'Cidade Jardim, Fundos': a Vila Monte São José e as imagens sobre o lugar favela

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social é tão extremada que os moradores da vila, quando indagados sobre a vizinhança, a princípio tomavam como referência os moradores de outras favelas. Somente quando confrontados com indagações sobre os vizinhos ricos excetuando o consenso sobre serem os moradores do bairro a entrar na vila para comprar drogas, não se observava uma regularidade nas avaliações acerca da proximidade social. Alguns entrevistados faziam um discurso rápido que expressava a naturalização da desigualdade e da distância, com perceptível constrangimento ou menosprezo e outros afirmavam um convívio social que, todavia, não foi observado durante os meses em que lá estive

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. Ou seja, assim como os moradores dos

bairros os excluem eles também, pelo menos em termos discursivos para a pesquisadora, isolam e ignoram tal vizinhança, muito embora os bairros Cidade Jardim, Luxemburgo e Coração de Jesus, como já foi visto, sejam utilizados como referência de endereço. No entanto, em três aspectos, mesmo que de forma precária, há interação entre esses moradores.

Ah, nós somos diferente deles... A gente é pobre e eles são ricos. Mas os que têm ai por perto... Os que ajudam não incomodam. Os outros não ajudam, também não incomodam. Eles não amolam. O povo rico não nos amola. E é muito difícil os meninos que andam na malandragem aí amolar também. É muito difícil ter alguma reclamação de que eles estão amolando aí pra baixo. (Cibele, 70 anos) Pra mim... Assim, nunca me incomodou não. Eu sou muito de ficar olhando as desigualdades. Eu acho uma injustiça: muitos que têm muito e não precisam e sempre lutam pra ter mais e outros que não têm quase nada. Mas me incomodar mesmo assim, não. É um sentimento de injustiça. È muito desigual a distribuição de renda. Tem certas coisas que parece que são provações que aparecem. (Joana, 25 anos) Eu sinto assim... A gente se sente humilhado porque minha vida eu vivi do trabalho. Minha família graças a Deus a gente não tem ninguém que foi preso, que teve envolvimento com a justiça. Então, pra mim, eu acho uma humilhação a pessoa ficar se sentindo preocupada com quem ta passando na rua. Às vezes a gente desce aqui é vê o pessoal fica olhando a gente atravessado. É chata essa situação porque os dedos da mão são igual né. Então as pessoas... Por causa de um, os outros pagam. Eu acho chato de morar aqui. A minha tristeza maior é essa. E a gente não pode consertar o mundo. (Marco Antônio, 59 anos)

No que concerne à relação entre os moradores da vila e os moradores do bairro, merece destaque analisar o papel exercido pela igreja católica. A pesquisa empírica possibilitou verificar que esta instituição possui um papel central, seja com construções – capela e creche Recanto do Menor −, tempo em que está inserida no local, pelas atividades educacionais e de caridade lá desenvolvidas ou pelo fato de que, por meio dela, os “ricos” 54

Um episódio paradigmático de tal questão foi a festa junina da Creche Recanto, mantida por paroquianos da Igreja Santo Inácio. As únicas presenças do bairro nessa festa eram o padre e três senhoras que ficaram todo o tempo cuidando do caixa da festa.


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