Vozes dos poroes

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Parte II - Na contramão

Imposição e negação Entretanto, ao mesmo tempo em que se estabelece uma única e correta língua padrão que todos devem falar — e escrever — e cujo aprendizado não ocorre na espontaneidade do falar cotidiano, mas na instrução escolar, esta língua é negada à imensa maioria da população. Esta contradição não é acidental ou uma imperfeição do projeto; ao contrário, ela é um elemento fundamental do funcionamento da língua como mecanismo de dominação. No Brasil, isto se torna evidente, sobretudo, a partir do século XIX, quando as políticas nacionais de educação começam a se desenvolver. Uma das primeiras tentativas neste sentido foi a Lei de 15 de outubro de 1827, que estabelecia a obrigatoriedade de criar escolas de primeiras letras em todas as vilas e cidades do país, e que tinha entre seus objetivos a unificação da língua nacional. Entretanto, a lei proibia explicitamente a educação para os escravos. Mais tarde, em 1878, quando a abolição da escravatura já era iminente, o Decreto nº 7.031 estabeleceu que os negros só poderiam estudar à noite. Nestas últimas décadas do século XIX, as populações urbanas cresceram dramaticamente com um aumento importante da migração das áreas rurais e a chegada de grandes quantidades de negros pobres à procura de empregos, depois de uma abolição feita sem qualquer consideração pelo futuro dessas populações. Esta crescente presença de negros e pobres nas cidades provocou o medo das elites, suscitando respostas no sentido de “civilizar” e controlar as classes consideradas perigosas. As teorias de determinismo social e racial da época apontavam para as tendências “naturais” ao crime, por parte das raças consideradas inferiores e daqueles que cresciam em um meio “não propício” para o desenvolvimento de valores morais (ou seja, os pobres). Surge assim uma visão “civilizadora” que contempla uma educação para duas populações claramente distintas, com objetivos muito diferentes: as crianças das classes pri131


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