Jornal da ABI 357

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40 Jornal da ABI 357 Agosto de 2010

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Geneton em sua mesa, na Redação do Fantástico; com Abdel Bari Atwan, o homem que entrevistou Bin Laden e, na página ao lado, bem jovem, acompanha Geisel num evento como repórter da Sucursal do Recife de O Estado de S.Paulo.

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projetada no telão. Era um texto para o Segundo Caderno, o que permite certa graça no texto. Você acredita que a matéria que saiu no O Globo no dia seguinte saiu com esse parágrafo cortado? Cortaram pelo pé! Para quem leu a matéria, fui o único repórter do mundo que viu os três ali, lado a lado, na coletiva!

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JORNAL DA ABI – COMO ASSIM? Geneton Moraes Neto – O editor era o sujeito que destroçava o texto, botava um título chato, palitava os dentes e ia pra casa dormir. A internet acabou com a raça. Ela acabou com essa ditadura do editor, em especial em relação ao espaço. Presenciei casos em que o editor deveria ter saído algemado da Redação! Já aconteceu comigo diversas vezes. Mandar um texto de Londres aqui pra Redação, e o cara, simplesmente, alterar tudo. Ele acrescenta uma informação errada no texto que você mandou, e aquilo sai com a sua assinatura. Já tive clássicos, como o Editor mudar a ‘exceção’ do meu texto por ‘excessão’, e sair assim, com meu nome. Eu pensava, não é possível que o cara tenha feito isso! Houve um lançamento de uma antologia dos Beatles, em 1995, na Inglaterra. Foi um acontecimento. Havia uma coletiva, um grande esquema, com 50 equipes de televisão do mundo todo. Na mesa estava o George Martin, produtor, mas nenhum dos Beatles vivos – George Harrison, Paul MacCartney e Ringo Star. Eles exibiram, num telão, um trecho do dvd com os três dando depoimentos, falando do lançamento. Aí, na matéria que mandei para O Globo, citei que o Paul estava com uma camisa vermelha, o Ringo de tal jeito... Fui descrevendo como eles se apresentaram no vídeo. E dizia, lá embaixo, no quarto parágrafo, que havia apenas um detalhe, algo a lamentar. Nenhum dos três esteve pessoalmente no local. Haviam participado através da gravação

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JORNAL DA ABI – VOCÊ PERMANECEU NO DIÁRIO DE PERNAMBUCO ATÉ QUANDO? Geneton Moraes Neto – Fiquei até 1975. Deste ano até 1980 fiquei na sucursal do Estado de S.Paulo no Recife. Foi uma época rica, pois peguei o início da abertura política, viajei com o Ulisses Guimarães, cobri uma visita de Lula a Dom Hélder. Desse episódio, me lembro do Lula afirmar, durante entrevista, que quando acabasse aquele mandato sindical, ele queria ajudar a Marisa a cuidar dos filhos. “Não tenho tido tempo para minha família. E só sei de uma coisa: Eu não tenho vocação para política”, me disse Lula naquela ocasião...(risos). A verdade é que não consigo passar muito tempo fazendo a mesma coisa, no mesmo lugar. Assim, todo mundo pensou que eu estivesse louco quando pedi demissão do jornal. Pensava em fazer cinema. Fui pra Paris, fiz um projeto de tese na Sorbonne. Era um negócio chamado Cinema e Subdesenvolvimento – O Caso Brasileiro. Primeiro, eu definia o termo, com base nos fundamentos de Celso Furtado e outros acadêmicos. E lançava a questão: Poderia o Brasil, um país subdesenvolvido, produzir um cinema esteticamente desenvolvido? Aí, citava as obras de Gláuber Rocha, como exemplo. Surpreendentemente, fui aceito. Fiquei por lá um ano e meio. Mas, na fase de início da abertura, antes de ir pra Paris, me lembro que fiz boas matérias. Para a IstoÉ, fiz um frila sobre a volta do Miguel Arraes. Fiz a cobertura, com todo mundo no aeroporto querendo abraçá-lo... Foi uma cena bonita. E a matéria saiu na íntegra, não mexeram uma vírgula, o que significava muito naquela Redação, que tinha como símbolo o Mino Carta. Eu já sofri muito na mão de editores. Tenho trauma com isso.

Geneton Moraes Neto – O Antônio Camelo me chamou e disse: “Você vai fazer uma reportagem no hospital psiquiátrico público lá da Tamarineira. Diga que você tem uma irmã lá dentro, pule o muro, se vire... Eu quero é uma matéria!”. E eu, com a petulância de quem tem 16 anos, disse: “Deixa comigo!”. Fui com o fotógrafo, que ficou do lado de fora, e entrei. Era aberta essa ala do hospital, com os doidos ‘mansos’, digamos assim. Consegui me misturar a eles. É uma coisa que me intriga até hoje. Ninguém notou que eu não era um interno, né? (risos). Ninguém notou a diferença, eu estava em casa... Lembro que os pacientes diziam: “A comida daqui é horrível, vem pedra dentro do feijão, a carne parece uma borracha”. Saí, e voltei já com o fotógrafo, me apresentei à direção como repórter. E tive aquela lição de jornalismo. A Diretora do hospital disse que lá havia uma equipe de nutricionistas que orientavam o cardápio, que segundafeira era servido peixe, carne na terça... Ou seja, exatamente o contrário do que tinham falado os pacientes. Ali recebi na prática um tratamento de choque. Percebi que existem dois lados bem distintos. A versão oficial dos fatos e a realidade, que é muito mais evidente.

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MARCANTE?

JORNAL DA ABI – DESSA FASE DE COMEÇO DE CARREIRA, HÁ ALGUMA OUTRA HISTÓRIA

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Geneton Moraes Neto – Lembro que era proibida qualquer referência, comentário ou entrevista sobre a peça Calabar, de Chico Buarque e Rui Guerra. “A peça foi proibida, o Diário de Pernambuco não pode falar nada”, me avisaram. Mas aí entrou em cartaz o Toda Nudez Será Castigada. Adorei o filme! Tinha a Darlene Glória... Passou apenas duas semanas em cartaz, e foi proibido. Escrevi uma nota na coluna cultural Ensaio Geral, com o título ‘Toda Nudez será censurada’. Escrevi que o filme era muito bom. No final, disse que era uma pena que tivesse sido tirado de cartaz. E fechei essa frase com três pontinhos... Por incrível que pareça, a Polícia do Recife se mobilizou por causa dessas reticências. A coluna saiu num domingo, e quando cheguei para trabalhar na segunda, me chamaram na sala do Dr. Antônio Camelo, Diretor do jornal e jornalista das antigas, um sujeito que fazia vibrar a Redação. Um tipo que hoje é difícil de ser encontrado. Entrei e notei o clima estranho. Estava também o Gladstone Vieira, que é Diretor de lá até hoje, além do cronista social, João Alberto, que também está lá, e me contou: “Hoje passei uma por sua causa”, começou. A PF havia visitado a Redação, me procurando. Como eu não estava, perguntaram quem era o Editor do suplemento cultural. Era ele. Pronto, levaram o João Alberto! E ele disse, tentou se explicar: “Esse Geneton é um menino que tá começando”. Ao que os policiais responderam: “É uma irresponsabilidade entregar uma coluna dessas a um estudante. E esses três pontinhos são uma ironia com a PF”. E eram mesmo... (risos). Sabe, eu sou até agradecido à atitude, à postura dessas pessoas do jornal na época, pois elas poderiam até ter me amedrontado, dito: “Poxa, tenha cuidado com o que você escreve. Você quer fechar o jornal?”. Mas, não. Eles disseram: “Olha, isso já aconteceu, e vai acontecer outras vezes. Pode ficar tranqüilo, não deixa isso te melindrar!”. Essa foi uma atitude legal para quem estava começando. Apesar de eu ter ficado assustado, pois pensei: “Meu Deus, por causa de uma nota boba dessas eu posso sair daqui direto pra Polícia Federal!”.

JORNAL DA ABI – CHEGOU A TER PROBLEMAS COM ELA?

Geneton Moraes Neto – Comecei a trabalhar de verdade aos 16 anos, quando me chamaram para a reportagem geral no mesmo Diário de Pernambuco. Comecei a trabalhar no auge da ditadura, em 1972.

JORNAL DA ABI – E QUANDO VOCÊ SE PROFISSIONALIZOU?

Geneton Moraes Neto – Não posso dizer que tive influência. O meu pai era agrônomo e fazendeiro. Se eu fosse seguir a vocação da minha família, por parte de pai, teria estudado Agronomia, Veterinária ou ido criar boi. Minha mãe tinha sido professora. Deixou tudo para criar os cinco filhos. Nenhum outro é jornalista. O meu irmão mais novo cumpriu a vocação familiar. Estudou Zootecnia, é fazendeiro... As três irmãs não têm qualquer ligação com jornalismo. Uma é dentista, as outras duas, nutricionistas.

JORNAL DA ABI – SEUS PAIS INFLUENCIARAM OU INCENTIVARAM SUA ESCOLHA PROFISSIONAL?

DEPOIMENTO DOSSIÊ GENETON MORAES NETO

JORNAL DA ABI – VOCÊ DISSE QUE QUERIA FAZER CINEMA, MAS NA REALIDADE DESCOBRIMOS QUE VOCÊ FEZ CINEMA. O FILME CONTEÚDO ZERO, COM CAETANO VELOSO, FOI UM DELES.

CONTE COMO FOI ESSA EXPERIÊNCIA. Geneton Moraes Neto – Fiz cerca de dez filmes Super-8, em curta-metragem, entre o início dos anos setenta e o início dos anos oitenta, no Recife. Conteúdo Zero foi realizado a partir de uma entrevista gravada em áudio com Caetano Veloso, no Recife. Trechos da entrevista são intercalados com imagens de um show que ele fez no Teatro do Parque,no Recife, também em 1973. Pela primeira vez na vida, empunhei uma câmera – que eu tinha comprado numa viagem a Manaus. A viagem – por sinal – foi um prêmio que recebi como segundo colocado do Festival Nacional de Poesia Secundarista, que era realizado na Bahia e reunia estudantes de todo o País. Neste caso, a poesia se misturou ao cinema. Ou seja: o prêmio que recebi num festival de poesia me deu a chance de comprar uma câmera. Uma coisa me levou a outra. Para alívio do Brasil, não levei adiante minha carreira de “poeta”. Mas, pelo menos, ganhei este prêmio e, com


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