Tribuna do Norte - 30/06/2013

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Natal • Rio Grande do Norte Domingo, 30 de junho de 2013

natal DIVULGAÇÃO

NELSON MATTOS FILHO avoante1@gmail.com

S

e me perguntam qual o motivo de meu encantamento com a Baía de Camamu confesso que fico sem uma resposta precisa, pois tudo ali me fascina. Não me canso de falar daquele pedacinho de paraíso, mas hoje tenho um motivo especial, porém, carregado de tristeza. Quem acompanha esse Diário do Avoante deve estar familiarizado com uma Senhora que sempre citei como um dos pilares do farol que norteia o Avoante por aquelas bandas. De fala mansa, andar mais do que devagar e olhar brilhante que a tudo observava. Foi por ela que um famoso aviador escritor, vindo lá das bandas da França, perdeu o rumo do tempo e passou alguns meses com seu avião pousado na Ilha do Campinho e depois, sem se fazer de rogado e gostando do que viu, fez do local uma de suas paradas técnicas. Saint-Exupéry é seu nome e Onília sua paixão. Quem chegava a Ilha do Campinho e escutava aquela história, contada na maior tranquilidade do mundo, era tentado a duvidar e até a achar que era uma fantasia barata de alguma impostora em busca de fama. Mas eu mesmo nunca me dei o desprazer de desacreditar, pois sou um saudosista inveterado e amante de histórias simples como a vida. Aquela era uma história tão bela quanto instigante, porém, cheia de fatos concretos e que até os dias de hoje exala perfume entre as arvores daque-

VIVA! A BAÍA DE CAMAMU TEM UM ANJO

le lugar. Tudo ainda está lá fazendo parte da paisagem: A casinha do aviador, o que restou do campo de pouso e até as arvores onde ele descansou ao relento. Para mim, nenhum relato da passagem de Saint-Exupéry no Brasil está completa se não tiver referências a Onília Ventura. Como também era inconcebível velejar naquele mundo de natureza sem conhecê-la. As referências bibliográficas ainda podem ser feitas, mas conhecer, entrevistar e sentar naquela varanda

de paz, as margens das águas mágicas da Baía de Camamu, para um delicioso bate-papo com Dona Onília não pode mais. Ela que tantas vezes fez parte desse Diário e pelas minhas palavras carinhosas levou alguns leitores a ter o sonho de conhecê-la. Ela que naquele caminhar suave e macio me fazia entender outros sentidos para a vida. Ela que num lampejo de olhar sempre anunciava a nossa chegada, mesmo quando estavamos a algumas milhas da ancoragem. Ela que a todos acolhia

com o coração enorme e os braços abertos a um abraço. Ela que um dia recebeu a visita da filha do aviador escritor, para noticiar a sua morte e querendo saber se era verdade que ele havia tido um filho com ela, e ela apenas desejou que ele estivesse com Deus, informando também que nunca teve filho e que o aviador apenas enamorou com ela e nada mais, pois não estava pronta. Na parte do "não estava pronta" é melhor a gente achar graça do que duvidar. Ela agora é apenas um anjo.

Para mim a Baía de Camamu nunca mais será a mesma. Vai faltar aquela voz macia e aquele caminhar a passos lentos sobre a trilha entre a sua casa e a casa de sua irmã Aurora. A sua casinha amarela, lambendo as águas, espero que perdure por muitos anos sobre a paisagem, pois ali moram os arquivos de uma história. Vai ser difícil olhar para a sombra da varandinha e não mais avistar sua presença. Não sei como vou continuar sentando sob aquela varanda ventilada apenas para olhar o

mundo e sentir a pulsação da natureza. Juro que não sei. Na última vez que estive em Camamu fiz tudo para não ir vêla na casa de sua sobrinha. Sabia de seu estado debilitado, mas meu coração não queria ter aquela prova. Quando levantei âncora olhei para a casinha amarela com um aperto no fundo da alma, pois tinha certeza que nunca mais veria a sua moradora. Poderia ter feito à última foto. Poderia ter dado um último abraço. Poderia ter dado um último adeus. Poderia ter feito um monte de coisas, mas apenas escutei os relatos de Lucia, que foi visitá-la, e me calei. Onília Ventura se foi do mesmo modo como viveu a vida: Suave, tranquila e sorrindo. Desembarcou do barco da vida por que quis e por ter vivido em paz uma idade indefinida. Coisa que ninguém e nem ela mesmo sabia ao certo. Simplesmente deixou de comer, de beber água e de querer ajuda para tal. Para ela estava bom e ponto final. Onília, você que tantas vezes frequentou esse Diário, saiba que nunca viraremos a página de sua vida. Você faz parte de nossa história a bordo do Avoante e por isso sempre será lembrada com alegria e carinho. Vá em paz minha amiga, conselheira e professora de um modo de vida que nunca imaginei que pudesse existir. Vá em paz e lá do seu novo cantinho, continue olhando e zelando por aquele pedacinho de paraíso chamado Ilha do Campinho.


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