1º Semestre 2011

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287 De acordo com Hobbes a filosofia política deve, também, partir sempre de fatos positivos. Galileu escrevia, pouco antes de Hobbes, que a natureza é “um grande livro aberto diante dos nossos olhos” e que só pode compreendê-la quem conhece os signos da linguagem matemática em que ela está escrita. Por esta via a produção da verdade não dependerá mais do apoio de nenhuma esfera transcendente, seja da tradição, seja da palavra de Deus revelada pelas sagradas escrituras. A razão humana pode por si mesma, mediante uma observação atenta e direta da natureza objetiva (“diante dos nossos olhos”), através da “abertura” do horizonte quantitativo das matemáticas, conhecer as leis universais que regem os fenômenos físicos. O elogio à “geometria advém, em Hobbes, dos resultados práticos das suas aplicações mais do que da sua exatidão e rigor. Ele a considera o fundamento de todas as conquistas tecnológicas da modernidade. “O que a observação dos astros, a descrição das terras, o registro dos tempos, as navegações de longo curso podem dar como contribuição ao bem-estar da vida humana, o que há de belo nas edificações, de sólido nas fortificações, de maravilhoso nas máquinas – enfim o que distingue o nosso tempo da primitiva barbárie – quase tudo é benefício da geometria”.308 Trata-se, pois de obter os mesmos resultados na filosofia política aprendendo “a conhecer a natureza dos homens com o mesmo rigor com que conhecemos a grandeza das figuras geométricas”.309 Os malefícios da vida social, segundo Hobbes, não são oriundos da “avareza” e da “ambição” características da natureza humana, mas da ignorância em que os homens se encontram, dos modos corretos de se lidar com estas forças. Prova isso a discórdia anárquica que reina entre os juristas, teólogos e pensadores políticos. Assim Hobbes proporá à filosofia o conhecimento rigoroso das verdadeiras forças que regem a natureza humana, tendo como método uma certeza dedutiva que deve pairar acima das opiniões filosóficas, ainda atadas à antiga lógica do provável pela tradição aristotélica.310 Por esta via, “razão” designará, em Hobbes, a capacidade humana de fazer cálculos, orientada pelas urgências da vida, deduzindo de princípios gerais determinadas 308

De Cive, Epístola Dedicatória. Ibidem. 310 Segundo a Ética a Nicômaco (1094 b)”Seria tão inconveniente exigir demonstrações de um orador quanto contentar-se com a probabilidade nos raciocínios de um matemático”. Comentando esta passagem afirma Norbert Bobbio (Sociedade e Estado na Filosofia política Moderna, p. 20) que “durante séculos a educação dos juristas se dera através do ensinamento da tópica, isto é, extrair argumentos contra ou pró uma opinião, através da dialética ou arte de querelar e da retórica – arte de convencer -, disciplinas que permanecem na esfera lógica do provável e não devem ser confundidas com a lógica propriamente dita, que analisa e prescreve as regras dos raciocínios demonstrativos”. 309


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