SEMEAR: Por uma arte do encontro sem fronteiras - Trupe Sinhá Zózima 10 anos

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Semear

por uma arte do encontro sem fronteiras

2017 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 3


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ÍNDICE A gente sempre colhe o que se planta! Mas, o que se colhe?_por Anderson Maurício ....................02 O teatro nos Terminais_ por Paula Venâncio ....................06 Cordel do amor sem fim .....................16 Dentro é lugar longe ....................20 Os minutos que se vão com o tempo ....................24 Mar de gente_ por Cleide Amorim ....................29 A cidade a contrapelo_ por Eduardo Pizarro ....................32 Eu e a poesia da Trupe_ por Maria Alencar ....................35 Nos jardins do aço e concreto_ por Junior Docini ....................38 E para que todos nós sejamos felizes_ por Amanda Azevedo ....................42 Entre 10, 17 e encontros_ por Jonathan Araújo ....................44 Como assim?_ por Tatiana Nunes ....................46

10 anos da Trupe Sinhá Zózima: sobre encontros, meios de produção e futuro_ por Larissa Biasoli ....................48 Ficha técnica ....................52 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 1


A gente sempre colhe o que se planta!

mas, o que se colhe? 2 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA

por anderson maurício diretor, artista-pesquisador e cofundador da Trupe Sinhá Zózima


Anderson Maurício_foto: Cinefoto Colapso

Dez anos é terreiro comprido e largo; é canteiro onde se planta de tudo um pouco. É esperança de poder colher o que se cuidou nesta estrada/vida. Mas o que se colhe? São três miúdos e fartos pêssegos? Estes que jamais esqueceremos o sabor, fruto de suco intenso que nunca imaginávamos colher. Ou será uma bacia inteira de jiló onde a criança treina o contar? Este fruto/jiló que nunca havíamos experimentado. - Mãe, faz estes com seu molho, que estes eu vou comer! TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 3


Sempre haverá tempo de experimentar. Repolho, cana, couve, tomatinho-cereja que o menino todas as manhãs colhe e estoura de fazer barulho em sua boca. Assim é seu jeito de comer, cada fruto planta um sabor no outro. Uma penca de bananas prata, nanica, banana maçã. Já faz um tempo que lhe esperamos brotar. Dez anos não é só tempo de colher tudo o que se planta. É caminhada, não é chegada, nem fim. Penso que dez anos, para algumas plantas, é início. Alface crespo, liso, roxo, estrangeiro, sim, colhemos algumas viagens. Fomos para Portugal, Açores; um caminho de hortênsias é o que trouxemos de lá. Foi uma despedida, uma conquista, uma mudança, um presente acima de tudo. As viagens são como marcadores de texto, são referências do caminho. Do Chile e Argentina: superação, coragem; colhemos desejos que ainda hão de se realizar. Lembro neste instante que escrevo do quanto ainda sonho em colher tomates graúdos. Já plantei, já cuidei, mas é difícil colher. E assim aprendo que tudo nesta vida terá um tempo. Tem coisas que achamos que aprendemos. E aí ele, o tempo, nos mostra que não. Temperos: manjericão, tomilho, salsa, coentro, cebolinha, folha de louro, orégano. Nesta estrada encontramos cheiros e sabores que deixam o caminho cheio de cores, de traçados outros. É tanta gente que encontramos, são tantos olhares que compartilhamos, é tanta palavra e silêncio que colhemos, é tanta saudade que sentimos. Se a saudade fosse planta neste terreiro, ela seria uma trepadeira que se espalha

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entre as plantas, que finca sua raiz entre as folhas, as árvores, os muros, os troncos, ela invade e brota deixando um pouco da sua cor em todo canto. Em todo espaço se vê a saudade. Do outro que se foi, do gesto que se fez, do choro que brotou, da memória que fincou, da dor que se sentiu, o pedido de desculpa que silenciou, o caminho que seguiu, o riso que extravasou, a promessa que cumpriu, o destino que mudou, daquilo que se fez, daquilo que deixou, daquilo que floriu, daquilo que se plantou. E o que se planta é sempre o que se colhe? Mas, o que se colhe? Um chá que acalma, um chá que cura, um chá que salva. Pela fresta da janela neste amanhecer já ouço os pássaros, os mensageiros do nosso caminho. Plantamos milho, mas o que se colhe é milho? Plantamos mandioca. Esta demora um ano para colher. Mas o que se colhe? Plantamos a moringa, esta árvore milagrosa. Mas o que se colhe? Plantamos inhame e cenoura. Brócolis, laranja, mamão, mexerica, pimenta dedo de moça, uva, hortelã, maracujá, capim santo, erva cidreira. Mas o que se colhe é o que se planta? Neste caminho/jornada, nesta estrada/missão, nestes dez anos que semeamos uma arte do encontro sem fronteiras, que cultivamos nosso terreno/terreiro, nosso espaço/lugar, onde festejamos a colheita e também o plantio, pois quando se colhe, também se planta. Festejamos o poder imensurável da terra/existência de transformar a semente que se planta. De transformar o que se colhe, pois o que se colhe não é verdura, fruta e legumes não. O que se colhe é tempo. É semente/instante que foi plantada. O que se colhe é sempre o que se planta. É tempo.

foto: Cinefoto Colapso TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 5


Os minutos que se vão com o tempo foto: Christiane Forcinito 6 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


O TEATRO NOS TERMINAIS por Paula Venâncio responsável pela comunicação da Trupe Sinhá Zózima

A Trupe Sinhá Zózima é um grupo de teatro, formado por atores profissionais que pesquisa o ônibus urbano como espaço cênico,

espaço de descentralização e democratização do acesso às artes. Durante os 10 anos de pesquisa, a Trupe desenvolveu diversos projetos que culminaram na criação e realização dos espetáculos: “Cordel do amor sem fim” (2007) – de Cláudia Barral, apresentado mais de 450 vezes em vários estados brasileiros e também encenado no continente europeu; “Valsa no 6” (2009) – de Nelson Rodrigues; “O poeta e o cavaleiro” (2010) – livre inspiração na obra literária de Pedro Bandeira e contemplado com o Prêmio Myriam Muniz da Fundação Nacional das Artes (FUNARTE); “Dentro é lugar longe”(2013) – de Rudinei Borges; e “Os minutos que se vão com o tempo” (2016), com dramaturgia TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 7


em processo compartilhado com Cláudia Barral e o primeiro espetáculo encenado em ônibus de linha; e dos projetos 1ª Mostra de Teatro no Ônibus (2009), 2ª Mostra de Teatro no ônibus (2016), Plantar no ferro frio do ônibus o ninho – Residência artística por um teatro do encontro sem fronteiras(2012/2013)– contemplado pela 20ª edição do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo e Os minutos que se vão com o tempo: da imobilidade urbana ao direito à poesia, à cidade e à vida, contemplado pela 24ª Edição da Lei de Fomento. A Trupe foi um dos grupos selecionados para representar o Brasil no I Mercado de Indústrias

Cordel do amor sem fim foto: Cinefoto Colapso 8 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


Culturais dos Países do Sul (Micsul), em maio de 2014. Além disso, até 2016, todas às terças-feiras, às 20h, os frequentadores do Terminal Urbano Parque Dom Pedro II tiveram acesso gratuito à programação artística e cultural por conta da ação “Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro!”– um dos braços do projeto Arte Expressa. Com o projeto “Semear_por uma arte do encontro sem fronteiras”, contemplado pela 5ª Edição do Prêmio Zé Renato de Teatro para a Cidade de São Paulo,a Trupe Sinhá Zózima se propôs a:

Circular com 3 (três) espetáculos de repertório da Trupe Sinhá Zózima (“Cordel do amor sem fim”, “Dentro é lugar longe” e “Os minutos que se vão com o tempo”), realizando 18 (dezoito) apresentações no ônibus (duas de cada espetáculo em cada terminal) partindo de 3 (três) terminais urbanos (Sacomã, Cidade Tiradentes e Parque Dom Pedro II), percorrendo ruas do entorno, criando novos itinerários e, com isso: aproximar o teatro do trabalhador, que é acalentado pelo encontro com a arte e pode no instan-

te presente mudar seu percurso e vivenciar a poesia, se permitir olhar para a cidade com outros olhos, repensar os espaços e a si mesmo, fazendo valer o que a Trupe Sinhá Zózima chama de arte do encontro sem fronteiras

promover a descentralização e circulação de ações artísticas na cidade de São Paulo, realizan-

do apresentações partindo de terminais localizados em diferentes regiões e se deslocando para os outros extremos da cidade

possibilitar a fruição estética de manifestações artísticas por todos os interessados, independentemente da faixa etária e condição socioeconômica

contribuir com a proposta de abertura dos Terminais Urbanos como espaços de residências artísticas

refletir sobre o repertório e os 10 (dez) anos de trajetória de pesquisa da Trupe Sinhá Zózima ofertar atividades gratuitas

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Apresentar três dos espetáculos de repertório da Trupe Sinhá Zózima nesse momento de transformações políticas e sociais foi também uma forma de contribuir para a reflexão a respeito das relações entre os sujeitos, de como queremos e podemos ocupar a cidade e nosso tempo vivido, da importância das narrativas, do encontro poético, da arte preenchendo “não-lugares”. “Cordel do amor sem fim” (2007), o primeiro espetáculo da Trupe no ônibus, com suas mais de 450 apresentações, reflete a profundidade da pesquisa dos atores no espaço do ônibus; “Dentro é lugar longe” (2013), com sua dramaturgia partindo das narrativas de história de vida dos próprios artistas-pesquisadores, traz a relação entre artista e público, a valorização das histórias e narrativas; e “Os minutos que se vão com o tempo” (2016) rompe todas as barreiras ao sair do ônibus da Trupe Sinhá Zózima e transpor os artistas-vivenciadores para o encontro com um público desavisado, colocando o desafio para a encenação em um ônibus de linha convencional, com pessoas entrando e saindo, fragmentando a narrativa, misturando realidade e ficção, a arte do encontro. Em relação ao perfil do público contemplado: frequentadores que circulam nos terminais urbanos da cidade de São Paulo. Para se ter uma ideia, uma média de 6,5 milhões de pessoas embarcam diariamente nos 15 mil ônibus que circulam pela cidade. O Terminal Urbano Parque Dom Pedro II, ponto de partida da residência artística da Trupe Sinhá Zózima, é considerado o terminal mais movimentado da cidade, por onde circulam diariamente mais de 200 mil pessoas, atendendo principalmente as regiões Leste, Sudeste e Nordeste da cidade. O Terminal funciona 24 horas todos os 365 dias do ano. Não há feriado. Não há pausa. Trata-se de um fluxo-movimento constante, ação que não finda. Há de se levar em consideração o fato de que além de lidar com um público direto (aqueles que embarcaram efetivamente no ônibus da Trupe Sinhá Zózima para assistir aos espe10 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


Dentro é lugar longe foto: Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 11


táculos) o projeto também lidou um público indireto, que circula pelos terminais e ruas do entorno onde ocorreram algumas cenas. Público que foi provocado de alguma forma, que ficou com a sensação de algo diferente acontecendo naquele espaço tão comum à sua rotina. E essa provocação é também uma semente necessária de ser plantada para que as ocupações dos terminais com arte possam se tornar uma realidade. Com a Trupe Sinhá Zózima, mais do que o ônibus em si, o terminal urbano se tornou uma possibilidade de espaço de arte. Um espaço a ser muito conquistado ainda, sabemos disso. Um caminho longo, mas possível. Semeado. Talvez quem chegue agora não tenha dimensão do que isso representa. Mas aquele que um dia se propôs a embarcar no ônibus da Trupe Sinhá Zózima estacionado na plataforma zero do Terminal Urbano Parque Dom Pedro II com certeza consegue minimamente compreender o que essa conquista significa. Os frequentadores dos terminais, os cobradores, os motoristas, a equipe de operação, a equipe de limpeza do terminal, o rapaz que trabalha no quiosque de doces na plataforma 5, todos os artistas que se apresentaram no ônibus certamente compreendem. O que acontece é um encontro necessário e sem fronteiras. São dez anos de estrada, de conquistas, dúvidas, amores, mãos encontradas, abraços perdidos, crianças paridas, sementes germinadas, partilhas, partidas e chegadas. O ônibus virou casa, o terminal virou possibilidade, a cidade se tornou floresta a ser plantada/cuidada/germinada. Lidia Zózima, mestra artista a quem a Trupe (Sinhá Zózima) pediu licença para dar nome ao seu coletivo/missão, com toda a certeza ilumina esses artistas trupeiros, esses arteiros da lata rodante que seguem e por muitos anos ainda seguirão semeando por uma arte do encontro sem fronteiras. Evoé, Sinhá Zózima.

“Eu nunca tinha participado de uma experiência assim. Achei sensacional. É difícil traduzir em adjetivos, palavras agora o que eu ainda estou sentindo dessa experiência que pra mim foi além do entretenimento. Me tocou, me inspirou, me emocionou.”

Thiago Neri_ após apresentação

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Thiago Neri foto: Cinefoto Colapso

de Cordel do amor sem fim


“O espetáculo é uma explosão de sensibilidade, porque se a gente for pensar a gente está num terminal urbano, numa forma de usar a cidade muito mais alienada e a gente entra dentro de uma máquina e nessa máquina a gente desliga e entra em uma outra dimensão muito sensível e que trata de questões que são comuns a todos nós”

Eduardo Pizarro _ após apresentação de Dentro é lugar longe

Eduardo Pizarro foto: Cinefoto Colapso

“Gostaria que sempre acontecesse isso. A gente sai de um dia cansativo, essa rotina e esse corre-corre de São Paulo é terrível e poder alegrar a mente é muito bom”

Sônia Gonçalves_após apresentação de Os minutos que se vão com o tempo Sônia Gonçalves foto: Cinefoto Colapso TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 13


foto: Christiane Forcinito 14 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


TEATRO NOS TERMINAIS

terminais urbanos

locais de encontro Sacomã

Rua Dr. Audísio de Alencar, 201 bilheteria próximo aos caixas bancários

Cidade Tiradentes

Av. Sousa Ramos, s/n Ao lado do bloqueio na plataforma 1

Parque Dom Pedro II

Av. do Estado, s/n Plataforma zero próximo aos caixas bancários

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Cordel do amor sem fim foto: Cinefoto Colapso

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CORDEL DO AMOR SEM FIM dramaturgia de Claudia Barral ônibus da Trupe Sinhá Zózima 12 anos | 60 min | 30 lugares gratuito | ingressos 1h antes

4 e 5/10_ qua e qui

Terminal Sacomã

9 e 11/10_ seg e qua Terminal Cidade Tiradentes

18 e 19/10_ qua e qui

Terminal Pq. D. Pedro II

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DESCRIÇÃO DO PROCESSO O espetáculo “Cordel do amor sem fim” (2007) foi apresentado mais de 450 vezes em vários estados brasileiros e também no continente europeu. Marca e finca o projeto teatral do grupo num campo experimental: a investigação de um teatro do encontro sem fronteiras. A partir da ousada pesquisa em torno do ônibus como espaço cênico e do estudo sobre a cultura popular, a narrativa sertaneja da dramaturga baiana Cláudia Barral, apresentada num ônibus em movimento, compõe um mosaico paradoxal diante da tessitura urbana e suas mazelas cruciais. Influenciados pela força poética da imagem das águas do rio São Francisco, que banha cinco estados brasileiros, o grupo iniciou uma leitura atenciosa dos textos filosóficos de Gaston Bachelard (1884-1962). Os livros A água e os sonhos, A poética do espaço, A terra e os devaneios da vontade configuraram verdadeiro manancial para o processo de criação cênica. A encenação no ônibus reinventa um lugar outro, em que elementos rústicos tecem o cenário, conjugado à música caipira e aos diversos cheiros dos temperos interioranos.

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Sinopse do espetáculo “Cordel do amor sem fim” narra estórias do universo interiorano. O ir e vir das águas do velho rio São Francisco envolve a vida dos personagens: Teresa, Antônio, Carminha, Madalena e José percorrem as margens do rio, tecendo um trajeto encantatório, como se movimentassem a própria vida no ônibus, onde a peça é encenada. O espetáculo foi apresentado mais de 450 vezes em vários estados brasileiros e também no continente europeu. Veja o vídeo sobre o espetáculo nos terminais. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 19


Maria Alencar e Junior Docini_ Dentro é lugar longe_ foto: Christiane Forcinito

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DENTRO É LUGAR LONGE dramaturgia de Rudinei Borges ônibus da Trupe Sinhá Zózima livre | 75 min | 30 lugares gratuito | ingressos 1h antes

25 e 26/10_ qua e qui

Terminal Sacomã

30/10 e 1/11_ seg e qua Terminal Cidade Tiradentes

8 e 9/11_ qua e qui

Terminal Pq. D. Pedro II

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DESCRIÇÃO DO PROCESSO A criação cênica “Dentro é lugar longe”(2013), com encenação de Anderson Maurício e dramaturgia de Rudinei Borges, teve seu texto apontado pelo crítico Miguel Arcanjo Prado como “um dos mais bonitos apresentados em 2013 pelo teatro paulistano. É poético, fluído e tocante”. Elaborado a partir de história oral dos artistas-pesquisadores da Trupe Sinhá Zózima, a tessitura dramatúrgica é perpassada, sobretudo, por memórias da infância dos narradores, em que lembranças de nascimento e morte são contadas compondo a metáfora da vida como estirada, estrada longa. A vida é desvelada como viagem, caminhada das distâncias, num itinerário em que malas vazias e abarrotadas são carregadas como presentificação de conquistas e de pelejas. A encenação em um ônibus em movimento, característica singular do grupo, potencializa a ideia de viagem, partida que ao mesmo tempo é chegada. A pesquisa foi realizada durante um ano, de 2012 a 2013, e teve como mote uma aproximação dos conceitos de: história oral; teatro e imaginário; teatro e espaço; teatro e cultura popular. Nesse período, o grupo recebeu assessoria do Núcleo de Estudos em História Oral da Universidade de São Paulo (NEHO - USP). Contou também com a assessoria da diretora Eliana Monteiro (do Teatro da Vertigem), da pesquisadora Andrea Cavinato (doutora pela USP) e da Musicista Roberta Forte (pesquisadora em cultura popular). Realizou debates com os pesquisadores Alexandre Mate, Helena Chamlian, José Simões, Sebastião Milaré e Sidnei Ferreira de Vares. 22 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


O espetáculo é resultado de ampla pesquisa realizada pela Trupe Sinhá Zózima no projeto Plantar no ferro frio do ônibus o ninho, contemplado pela 20° edição do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo. “Dentro é lugar longe” estreou com apresentações para os funcionários do transporte público no dia 1º de maio de 2013 no Terminal Parque Dom Pedro II, na cidade de São Paulo.

Sinopse do espetáculo No chão imenso, meninos narram o ir e vir da vida, do nascimento à morte, da peleja à conquista. Entre vindas e partidas, no ônibus em movimento onde é encenada a peça, são contadas histórias tantas. Num ato de valentia, são desveladas, com sagacidade poética invejável, memórias de dor e contentamento. veja o Vídeo sobre o espetáculo nos terminais. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 23


Os minutos que se vão com o tempo foto: Christiane Forcinito

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OS MINUTOS QUE SE VÃO COM O TEMPO dramaturgia de Claudia Barral ônibus de linha | livre | 80 min ingressos: valor da passagem de ônibus

22 e 23/11_ qua e qui_Terminal Sacomã Linha Moema - Terminal Sacomã 5103/10

29/11_ qua_Terminal Cidade Tiradentes

Linha Penha 407N/10

30/11_ qui_Terminal Cidade Tiradentes

linha Metrô Tatuapé 407P/10

6/12_ qua._Terminal Pq. D. Pedro II

linha Terminal Cidade Tiradentes 4313/10

7/12_ qui_Terminal Pq. D. Pedro II

linha Estação de Transferência Itaquera 4310/10 Obs: O espetáculo inicia no terminal antes do embarque e segue dentro do ônibus de linha no percurso de ida até os terminais. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 25


DESCRIÇÃO DO PROCESSO A Trupe Sinhá Zózima, que reside artisticamente no Terminal Urbano Parque Dom Pedro II desde 2009, apresenta seu novo espetáculo “Os minutos que se vão com o tempo”. Com encenação de Anderson Maurício e dramaturgia em processo colaborativo de Cláudia Barral, a criação parte de três eixos de inspirações: os relatos de vida de passageiros do transporte público; a Odisseia de Homero, que conta a longa travessia de Ulisses em seu retorno para casa; e a experiência na caminhada dos próprios artistas pesquisadores que percorreram o percurso da linha 4313/10 (Terminal Parque Dom Pedro II via Terminal Cidade Tiradentes), em 12 horas, das 7h às 19h, da aurora ao anoitecer, em aproximadamente 33 km de caminhada a pé. Artistas em busca de experimentar no corpo a viagem, o tempo, a cidade. Contemplado pela 24ª edição da lei municipal de Fomento ao Teatro para cidade de São Paulo, o espetáculo ocorre em ônibus do transporte público que circulam pelas ruas da cidade. O ônibus da Trupe que, desde 2007, é espaço de investigação, democratização e descentralização do encontro da arte com passageiros, desta vez, e pela primeira vez, é um ônibus de linha, em que os artistas embarcam e propõem construções poéticas junto aos passageiros. Uma narrativa que compõe com a viagem desses passageiros que retornam às suas casas no final do dia. É esse o lugar de nossas navegações urbanas, nele as pessoas dormem, ouvem músicas, olham o trajeto pela janela, às vezes conversam, se conectam ao celular, enviam mensagens, sentam do lado de estranhos. Espaço do nosso 26 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


cotidiano urbano, onde os artistas pesquisadores lançaram perguntas: Quais as viagens possíveis e impossíveis que fazemos ao entrar em um ônibus? Quais os lugares que observamos dentro e fora de nós durante esse percurso? Quais as descobertas, lembranças, angústias, anseios que aparecem em nossas janelas? Quais sensações e paisagens que nos atravessam quando encontramos a cidade, os desejos e o outro? Investigar a impermanência do encontro daqueles que passam por esse veículo de deslocamentos. A busca pelo lugar que é tempo, este que é vida preciosa, e a possibilidade de intervir e desestabilizar as certezas que acontecem no caminho diário, criar fissuras para brotar a arte, a poesia, fio que pode atravessar a casca dura do cotidiano. Alinhavar a malha urbana da qual já fazemos parte. Criação de territórios sensíveis para que a cidade com todas as suas diferenças se encontre e se reconheça, se reconecte. Viajar juntos na tentativa de descobrir outros rumos, lugares e tempos para mesma vida, muitas vezes tão imóvel, mesmo estando sempre em movimento. Neste período de criação, o grupo aportou em terras de saberes e encontros prósperos, que fortaleceu sua jornada e auxiliou a leitura dos diversos mapas que uma mesma cidade pode ter, com esses encontros foram recebidas e confeccionadas ferramentas para interpretar e construir caminhos e mergulhos na malha urbana. A Trupe recebeu assessoria do Núcleo de Estudos em História Oral (NEHO) da Universidade de São Paulo (USP). Contou também com assessoria do diretor musical Luiz Gayotto e da pesquisadora Andrea Cavinato (doutora pela USP). Realizou debates com Andrea Paula dos Santos, APE – Estudos em Mobilidade, Eduardo Okamoto, Gilberto Figueiredo Martins, Marcos Ferreira Santos, Raquel Rolnik, Rodrigo Leite Morais e Ruy Braga.

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Sinopse do espetáculo E se cada minuto fosse uma semente, quantas florestas teríamos perdido? Embarcar rumo à casa, esse lugar dentro de si, é atravessar imensidões, internas e externas, imensidões marítimas, urbanas, íntimas e passageiras. O tempo é vida preciosa, travessia que pode nos ensinar a semear cantigas d’alma, colher sons que vem do coração, cantar a música dos nossos dias. O espetáculo é um caminho que se propõe a acompanhar os passageiros em seus variados destinos. Uma jornada de trajetos afetivos e geográficos, proposto por figuras que alteram as bordas do cotidiano no transporte coletivo, local onde é encenada a peça, onde encontramos seres humanos em construção como tantos, em falta, como todos nós. veja o vídeo sobre o espetáculo nos terminais

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Cleide Amorim_Cordel do amor sem fim foto: Cinefoto Colapso

Mar de gente

por cleide amorim artista-pesquisadora da Trupe Sinhá Zózima TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 29


Quantas paisagens se perdem nas passagens por esse mundo? (Tantas cores!) Quantos mundos cabem dentro desse mundo? (Tantos mundos! Tantos muros!) Quantos mundos cabem dentro do seu próprio mundo? (Todo mundo!) Quantas viagens você faz todos os dias? (Tantas faço… Meus pés grudados no chão, não impedem que minha alma avoe pela imensidão) Quantos pássaros existem na sua alma? (Minha alma é floresta… É viveiro de festas e alegrias! Mas nem sempre ouço o cantar dos encantados…) O que você gostaria de dizer no dia de hoje? Agora? (Talvez… o que eu gostaria de ouvir no dia de hoje… talvez, ouvir...) E por que o calar? Quantas palavras gostariam de explodir pelo céu da boca? (Nem sempre consigo falar… Palavra pode ser flor ou martírio) Por que tantas perguntas? Por que a pressa? Por que a distância? Quantas janelas? Abertas? Espreitas? Por que o silêncio? 30 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


Por que me afogo nas tuas memórias? (Talvez porque sejam suas também… somos ondas… e formamos o mesmo mar…) O mar de gente que navega dia após dia… em busca de algo ou alguém… em busca de si mesmo… (estar nesse lugar, que é de todos e não é de ninguém… que é passagem e passageiro… que é momento e longa viagem… estar nesse lugar é sempre igual e diferente… estar nesse lugar, é estar num mar de gente.)

Cleide Amorim foto: Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 31


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A cidade a contrapelo por Eduardo Pizarro jovem arquiteto e urbanista, doutorando, mestre e graduado pela FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), com atividades de pesquisa e docência na ETH Zurich (Suíça) e na Architectural Association Graduate School (Reino Unido). Premiado nacional e internacionalmente, Pizarro investiga os interstícios urbanos da cidade de São Paulo, em sua potência infraestrutural e em novas formas de pensar e fazer a cidade.

Eduardo Pizarro foto: Cinefoto Colapso

Explosão. De lá pra cá, de cima pra baixo, de baixo pra cima, de dentro pra fora, de fora pra dentro, de dia, de noite, rápido ou mais rápido ainda.... de repente, um inesperado convite descortina aos passantes a oportunidade de experimentar outro espaço/tempo, outro ritmo, outro caminho... juntos, enfim, temos o poder de nos conectar em nossa essência, aos sentimentos que nos são comuns e nos despertam empatia. Por um momento, acordamos da anestesia e abrimos os olhos e o espírito a dinâmicas até então ocultas. Uma explosão de sensibilidade. Quem diria que um não-lugar (AUGÉ, 1992), como um terminal de ônibus urbano, e uma máquina, como um ônibus, poderiam servir de suporte, palco e inspiração para momentos tão sensíveis como aqueles oferecidos à cidade de São Paulo por esse oportuno encontro de artistas batizado como Trupe Sinhá Zózima. Democrática. Ingresso? Palco versus plateia? Dress code? Catraca? Não. Não. Não. E não. Como manifestação gratuita, horizontal, diversa e aberta, os espetáculos da Trupe enfrentam e experimentam outras formas de fazer teatro e, cada vez mais, de se pensar e fazer cidade. Vale dizer que, tornar arte e cultura acessíveis e democráticos não significa, exatamente, oferecer cotas em espetáculos, mas repensá-los. A experiência da Trupe Sinhá Zózima, seja em “Dentro é lugar longe” ou em “Os minutos que se vão com o tempo”, mostra como é possível e potente produzir manifestações artísticas que partem, efetivamente, de um entendimento sincero da realidade urbana, em seus conflitos e potencialidades. E este tipo de aproximação é interessante também na medida em que constitui um termômetro, TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 33


mensurando de forma genuína e espontânea o interesse ou descrença das pessoas, como massa, por questões de coletividade e cultura. Frestas. Apesar de a cidade ser, muitas vezes, vista e lembrada por seus ícones construídos, por sua justaposição egoísta de objetos (JACOBS in Whyte, 1993), o espaço que habitamos cotidiana e coletivamente é aquele que está no meio dessa massa construída. O “entre”, como entidade espacial, é invisível, intangível e, por isso, acaba sendo o que sobra, ao invés de ser aquilo que congrega, conecta e amalgama. Tendo o entre como espaço onde a única finalidade seria não ter fim (GUATELLI, 2012), encontramos nele uma série de potencialidades latentes, que fazem destes espaços intersticiais, enfim, frestas de resistência a serem exploradas, ocupadas, fervilhadas. MOVAcidade. Nascendo de uma parceria minha com o Anderson Maurício e, posteriormente, também com a Leticia Góes, Lisa Gianetti e artistas convidados, MOVAcidade foi pensado como um percurso urbano sobre rodas, sobre trilhos e sobre pés que conecta Leste ao Centro da cidade de São Paulo como forma de questionamento e ressignificação dos nossos deslocamentos urbanos diários. À contrapelo do modo como usamos e fazemos a cidade, buscamos aqui descobrir e recriar dinâmicas latentes e ocultas entre o corpo e a cidade, entre a semente e a terra. Podemos dizer que “mover” é um direito. E, mais do que isso, “mover” é uma forma de resistência e constitui um grande poder que possuímos para a transformação da realidade, mesmo que de forma efêmera. Neste percurso, ocupamos o “entre”, as frestas da cidade e os sulcos da terra, explorando formas outras de viver a cidade, formas livres e em movimento. O que ainda me inflama, me provoca, é ver que a nossa experiência persiste como um caso de exceção e se dissolve facilmente neste aglomerado de objetos estanques e espaços fragmentados. Só nos resta pensar, então, qual o nosso papel como corpo na cidade, como semente na terra? Provoque! Inflame! Como podemos, a contrapelo e coletivamente, repensar e redesenhar uma outra cidade? Vamos a ela. À luta. Juntos.

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Eu e a poesia da Trupe

Maria Alencar foto: Christiane Forcinito por maria alencar artista-pesquisadora da Trupe Sinhá Zózima TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 35


Dentro de um ônibus rodando pelas estradas, quase três dias são consumidos pelo tempo até chegar em São Paulo, os olhos descem primeiro, chegam longe, a rodoviária cheia, um frio de cortar a carne, era mês de junho, o corpo estava ansioso e os olhos corriam com a movimentação da cidade. Cheguei em São Paulo. A jornada havia começando, São Paulo 2006

EU E A POESIA DA TRUPE 2012

Atuar na Trupe é acumular experiência de presença e humanidade. Na Trupe comecei a olhar o teatro com olhos de novata, o espaço de um ônibus para pesquisa cênica permaneceu estranho por muito tempo e, por vezes, ainda é. Mesmo após cinco anos, estar no ônibus é desafiar um movimento, é contracorrente, mas que em cada encontro essa escolha de habitar esse espaço se torna mais real e necessária. A cidade é o que fazemos dela, estar no ônibus é pensar a arte não só pela estética, mas também como um ato político. Atores de ônibus tem a responsabilidade de criar um imaginário coletivo poético do que pode ser o ônibus, do que pode ser a cidade. 2017_ Atores do busão dialogam com o frio do ferro, com o apertado da caixa de lata, com o calor humano, com muito calor humano, com passageiros e com os que escolhem ficar e deixam os minutos irem com tempo, pois a poesia muitas vezes é uma opção para quem escolhem não descer. 2013_ Dentro é lugar longe é o encontro de memórias, uma faísca é acendida dentro de cada participante, os atores são mensageiros de um tempo que já passou, mas que ainda vive em cada um de nós. Conversar com memórias que antes era só uma possível lembrança, quase um borrão, mas que vira palavra, escrita, falada, cantada, dançada e compartilhada, dentro do ônibus em movimento, dentro de uma cidade que é uma máquina de memórias, histórias de vida se misturando com tantas outras dentro e fora do ônibus. Atores contadores de causos - é assim que às vezes me sinto, conto uma história que já foi minha e que em cada apresentação dá vontade de reinventa-la. 2012 (entrei para a Trupe)_ Que seja sem fim esse começo, sem medo de arriscar, perder o medo de arriscar nesse espaço que muitas vezes é acolhedor, mas que também em momentos é hostil. Personagens criados transbordam de dentro para fora do busão, o corredor do ônibus vira sala de casa, a rua é terreiro de casa, quintal, o ônibus e a cidade, cenários que se fundem, ambos em movimento. O barulho do motor é passagem para o novo embalo, para o início da narrativa, do encontro. Descubro o que é atuar todo dia Desaprendo o que é atuar todo dia Terreno efêmero, fios de ar que nos enlaça, Corpo vazio, corpo cheio, corpo presente. 36 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


O fio de ar que sustenta não quebra porque o teatro tem a magia de não ser real, mas constrói encontros verdadeiros. Teatro no ônibus é recomeço, é seguir o fluxo de ar É sopro de vento que vai e volta, vozes em movimento É ação. É encontro.

Maria Alencar_Dentro é lugar longe_foto: Christiane Forcinito

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Nos jardins do aço e concreto

Junior Docini_ Os minutos que se vão com o tempo_ foto: Danilo Dantas 38 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


por Junior Docini artista-pesquisador da Trupe Sinhá Zózima

Uma pequena semente que se planta, fertilizada, fortificada, nascerá. A pequena planta, que cresce sem venenos, sem ódio, amargores; às vezes, com dificuldades, ela florescerá. A mais nova flor, forte, esbanja beleza, com sua juventude, calma e perfumada; ela mudará. A paisagem já não é mais a mesma. O caos é organizado no tempo; e, com tempo, conflitando a aspereza e delicadeza, admiravelmente as coisas se transformam: poesia. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 39


Seguindo a intuição, caminhando, o imponderável leva para outros caminhos; caminhos opostos ou não. Sempre por algum caminho. Às vezes cidade, às vezes rios, às vezes florestas, barro, areia o céu. O céu também faz parte desse caminhar. Tudo nasce, vive e se vai.

Quando a flor vira fruto, quando o fruto é partilhado, quando a repartição gera outras sementes, criam-se doces encontros de noites que não parecem ter acontecido. Ali se trocam as sementes, ideias se misturam. Raízes se fundem com as poesias cantaroladas no espaço, ônibus. Organizam-se meticulosamente; Entre o coração e a boca.

A boca por outrora alimenta o espírito, palavras e Olhar para essa gente de sorriso largo, carinho, de trabalho, de teatro, de ônibus, de conversa, gerando o encontro. de música e de partilha. A vida é encontra-se Rodas que vão rodando e mudando as paisagens, e encontrar o outro. por onde passa enquanto passa. Contemplar as diferentes fases de vida: vida grupo, vida Trupe, As horas voam e o tempo passa... Contemplar as diferentes fases da lua. A noite é nossa, e as tardes também hão de ser. Todas as flores mudam com o mudar da lua. Elas: amadurecem, se energizam, se revigoram e se entristecem.

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Vimos muitas vezes esse entrelaço de raízes. Toda vida tem a sua história. Essa flor completou 10 anos. Essa flor hoje planta sementes no concreto da cidade. Sementes de muitas histórias que ainda estão por vir. Por um teatro do encontro, E por muitas histórias para descobrir!


Junior Docini foto: Christiane Forcinito

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E para que todos nós sejamos felizes

por amanda azevedo assistente de produção da Trupe Sinhá Zózima

Amanda Azevedo foto: Priscila Reis 42 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


Chego com sede para experimentar esse mun- o trabalho é feito de dentro... É por meio do codo que pouco sei ainda. O convite chega de surpresa... lher que vemos a história de quem nunca assistiu teatro, do senhor que chorou com as palavras da Abraço. Chego carregando uma mala cheia de história pronta para ser partilhada e aberta para enchê-la com mais momentos/memórias. Chego como a menina sonhadora, a menina que só o queria um lugar para si, uma menina com o coração imenso e a alma vasta. Hoje, sou essa menina, mas também essa mulher que se descobriu ao longo do ano. A produção me ajudou não só a entender como realizar um evento ou produzir um espetáculo, mas muito além disso. Uma vez um mestre me disse “O encontro, transforma. Se a nossa criação, seja qual for, não modificar, acrescentar à vida então não vale a pena fazer por fazer”. Vejo-me muito nessas palavras e possivelmente compreendo-as hoje com mais precisão. Produzir, me ajudou a ir ao encontro com a mulher que eu sempre duvidei ser, da mulher que acreditei não existir. Foi enfrentando os desafios da produção que pude assim, enfrentar os medos que não foram superados na magia dos palcos, os medos que a gente carrega dentro, no mais profundo. Hoje, reconheço a minha mulher, vejo-a como alguém que descobriu sua voz, sua força. Às vezes a gente acha que não vai conseguir dar conta, que vai enlouquecer, da vontade de desistir, mas não sei por qual motivo, continuo. Talvez porque a resposta do que fazemos faz a gente olhar com carinho para o trabalho árduo. É através da resposta que se é possível ver o quanto é importante produzir, o quanto é especial quando

atriz, com a criança que ganha o balão e sorri como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo. Está em saber que produzir não se trata de ser apenas um acumulador de tarefas, mas parte de algo imenso, do tornar real o sonho. É neste momento em que me encontro com as minhas metades... A menina e a mulher. A menina sempre vive dentro de cada um de nós, não podemos deixar apagar o seu brilho por conta do passar dos anos. Mas a mulher a gente vai descobrindo aos poucos, vai reconhecendo, ás vezes não é fácil crescer, dói a maior parte do tempo, mas tem um momento que passa a não doer tanto e então não há quem faça a menina e a mulher se separarem. Sou extremamente grata por tudo que aprendi e aprendo até o momento. Agradeço aos mestres, a casa/ônibus que acolheu essa menina que mal sabia para onde se ir. Posso dizer que o encontro com esse ônibus/lar foi um presente, pois foi através desse encontro que foi possível imaginar/sonhar e enxergar novos caminhos. Se pudesse descrever o sentimento de gratidão que sinto, diria que é como ver a cor amarela pintada em uma tela branca, ou sentir o calor do sol depois de um dia frio. A gratidão tem muitas formas, muitos jeitos, é um presente, um acalanto, não tem explicação. “Para o todo, para a terra. E para que todos nós sejamos felizes”. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 43


Entre 10, 17 e encontros por Jonathan Araújo assistente de produção da Trupe Sinhá Zózima

Vivemos um período da história onde as pessoas estão buscando o encontro, nunca tinha pa-

rado para pensar nessa possibilidade, mas essa afirmação tomou muita força quando eu entrei para a Trupe Sinhá Zózima, nesse ano de 2017. O encontro vai muito além do estarmos reunidos com outras pessoas; o encontro é poder florescer e ser quem nós precisamos ser. Poder fazer parte desse grande encontro que são os 10 anos da Trupe é um enorme presente para mim. Meu atual momento é de encontro. Ter 17 anos e escolher a profissão a ser seguida é uma das responsabilidades mais importantes que eu já tomei. E poder dizer que a Trupe tem me ajudado nesse momento de encontro é muito bom e ao mesmo tempo um alívio. Nesse exato momento estou sentado em minha cama, digitando essas simples palavras, sobre como é estar na Trupe... Às vezes o silêncio já preenche tudo o que eu poderia dizer. 44 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


Parando para pensar nesse exato instante, que, quando eu tinha 7 anos de idade a Trupe já iniciava os seus primeiros encontros é uma loucura, nunca pensei me encontrar com eles. E o tempo se plantou, em alguma terra fértil que não sei onde se localiza, a imaginação toma conta disso e o destino colheu nesse encontro. Estou repetindo inúmeras vezes a palavra encontro, mas fique tranquilo, essa palavra será a que mais irá aparecer nesse texto. Quando eu comecei a trabalhar como estagiário na Trupe tudo era muito novo. E muitas coisas ainda são. Me encontrava muito perdido, mas, como eu disse, quando a vida nos entrega encontros, simplesmente os abrace – e foi o que eu fiz. Me sinto muito acolhido. Nunca me faltaram respostas e paciência para explicar as inúmeras tarefas que nunca param. A Trupe Sinhá Zózima é de fato o encontro de gerações, pessoas de idades diferentes conseguem trabalhar com tranquilidade e isso é enriquecedor para mim como pessoa e como profissional em desenvolvimento. Hoje, voltando para casa, notei as pessoas, na verdade eu me encontrei em cada uma delas, o encontro vai muito além do estar reunido, me encontrei na moça que estava com dificuldade em passar o bilhete na catraca, no senhor de idade que estava ao meu lado olhando toda hora para seu relógio, no motorista cansado, em cada corpo que ocupava um espaço na lotação. Nunca pensei que iria reparar nessas pessoas, nunca pensei que iria me encontrar nelas, mas isso é apenas um “causo” dos encontros. Se meu coração pudesse viajar, ele iria ao encontro. Mario Quintana dizia que não importa ter respostas certas, mas que o que importa é ter as perguntas certas; errar não é um problema e quando eu entendi que erros podem acontecer, partindo do ponto da produção, eu me senti mais tranquilo. Dez anos, uma década, quantas coisas já não aconteceram? Sou grato por esse encontro que começou, grato por poder conhecer essa história de resistência e existência. Fazer parte da equipe de produção da Trupe é ter entrega, é aprender, é errar, é se descobrir um pouco mais a cada dia. Que venham muitos encontros e que sejamos gratos por aqueles que aconteceram.

Jonathan Araújo foto: Larissa Torres TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 45


Tatiana Nunes foto: Christiane Forcinito

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Como assim? Como assim? Dez anos que voaram. Trupe, lembro-me de ti engatinhando. Através de sonhos, de labutas, de persistência e resistência que vieste e permaneceste. No tempo em que se festeja um punhado de anos, Apunham-se também grandes desejos, silenciosas saudades, inúmeras lembranças. Na grande lata, a casa antiga, esse lugar dentro de ti. O barco no cais, o barco à deriva, o barco que segue. Um cérebro, mergulhado onde navegam lampejos, dentro dele vivemos, dentro dele choramos, dentro dele cantamos, reunimos amor, amizade, esperanças e vontades.

por tatiana nunes artista-pesquisadora da Trupe Sinhá Zózima

Dez anos que voaram. O tempo agora parece diferente. Ele passa depressa. Quase não percebemos. Mas o que pode ser o tempo, não é mesmo? Dez anos que voaram. Demorados, alterados por histórias contadas, lembradas, esquecidas e guardadas no porão da vida. Que essas histórias circulam como as rodas da lata rodante, porque tudo que é circular não tem fim, é sempre recomeço. Recomecemos então mais uma década. E que no cordel da vida que há dentro da gente, cada minuto se torne uma semente. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 47


10 anos da Trupe Sinhá Zózima sobre encontros, meios de produção e futuro por Larissa Biasoli produtora cultural e captadora de recursos

Inicialmente, quero dizer da honra e do prazer em poder escrever sobre a Trupe Sinhá Zózima e seus 10

anos de existência. Nossos encontros, sempre únicos e produtivos, são motivo de muita alegria! Vou me apresentar: sou Larissa Biasoli, produtora cultural e captadora de recursos. Conheci a Trupe Sinhá Zózima em 2011. Nessa época, eles me chamaram para uma consultoria breve, de 2 encontros, para falar dos projetos que eles estavam escrevendo e trabalhando. Foi minha primeira assessoria do tipo, algo que há tempos desejava fazer e que hoje acontece mensalmente na minha vida profissional. Portanto, foi um evento que me marcou bastante e trouxe muitos aprendizados. Éramos todos jovens, destemidos, realizando encontros no centro de São Paulo para trocar saberes e questionamentos, falar de estratégias e organização de meios de trabalho de produção de grupo. A Trupe tinha apenas 4 anos, mas já sinalizavam muita determinação, força de vontade, foco. E, dentro da minha experiência com a área de produção cultural, outras 2 características essenciais para o trabalho de produção em teatro: perseverança e desejo de aprender com o outro. Nos nossos encontros entendi que a minha função era de ouvir, analisar e provocar, trazer indagações sobre processos e mostrar caminhos possíveis. E assim foi e, logo em seguida, eu fui: deixei São Paulo por 2 anos para fazer um mestrado em administração de artes e diplomacia cultural no Reino Unido. Retornei ao Brasil em 2013, quando abri minha produtora, e continuei meu trabalho gerindo projetos de diferentes segmentos artísticos. E no meu cotidiano sempre acompanhei e me encantei com as notícias sobre os novos espetáculos da Trupe, as conquistas de editais e prêmios, a evolução do trabalho com espetáculos dentro do ônibus e a conquista do território dos terminais como locais de apresentação 48 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA


cultural. Foram 6 anos até nossos caminhos se cruzarem novamente. Em maio de 2017 retomamos contato para falar sobre um tema ainda pouco explorado por grupos de teatro de pesquisa de São Paulo: captação de recursos via leis de incentivo fiscal. Me senti e me sinto acolhida e valorizada por terem me chamado para conversar sobre o tema. E mais uma vez a iniciativa partia da Trupe, aquela condição sine qua non para quem deseja se manter ativo: não ter medo de aprender sobre o novo. O primeiro encontro foi de atualizações e de longas conversas: um momento importante de reconhecimento do outro, de identificação e de olho no olho. Foram mais de 3 horas de diálogo dentro do escritório-ônibus, casa escolhida por eles e muito propícia para a ocasião, e que me mostrou como o caminho que a Trupe havia traçado tinha deixado marcas positivas e importantes na postura do trabalho e nos encontros com profissionais de diversas áreas. Eu sempre os vi como um grupo agregador, e neste dia do reencontro isso se materializou nas histórias que me contaram de desafios superados, conquistas de espaços e entendimento do teatro que eles fazem e desejavam continuar fazendo. A partir dessa nova oportunidade juntos tracei um plano de trabalho de consultoria que dialogava com os anseios da Trupe, e montei um cronograma de atividades para eles desenvolverem e pensarem, pois, a questão da produção de grupo para eles era central: queriam desenvolver planos de curto, longo e médio prazo, ou seja, ao

foto: Christiane Forcinito

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celebrar 10 anos de caminhada, queriam explorar as possibilidades de pensar os próximos 2, 5, 10, 15 anos. Ao realizar este trabalho de organização e sistematização encontrei na Trupe profissionais experimentados em suas áreas e que buscavam um exercício de reflexão guiado, um observador capaz de orientá-los a terminar o tracejado do mapa que eles já haviam começado com seus projetos como “Arte Expressa”, “Plantar no ferro do ônibus o ninho” e “Semear _ por uma arte de encontro sem fronteiras”. Mais especificamente encontrei uma produtora experiente e desenvolta em Tati Lustoza e um diretor de teatro e articulador de ideias em Anderson Maurício. E em ambos encontrei agregadores de ideais, de pessoas e de arte. Iniciamos então um período muito rico de análise do trabalho já realizado por eles, pois se fazia necessário um olhar e um ouvido distanciado para poder apontar e valorizar os acertos, e dar acesso a novas formas de entendimento do material produzido ao longo destes 10 anos. Pensando nos breves encontros de 2011 versus a consultoria estendida de 2017, posso dizer que o amadurecimento da Trupe foi notável, e que o norte da bússola deste grupo é muito claro: continuar transformando a cidade através do oferecimento de encontros cotidianos entre os cidadãos e a arte, agora disseminando seus projetos pelo interior do estado de São Paulo e ensinando sua metodologia original de apropriação de espaços urbanos como locais de expressão artística. A competência com que Anderson e Tati desenvolvem suas ideias e organizam as suas formas 50 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA

de atuação junto ao poder público e a iniciativa privada para realizar os espetáculos e planejar seus projetos é extraordinária e precisa ser compartilhada para além de São Paulo (capital), pois a potencialidade que eles criam através das atividades e espetáculos realizados no ônibus-sede pode e deve ser desenvolvida por outros coletivos artísticos. Portanto, compartilho aqui que escrever sobre a produção da Trupe Sinhá Zózima traz muita satisfação e me remete a falar sobre um meio de transporte de ideias, de arte, de cultura, de pessoas e relacionamentos que está sempre em movimento e que tem seu caminho muito bem traçado para seguir por mais inúmeras décadas. Este meio de transporte está com seu motor de desenvolvimento de ideias a todo vapor e já aponta 2 novos promissores projetos de expansão, que estão sendo planejados com todo o cuidado para unir o administrativo/burocrático ao criativo, lembrando sempre de colocar as pessoas envolvidas em primeiro lugar, e mais, já trazem em suas raízes a ideia de sustentabilidade e compartilhamento, princípios fundamentais para a longevidade da Trupe e de seu trabalho. Ou seja, o futuro da Trupe está traçado, e vai ser conduzido por um meio de transporte que sabe para onde quer ir e que possui muitos assentos e vagões para abrigar diversos passageiros durante o trajeto. Evoé Trupe Sinhá Zózima!


foto: Priscila Reis

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Ficha técnica Trupe Sinhá Zózima 2017 Coordenação e encenação Anderson Maurício

Motorista Wilson dos Santos

Produção Geral Tatiane Lustoza

comunicação Paula Venâncio

Assistentes de produção Amanda Azevedo Jonathan Araújo

fotografias Christiane Forcinito Cinefoto Colapso Danilo Dantas priscila reis

Artistas pesquisadores Anderson Maurício Cleide Amorim Junior Docini Maria Alencar Priscila Reis Tatiana Nunes Tatiane Lustoza

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Audiovisual Cinefoto Colapso

Designer Deborah Erê Desenhos Deborah Erê Guilherme Kramer lucas lopes


Contatos

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apoio institucional

realização

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O renascer está de volta. Não após três dias. E não é ressurreição e sim renascer. O nascer de novo. O renovar. Tornar novo novamente. Que a festa seja feita, que a felicidade nos transborde. E sorrisos sejam arados. Semeamos. Plantamos. Cuidamos. A Festa já vai começar. Pois o festejar é cantar a vida. O festejar é cantar amor.

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