Jornal UCDB - Edição Setembro 2010

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entrevista

CAMPO GRANDE, SETEMBRO/2010

JORNAL UCDB

Vicente Fideles de Ávila Silvia Tada

42 anos dedicados à Educação os 42 anos de carreira educacional do professor Dr. Vicente Fideles de Ávila, de 70 anos, 17 foram dedicados aos Mestrados em Educação (criado com ênfase em formação de professores) e em Desenvolvimento Local em Contexto de Territorialidades da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Trabalhou com milhares de alunos, desde a direção da catequese na Diocese de Guaxupé (MG) até os referidos Mestrados. O docente, que se aposentou da UFMS em 1993 e também se desvinculou da UCDB em julho deste ano, sempre se interessou por capaci-

tação de professores que de fato se tornem “formadores”, que ao mesmo tempo educam e ensinam, mas nunca se reduzem a meros “ensinadores”. Doutor em Política e Programação do Desenvolvimento pela Universidade de Paris I/Panthéon- Sorbonne (França, 1980), Bacharel (1963) e Mestre (1965) em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana-PUG de Roma (Itália), é licenciado em Filosofia e Pedagogia por duas Faculdades mineiras, respectivamente a então Salesiana de São Del Rei (1971), quando complementou o Curso de Filosofia-de-Seminário concluído em 1961) e a FAFIG

de Guaxupé (1972). Fideles foi convidado a trabalhar na UCDB com integral dedicação à institucionalização da pós-graduação stricto sensu e da pesquisa na nascente Universidade. Por isso, sempre atuou intensamente nos dois programas, fez parte da equipe que atuou na implantação do PIBIC/ UCDB, conduziu a criação das duas primeiras revistas de caráter permanente da Universidade (a Série-Estudos – Revista do Programa de Mestrado em Educação e a Multitemas), empenhouse pelo surgimento da Editora UCDB e assessorou a progressiva implementação da pós-graduação e pesquisa até

JORNAL UCDB: Como foi o início de sua carreira? VICENTE FIDELES: Formei-me em Filosofia, Pedagogia (licenciaturas) bacharelado e mestrado em Teologia, estes dois últimos na PUG de Roma, e doutorado em Política e Programação do Desenvolvimento, na Universidade de Paris I/Panthéon-Sorbonne. Fiz estágios socioeducacionais na Alemanha e na França. Em setembro de 1965, voltei ao Brasil e, no início de 1966, fui designado diretor diocesano da catequese. Por seis anos, trabalhamos intensamente e em equipe –uma central e três setorializadas- e elaboramos programa de ensino religioso solicitado pela Secretaria Estadual de Educação de MG, em janeiro de 1996, desenvolvemos a série de folhetos para uso nas escolas primárias (da época), os editamos até aproximadamente 50 mil exemplares, porque a demanda por eles foi crescendo vertiginosamente a ponto de, entre 1967 e 1971, já estarmos recebendo encomendas de Dioceses de 19 estados brasileiros. Tínhamos a proposta de trazer a religião para o cotidiano da vida (e não apenas a de levar a vida para o cotidiano da religião), para que adultos e crianças a descobrissem desde ali mesmo, onde e como viviam. Portanto, já nesse período comecei a me definir como professor interativo, pois me deslocava sempre, dialogava muito e com muita gente (crente e descrente), me compeli a escrever materiais próprios e enfrentamos –sempre eu e as equipes— desafios de programação e realização de cursos para mais de três mil professores primários. Mas, convidado cerca de dois dias antes, foi em 1º. de agosto de 1968 que o Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guaxupé (FAFIG) me registrou em CTPS e me oficializou como docente de Educação Superior, ou “Ensino Superior” para a época. Em abril de 1971, iniciei a tramitação junto ao Vaticano do meu processo de Dispensa do Ministério eclesiástico. A Dispensa — prefiro considerá-la assim — foi selada maio de 1972.

catequética (mediante irrestrita dedicação e até bastante sucesso), senti que ainda não atingia muito o meu objetivo, de base essencialmente humana, de criar reais e melhores perspectivas (sociais, culturais, educacionais, materiais e espirituais, é claro) de vida para as pessoas pobres, excluídas e marginalizadas como as do meio rural de minha infância: eu mesmo só fui alfabetizado aos onze anos de idade, e por minhas irmãs que só tinham -como se dizia- o “terceiro ano primário”. Então, acreditei que pela Educação teria mais possibilidade, e por aí me enveredei, embora para sobreviver nessa nova dimensão de vida tivesse que enfrentar outras ocupações. Mudei-me para Curitiba no final de 1972, dei aulas onde consegui e até trabalhei por três meses na Petrobras. Mas, logo em seguida, outubro de 1973, voltei de corpo e alma à Educação, intercalando docência com funções técnicoeducacionais. Comecei a trabalhar no Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento de Pessoal do Paraná (CETEPAR), quando programamos e desenvolvemos, no final de 1993 e todo o 1974 (assumindo a Gerência de Operações desse Centro em maio), um curso de aperfeiçoamento para implantação da Lei n. 5692/ 71 nos 80 maiores municípios do estado para 18 mil professores.

sidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), convidado pelo novo Reitor, professor Jair Soares Madureira. Trabalhei como técnico e, no início de 1986, fiz concurso e integrei os corpos docentes dos dois primeiros Mestrados da UFMS, justo os em Educação e em Saúde Coletiva. Neste último, só lecionei num semestre, porque, em 30 de julho de 1993, me aposentei e, já em 1º de setembro, estava começando a luta pelo primeiro Mestrado (em Educação) da UCDB, como visto antes.

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JORNAL UCDB: Por que o Sr. deixou a vida religiosa? VICENTE FIDELES: Para ser correto, não deixei a vida religiosa, fui apenas oficialmente dispensado do Ministério sacerdotal, como dito atrás. Aliás, quero ressaltar que sempre fui e serei grato à Igreja pela generosa oportunidade de boa formação que me proporcionou. E, para essa Dispensa, a principal razão que me venceu, embora a muitos possa não ter convencido, foi a de que, mesmo trabalhando com pastoral

JORNAL UCDB: E como começou a experiência universitária? VICENTE FIDELES: O Reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) me convidou para ajudar a implantar o Planejamento Institucional nessa IES, o que ocorreu de setembro de 1975 a fevereiro de 1981. Em setembro de 1977, parti para o doutorado em Paris, onde mantive contato com colegas doutorandos e gente do mundo inteiro (nessa época, inclusive ilustres brasileiros lá estavam exilados, como Celso Furtado, Paulo Freire, Fernando Henrique Cardoso e outros). Em seguida, retomei minhas atividades na UEPG, mas logo, em fevereiro de 1981, fui convidado a trabalhar no MEC, em Brasília (DF), assumindo — na Secretaria de Estudos e Articulação de Planejamento — a coordenação de avaliação e controle, chegando à função de Secretário Substituto (Adjunto) de Planejamento da Secretaria Geral do Ministério em 1984. Foram quatro anos de experiências muito marcantes, porque, em relação a todo o panorama da Educação nacional, o MEC me proporcionou a posição de “mirante”. JORNAL UCDB: Quando o Sr. veio para Campo Grande? VICENTE FIDELES: No final de maio de 1985, para trabalhar na Univer-

JORNAL UCDB: E como foi a vinda do Sr. para a UCDB? VICENTE FIDELES: Já tinha contato com as então Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso (FUCMT), pois ministrara disciplina em Pós-Graduação Lato Sensu. Conhecia o Pe. Afonso de Castro, mas sem muito relacionamento direto. Um dia, encontramo-nos e ele me revelou que gostaria que eu fosse trabalhar na faculdade. Retruquei-lhe que o faria com prazer, mas só depois de me aposentar, pois tinha Dedicação Exclusiva na UFMS e me faltavam ainda alguns anos para a aposentadoria. Aposentei-me e vim para o Mestrado em Educação, que havia recebido respaldo do ex-Conselho Federal de Educação para ser implantado em consórcio com duas outras IES (exSesup e ex-Socigran). A professora Dra. Helena Farias de Barros e eu fomos os primeiros doutores contratados para a Universidade recém-criada. Mas, sempre contamos com as valiosíssimas parcerias de outros professoras da Unesp, como as das professoras Josefa, Leny, Clacy, dos professores Jayme Wanderley, Chamé, e outros. A professora Helena é muito bem relacionada na área educacional e foi seu mérito — bem como das mencionadas parcerias — trazer renomados professores do Brasil todo para colaboração no Mestrado. Depois, foram criados os Mestrados em Psicologia e em Desenvolvimento Local. Tivemos muitos desafios, porque ainda não havia aqui cultura vivenciada tanto de Administração Universitária voltada à pesquisa e pós-graduação stricto sensu. Todavia, e pouco a pouco, não só a direção da UCDB como todos os salesianos da MSMT passaram a apoiar a pós-graduação e até a se capacitarem pós-graduadamente. Fiquei no mestrado em Educação de 1993 a 2003, desde 1998 também atuando no Mestrado em Desenvolvimento Local (até publiquei o livro “Educação Escolar e Desenvolvimento Local”) para, de 2004 em diante, me vincular apenas ao Desenvolvimento Local. Aliás, eu de fato encontrei a rota daquele objetivo mencionado na questão “Por que o Sr. deixou a vida

A nova missão do professor Fideles é a manutenção de seu blog o final da década de 1990. Foi casado por quase 38 anos com Marlene, falecida no dia 2 de maio. É pai de Flávia, doutoranda e professora de Direito Internacional e do Trabalho, em Belo Horizonte, e de Elisa, médica veterinária e mestre em Produção e

Gestão de Agronegócios. Também se orgulha da netinha Luísa e de seu pai, o genro Luciano. Agora, dedica-se ao blog www.desenvolvimentolocal vfa.com.br, que já disponibiliza, na íntegra, quase quatro dezenas de estudos seus (livros, artigos e folhetos).

religiosa?”, quando de fato comecei a articular Educação e Desenvolvimento Local, da maneira lógica como mostram os textos disponíveis no blog. Ministrei a disciplina “Filosofia da Mente” duas vezes no curso de Filosofia (graduação), assim como o primeiro módulo de metodologia no semestre inicial de funcionamento do Mestrado em Psicologia. Orientei 39 mestrandos.

de um bom educador. E sempre lhes ponderei que a digna recompensa do bom/excelente educador é sempre a perspectiva de homenagem póstuma, pelo que também sempre me taxaram de pessimista. Mas não há nenhum pessimismo nisso e o motivo é logicamente óbvio, ou seja, o bom/excelente educador forma/educa sempre em perspectiva de sociedade futura, fato que nem sempre a sociedade atual consegue ou quer entender. Então, o bom/excelente educador acaba aprendendo a realizar investimentos formativo-educacionais para dimensões de médio e longo prazos societários, nem sempre colhendo os louros enquanto vivo. Ora, se penso assim, imaginem vocês o quanto me emocionei com esses 42 anos de trabalho educacional, ou mais particularmente os 17 anos de UCDB, concluindo e ao mesmo tempo culminando com apoteoses como as das homenagens que venho recebendo, sobretudo por perceber o reconhecimento de que tudo o que consegui realizar não mais me pertence e, sim, às gerações presentes, mas formadoras das futuras. Por outra, o fato de essas homenagens demonstrarem e publicarem que o meu esforço não foi só o de mero ensinador ou receitador desarma a gente, que sequer apostava em homenagem póstuma. Isso é um reconhecimento que legitima o trabalho. Recebi e-mails e mensagens, na sessão do dia 23 de agosto passado, promovida pela coordenação do Mestrado em Desenvolvimento Local. Foram muitas falas demasiadamente comoventes para mim, como a da professora Cleonice (lembrando nossa histórica parceria ao longo dos onze anos do Programa), da ex-aluna Danielle (representando os mestrandos e me passando mensagens de que tiraram bons proveitos de nossa convivência formal e informal), do professor Josemar (também representando nossos colegas professores e marcando tom de proveitosa convivência humana, científica e social), do Pró-Reitor, professor Hemerson Pistori (me surpreendendo com emocionantes alusões) e, por fim, do próprio Reitor, Pe. José Marinoni, falando sobre nossa profícua convivência ao longo dos decorridos 17 anos, dos enormes desafios, principalmente nos primeiros anos de UCDB, e, ainda, publicando mensagens de agradecimentos pessoais, como também de toda a UCDB, do Chanceler e da própria Mantenedora, a Missão Salesiana de Mato Grosso. Isso gera verdadeira enchente de emotividade e só me resta agradecer.

JORNAL UCDB: Para o Sr., o que é ser professor? VICENTE FIDELES: Ser professor é uma questão de cultura e postura. A cultura não é estática, ela avança. Categorizo três tipos de professores. O antigo é o ensinador. O outro é o ensinador que educa (o termo educar é um pouco complicado, porque às vezes é confundido com plasmar ou domesticar, dependendo de como você o entende). O terceiro é o formador que, ao mesmo tempo, ensina e educa ajudando a se formar o educando, que aprende a aprender. Isso é feito através também de postura, e não apenas só de saber. Em nossa história acadêmica (iniciada à época do império, mas perpassando o regime de Cátedra e respingando até os dias de hoje) havia –e ainda por vezes háapenas o professor-ensinador. No entanto, depois que você começa a descobrir o mundo, e também as pessoas se contaminam pelas riquezas de informações, oportunidades de conhecimentos e chances de contatos, a Educação se torna muito mais que simplesmente ensinare-aprender, e o papel do professor assume dimensões muito maiores, importantes e significativas. Eu já dizia isso em 1974, naquele Curso de Aperfeiçoamento para implantação da Lei n. 569271, a que me referi anteriormente. Uma coisa é fazer a prática ou mera aplicação de alguma coisa já teorizada (ensinar, por exemplo) e outra é transformar a prática em praxis, isto é, tornar a prática consciente dela mesma, por diálogo interativo com tudo ou o máximo de tudo que esteja em jogo na bilateralidade de cada cenário teóricoaplicativo em questão. É por aí que a Educação passa a exercer sadio, desejável e até necessário papel transformador. Jornal UCDB: O Sr. foi homenageado publicamente com um anúncio no Correio do Estado, na Folha do Povo e um evento na UCDB. Como recebeu esses reconhecimentos? VICENTE FIDELES: Disse ao pessoal, que foi até minha casa justo no dia do anúncio -13/7-, que a gente investe, corre risco, cria, mas nem sempre espera retorno alvissareiro. Aliás, várias vezes alunos me perguntaram a respeito do em quê consistiria o digno reconhecimento


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