Trocados n.1

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J.G. BALLARD

Gorrell empurrou as venezianas, e eles se aglomeraram em volta da janela encarando a noite. Abaixo, gramados cor de chumbo se estendiam em direção a pinheiros e colinas na distância. A alguns quilômetros de distância à esquerda, um sinal neon piscava e acenava. Nem Gorrell nem Lang sentiram qualquer reação, e seu interesse começou a diminuir em alguns momentos. Avery sentiu uma súbita euforia no coração, mas depois se controlou. Seus olhos começaram a examinar a escuridão; o céu estava claro e sem nuvens, e por entre as estrelas distinguiu a forma transversal estreita e láctea da orla galáctica. Observou em silêncio, deixando o vento refrescar o suor no seu rosto e seu pescoço. Morley chegou perto da janela e apoiou os cotovelos no peitoril ao lado de Avery. Do canto do olho, aguardava cautelosamente qualquer sinal de contração nervosa – uma pálpebra tremulante, respiração acelerada – que indicasse uma descarga de reflexo. Lembrou do aviso de Neill: “No Homem, o sono é em grande parte voluntário, e o reflexo é condicionado pelo hábito. Mas só porque nós cortamos os ciclos hipotalâmicos que regulam o fluxo da consciência não quer dizer que o reflexo não se descarregará por outras vias. No entanto, cedo ou tarde, teremos de tomar o risco e lhes permitir um vislumbre do lado obscuro do sol.” Morley estava refletindo sobre isso quando algo cutucou seu ombro. – Doutor, – ouviu Lang dizer. – Doutor Morley. Recompôs-se de sobressalto. Estava sozinho na janela. Gorrell e Avery já estavam na metade do próximo lance de escadas. – O que foi? – Morley perguntou rapidamente. – Nada, – Lang lhe assegurou. – Nós só vamos voltar pro ginásio. – Olhou Morley com atenção. – Você está bem? Morley esfregou o rosto. – Meu Deus, eu devo ter caído no sono. – Olhou para o relógio. Quatro e vinte. Eles ficaram olhando pela janela por mais de quinze minutos. Ele só se lembrava de ter se apoiado no peitoril. – E eu aqui preocupado com vocês. Todos acharam engraçado, especialmente Gorrell. – Doutor, – falou, a voz arrastada, – se você estiver interessado posso te recomendar um bom narcotomista. Depois das 5:00, sentiram uma diminuição gradual da tensão muscular nos músculos dos braços e das pernas. As desobstruções renais estavam caindo e os produtos de decomposição estavam vagarosamente entupindo seus tecidos. As palmas das suas mãos estavam úmidas e dormentes, as solas dos pés pareciam estofas de uma esponja de borracha. A sensação era vagamente inquietante, mas não incluía sensações de fadiga mental. O torpor se espalhou. Avery sentiu a pele das maçãs do rosto se esticando, puxando suas têmporas, dando-lhe uma leve dor de cabeça frontal. Virava obstinadamente as páginas de uma revista, suas mãos como pedaços de massa de vidraceiro. Então Neill chegou, e eles começaram a voltar à vida. Neill parecia estar revigorado e ajeitado, saltitando nas pontas dos pés. 13


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