ou como arrendatário? Genericamente designava-se por agricultor alguém que não possuía outra habilitação profissional adequada. Só assim se pode explicar que uma criança de 13 anos seja rotulada como agricultor. Diríamos, em função dos dados, que partiam os mais pobres, frequentemente acossados pela fome ou pela incapacidade de aceder a uma vida materialmente mais digna, sobretudo se se tratasse de casados com filhos menores. Iam também à procura do El Dorado aqueles aos quais parentes ou amigos do outro lado do mar acenavam com uma vida mais fácil e próspera.

Quanto à literacia, refirase que o panorama não será tão negro, embora também não seja lisonjeiro, como, por vezes, se diz. Haverá cerca de 50% de alfabetizados e outros tantos analfabetos. Os solteiros constituirão uma ligeira maioria, mas os casados contam-se igualmente em bom número. E alguns em idades superiores aos 45 anos, o que é algo surpreendente. Isso sucedeu, como se referiu sobretudo após a virada do século. Não sabemos porquê. Talvez as condições de vida se tenham tornado ainda mais penosas para os sanjoanenses nesse período! Em contrapartida, o número dos que escrevem agora supera bastante o dos analfabetos. Uma última questão que nos fica no ar: quantos dos que partiram regressaram, quantos mantiveram o vínculo à terra, quantos enviaram para cá divisas? Não sabemos, ao menos para já. Só uma reconstituição das famílias a que pertenceram nos poderá ajudar a responder. Fica o desafio, o repto aberto aos investigadores futuros. Uma constatação se nos impõe: S. João de Ver serviu-lhes de berço, forneceu-lhes os seus valores e comportamentos, preparou-os para a vida como pôde e soube e, por fim, assistiu ao drama do seu adeus, definitivamente, aliás, para muitos. Do lado de cá ficou o luto por homens vivos. Para concluir, permitam-me que mergulhe nas minhas próprias raízes sanjoanenses. Sou neto materno de um homem de Albarrada, que conheci muito bem e de quem fiquei com excelente imagem, tanto no plano humano, como familiar. Bondoso, trabalhador, honesto e caritativo saiu daqui quando casou, mas mantinha o vínculo afectivo à sua terra. E também conheceu as agruras e as vicissitudes da emigração para o Brasil. Aportou, em data que ainda não apurei, ao Rio de Janeiro, juntando-se aos irmãos que já lá

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viviam. Levava consigo o sonho de todos: trabalhar e viver honradamente, longe dos pais e das irmãs. O clima carioca, porém traiu-o. Sofria de bronquite asmática e não suportava a humidade fluminense. Foi forçado a regressar. Contudo, a família estava radicada nos dois continentes. Foram seus pais, portanto meus bisavós, João Ferreira da Silva e Felismina Rita da Silva, ele natural do lugar de S. Bento desta freguesia e ela também sanjoanense, do lugar de Albergaria, respectivamente de 24 e 23 anos. O casal constituiu-se canonicamente em 1871, a 31 de Janeiro. Deste tronco nasceram nove rebentos, entre 1873 e 1890, cinco mulheres e quatro homens. Até aqui tudo normal e corrente. As famílias costumavam ser numerosas e esta não foi excepção. O mais estranho é que todos os homens emigraram para o Rio de Janeiro, ao que parece em tenra idade. O pai, ora surge na documentação como ferreiro, ora como agricultor, o que sucederá também ao filho Manuel, meu avô, o mais jovem dos rapazes. A família cresceu sempre até 1890 e os recursos para tantas bocas e tantos corpos certamente escasseavam. A profissão paterna, com uma mãe doméstica, não traria grandes réditos à família. Mas porque é que os rapazes rumaram ao Brasil? Não se sabe. Porém, suspeito que um familiar próximo, talvez tio paterno, os tenha atraído a partir de lá. Na verdade, em 1885, Joaquim Ferreira da Silva, caixeiro, solteiro, havia obtido passaporte para o Rio de Janeiro. Ora o João Ferreira da Silva, pai dos moços, era filho de um José Ferreira da Silva, também de S. Bento, como o pai do tal Joaquim. Aliás, os Ferreira da Silva, ou Ferreira da Silva Lamas, de S. Bento, comungavam

de idêntico sangue de raiz. O certo é que, em 29 de Agosto de 1888, foi passado passaporte para o Rio a Alberto Ferreira da Silva, de 11 anos, solteiro, filho de João e de Felismina. E a este seguiram-se os demais irmãos, a saber, Altivo, nascido em 1881, Celestino, nascido em 1884 e, finalmente, Manuel, nascido em 1887. Isto é, quando o mais velho partiu, a menina mais nova, Olímpia, ainda não nascera e o irmão Manuel contava apenas 14 meses incompletos. A pressão emigratória fora destroçando a família, amputando-a dos varões dos quais apenas o mais jovem regressou e por razões de saúde. Todos os outros lá permaneceram definitivamente. De alguns, ao que se presume, nem rasto ficou. Apenas o último manteve algum contacto epistolar com a família de cá. Os homens partiram, as mulheres ficaram. Se o que faz a riqueza das nações são as pessoas, o país ficou mais pobre ainda. Este caso parece-me paradigmático. Não deve ter sido o único, mas ilustra bem como o berço de muitos seres humanos pode ser madrasto e deixar uma marca amarga em quem foi forçado a deixá-lo em tenra idade. Talvez por isso mesmo o procurasse esquecer, tantas agruras e dramas evocava! Enfim, as páginas da história desta vila não são todas luminosas, nem de agradável leitura. Os dramas, os pesadelos e as lágrimas silenciosas também fazem parte da nossa história, como é o caso.

S. João de Ver, 30 de Junho de 2011


LIVRO MANUEL LEÃO Apresentação**

Dom Carlos Moreira Azevedo*

Em boa hora Joaquim Azevedo, presidente da Fundação que edita esta obra, insistiu com o tio padre para levar mais longe uns apontamentos a que se dedicara no final dos anos oitenta. Assim continuou a passar a escrito, nos últimos meses de vida, a enorme quantidade de recordações que mantinha encadeadas como cerejas. Aqui vemos, hoje, o resultado desse trabalho, em grande parte realizado já numa fase na qual as forças físicas iam diminuindo, não permitindo uma escrita prolongada e clara. Assim se compreende a ausência ou pouco desenvolvimento de informações relativas a rostos e instituições com quem manteve profunda relação e das quais tinha muito a contar. O livro, acrescentado com fotografias recolhidas sobretudo na família e amigos, foi articulado em cinco partes (Antecedentes familiares; a formação; atividade pastoral no ensino; acção social em Oliveira do Douro e Gaia; investigação). Demos-lhe o título geral de Rostos e espaços de uma vida: notas autobiográficas. A beleza gráfica foi cuidada com dedicação. * Delegado do Pontifício Conselho da Cultura. **Casa Museu Teixeira Lopes no dia 13 de Outubro de 2012

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É o próprio Autor a expor as vantagens deste tipo de obras para a história de um povo: “A fixação de memórias do passado importa para transmitir factos, mentalidades e, assim, retratar aspectos, porventura, marcantes das tradições ligadas ao património familiar.” Consciente do valor desta fixação deixou-nos um testemunho, eloquente e despido de retórica, do que foram os factos atentamente observados, ofereceu-nos um contributo para perceber a mentalidade que lhes estava subjacente. Optei, nesta apresentação, por deixar falar o Autor, escolhendo extratos da obra, para impedir a retórica que Manuel Leão não apreciava. Manuel Leão cultivava o gosto pelas poucas palavras. A capacidade para, em quatro penadas, apanhar a essência de uma personalidade era sobejamente conhecida e fica bem patente nesta obra. A avó materna é caracterizada numa linha: “era uma pessoa pacífica e amiga, mas dela ficou-me um ar de tristeza e distância.” Da avó paterna, Luciana Alves Moreira dá-nos retrato físico e psicológico: “era uma pessoa mais franzina, com as mãos deformadas pelo reumatismo. O rosto ósseo, como era vulgar na maioria da família Moreira, não a tornava distante das pessoas com quem falava. Fiquei com a impressão marcante da sua capacidade de dialogar sem barreiras etárias.”


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Padre Manuel Leão.

Mostra a arte da síntese nas caracterizações de diversos familiares: o tio padre José, pároco de Oliveira do Douro até 1960, “era uma espécie de oráculo, pelo seu porte apurado para com todos.” “Para a nossa família, era uma referência.” Define a tia Maria: “A sua linguagem reflectida, a sua visão concreta das situações faziam dela uma pessoa de consulta obrigatória em decisões com algum alcance.” “A tia Emília,

pouco afirmativa, mas pessoa bem-humorada, com espírito observador, fazendo comparações de fisionomias e figuras, com veia satírica e jovial. Numa visita que lhe fiz, tempos antes da sua morte, mas sentindo-se ela em situação decadente na saúde, observou-me, quando lhe perguntei como estava, com o seu constante bom humor. Respondeu que estava como os caseiros que não pagavam a renda ao senhorio. Ia ser despejada.” A tia Albertina: “Era pessoa bondosa e esmoler, mas tinha o coração perto da boca. Reagia destemperadamente.” “O tio Roberto era uma figura simpática, que sempre nos acarinhou. Fazia a gestão dos negócios da casa: compra e venda de gado, administração dos pinhais, colheitas e armazenamento de cereal: milho, centelho, aveia e trigo, etc.” Além deste vigor sintético, notei que, em diversas ocasiões, nestas memórias Manuel Leão revela a surpresa admirada, o olhar disponível para registar o que vê pela primeira vez. É o que acontece na Casa da Herdade. Ali havia “cavalariça, onde vi nascer um poldro, admirando-me, como criança, como a cria se ergueu, pouco depois de ter nascido.” Menos encantador, mas não menos marcante, é a experiência que narra quando, “tive, pela primeira vez, contacto com a morte. Tinha morrido uma criança no fundo do lugar, numa casa térrea, a seguir a casa da Laranjeira, pertença de meus avós, em frente a casa do Laró. Era uma família em discórdia, porque apareceu um homem que perante lágrimas dos adultos, disse que cortassem cebola, sugerindo que estariam a chorar sem sentimento, apenas para serem vistos.” A ida para o Seminário em 1930 levou Manuel Leão a contactar com o meio semiurbano, muito diferente de Milheirós. Assim observa: “Mais estranheza experimentei quando vi o primeiro carro fúnebre, puxado a mulas, com uma caixa aberta, tendo uns cortinados pretos pendentes. Em Milheirós havia poucos funerais, mas conduzidos a pé.” No Seminário de Trancoso, “pela primeira vez, vi uma tartaruga num pequeno lago que existia na entrada da casa.” Estas duas características, de observador psicológico e de olhar disponível para o novo, são postas ao serviço de uma preciosa recolha de dados. Esta obra, de facto, permite recolha de informações preciosas: as histórias contadas à lareira, bendito antecedente da televisão; as viagens ao Porto em carros de bois; a festa dos linhares, no tempo em que se cultivava linho em Milheirós; os métodos do dentista de Sanfins, onde iam as pessoas de Milheirós.


Não falta o retrato de pessoas típicas, como quando descreve: “O pobre mais típico, pelo menos para mim, era da Palhaça. Chamava-se José da Sapateira. Não sei por que razão esta imagem não foi apagada da minha memória. Era um revoltado contra a família dele, principalmente uma sobrinha que ele classificava como “luxo da porcaria”, entre outros epítetos.” Além da casa da Herdade e da Casa do Outeiro, descreve as famílias principais de Milheirós. Oferece elementos para a história do ensino primário nos anos 20, com locais e mestres. Também a vida dos Seminários, por onde passou, fica profundamente registada com histórias e pessoas. Faz confissões sobre os seus gostos da comida seminarística: “À mesa, tive de me habituar a comer aquilo que em casa não

comia, por não gostar: sopa de nabo ou de abóbora-menina.” Quando o Dr. Sebastião Soares de Resende foi para professor do Seminário, o P. Serafim, Pároco de Milheirós, tinha receio das informações que desse poderem ser contraditadas pelo conterrâneo. Nesta autobiografia confessa o conselho do pároco: “A mim, disse-me com amizade para eu ir a horas à missa da semana, quando lá estivesse o Sebastião, porque ele informava bem a meu respeito, mas receava que o Dr. Sebastião o desmentisse, porque eu tinha sono pesado e ou não ia ou chegava atrasado. O abade celebrava muito cedo, durante a semana. Havia lavradores que diziam ao abade que se conhecessem um jornaleiro tão madrugador como ele o contratariam em melhores condições.” Fala dos mestres do Seminário e dos colegas. O retrato do ambiente seminarístico é fidelíssimo à realidade. Não posso dispensar-vos de ler o

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Dom Carlos na apresentação do livro e Mesa da Presidência.


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livro, mas pela incidência feirense, cito este saboroso naco narrativo: “Dos alunos que conheci todos mereceram estima, de acordo com o seu perfil, embora eu não tivesse feitio para grupinhos. Lembro-me de ter consumido uma vez ou outra, por exemplo o Terra, mais tarde brilhante médico na Vila da Feira. Por travessura, achava graça vê-lo zangado. Havia outro feirense, o Correia de Sá, com quem me dava bem, que tinha um humor verrinoso que cultivava na forma de epigrama. Um dia esteve para haver pancada séria, porque o Ferreira de Oliveira fumava às escondidas e o p. Ferreira da Silva, por alcunha o Patego, tirou-lhe os cigarros. Como a poesia deixava o aluno mal colocado contra a expectativa, foi preciso acalmar, evitando mais uma pugna, porque o Sá ganhou a alcunha de Heresiarca, porque alguém se aproveitou da expressão dele, falando da ´minha Bíblia´, interpretando-a como versão pessoal.” Ficamos a saber que esteve para ser expulso da aula pelo professor de matemática porque este era incompetente. E mais nos diz: “Faltava à ginástica para ficar no quarto a ler. O primeiro trabalho literário que escrevi foi sobre Sá de Miranda, para ser lido na aula, a convite do P. Pinheiro.” Conta-nos peripécias com professores, como as do célebre P. Miguel, professor de latim: “A primeira foi a solta dum ratito na aula. O Mário Presa, de alcunha Sardão, apanhou um ratito e aliciou-me para eu o soltar na aula. Recusei, retorquindo que o levasse que eu e outros perseguiríamos o animal. Assim aconteceu. O Presa e eu estávamos sentados na aula, na parte de trás. Ele soltou o rato e gritou. Foi quem mais atirou livros ao ratito. O P. Miguel levantou-se para acalmar a turma e disse que já tinha passado.” Manuel Leão foi sobretudo um padre dedicado ao ensino, à educação. Para tratar o tema da educação cristã em família refere, a dado momento, um dado pessoal que confirma quem bem o conheceu: “É mais marcante o procedimento global não intencional das pessoas do que a arquitectura das palavras. Como sempre cultivei espírito de observação sobre aquilo que me parecia essencial, nas primeiras vezes que acompanhava o meu pai, aliás com os meus irmãos, reparei no rosto dele, voltado para o sacrário, quando fazia a sua expressão oral de oração pessoal, antes da celebração eucarística começar. Intrigou-me observar um ar de alegria, embora, posteriormente, lhe tenha feito qualquer reparo. De muitas outras reacções, ficou-me a ideia herdada sobre a religião como assunto sério.”

Tão sério era que declara perentoriamente: “Em minha casa, não entrava a superstição. Meu pai conheceu cenas caricatas desempenhadas por supersticiosos”. E cita um exemplo tao curioso quanto divertido: “Meu bisavô não acreditava nem em bruxas, nem em folclóricas aparições nocturnas. Certa noite cerrada, os bois que puxavam um carro estacaram. Meu bisavô avançou para ver o que tinha acontecido. Encostada a uma parede estava uma mulher conotada com essas actividades crendeiras, a qual cheirava muito mal, razão para os animais terem parado.” Pelo modo como valoriza a dimensão pedagógica reconhecemos que estamos perante um professor de larga experiência. Curioso é o episódio que narra acerca de António Ferreira Gomes. “um dia fui chamado ao gabinete do Dr. Gomes. Fui sem medo, porque não estava envolvido em nenhuma complicação disciplinar. Era para me convidar para uma palestra sobre uma aurora boreal que tinha sido vista no Porto. Isto era em 1939 talvez. Recusei dizendo mesmo que não estava habilitado. Ele riu-se e nem respondeu. Deume dois exemplares da revista Science et Vie, onde encontrei alguns elementos sobre a passagem de fluidos eléctricos em meios gasosos. Quando tinha escrito o trabalho fui apresentá-lo. Depois, marcou o dia para a exposição, no salão de festas, para toda a casa. No dia, estava afixado à porta do refeitório um resumo da palestra. Lá fiz o trabalho com apoio de máquinas eléctricas que hoje são peças do museu da ciência. Esta situação por que passei veio a ter efeito pedagógico sobre o meu estudo no ano seguinte, em que tínhamos duas aulas diárias de Filosofia com ele mesmo professor. Não queria desmerecer na confiança que tinha depositado, a meu ver, sem razão suficiente, na minha sabedoria de Física.” Desenvolve as suas memórias sobre os diversos professores, com referências muito interessantes sobre Xavier Coutinho, Pereira Lopes, Lopes Rodrigues, Ferreira Pinto, Correia Pinto, entre outros. Relativamente aos diretores espirituais cita o jesuíta P. Durão e conta: “O P. Durão era uma pessoa acessível e chegou a convidar-me para entrar na Companhia de Jesus. A resposta negativa foi imediata, porque eu tinha estudado o meu caso pessoal com certa amplitude. Tive vários colegas que se arrastaram na indecisão, porque houve uma fase bastante negativa, coincidindo com uns jesuítas que não tinham preparação para dirigir um seminário teológico. Ou faziam retórica fácil ou entretinham-se em artifícios que nada tinham a ver com a espiritualidade. Não costumava visitá-los.”


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Aspeto da assistência.

Com detalhe dá a conhecer como acabou por ir parar ao Colégio de Gaia. Porque tece o texto com muitas informações sobre as alternativas que o Bispo colocou sobre o seu futuro, é melhor ler: “Comecei a minha carreira naquela casa, supondo que seria até acabar o ano lectivo. Quando este chegou ao fim, disse ao P. Nédio que me ia embora. Respondeu que não fosse, porque devia continuar mais um ano, por opção do senhor bispo. No fim do segundo ano da minha actividade, tomei a mesma decisão, mas a resposta foi a mesma, que não tivesse pressa. Um dia fui chamado ao Paço e D. Agostinho deu-me à escolha algumas freguesias, sendo uma delas Vale, na Feira. Aceitei esta e fui comunicar-lhe, mas ele disse-me que não queria que eu fosse para tão longe. Por aí fiquei, tendo sido falado para paroquiar Valadares. Mais tarde um pouco, quando a diocese recebeu o Colégio de Ermesinde, estive entre os indicados para assumir essa

responsabilidade. Éramos dois! P. Miguel Sampaio e eu. O P. Nédio fez pressão para que eu ficasse. Já tinha tomado o pulso ao Colégio, onde comecei a leccionar, passados dois anos da minha ida para o Seminário de Gaia. Naquele mesmo ano, o P. Abreu Freire tinha deixado o Colégio de Gaia, para entrar na direcção do Colégio Universal. Tomei, portanto, o seu lugar como sub-director do Colégio de Gaia.” O crescimento do Colégio de Gaia foi notável. Basta ler: “Quando tomei conta do colégio, a população escolar não excedia 150 alunos; estes alunos, embora limitados a esta centena e meia, não tinham nem recreios capazes, nem salas razoáveis.” A forma como encarava os problemas era decidida, como líder que sabe atingir os objetivos: “Em conversa com D. António sobre o Colégio, abordei o assunto com seriedade, dizendo que, se a Diocese não tinha capacidade para ter um colégio com os requisitos actuais, então fechasse este.


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Ele disse-me imediatamente que ia consultar o Cabido, como dizia o Direito Canónico. Não perdi tempo, sabendo que, então, os bispos não contrariavam os cónegos. Tratei de conseguir maioria entre os cónegos, que eram em reduzido número.” Aborda detalhes das obras, opções de construção, estratégias de poupança no andamento dos trabalhos, etc, etc. A memória é muito viva e retém detalhes mesmo afetivos e plenos de gratidão, como este: “Ainda estou a ver o José Vieira empoleirado num andaime, no exterior do pavilhão número dois a ensinar ao trolha como realizar o seu projecto decorativo daquela superfície. Tinha-lhe morrido a esposa Maria Angelina num desastre que impressionou todos quantos o conheciam. Não significa que eu não reconhecesse o trabalho dele e de outros, mas eles não trabalhavam por mercenarismo.” A crónica das construções é pormenorizada e clarificada, por exemplo nestes termos: “A construção da piscina foi complicada, começando pelo tanque da água. A malha de ferro foi reforçada com todo o cuidado do engenheiro Sousa Lopes. As toneladas de água em movimento forçam as paredes que devem ser muito bem defendidas. Não foi fácil a construção, que coincidiu ainda com obras na casa e o dinheiro nunca abundou, sendo muitas vezes pedir a Pedro para pagar a Paulo.” Faz memória do P. Alfredo Soares de Almeida, P. Remígio Alves de Freitas, P. António Maria de Abreu Freire, e tantos outros, salientando virtudes e lacunas. Só para aliviar ouçam esta: “Ainda conheci no Colégio um professor que também leccionava na velha Oliveira Martins, o Dr. Eugénio dos Santos. Ficou notável no Francês. Era aceite pelos alunos, embora usasse uma linguagem hoje insustentável, chamando burros aos alunos, com milhões de rr.” Na enumeração e caracterização dos mestres não esquece os professores do ensino primário nem o pessoal não docente. Tem consciência grata para com todos os colaboradores, mas não dispensa ou dilui a sua própria responsabilidade. Em poucas linhas define uma estratégia e um modo de ser: “A grandeza do que ficou feito dependeu do esforço de toda a equipa de servidores, em pouca escala dos dirigentes que estavam em internato enquanto professores. Não tinha grandes explicações por eles estarem fora da planificação que mentalmente eu tinha feito, embora houvesse quem me

acusasse de autocrata. Sempre entendi que a diluição de responsabilidade nas iniciativas escolares apenas conduzia à irresponsabilidade.” Deixa bem clara a razão da sua atribulada saída do Colégio de Gaia e como pediu a demissão ao Senhor D. Júlio. Deixa-nos elementos para conhecer como nasce a Escola Profissional de Gaia.“Já estando fora do Colégio, chamei o Vieira e dei como definitiva a criação duma Escola Profissional de Gaia, visto que tive possibilidade de terminar uma análise ao quadro legal desta modalidade de ensino. Sugeri ao Professor Vieira a constituição dum grupo por convite ao Dr. Aires Fernandes Lousã, economista, e ao Eng. Jorge Ataíde Coelho Antão, electrotécnico. Começámos a reunir em casa do Eng. Antão, onde o Rui - uma criança encantadora servia um saboroso café. Fiquei no grupo, pois a minha longa experiência permitia estabelecer consensos entre formações tão díspares.” Talvez menos conhecida, por alguns, é a vertente social do P. Manuel Leão. Reserva algum espaço às diversas tentativas associativas às quais emprestou o seu dinamismo prático. Oliveira do Douro e Gaia são o terreno deste agir concreto. E retira conclusões pastorais da ação desenvolvida: “Fazendo uma retrospectiva mental desta época, posso concluir que concorreu para varrer deste ambiente social um certo ar de animosidade contra o trabalho dos padres fora da igreja.” Para percebermos a necessidade de ação, o Autor destas memórias traça o enquadramento com suas habituais pinceladas impressionistas: “Havia uma verdadeira praga de tuberculose pulmonar, numa época ainda anterior ao aparecimento dos antibióticos. As habitações insalubres e a alimentação insuficiente contribuíam, em larga escala, para que a tuberculose dizimasse vários membros da mesma família.” Para justificar uma tentativa de cooperação industrial refere: “Havia uma série de indústrias de calçado, com predomínio de calçado de senhora e criança, em Oliveira do Douro. A precaridade do trabalho era provocada pela mudança de modelos em cada estação, pela falta de encomendas, pelas condições climatéricas e pela má administração de muitos empresários.” Também no ensino se abalança no associativismo: “Gastei bastante energia e tempo em actividades associativas. Durante o ministério da Educação de Veiga Simão, o ensino particular esteve sob fogo. Lançou mesmo uma verdadeira campanha ameaçadora que levou os responsáveis a uniremse para tentarem resistir, embora muitos não tivessem


conseguido, ou venderam, ou alugaram ou fecharam.” … “Fui dirigente nacional e distrital, mas desalinhei, por ver alguns oportunistas a assenhorearem-se das posições em proveito das suas casa e menos atentos aos interesses gerais.” Também se dedicou à Fundação P. Luis, sobre cujo criador escreveu uma biografia, com depoimentos pessoais que recolheu nos contactos com o benfeitor social. Sigamos o critério por que optamos e ouçamos ainda o memorialista: “Outra participação em actividade associativa foi a abertura dum balcão de Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, no concelho. Apareceu-me um pequeno grupo chefiado pelo Dr. Cândido Gamboa, advogado na Feira e natural de Riomeão, que tinha sido aluno do Colégio. Fizemos algumas reuniões e dei-lhes apoio para o balcão abrir. A orientação que seguiram não foi a melhor no que diz respeito à concessão de crédito a indivíduos cujo perfil financeiro era negativo perante o Banco de Portugal.” O gosto pela investigação estava na massa do sangue do P. Manuel Leão, mas a gestão do Colégio de Gaia não permitia distrações e não abria as tréguas necessárias. Assim se exprime: “Como nunca fiz vida de café, a partir da minha vida desligada do Colégio de Gaia, dispus de muito tempo

para realizar alguns objectivos específicos ligados à história quer do Porto quer de Gaia. O Arquivo Distrital do Porto, o Arquivo Histórico Municipal do Porto, o Arquivo da Santa Casa da Misericórdia do Porto, o Arquivo Distrital de Braga, o Arquivo Distrital de Aveiro, o Arquivo da Universidade de Coimbra ocuparam-me anos sucessivos. Passei alguns meses no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. O Arquivo do Ministério das Obras Públicas, o do Ministério das Finanças, o da Alfândega também atraíram o meu interesse.” A este trabalho sobre as fontes se deve o bom acolhimento dos investigadores às suas publicações. Trazem a terreno novos dados hauridos nos Arquivos. Assim se renovam perspetivas e se constrói uma história da arte e dos costumes mais verdadeira. Por serem baseados nas fontes os seus estudos são largamente citados. Termino. Com esta publicação entenderemos melhor porque é que a família tem honra neste tio, Gaia admira este educador de gerações, os amigos agradecem a sua vida dedicada ao bem-fazer, os investigadores apreciam os seus estudos e a Fundação prossegue no seu espírito.

Capa do livro

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Foto Arlindo Costa

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JANELA DO MUNDO anaas* há um ninho na palma da minha mão que acolhe o sonho como um sorriso aberto à pedra, ao muro pouco resta de um tempo de tranças no cabelo e o meu corpo dado à luz reveste-se de uma nova pele há um ninho na palma da minha mão onde guardo as cantilenas, os peluches, a fantasia de um céu estrelado (e um baú de nome inocência, enfeitado com sopros de azul e aroma de groselhas e canela) abro os olhos em árdua tarefa perco-me na paisagem na passagem na curva pesada da estrada no rasto do sonho de ser criança longe das muralhas futuras ouço risos uma chuva colorida que já não me abraça e neste trilho de estrelas tristes piso um chão de palhaços de papel

solto os cabelos por sobre os ombros pinto no rosto uma aventura o meu corpo cresce deixando atrás um outro corpo uma outra vontade de ser (a impaciência de uma longa espera) há uma janela no caminho que me distrai da mó da água do tempo do vento e em mim um querer um coração ansioso um ninho na palma da minha mão a que me agarro com a força das raízes e a brandura das flores há uma janela no mundo livre de palavras cativas e paisagens perenes aberta ao vale das brumas onde as minhas borboletas anoitecem há uma janela no deserto do mundo e a minha sina é esperar… ANAAS – Ana Almeida Santos, natural do Porto, autora do livro Confissões debaixo da Cama, de textos publicados na revista Piolho, poemas no livro Verticalidades/Horizontalidades do Barroso e na galeria Vieira Portuense, obra coletiva. Citação própria: “Entre o que sou e o que quero, a alma em que me vou inventando”.


FUNDAÇÃO SPES Porto, 13 de Outubro de 2012 Dom Carlos Moreira Azevedo* Palavras de Abertura A Fundação Spes não podia deixar de celebrar os 50 anos do início do II Concílio do Vaticano. Este Colóquio é uma forma de contribuir para a variedade de iniciativas, sendo fiel à identidade específica que presidiu ao desejo fundacional de D. António Ferreira Gomes. Entre os documentos do Concílio a Gaudium et Spes aborda as temáticas mais refletidas pelo Bispo do Porto e por esse motivo escolhemos para estar hoje connosco um especialista de teologia moral politica, Guy Jobin. A visão da Gaudium et Spes sobre a comunidade politica é limitada aos conhecimentos otimistas dos anos 60. Não se previa o cenário atual: o subjugar do politico aos golpes dos tirânicos poderes financeiros, a desmotivação para o exercício da cidadania e a perigosa erosão do sentido do politico nos cidadãos, a dificuldade enorme de fazer prognósticos a médio e longo prazo, a evidente ausência de finalidades para além da regulação técnica do nosso quotidiano. Muito menos se anteviam as gigantescas mudanças que aí vêm ainda. * Presidente da Fundação Spes. Delegado do Pontifício Conselho da Cultura.

O viver em comum não pode basear-se no mero instinto de sobrevivência. Os cristãos ainda se empenham no plano relacional, associativo, caritativo (com seu grande valor e geral apreço), mas é cada vez mais abandonado o campo propriamente politico. Como encontrar gosto para viver em sociedade, quando o espaço não é transparente e a ligação política se desfez, no presente, e está a hipotecar o futuro, financeira e ecologicamente. Este Seminário quer contribuir, no espírito conciliar e dentro da preocupação de D. António, para que a fonte do viver em conjunto jorre de novo. Na Gaudium et Spes a política é colocada para além do que a transcende – a dignidade humana, um “modo mais humano de viver”, segundo expressão textual. Onde buscar energias para uma participação ativa no bem comum e como encontrar o gosto espiritual para atuar com o discernimento dos sinais dos tempos. Há já homens e mulheres portadores desta energia e deste gosto? Não bastam mais exortações clássicas sem força. Cansam abstrações genéricas sem operatividade. O que significa concretamente “utilizar as vias e os meios próprios do Evangelho, que diferem em muitos pontos dos meios da cidade terrestre” (n.76,& 4-5). Urge um empenhamento dos cristãos para que possa erguer-se uma nova governança, com qualidade para inventar

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o futuro, que mais do que repetir doutrinas sociais, parta, como intuiu o Concílio, da força inovadora do Evangelho. Quando uns cedem à tentação de se fecharem, se refugiarem, em nichos de vida privada; quando outros ainda reforçam a solução na tecnocracia dos peritos, haja alguém que dê competência ao povo, respeite a visão plural do mundo, sem consensos regulados ou administrados e ouse, como Cristo, uma mudança messiânica no interior da história. A Igreja não pode cair no risco de identificar demasiado o Reino de Deus com o seu espaço específico. Jesus e a Igreja nascente procederam a um descentramento, muito necessário para que se advirta da ligação intrínseca entre a vinda do Reino e o emergir de uma vida em sociedade, que passa por um empenhamento político. Jesus deixou sinais messiânicos que mostraram a ligação entre os humanos na sua radical fragilidade. Seguir Jesus é abrir lugares para a alteridade, porque confiantes na liberdade dos outros e capazes de conter o poderio e a violência, conscientes de que a nossa liberdade se estende para além da morte e se alarga às gerações futuras. Descobrir pessoas com sentido do Reino de Deus, filhos da sapiência, os “mais pequenos do Reino” fará nascer uma cultura política de participação democrática e não regressar a totalitarismos de má memória, já a despontar em diversos lugares. Quem tem força moral para nos mobilizar para um estilo de vida simples e humilde, dialogante e exigente, pacífico, compassivo?

Quando um autarca, um político consegue mobilizar os habitantes e convencê-los do interesse do debate democrático, fazê-los entrar na inteligência coletiva do que está em jogo e suscitar nas pessoas capacidades para deixarem os próprios interesses, tendo em vista o bem maior de todos, não podemos senão admirar esta pessoa que se movimenta para pôr em marcha o combate contra as energias de morte que se desenvolvem no corpo social doente. Há que identificar microclimas políticos de mudança na sociedade portuguesa e figuras decisivas do viver em comum para com sabedoria planear um futuro com dignidade humana para todos. Este Seminário, com o precioso contributo de Guy Jobin e de Manuel Pinho Ferreira, amigo da Fundação Spes e estudioso de D. António, constituirá impulso para um futuro novo. Ao terminar o meu mandato como Presidente da Fundação Spes com este ato público, agrada-me que cumpramos uma finalidade apontada pelo Fundador: chamar especialistas para aprofundar a reflexão e levar-nos mais longe. Assim o caminho prossiga com novos promotores. Aos restantes membros do Conselho de Administração agradeço a participação e comunhão de sempre. A todos os presentes agradeço o interesse e a identificação com as causas que aqui nos movem.


DOM CARLOS MOREIRA AZEVEDO Assumiu a coordenação do setor do Património do Vaticano, por nomeação de Bento XVI* O bispo português D. Carlos Azevedo vai assumir a coordenação do setor do património no Vaticano, segundo informação da Santa Sé, datada do dia 18 de outubro, após Bento XVI ter unificado a Comissão Pontifícia dos Bens Culturais ao Conselho Pontifício da Cultura (CPC), cujo presidente é D. Gianfranco Ravasi. A mudança, decidida pelo Papa e comunicada através do documento (»motu proprio) Pulchritudinis Fidei (“Da beleza da fé”), entra em vigor no dia 3 de novembro, alterando assim a organização da tutela do património histórico e artístico de toda a Igreja Católica. Em declarações à Agência Ecclesia, D. Carlos Azevedo diz que a prioridade do novo departamento passa por “avaliar a concretização nas dioceses das orientações sobre catalogação, arquivos, bibliotecas e museus”. O delegado do CPC para os Bens Culturais deseja ainda que seja possível “promover o intercâmbio entre experiências positivas e ajudar tecnicamente Igrejas com mais dificuldades” * Voz Portucalense de 24 - 10 - 2012, que transcrevemos com a devida vénia.

considerando necessário “incentivar uma leitura plena, simbólica e teológica, das obras de arte religiosa da Igreja”. Outra das prioridades imediatas passa por constituir um grupo de música sacra que, em colaboração com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, “incentive a qualidade musical das atuais celebrações”. A mudança foi explicada por D. Gianfranco Ravasi, em entrevista ao jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, publicada esta quinta-feira, propondo um “novo conceito de cultura” que exige uma “simbologia de conjunto” e um trabalho de salvaguarda dos bens culturais que leve a “desenvolver a sua valorização e utilização ao serviço da nova evangelização e da dimensão estética no pensamento contemporâneo”. “É preciso evitar uma aproximação unicamente conservadora dos bens, é fundamental que haja uma fruição que gere prazer, que seja capaz de `encher os olhos’ a quem está habituado a ver só fealdade, edifícios horríveis e imagens banais”. A Comissão Pontifícia para os Bens Culturais da Igreja tinha sido instituída por João Paulo II em 1993, 11 anos depois da criação do Conselho Pontifício da Cultura, pelo mesmo Papa. “A unificação dos dois organismos sela assim um percurso de convergência – realizado também nas legislações de muitos

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países - rumo a uma visão cultural ampla e diversificada na sua estrutura e unidade orgânica, na qual o extraordinário património histórico e artístico da Igreja recebe um lugar mais digno nas atividades culturais promovidas pela Santa Sé”, explica um comunicado do CPC, publicado na página do organismo do Vaticano na internet. D. Carlos Azevedo foi nomeado por Bento XVI como delegado do Conselho Pontifício para a Cultura no dia 11 de novembro de 2011. Historiador de formação e membro da Academia Portuguesa de História, natural de Milheirós de

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Vaticano - Cidade.

Poiares, Santa Maria da Feira (4 de setembro de 1953), foi pároco na cidade do Porto, vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, na qual presidiu à direção do Centro de Estudos de História Religiosa de 1992 a 2001, e dirigiu o Dicionário de História Religiosa de Portugal, editado pelo Círculo de Leitores, tendo sido também presidente da comissão científica para a publicação da Documentação Crítica de Fátima (1998-2008). Foi nomeado por João Paulo II como bispo auxiliar de Lisboa a 4 de fevereiro de 2005 e ordenado no Porto, a 2 de abril de 2005.


Foto de Clara Azevedo

Desta vez, quero contar-vos uma história, a história do mês de Dezembro no que significa para mim. Uma forma de compor o outrora, recordando-o, e que revela «a noite que entra» e a «hora dos cansaços», metáforas usadas por Ricardo Reis para descrever a velhice, com as quais me sintonizo, mas em grande tranquilidade.

OUTRORA Maria do Carmo Vieira*

Dezembro era o tempo de usar as galochas, invariavelmente pretas, que durante o Verão se arrecadavam, colocando-se no seu interior uma mão-cheia de cravinhos-da-índia, cujo odor, ainda hoje, não consigo associar a qualquer prato culinário. Com essas galochas, palavra que tanto gostávamos de pronunciar, abrindo muito o «lo» e sibilando arrastadamente o «chas», nos libertávamos em poças, perspicazmente escolhidas, com vigorosos chutos na água enlameada, e em brincadeiras várias que de outra forma não nos seriam permitidas. As galochas exigiam, no entanto, cuidados especiais para que os pés não arrefecessem ao longo do dia, operação que requeria não só que nos levantássemos mais cedo, mas também a presença dos nossos pais. Com efeito, enquanto a nossa mãe passava, com o ferro bem quente, várias folhas do «Diário de Notícias», jornal diariamente presente em casa, o pai esfregava-nos primeiro os pés com álcool, envolvendo-os depois nas folhas aquecidas que, finalmente,

se revestiam com umas grossas meias de lã até ao joelho. Nesse ritual diário, deu-se o primeiro encontro afectivo com os jornais, pois enquanto esperava pelo final da tarefa protectora, entretinha-me a soletrar, ao acaso, frases das várias folhas de jornal, espalhadas sobre a mesa das operações, que daí a pouco seriam amachucadas e esquecidas na sua missão de aquecimento. Assim, aconchegadas, saíamos de manhã para a escola, fazendo frente à chuva, ao frio e ao vento, com as nossas invencíveis botas de borracha preta, que sempre nos lembraram a história dilecta de «O Gato das Botas». Dezembro era também o mês do ano mais amado e desejado porque apareciam mais estrelas no céu, para festejar o Natal. Nos últimos dias de Novembro, tirávamos o presépio do sótão e desembrulhávamos, do papel de seda em que se encontravam envolvidos, os nossos «convidados» de todos os anos. Montávamos, em grande azáfama, a gruta que receberia São José e Nossa Senhora, prevenidos ambos contra

* Licenciada em Filologia Românica, mestre em Literatura de Viagens e Professora do Ensino Secundário. Tem vários livros publicados sobre ensino e viagens; em 2010 publicou o Ensino do Português, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa.

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o frio sob grossos mantos, um castanho e outro azul celeste, respectivamente. Na manjedoura, era colocado o Menino Jesus que, a contrastar, estava apenas coberto com uma curta camisinha branca, bordada a fio dourado. O único calor serlhe-ia dado pelo burro e pela vaca, que eu colocava por detrás da manjedoura para que o seu bafo chegasse melhor até ao Menino Jesus, gesto que irritava grandemente as minhas irmãs que queriam os dois animais mais visíveis. Preenchendo a alegria do nascimento, distribuíamos sobre o musgo fresco os vários pastores, também eles agasalhados com samarras e carapuças de lã, juntamente com inúmeras ovelhas brancas, de lã encrespada. Por fim, os três Reis Magos, vindos de diferentes caminhos e seguindo o chamamento da estrela que os conduzia ao Menino, tão persistentemente procurado. À noite, a nossa mãe acendia sempre uma lamparina que iluminava a gruta e a aquecia, mas que por precaução o nosso pai apagava quando ia deitar-se. Nessas noites frias, uma após outra, sem excepção, impunha-me a protecção do Menino Jesus, tão desconsolado na sua quase nudez, contando com o apoio da avó Luzia, e só poderia ser ela, por ser, afinal, quem nos guiara até ao reino das fadas e do maravilhoso, através das muitas histórias que acompanhavam as merendas e o serão. Demorávamonos, então, as duas, na cozinha, esperando que aquecesse, na grande cafeteira de alumínio, a água para as botijas, saudosas garrafas bojudas de folha, acobreada ou doirada, e companheiras indispensáveis, nas noites frias e húmidas de Inverno, que rivalizavam com os grossos e pesados cobertores de papa que nos cobriam. Uma a uma, a avó Luzia enchia as quatro botijas, enrolando-se na primeira o paninho que escolhêramos para coberta, e quando nos íamos deitar, distribuindo as botijas pelas várias camas, deixáramos já confortado o Menino Jesus. Uma noite, a ambas, pareceu que nos sorrira. Dezembro era também o mês de escrever cuidadosamente uma carta ao Menino Jesus, com a caneta de tinta permanente azul, utilizada só em dias especiais, como nas provas da escola, nos exames e na festa de Natal. À folha branca da carta aconchegava-se o mataborrão côr-de-rosa, sempre necessário, e era com extremo cuidado que desenhávamos as letras que formavam palavras, fiéis intérpretes

dos desejos que, linha após linha, íamos desvendando. Cabia normalmente à mãe ou à irmã mais velha pôr essa carta no correio, e nunca percebi porque se haviam zangado comigo, um dia, quando lhes anunciei que já a pusera no correio, aplicando-lhe um selo retirado de uma outra carta encontrada em casa. Hoje, cumpre-se ainda o ritual de antigamente, no mês de Dezembro. As estrelas continuam no céu a brilhar mais, tira-se o presépio do sótão, dá-se as boas-vindas às «visitas» de há tanto conhecidas, retira-se cuidadosamente o papel de seda que as envolve e refaz-se a representação do Natal, com a mesma ternura e alegria. A água continua a ser aquecida para as botijas, diferentes porque de borracha, e as galochas, agora azuis, são usadas para ir ao quintal, sem deixar de lembrar as folhas de jornal quente, que não nos envolvem os pés, mas cujo calor sentimos. Hoje, como outrora, teimo sozinha contra o frio do Menino, deitado na manjedoura de sempre, e contrariando também o gesto do meu pai, deixo acesa a lamparina, a que junto um pouco mais de óleo para que a sua luz se prolongue durante toda a noite e aqueça e ilumine a gruta, servindo simultaneamente de farol a pastores e a Reis Magos. Antes de me deitar, e num gesto que não consigo impedir, regresso por instantes à sala de jantar, e olho o presépio e o Menino Jesus iluminados. Sorrio-lhe e, como outrora, vejo que me sorri também…


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