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Poesia Revoltada
Na obra dos rappers estudados aqui, é possível perceber frestas por onde se revela, mais que a crítica ao modelo vigente, o sonho de uma outra possibilidade de nação, como se pode depreender do rap de Gog: não, meu mundo não é esse aqui. O meu é um sonho ainda a construir (Gog: Prepare-se).
O Racionais expressa isso de forma contundente quando canta “eu vou procurar/ sei que vou encontrar/ a minha fórmula mágica da paz” (Racionais: “Fórmula mágica da paz”), ou então em “Mundo mágico de Oz”: Sair um dia das ruas é a meta final/ viver decente sem ter na mente o mal/[...] será que Deus tá provando minha raça?/ Só desgraça/[...] é preciso morrer pra Deus ouvir minha voz? ou transformar aqui no mundo mágico de Oz (Racionais: Mundo mágico de Oz).
Em ambos os casos, é fácil detectar como a aridez do mundo que o rapper percebe nas suas composições só autoriza uma solução se for por meio de algo além da capacidade e da compreensão humana, de algo impalpável, do campo do impossível ou do divino. Em “Gênesis”, Mano Brown declama: Deus fez o mar, as árvores, as crianças, o amor. O homem me deu a favela, o crack, a trairagem, as armas, as bebidas, as putas.
Acontece que o rapper vive no mundo dos homens, onde raramente acontecem milagres. Por isso, na maior parte do tempo o rapper canta a dureza da vida nas periferias dos centros urbanos. Dureza que se reflete nas palavras que o rapper escolhe para compor suas canções. Já assinalei anteriormente que os fonemas oclusivos, com destaque para o surdo /p/, têm uma presença marcante em algumas letras de rap, notadamente nas de MV Bill. Certamente isso acontece porque palavras de uso recorrente no rap, como “preto”,