2013_Interventi_10_Betania

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viagem, apontando para o abandono da primeira poesia mais modernista ou instintiva por outra mais clássica, alimentada pela vivência europeia: Murilo, portanto, antes no Rio, numa natural evolução, e depois na Europa, por evidentes reflexos de um mundo histórico e cultural mais rico de memórias e menos instintivo, foi aos poucos descobrindo – sem se trair ou se renegar – um classicismo incomum.

A aproximação de Jacobbi a Stegagno Picchio torna perceptível em ambos, nesse momento, o esforço em definir algumas fronteiras na obra e na vida de Murilo que sejam capazes de inaugurar uma fase europeia para o poeta. Nos dois casos – mas também no de Chiocchio e de Puccini –, a contribuição do próprio Murilo Mendes não é desprezível. Nas conversas que o poeta manteve com os críticos e amigos com certeza terá sugerido um modo de ser visto e de ser lido – é crítico de si mesmo –, em contraste com as interpretações consagradas e na contramão delas. Tanto Stegagno Picchio como Jacobbi procuram frisar a distância que o Murilo atual mantém em relação ao primeiro Murilo – o dos poemas-piada, irreverente, modernista de primeira-hora –, substituindo-o por um poeta mais severo, mais clássico – o qual, se por um lado só é fiel à própria procura da poesia (que é sempre revelação) e à construção de uma poética própria (Stegagno Picchio), por outro é um humanista identificado com certa esquerda católica (Jacobbi). Há ainda um último grupo de leitores especializados, e de peso, a ser considerado. A coletânea de poemas organizada por Jacobbi Liricos brasileiros despertará a atenção de um leitor especial, o crítico Oreste Macrì, professor de Literatura e Língua Espanhola da Faculdade do Magistério, em Florença, a partir de 1954. Ao seu redor reuniram-se poetas e críticos. Foram extremamente ativos, organizando revistas, reunindo-se em grupos, escrevendo para jornais e revistas, na divulgação daquilo que hoje chamaríamos de uma perspectiva comparatista da literatura. Oreste Macrì, Carlo Bo e Ruggero Jacobbi – ao lado de outros – são nomes que definem um universo crítico preciso: o da crítica e da teoria da poesia hermética, da poesia lírica moderna. O elo que vincula críticos e poetas é a poesia moderna e o catolicismo, ou o espiritualismo encontrado a partir do catolicismo entendido como parte integrante do grande projeto civilizatório do Ocidente. Na verdade, é tamanha a crença no poder regenerador, renovador da poesia – a poesia pura por excelência, da alta tradição moderna europeia – que é possível ver nessa crítica também um princípio de fé, que unifica poesia e ética em defesa de grandes valores, entrevistos e propagados pela intensa discussão das formas da tradição da poesia, pelo menos até o momento das guerras.


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