Jornal da ABI 383

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80 anos em 120 minutos Ao completar 80 anos, o cartunista recebe homenagem com o lançamento do dvd Ziraldo em Profissão Cartunista, documentário especial, de Marisa Furtado. P OR P AULO C HICO

Quantos anos têm Ziraldo? Aliás, quantas vidas existem dentro de um cartunista? Difícil responder tais questões, quando o personagem real envolvido é ‘pai’ de tantos outros, que povoam o mundo encantado da ficção. Porém, para todos os efeitos, e desconsiderando a natureza plural que envolve a fértil existência dos artistas, segundo o calendário nosso de cada dia, Ziraldo Alves Pinto completa 80 anos em 24 de outubro deste 2012. Como não poderia deixar de ser, o aniversário será marcado por festa e homenagens. Uma das mais especiais aconteceu na noite do dia 18 de outubro, na Livraria Travessa do Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, quando foi lançado o dvd Ziraldo em Profissão Cartunista, documentário de Marisa Furtado de Oliveira. “Neste especial, os fãs têm acesso a toda a trajetória gráfica do artista. O documentário se fundamenta no contexto histórico que acompanha a trajetória de Ziraldo e se estrutura em dois episódios. O primeiro, chamado O Menino Astronauta, vai de 1932 a 1969, passando pela Segunda Guerra Mundial até a chegada do homem na Lua. Este episódio fala de um garoto que tem a ambição de ser um astro, se possível um astronauta. Quer dizer, um aventureiro do espaço, que sonha ser autor de quadrinhos e cartunista internacional. O segundo – Ziraldo o Homem, que vai de 1969 a 2002 – aborda um cidadão que vive o desbunde dos anos 1970, que tem suas ambições carnais de ser atuante, em todas as esferas da vida nacional, da fundação de O Pasquim, da política, das prisões, de suas campanhas de publicidade e da imensa obra gráfica do maior cartazista brasileiro de todos os tempos. E ainda foca no multimídia, que envereda pela literatura infantil e obtém sucessos estrondosos, vira balé, filme, e trabalha em tv. Em 2002, Ziraldo completou 70 anos e foi tema de enredo de escola de samba em São Paulo. Isso também aparece lá”, conta Marisa ao Jornal da ABI.

Ziraldo em Profissão Cartunista, uma produção da Scriptorium e da Robdigital, faz parte da premiada série de documentários – levou o Prêmio HQMix em 2000 e 2002 – que biografou Henfil, Jerry Robinson e Will Eisner, e que foi exibida em cinemas e televisões de mais de 40 países. Como o dvd está sendo lançado para celebrar seus 80 anos, não poderia deixar de abordar o fato de o artista ter mergulhado na pintura. Por isso foi produzido um pequeno Extra chamado Ziraldo Pintor, que mostra um pouco do que foi exposto no Rio e Brasília na exposição Zeróis. A edição que chega agora ao mercado traz ainda outro Extra, que é uma animação feita pelo Pequeno Cidadão, onde o biografado canta uma música que fez para ninar seus filhos, evidenciando o talento deste mineiro enquanto compositor. “Ao pensarmos em mestres cartunistas no Brasil, Ziraldo certamente é o nome na linha de frente. Referência e formador de tantos discípulos, ele estimulou várias gerações de artistas em diversas áreas: cinema, televisão, teatro, literatura... Não há fronteiras para o seu trabalho. O artista pujante e ativo não tem como parar para fazer retrospectivas e refletir sobre a própria obra. Todos os artistas que eu retratei só tinham planos futuros e, na maioria das vezes, fui eu quem organizou a obra em forma de catalogação e pesquisa. Este trabalho dos documentários busca servir como referência sobre a obra do autor. Acho que isso é herança da minha mãe que trabalhava como enciclopedista na Britânica”, afirma Marisa, lembrando que o documentário conta com depoimentos de personalidades como Paulo Caruso, Miguel Paiva, Sérgio Cabral, Gerald Thomas, Fernando Barbosa Lima, Fernando Pamplona, Ique, além de parentes e amigos de infância – muitos deles depois transformados em personagens. A pedido do Jornal da ABI, a diretora avalia a produção de Ziraldo nos dias atu-

ais. “Quando terminei o documentário, em 2004, fiz um projeto para recriarmos o Mural do Canecão que foi pintado em 1968 e destruído... Cheguei a conseguir aprovação do Vivo Rio e do Mam, Ziraldo doaria a obra para a cidade do Rio de Janeiro e nós faríamos, com a ajuda de museólogos e de alunos de Belas-Artes, uma recriação do Painel de 180 metros quadrados do Canecão para durar pelos próximos 200 anos. Não consegui patrocínio e o projeto não vingou. Mas naquela época ele estava começando a enveredar pela pintura e de lá pra cá não parou mais. Mas ele continua trabalhando na TV Brasil e agora tem um portal exclusivo na internet onde entrevista pessoas, na TV Zira. Se você quer definir em que ramo ele está atuando, simplesmente não vai conseguir, porque ele ‘joga nas onze’ posições”, explica ela, que segue em seu detalhado relato. “Sobre técnicas eu posso dizer que, há poucos dias, estive na casa dele. Ziraldo estava criando uma campanha para a Brahma – linda! – que começava desenhando em bico de pena, daquele tipo de bico que se mergulha na tinta, coisa ancestral mesmo! E que depois é transposto para o computador por um assistente, onde ele vai elaborando e colorindo cada etapa até o produto final. No segundo episódio do dvd há um trecho onde a gente mostra exatamente isso, como ele trabalha, suas técnicas, paleta de cores e como alcança seus produtos finais. A série Profissão Cartunista tenta sempre mostrar como é a mágica nos bastidores, para aqueles que como eu desejam desenhar.” O dvd chega agora ao mercado para ser parte da bibliografia sobre o Ziraldo, para

servir de fonte de informações para os admiradores que quiserem pesquisar sobre o artista. “Estou desenvolvendo um trabalho com escolas que já começaram a produzir projetos a partir dos documentários da série”, adianta Marisa, que, além do evento no Rio, pretende fazer lançamentos em São Paulo e Belo Horizonte, e em algumas cidades do Nordeste. Mas, como será que Ziraldo assistiu ao documentário a seu respeito, quando de seu lançamento? “Creio que para ele o documentário é mesmo muito emocionante, e talvez por isso tenha se esquivado tanto de mim, até que eu o realizasse. Ele só assistiu ao filme quando estava pronto, dentro do cinema. Se mostrou muito emocionado com o depoimento dos filhos sobre o período das prisões. Acho que, por ter feito sempre tanta piada daquilo, aquelas histórias viraram folclóricas e engraçadas... Mas havia ali um aspecto de dor e medo, que ficou impregnado na família e foi recordado. Ele se emocionou muito com a música que o filho Antônio fez pra Vilma – sua mãe, esposa do Ziraldo –, que tinha falecido subitamente dois anos antes. Ao final de uma sessão em São Paulo, ouvi pessoas me dizerem que haviam chorado, se emocionado. Acho que não só o Ziraldo se emociona com sua história. Todo mundo acaba se emocionando, pois ela é também a História do nosso país”, define Marisa. O próprio Ziraldo também falou ao Jornal da ABI, sobre este momento de lançamento do dvd. “Nessas horas, minha reação é sempre a mesma. Acho que há uma severa dose de exagero na atenção dispensada a mim. O fato é que o documentário é um trabalho muito bem feito, e que me comove demais. Fico agradecido a Marisa pelo fato de ela achar que minha vida e minha obra merecem ser documentadas, ainda mais por ela, cuja capacidade enquanto documentarista é inegável. É uma honra fazer parte de uma série dedicada aos cartunistas, ao lado de nomes como Henfil e Will Eisner, este segundo meu primeiro ídolo de infância, quando ainda morava em Caratinga, e de quem depois me tornei amigo. Mas quando você me pergunta a sensação que sinto agora, diante do lançamento deste dvd, posso responder que experimento mesmo uma espécie de pavor! (risos) E penso em dizer: ‘Menos, querida Marisa, menos...’”, conta Ziraldo. E cabe mesmo a Marisa a tarefa de tentar definir Ziraldo – o homem e a obra. “Há uma entrevista que ele deu ao Roda Viva, da TV Cultura, em que diz desejar provocar a reflexão das pessoas. Ziraldo afirma, parafraseando o Chacrinha: ‘Eu vim para confundir, para fazer as pessoas pensarem’. Mas eu diria que ele faz isso com muita alegria, e com uma beleza plástica inigualável. Se você reparar bem, são raríssimos os artistas que produzem a partir da alegria – a maioria o faz a partir da dor, pois esta é mais produtiva mesmo! O ‘ser feliz’ quer curtir a vida e não viver em devoção ao trabalho. Mas quando há uma inquietação latente como a de Ziraldo, é preciso botar pra fora. E a isso eu chamo de talento, vocação”, teoriza. Pelo visto, mais do que confundir ou fazer pensar, Ziraldo sabe encantar.

JORNAL DA ABI 383 • OUTUBRO DE 2012

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