Contato carl sagan

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mas o russo de Ellie era tão pobre que ela se viu obrigada a pedir que traduzissem a maioria dos brindes. Khaladze virou-se para ela e, como que prenunciando o que seria o restante da noite, observou: "Para nós, o homem que bebe sem brinde é um alcoólatra". Um dos primeiros brindes, medíocres em comparação aos restantes, terminara assim: "À paz em todos os planetas", e Vaygay lhe explicara que a palavra mir significava "mundo", "paz" e uma comunidade autônoma de camponeses que remontava aos tempos de antanho. Haviam conjecturado se o mundo era mais pacífico quando suas maiores unidades políticas não eram maiores que aldeias. "Toda aldeia é um planeta", dissera Lunacharski, erguendo o copo. "E todo planeta, uma aldeia", retrucara Ellie. Essas reuniões eram um tanto barulhentas. Bebiam-se enormes quantidades de conhaque e vodca, mas ninguém jamais parecia embriagar-se. Saíam do restaurante, fazendo muito barulho, à uma ou duas da manhã, e tentavam, frequentemente em vão, conseguir um táxi. Várias vezes, Vaygay a acompanhou, a pé, por cinco ou seis quilômetros, de volta ao hotel. Era atencioso, um pouco inclinado a agir como protetor, condescendente em seus julgamentos políticos, impetuoso em seus pronunciamentos científicos. Embora os colegas o tivessem na conta de mulherengo, ele jamais se permitira sequer dar um beijo de boa noite em Ellie. Isso sempre a deixara um tanto magoada, embora fosse patente o afeto que ele lhe dedicava. Eram muitas as mulheres na comunidade científica soviética, muito mais, proporcionalmente, que nos Estados Unidos. Entretanto, tendiam a ocupar posições de subalternas a médias, e os cientistas soviéticos do sexo masculino, tal como seus colegas americanos, admiravam o fato de existir uma mulher bonita, de óbvia competência científica, que manifestava com energia seus pontos de vista. Alguns a interrompiam ou fingiam não ouvir o que ela dizia. Quando isso acontecia, Lunacharski sempre se inclinava para a frente e perguntava, com voz mais alta que de costume: "O que a senhora disse, dra. Arroway? Não escutei direito". Os outros então se calavam e ela continuava a falar sobre detectores de arsenieto de gálio alterado ou sobre o teor de etanol na nuvem galáctica W-3. A quantidade de álcool a duzentos graus nessa nuvem interestelar era mais que suficiente para abastecer a população da Terra, se todo adulto fosse alcoólatra contumaz, desde o surgimento do sistema solar. O tamada gostara da observação. Nos brindes subseqüentes, haviam feito especulações sobre a possibilidade de outras formas de vida se embriagarem com etanol, se a embriaguez pública era um problema em toda a galáxia e se haveria, em algum mundo, um brindador tão exímio como Trofim Sergeievitch Khaladze. Ao chegarem ao aeroporto de Albuquerque, descobriram que, miraculosamente, o voo comercial proveniente de Nova York, que trazia a delegação soviética, chegara meia hora adiantado. Ellie encontrou Vaygay numa loja de souvenires do aeroporto, regateando o preço de alguma bugiganga. Ele a deve ter visto pelo canto do olho. Sem virar o rosto, ergueu um dedo: "Um instantinho, dra. Arroway. Dezenove e noventa e cinco?", continuou, dirigindo-se à desinteressada vendedora. "Vi um conjunto igualzinho em Nova York, ontem, por dezessete e setenta e cinco."


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