TESTEMUNHOS DA MARÉ
Regulação das relações sociais no território
No início dos anos 1990, na Maré, um adolescente de aproximadamente 16 anos de idade foi pego pelos traficantes, amarrado a um poste, espancado na frente da mãe e assassinado em seguida. Tudo à luz do dia. Seu crime: entrara em uma casa na favela, assassinara uma senhora que cuidava do neto e roubara o domicílio. A esmagadora maioria da população de Nova Holanda concordou com a atitude, embora não aprovasse, necessariamente, as ações dos jovens do tráfico, como a tortura, que visava a transformar a punição em um ato exemplar. O princípio que sustentou a concordância é o mesma que, em certa medida, legitima os grupos criminosos armados: a questão da regulação das relações sociais no espaço local. Os moradores sabem, por experiência, que crimes na favela, mesmo assassinatos, não são investigados pela polícia. Assim, a “complacência” com um crime daquela natureza decorre do temor de que a vida no território local se tornasse ingovernável. Há uma racionalidade inquestionável na prática dos traficantes e dos moradores, muito similar à expressa pelo adolescente: ele, muito provavelmente, sabia que a pena para o ato de roubar dentro da favela é, em geral, a morte; nesse sentido, é provável que o temor de ser executado tenha sido, justamente, o elemento que o levou a cometer o assassinato. Nesta mesma linha, é sabido que a maioria da população carioca defende a manutenção da atual política de combate ao tráfico de drogas nas favelas, apesar do imenso custo social que isso representa. Uma das explicações para a posição é que, caso isso não fosse feito, os traficantes dominariam a cidade. Há, no caso, um completo desprezo aos direitos fundamentais dos moradores das favelas e total desconsideração da premissa fundamental de que qualquer política de segurança deveria priorizar a proteção da vida dos cidadãos.
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