Revista CNT Transporte Atual - Fev/2008

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CNT TRANSPORTE ATUAL

EDIÇÃO 150

“O país começou a se interligar (...) A chegada da Corte inaugurou a era dos transportes no Brasil. A partir daí, começa a haver estrada e navio a vapor”

dança fundamental com a vinda da família real? Os transportes ainda eram muito incipientes no Brasil daquela época. No livro, não há um capítulo dedicado ao setor de transportes, mas esse assunto planeia quase todos os capítulos. Eu, por exemplo, falo sobre como eram as viagens marítimas. Os navios da época eram cápsulas de madeira hermeticamente fechadas para a água não entrar, não tinha refrigeração, ar-condicionado. As viagens eram torturantes do ponto de vista dos passageiros, demoradas, tinha o problema das calmarias na região do Equador, fazia muito calor, com muita praga a bordo, piolhos, pulgas, baratas. Os alimentos se estragavam com facilidade. Falo muito da falta de estradas. Havia uma lei, na época da Colônia, no começo do século 18, que proibia a construção de estradas no Brasil. O motivo oficial era combater o contrabando, especialmente de ouro e diamantes. Existiam vias oficiais de escoamento de pedras preciosas, como a Estrada Real de Diamantina e Paraty. E era ali que ficava a fiscalização para assegurar que o quinto real seria cobrado. Mas, na prática, os portugueses queriam evitar que houvesse uma integração

na Colônia a ponto de permitir o surgimento de um sentimento de identidade nacional. Era uma política deliberada de manter as províncias isoladas para facilitar o controle centralizado em Lisboa.

Portugal havia se rendido. De maneira que Portugal ganhou na América uma guerra que ele havia perdido na Europa. Isso é muito curioso por causa da dificuldade de comunicação e transporte.

Como esse isolamento, sem transporte adequado, refletia-se na época? O isolamento dificultava a comunicação entre as províncias. O transporte de mercadorias e pessoas era feito em tropas de mula, tudo muito demorado. Os tropeiros eram pessoas emblemáticas do Brasil Colônia. São Paulo era um ponto de passagem dos tropeiros. O poncho que hoje virou uma característica do gaúcho era usado originalmente em São Paulo.

Como se deu a decisão de mudar essa história? A decisão de abrir estradas foi tomada pelo dom João na escala em Salvador. Ele revogou a lei, de 1733, que proibia a construção de estradas. Em 1809, é aberta uma estrada cerca de 800 km entre Goiás e a região Norte do país, o que é mais ou menos o percurso da atual Belém-Brasília. Depois, foram abertos caminhos em Minas, Espírito Santo, Bahia, norte do Rio de Janeiro. Tem a Estrada do Comércio, ligando as cidades do Vale do Paraíba, que hoje é basicamente o percurso da Via Dutra. Ela reduziu praticamente pela metade o percurso entre São Paulo e o sul de Minas. O país começou a se interligar. Teve a navegação a vapor, que foi inaugurada em 1818 por um sujeito chamado Felisberto Caldeira Brant, futuro Marquês de Barbacena. A chegada da Corte, na verdade, inaugurou a era dos transportes no Brasil. O que havia antes era navegação de cabotagem e tropas de

O problema do transporte complicava a comunicação também?. Há um caso curioso na província do Rio Grande do Sul em relação à guerra da Espanha com Portugal em 1801. A notícia demorou tanto tempo para chegar ao Brasil que, quando ela chegou, Portugal já tinha perdido a guerra. Mas, sem saber disso, um capitão gaúcho invadiu a Argentina, conquistou uma vasta área para Portugal e só depois soube que

mula, navegação fluvial dos bandeirantes. A partir daí, começa a haver estrada e navio a vapor. As grandes vias de comunicação foram desenhadas nesse período. A vinda da família real atrasou politicamente o Brasil, já que no início do século 19 eram fortes as idéias do Iluminismo? Depende de qual Brasil estamos falando. O Brasil que temos hoje, de dimensões continentais, integrado, ele não existiria sem a vinda da Corte. Sem a vinda da Corte, de acordo com um historiador, a República chegaria mais cedo e também a independência. Mas o Brasil seria vários países independentes. Um na região do Grão-Pará. Outro, no Nordeste, provavelmente com a capital em Salvador. Um terceiro no Sul-Sudeste e, talvez, um outro no Sul com a República Farroupilha. Há os prós e os contras. O Brasil seria mais contaminado pelas idéias iluministas, o que apressaria a Independência e a República, mas seria uma constelação de repúblicas menores sob a liderança regional da Argentina, que seria a potência de hoje. E não seríamos pentacampeões de futebol. ●


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